Nível de dependência de idosos e cuidados no âmbito domiciliar
PESQUISA
Nível de dependência de idosos e cuidados no âmbito domiciliar
Dependence level of elderly and care in the household scope
El nivel de dependencia de ancianos y la atención en el contexto domiciliario
Evelise ThoberI; Marion CreutzbergII; Karin ViegasIII
IEnfermeira (FAENF/PUCRS) evelisethober@ig.com.br
IIEnfermeira. Mestre em Enfermagem (UFRGS). Doutoranda em Gerontologia
Biomédica (PUCRS) Professora e Vice-Diretora da FAENF/PUCRS,
marionc@portoweb.com.br
IIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem (UFRGS). Professora da FACENF/PUCRS,
kviegas@terra.com.br
1. INTRODUÇÃO
As transformações do perfil demográfico e epidemiológico da população
brasileira demandam a adaptação dos serviços de saúde para suprir a demanda
emergente. Com a melhora da qualidade de vida e a diminuição na taxa de
natalidade, há um aumento da proporção da população de 60 anos ou mais, o que
representa, atualmente, em torno de 14 milhões de pessoas(1,2). Com o aumento
da expectativa de vida têm crescido os fatores de risco associados às doenças
crônico-degenerativas acentuando os índices de morbidade que podem comprometer
a independência(3-5)da população idosa. Repensar as prioridades na área da
saúde, a atenção à saúde do idoso dependente e um suporte ao cuidador familiar
representa novos desafios para o sistema de saúde brasileiro(6).
A Política Nacional de Saúde do Idoso(7) apresenta como pressuposto básico a
permanência do idoso em seu meio familiar. Nesse sentido, manter o idoso
fragilizado sob os cuidados familiares, pelo maior tempo possível. Isso somente
é possível com recursos, infraestrutura e apoio disponível, especialmente de um
cuidador e equipamentos específicos para a realização das atividades da vida
diária (AVD)(4,8). O cuidado em gerontologia pode ser prestado tanto pela
família ou cuidadores informais, como pelos profissionais e instituições de
saúde(9).
De acordo com os conceitos gerontológicos o idoso que mantém a sua
autodeterminação, sem necessitar de nenhum tipo de ajuda ou supervisão para
realizar seus afazeres diários, é considerado um idoso saudável, ainda que
possua uma ou mais doenças crônicas. Daí decorre o conceito de capacidade
funcional, ou seja, a capacidade de manter as habilidades físicas e mentais
necessárias para uma vida independente e autônoma. Este é um conceito que, do
ponto de vista da saúde pública, é mais adequado para instrumentalizar e
operacionalizar a atenção à saúde do idoso(8). A determinação da capacidade
funcional do idoso é um indicador imprescindível para adequar os cuidados de
enfermagem tanto ao paciente como ao familiar. A família é fundamental nesse
processo de prestação de cuidados ao idoso e deve ser compreendida quando os
cuidados excedem as suas capacidades(3).
A efetivação de políticas públicas na questão da saúde do idoso fornece às
famílias apoio para o cuidado dos seus idosos. Na Conferência Municipal de
Saúde de Porto Alegre(10) foram ratificados os direitos que garantem os
princípios de atendimento domiciliar para idosos e portadores de deficiência
física, em todos os distritos sanitários. A assistência domiciliar contribui
para a humanização da assistência, buscando envolver o familiar no cuidado e na
construção de um ambiente favorável para a recuperação(8). O processo de
educação em saúde acontece de forma mais efetiva e participativa, se
desenvolvido no domicílio(11). A assistência domiciliária ao idoso não
beneficia somente a este, mas contribui para melhorar a qualidade de vida dos
familiares também. Esta assistência demanda para os profissionais da saúde uma
parceria com as pessoas que cuidam dos idosos, possibilitando a sistematização
das tarefas a serem realizadas no próprio domicílio, dando maior atenção
àquelas relacionadas à promoção da saúde, à prevenção de incapacidades e à
manutenção da capacidade funcional do idoso dependente e do seu cuidador,
evitando-se assim, na medida do possível, hospitalizações, asilamentos e outras
formas de segregação e isolamento(8,11).
