A prática de cuidar do ser enfermeiro sob o olhar da equipe de saúde
PESQUISA
A prática de cuidar do ser enfermeiro sob o olhar da equipe de saúde
Nurse's care practice according to the view of the healthcare team
La práctica de atención de lo enfermero según la vision del equipo de salud
Maria de Loudes CastanhaI; Ivete Palmira Sanson ZagonelII
IEnfermeira. Diretora de Enfermagem do Hospital Pequeno Príncipe de Curitiba/PR
e membro do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Cuidado Humano de
Enfermagem (NEPECHE/UFPR). castanha@hpp.org.br
IIEnfermeira. Professora Sênior do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da
UFPR, Coordenadora do NEPECHE/UFPR, Coordenadora do Curso de Enfermagem do
IESPP. Orientadora da dissertação. ivetesanzag@yahoo.com.br
1. INTRODUÇÃO
Partindo dos resultados da pesquisa sobre a (in)visibilidade da prática de
cuidar do ser enfermeiro sob o olhar da equipe de saúde(1), em que se buscou
desvelar a visibilidade ou invisibilidade do trabalho do enfermeiro, ao
desenvolver suas práticas cuidativas, percebe-se que o enfermeiro, assim como
qualquer outro profissional da equipe de saúde, procura, por meio de