Os objetivos do estudo foram identificar o nível de dependência de idosos e
compreender as percepções do cuidador/ familiar sobre os cuidados domiciliários
que decorrem do nível de dependência do idoso.
2. MÉTODO
O estudo tem delineamento exploratório descritivo, com abordagem quantitativa e
qualitativa. Foi realizado em domicílios de pacientes pertencentes ao Programa
de Gerenciamento de Casos da GEAP, em Porto Alegre. Trata-se de uma entidade
fechada de Previdência Complementar, sem fins lucrativos, que oferece aos
servidores públicos federais planos e programas de saúde, assistência social e
previdência complementar. Foram incluídas no estudo 12 das 250 famílias
cadastradas no Programa, que aceitaram participar do estudo. O número foi
determinado pela saturação dos dados qualitativos.
A coleta de dados deu-se com a aplicação de um instrumento de classificação do
nível de dependência do idoso de Katz(12), relacionado à prática das atividades
da vida diária (AVD). Através deste índice é possível classificar o desempenho
nas atividades de banhar-se, vestir-se, usar o vaso sanitário, fazer
transferências, continência e alimentação. Para cada uma das funções atribui-se
a classificação dependente ou independente. A coleta dos dados qualitativos foi
realizada com entrevista semi-estruturada com 14 cuidadores, com questões
norteadoras acerca do cotidiano do cuidado, das facilidades, das dificuldades,
da relação entre cuidador e idoso, que foi gravada e transcrita.
Os informantes foram os idosos e o cuidador principal.
Os dados quantitativos foram analisados com estatística descritiva. Para a
interpretação dos dados qualitativos foi utilizada a análise de conteúdo(13).
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da PUCRS. Foram
observadas as questões éticas em pesquisa(14), levando em consideração a
decisão voluntária na partição deste estudo. Após a exposição dos propósitos do
mesmo, os cuidadores assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
3.1 Caracterização dos idosos e cuidadores
Os idosos do estudo encontram-se na idade entre 63 e 97 anos, dos quais 7 são
mulheres e 5 são homens. Em 90% dos casos o cuidado do idoso fragilizado é
realizado por mulheres, sendo que o único cuidador masculino contava com o
auxílio de ajudantes contratadas. Dentre as mulheres 40% são esposas, 25%
filhas, 16% contratadas. Estudos realizados no Brasil e no mundo constatam que
os idosos dependentes recebem o apoio de uma ou mais pessoas dentre familiares,
especialmente, mulheres que residem no mesmo domicílio e se tornam as
cuidadoras de seus maridos, pais e irmãos(6,11). Em apenas um caso o cuidador
principal não mora com o idoso, sendo os cuidados repassados a outro familiar.
O idoso fragilizado, bem como o seu cuidador que muitas vezes também é idoso,
são muito apegados ao seu ambiente e objetos pessoais. A mudança do ambiente,
da moradia, do distanciamento dos conhecidos pode gerar depressão e desencadear
outras patologias. Nesse sentido, a importância de se preservar o idoso em seu
ambiente é muito significativo e levou 75% dos idosos deste estudo a
permanecerem no seu domicílio.
A faixa etária de 75% dos cuidadores estava acima de 50 anos, sendo que destes,
50% têm mais de 60 anos. Tal fato demonstra que pessoas idosas são cuidadas por
idosos deixando a saúde destes em constante risco(6).
3.2 Grau de dependência do idoso para realização das AVD
As atividades que exigem movimentação e deslocamento (banhar-se, vestir-se,
usar vaso sanitário e transferências) são as que indicam maior dependência
dentre os idosos do estudo. 91,7% apresentam dependência importante de seu
cuidador. Essas dependências geram maiores demandas de cuidados e exigem do
cuidador esforço físico e atenção constante. Em relação à continência, 75%
necessitam auxílio. Já para a alimentação, 58%.
A dependência gradual leva um tempo para ser compreendida pelo familiar
implicando em tomadas de decisões em relação ao cuidado e a eleição de um
cuidador. Depois de identificada pelo profissional a dependência precisa ser
trabalhada com a família.
Embora não se possa, a partir deste resultado, inferir sobre o grau de
dependência dos 250 pacientes vinculados ao programa, os dados demonstram que
as famílias participantes deste estudo têm, sob seus cuidados, pessoas idosas
que demandam muito envolvimento no cuidar.
3.3 A percepção dos cuidadores frente ao cuidado
Da análise dos dados provindos da entrevista com os cuidadores principais
emergiram três categorias, quais sejam "o cotidiano do cuidar: mudanças,
facilidades e dificuldades", "os participantes do cuidado" e "o cuidador, o
idoso e o cuidado: que relação é essa?" com seus respectivos temas. No sentido
de aproximar o leitor das famílias, foram incluídas algumas de suas falas.
3.1.1 O cotidiano do cuidar: mudanças, facilidades e dificuldades
De acordo com os cuidadores entrevistados, as maiores mudanças do cotidiano
acontecem na vida pessoal e profissional do próprio cuidador. O cuidado
constante dispende do cuidador praticamente todo o seu tempo, as suas forças, o
seu lazer e até as suas emoções. Alguns cuidadores abdicaram do seu emprego,
outros vão trabalhar, mas carregando uma preocupação com a saúde do seu
familiar.
O cuidado a um familiar envolve projetos de vida(15). Dentre casais, a situação
de cuidar do cônjuge gera menos conflito, pois os dois compartilham de um mesmo
projeto de vida, o que é percebido contrariamente em alguns casos no presente
estudo. Para os filhos a exigência pode ser maior, pois os projetos de vida são
diferentes e terão que ser redefinidos ou até mesmo abandonados em detrimento
do familiar.
Eu me aposentei porque pela doença dele eu não podia mais cumprir
horário no trabalho(E7). Agora, interfere em tudo, no meu sono, na
comida, no meu tempo. Se tiver feriado não posso passear(E9). Às
vezes eu fico meio chateada! Quero fazer uma coisa e já não tenho
muita condição pra fazer, tem que estar pedindo pra outra. Não dá pra
pegar ônibus, não posso sair sozinha, tenho um problema de coluna e
já me sinto meio desequilibrada, e isto é difícil (E13). Tem dias que
a gente discute, a gente se estranha, e isso não é legal na nossa
idade, nem na situação que vive os dois aqui (E4).
Outro estudo(9) concluiu que os "cuidadores tanto tem percepções de benefício
(psicológicos e sociais) quanto de ônus (físico) acerca dessa experiência". Tal
ambigüidade também é identificada nas entrevistadas, quando se referem com
prazer à condição de cuidadoras:
Eu me sinto realizada e parece que é algo meu, que ninguém pode vir
tirar, que eu tenho que estar sempre ali cuidando, sempre olhando,
sempre protegendo(E6). E o cuidado interfere na tua vida pessoal.
Não, até é uma terapia pra mim fazer isso. Adoro cuidar dela (E5).
A rotina diária que determina os afazeres do cuidador exclui a sua vontade ou
preferência. O cuidador abre mão da sua vida pela daquele ao qual ele está
cuidando.
...porque eu acordo as 5 horas da manhã e levanto, troco a minha mãe,
limpo ela, lavo, dou café e quando é 7:15 eu já to saindo pra
trabalhar. Chego em casa quase 3 horas da tarde e esse tempo todo ela
fica sozinha, e depois eu chego pra dar o almoço(E3).
Enquanto para o cuidador familiar a rotina de cuidar é algo que pode se tornar
exaustivo e comprometer sua integridade física observou-se as que são
contratadas para esse serviço, enxergam o cuidado como algo que não fadiga. A
ausência da ligação familiar facilita o cuidado, pois o envolvimento emocional
torna-se bem menor, por maior que seja a afinidade entre o cuidador e o idoso.
Alguns cuidadores familiares continuam a exercer sua atividade profissional não
transformando o cuidado como sua ocupação(3,9):
...no meu emprego eles entendem a minha situação e assim se eu tiver
que sair mais cedo... eles procuram facilitar a minha vida. Eles
entendem.(E3).
Além da mudança que ocorre na vida do cuidador, mudanças na vida do idoso,
decorrentes de alguma fragilidade, porém sem perda da autonomia, pode ocasionar
diminuição das interações sociais. Demonstra a cuidadora:
...não vamos a nada, não saímos, é muito difícil a gente sair. A
gente ta tendo uma vida muito restrita e ele se sente meio
constrangido porque de vez em quando a bolsa (colostomia) infla, ou
enche e ele então não quer sair, não quer ir nos lugares (E4).
O ambiente doméstico passa a ser adaptado para as necessidades emergentes.
Objetos de decoração passam a ser substituídos por medicações, materiais de
curativo, uma série de objetos que fazem parte do cuidado. As adaptações
facilitam o cuidado, mas tornam o ambiente menos aconchegante:
A gente adaptou toda a nossa vida para o cuidado dele. A gente tem
cadeira, a gente colocou colchão piramidal... (E7)
Então se montou aqui o que tu viu aqui, um mini hospital. Tem cama
hospitalar, cadeira de rodas (E9).
A perda da autonomia resulta, às vezes, na mudança de endereço
residencial para mais perto de outro familiar mais capacitado,
gerando ansiedade no cuidador e no idoso. Isso ocorre principalmente
quando tanto o cuidador quanto o idoso possuem idades mais avançadas.
Os filhos procuram trazer seus pais para mais perto deles ou de
recursos de saúde. Essas mudanças geram no idoso um sentimento de
perda de autonomia e de familiaridade com o ambiente:
E ela quer me levar mais pra perto dela, porque aqui fica meio longe
pra ela vir. A condução já é bem mais cara. Por isso eu fico meio
assim, meio querendo ir, querendo não ir. Aqui é meu e eu já estou
ambientada nisso aqui (E13).
Há experiências e saberes que se tornam facilidades no cuidar:
Eu tenho 2 meninos, então a gente, eu já venho com esse lado de casa,
então eu trato ela com bastante amor e carinho(E5). Cuidado quando
nasce um bebê, assim ela sabe o que é ter uma pessoa que depende
dela. Não adianta tu fabricar isso numa pessoa. Isso tem que vir com
ela (E9).
Além da maternidade, a experiência na área da saúde, facilita o cuidado, na
expressão das famílias:
Então eu me sinto extremamente tranqüila em cuidar dele até porque eu
era auxiliar de enfermagem, e aqui em casa, todo mundo tem muito
preparo para cuidar dele (E7). Não sei se é porque eu tenho
experiência (auxiliar de enfermagem), mas isso facilita mais! (E2). É
eu que decidi assim porque uma também que eu trabalhei 8 anos nessa
área e eu tenho mais prática e tudo para lidar com ela e assim( E1).
Uma das principais dificuldades encontradas, também em outros estudos(16), é a
escassez de recurso financeiro, pois com este é possível obter outros, como
recursos humanos e materiais. Condições financeiras adequadas possibilitariam a
contratação de pessoal qualificado para prestar o cuidado, por exemplo. A falta
de dinheiro pode gerar angústia no cuidador que quer dar o melhor para o seu
familiar idoso.
...eu podia só ficar o dia inteiro, eu teria muito mais a oferecer a
ela... E poderia haver pessoas muito mais qualificadas pra ficar aqui
de noite com ela. E pra ti ter uma pessoa qualificada que fique a
noite tem preço (E6). Ela fica sozinha e isso graças... eu sou
funcionária pública federal, mas a gente ta ganhando uma miséria. O
meu dinheiro não dá para pagar uma pessoa, assim, pra ficar aqui,
então... (E3)
O aumento do grau de dependência do idoso gera para o cuidador a dificuldade na
mobilidade. As dificuldades vêm desde a falta de condicionamento físico para
realizar a movimentação até o medo de não conseguir realizar esse movimento de
forma adequada(15). A habilidade e o conhecimento da atividade de cuidar são
construídos na prática diária, na qual o familiar aprende com os seus erros e
acertos, seguindo um caminho inverso da trajetória profissional, o qual
primeiro tem contato com o conhecimento e é treinado e só depois está
habilitado para exercer a atividade. A falta de preparo para o cuidado gera no
cuidador uma ansiedade que é substituída por segurança a partir do momento em
que consegue organizar-se e perceber o cuidado como fácil. Essa situação, porém
não é estável, posto que o estresse leve uma mesma pessoa a passar por
experiências ambíguas em relação ao mesmo evento(5).
Ela vai se segurando na porta, e uma vez ela se sentiu mal, tive até
que por fralda nela. Levantei ela, mas ela é pesada demais (E5). Se
eu pudesse puxar ela pra trás, mas eu não posso; daí tem que ter
alguém(E13). Tem que levar ela na aula de pintura. Daí, eu tenho que
ajudar a carregar ela, no andador, ou caminhar um pouco, essas
coisas. Ela tem dificuldade pra caminhar (E5).
3.2.1 Os participantes do cuidado
A necessidade leva à família à (re)organização e realização do cuidado.
Designar um cuidador principal, assim como atitudes do escolhido, que se sente
na preferência ou responsabilidade de tomar as decisões pode gerar conflitos.
Outras vezes os familiares apenas concordam com as condutas delegando ao
cuidador principal a tomada de decisão.
Eu que tomo a decisão é lógico, e eles (filhos) me apóiam. (E14).
A decisão nós tomamos. Porque nós somos em 3, eu e um filho, pensamos
mais ou menos igual, agora o outro é completamente diferente, porque
o outro é igual ao pai dele, escrito. Então as minhas opiniões com as
dele nunca são as mesmas. Geralmente quem prevalece são as opiniões
dele (filho), porque ele é muito bravo(E8).
Um estudo demonstrou que no início do processo de cuidar de um familiar
dependente os papéis e as atividades da família não estão claros(17). Com o
passar do tempo a família vai se organizando e isto é benéfico para ela, pois
não há risco de sobrecarregar a nenhum familiar. Porém há famílias em que essa
dinâmica não funciona. Alguns familiares tomam pra si a responsabilidade,
enquanto outros ignoram ser esta uma responsabilidade sua.
Essa outra minha irmã que tava junto, já misturava um pouco entende?!
A vida dela, do neto, do marido, da filha, com os cuidados dela
(mãe). Pra ela já atrapalhava... mas pra mim não (E10).
A respeito delas cuidar assim, elas vem mais assim pra visitar, no
caso, claro, quando ela vai pro hospital, alguma coisa, elas
participam, elas vão lá e ficam com ela à noite, o dia a gente se
revesa, sabe, mas assim, o dia a dia eu que cuido dela (E1).
A família é fonte de apoio. Cada parte colabora e dá a sua contribuição para o
cuidado. Seja no cuidado direto ao familiar ou apoiando, seja se importando com
o que tem sido feito. Esse tipo de apoio é muito significativo para o cuidador
principal:
Os meus filhos que moram comigo que me dão apoio e participam de tudo
(E10).
Karsch(6) verificou que o cuidador familiar é o ator social principal na
dinâmica dos cuidados pessoais do idoso dependente. A maior parte dos
cuidadores entrevistados presta os cuidados sem nenhum tipo de ajuda. Para
Elsen(17), o fato de apenas um familiar assumir o cuidado sozinho, pode
representar a falta de apoio e comunicação entre os seus membros, o que na
prática pode afetar a saúde familiar. Isto é percebido nos relatos:
Não dão nenhuma ajuda, nada e estão satisfeitos que eu cuido dela. Os
familiares se preocupam, telefonam, mas eles não sabem nem a metade
do que eu passo aqui sozinha com ela (E3).
E os outros já apareceram aqui, me trataram muito mal. Com muito
desprezo, sabe? Pediram até dinheiro da passagem! (E6).
A família é compreendida como um lugar em que se encontra apoio, ajuda,
compreensão, compartilhar das dificuldades e fortalecimento através da união
para enfrentar os obstáculos. Quando essa função da família não é bem
estruturada, gera conflitos na realização do cuidado.
...isso é uma coisa que eu não estou tendo(paz), eu não tenho,
inclusive, com esse problema da minha filha, cada vez que ela vem
desestrutura toda minha vida (E3).
A relação do cuidador com o seu familiar é uma relação fundamentada em uma
história anterior e a fragilidade gera novas percepções. Para o idoso pode
gerar um sentimento de impotência frente à impossibilidade de fazer por si
mesmo, para o cuidador, a percepção da necessidade de dependência é constante.
Assim, ao mesmo tempo em que a dependência do idoso causa no cuidador o peso da
responsabilidade pode surgir o sentimento de posse sobre o outro em detrimento
de sua autonomia levando a uma relação ambígua entre cuidador e idoso(15).
Olha, na verdade a gente observa que como ela já esteve com as outras
irmãs, existe um sentimento de possessividade de cada uma de achar
que cuida melhor e isso ai tu nota em qualquer uma delas. Na minha
casa ta melhor. (E10).
É importante a família possibilitar o máximo de oportunidades possíveis para
que o idoso participe da tomada de decisões sobre si e nas questões familiares.
Esse respeito com a individualidade do idoso proporciona bem estar, que por
várias ocasiões pode sentir-se como um fardo para a sua família:
Eu me sinto bem assim, porque ela se ajuda bastante, ela não depende
muito de mim. O mais que depende de mim é pra ajudar a vestir ela,
então isso aí já me alivia um pouco, não fico tanto em cima dela
(E5).
A vida restrita do idoso pode significar mais autonomia para o cuidador, pois
as tarefas de cuidado já estão pré-estabelecidas e a rotina do idoso também:
Não tem nada que dificulta o cuidado, porque ele só anda dentro de
casa e ali na área e aí eu acompanho, às vezes ele sai, vai até o
portão! Ele anda sozinho, de andador e sempre tem cadeira lá fora,
ele senta aqui, quando sai daqui vai pra cozinha tomar café, isso
tudo sozinho e eu cuidando, sempre de olho (E2).
A participação de não familiares no cuidado, isto é, profissionais, amigos,
vizinhos ou pessoas contratadas, auxiliam em muito no cuidado, esclarecendo
dúvidas e tornando o cuidado mais leve. Esta situação pode ser classificada
como um cuidado indireto e é bem recebido pela família.
Os cuidados profissionais, o suporte social e de saúde é muito desejado pelo
cuidador, embora nem sempre esteja ao seu alcance(18). Estudos têm investigado
e descrito aspectos contributivos à metodologia do cuidado domiciliar, pelo
profissional de saúde(19). O cuidado profissional é técnico, com subsídios
científicos e deve usar da experiência familiar para ensinar o cuidado. As
observações feitas pelo cuidador são muito importantes para a identificação de
problemas passíveis de intervenção.
Com a assistência e com a orientação, a gente tem tudo. Da enfermeira
que nos assiste aqui, ela tá sempre procurando um material ou alguma
coisa que melhore (E4).
A ajuda das fisioterapeutas, eu aprendi com elas, como é que ele tem
que se levantar, sem as pessoas fazerem força. Ele que tem que fazer
a força e não a pessoa que ta levantando. Antes de eu saber disso, eu
fazia muita força(E8).
A gente tem procurado também, lá no posto, que eles dão uma
assistência também para os ostomisados, então tudo que ensinam, tanto
da parte da enfermeira, como lá do posto, que possa melhorar essa
situação a gente aplica, eu aplico e ele se submete, ele aceita. (E4)
A participação de amigos e vizinhos também é indispensável no 'gerenciamento'
de cuidado que o cuidador principal assume:
Tem meninas que me ajudam. Eu sou o administrador da coisa. Elas que
fazem a dieta, colocam a dieta, tem hora de dar remédio, tem que dar
o banho... (E9).
Quando eu preciso eu telefono pra uma ou pra outra. Os vizinhos se
preciso ajudam (E13).
3.3.1 O cuidador, o idoso e o cuidado: que relação é essa?
Para os cuidadores as palavras cuidar e cuidado fundem-se no mesmo significado,
tanto em termos de definição, como através da identificação das atividades que
o envolve(20). Mas o que destacam, são as qualidades do cuidador. Referem que
as qualidades e habilidades do cuidador, na maior parte das vezes, são
adquiridas pelas necessidades emergentes do dia a dia. Muitos cuidadores
aprenderam através das dificuldades adaptar a sua vida e o ambiente para o
cuidado.
Segundo as opiniões dos entrevistados as qualidades essenciais de um cuidador
consistem em possuir afinidade e amor pelo idoso e gostar do que faz:
Eu acho que tem que gostar da pessoa que esta sendo cuidada (E7).
Muitas vezes a gente quer se desesperar. E daí tem que parar, aí o
amor fala mais alto porque tu quer a pessoa junto contigo(E4).
Isso não é banco, não é escritório, não é firma, tu tem que ter
vocação tem que ter todo o jeitinho (E9).
Tem que gostar do que faz (E5).
Competência na realização do cuidado:
E onde tu acha que a gente encontra gente especializada pra cuidar de
uma pessoa idosa?! As pessoas estão ficando cada vez mais idosas,
vivendo mais e não tem curso para cuidar de pessoas idosas. Não
inventaram ainda. Então são geralmente o que o pessoal chama de
doméstica e que na marra vão se especializando (E9).
Percepção e atenção aos sentimentos do idoso, garantindo bem estar e segurança
e paciência:
Eu achar que ela esta bem acomodada, achar que ela ta se sentindo
bem... E ela não tem nenhuma comunicação com a gente. Toda
comunicação dela é um braço que é quase uma comunicação mecânica só,
e tu tem que adivinhar o que ta acontecendo, daí tem que estar sempre
atenta (E10).
Ele me chama toda hora e eu to sempre de olho nele e tenho medo que
ele caia e ele cai mesmo(E2). É importante ter paciência. Aquela
outra que tinha aqui, Deus me livre. Ela tinha que fazer as
necessidades na hora que ela queria, não podia fazer depois que ela
arrumasse... (E13).
Estar de bem consigo mesmo e com Deus:
...tem que ter paz de espírito (E3)
...ter muita fé em Deus e fazer tudo por amor a Deus, porque no mais
não vale a pena fazer (E8).
A atitude do idoso em relação ao cuidador pode muitas vezes interferir na forma
como este é tratado. O cuidador sofre influência da personalidade e caráter do
idoso e do relacionamento durante o decorrer dos anos. Percebeu-se que se o
idoso trata com desprezo é tratado dessa forma, se trata com carinho, dessa
forma também será tratado. A forma negativa como o idoso trata o cuidador, de
certa forma pode ser compreendido como não aceitação da relação de dependência.
Isso ocorre principalmente na relação entre cônjuges, quando o marido passa a
depender da sua esposa e esta, por sua vez, precisa assumir a total
responsabilidade.
Quando chega uma pessoa ele é completamente diferente, ele muda, por
isso eu te digo, depende muito da pessoa que cuida, depois, muito do
caráter do doente também. Vi a minha mãe doente, minhas irmãs
doentes, e elas não tinham esse tipo de comportamento. Eu não sei se
isso é peculiar dos homens, pode ser que seja também. Eu vi no
hospital também ele tem atitudes completamente diferentes comigo e
com as enfermeiras. Ele é um homem agressivo comigo, posso até dizer
que ele é um homem mau (E8)
Já a forma positiva no tratamento do idoso com o cuidador e vice-versa, é um
reflexo do bom relacionamento que existiu entre as partes, e na ocasião da
dependência, o cuidado é visto como uma retribuição pelo bom relacionamento
cultivado.
Como eu te disse, ele foi uma pessoa muito boa comigo e com as filhas. Então
aqui a gente cuida dele porquê a gente quer sempre o melhor pra ele. Apesar de
saber que ele vai cada vez piorando mais, porque é coisa da doença mesmo, mas
se dependesse da gente a gente queria que ele saísse de lá andando (E7).
Dentre os motivosque levam um familiar a assumir o cuidado principal do idoso,
está a obrigação moral, questões religiosas, culturais, a designação ou ainda a
experiência(5). A Constituição Brasileira(21:artigo299) assinala que "os pais
têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores
têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice carência ou enfermidade".
Dentre as entrevistadas o cuidado é visto como uma obrigação do cuidador tanto
bem aceita como não tão bem vinda:
Me sinto quase como obrigada. Como um dever meu... é tranqüilo, sem
mistério nenhum (E10).
Me sinto realizada e, mas é obrigação da gente como filho fazer isso
( E1).
Eu faço tudo que precisa pra ele; não tem o que facilitar, porque tem
coisas que eu não tenho vontade de fazer, mas eu sou obrigada a
fazer. (E14).
Também é visto como uma obrigação religiosa, como um serviço prestado a Deus.
Ou uma forma de humanidade para com quem necessita mais.
Eu sou religiosa praticante. Mas se eu não tivesse isso, eu acho que
eu seria muito pior do que eu sou, porque eu não me considero uma
santa. Então o que eu faço atualmente é exclusivamente por amor a
Deus, não por amor a ele porque tem doente que não merece. Ele é um
caso desses que não merece (E8).
Outros expressam o cuidar de seu familiar como forma de garantir o retorno
diante da necessidade de ser cuidado:
Tem que saber que pode ser a gente amanhã! Pode ser que eu chegue a
ter a idade dela. Tomara que eu tenha sorte de encontrar alguém que
me cuide (E3).
O cuidado também é percebido como gratidão ao familiar idoso e zelo por seu
bem-estar. O cuidar quando se torna gratificante é uma demonstração de
reconhecimento pela família e algumas vezes pelo idoso. Alvarez(5) afirma que a
percepção do cuidador de estar se sacrificando através do cuidado gera um
sentimento de estar cumprindo com sua obrigação e torna o cuidado gratificante.
Bom, espiritualmente tu fica gratificado, ainda mais que é minha mãe. Me cuidou
quando era pequenino. Agora eu to cuidando dela que tá ficando pequenina de
novo. É o ciclo da vida (E9).
Cuidar de seu idoso fragilizado como missão, os sentimentos de gratidão, a
perspectiva de uma reciprocidade esperada e o comprometimento entre as gerações
foi identificado também no estudo de Creutzberg(22).
O idoso não é visto pelos cuidadores somente como pessoa isoladamente, mas tudo
ao seu redor passa a fazer parte do seu bem-estar. Nesse sentido, ao falarem
das ações de cuidado, contribuem com o conceito de cuidar:
Cuidar de tudo que é do paciente, além do próprio paciente. Se
preocupar com o dia a dia do paciente, se preocupar com a saúde, com
a alimentação, com a higiene, com a técnica, com o medico, quando ela
tem que voltar ao medico, quando ela tem que fazer o próximo exame,
perceber quando algo está errado. Se o intestino não esta
funcionando, se ela esta retendo urina (E6).
Ressaltam os cuidados voltados à higiene corporal e ao bem-estar físico:
Cuidado é levantar cedo, dar banho nela, escovar os dentes, lavar a
cabeça, cortar as unhas é muita mão de obra, sabia ! (E13).
Fazer os curativos (E4)
Expressam a necessidade de atenção à saúde mental do idoso:
Então nem adianta tu entrar ali dentro só pra judiar! Maltratar a
pessoa, não é sempre que ela tá bem. Nem sempre tá faceira, tá mal
humorada(E5).
E as ações de cuidado vão além do corpo, da saúde mental. Entendem
que cuidar do ambiente também faz parte do cuidado à pessoa:
... o quarto limpo (E14). Tudo que for necessário, a casa (E6).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O grau de dependência influencia diretamente na vida do idoso e de sua família,
pois a dificuldade de realizar as AVD determina a necessidade de um cuidador
que se disponibilize para auxiliá-lo. O conhecimento da realidade das famílias
do ponto de vista de suas necessidades, das dificuldades e facilidades geradas
no cotidiano, como também os sentimentos que envolvem o cuidado é fundamental
para a assistência da enfermagem e demais profissionais, oferecendo subsídios
para a atenção da saúde do idoso como a seus familiares no domicílio.
O cuidador familiar possui um conhecimento apurado das necessidades físicas e
emocionais do idoso. Cabe aos profissionais ter esse cuidador como elo entre o
idoso e a equipe multiprofissional. Por outro lado é relevante o auxílio de
profissionais de saúde para a adaptação adequada e educação para a saúde dos
cuidadores, bem como para a manutenção do idoso o maior tempo possível em seu
lar, favorecendo a familiaridade como também a diminuição dos riscos e custos
numa internação hospitalar ou em instituição de longa permanência.
Os resultados deste estudo subsidiarão o Programa de Gerencia-mento de Casos da
GEAP a definir estratégias para ampliação do suporte oferecido às famílias.
Sugere-se que se realize a avaliação do nível de dependência para AVD com todos
os idosos do Programa, periodicamente, para uma análise sistemática das
demandas deste grupo.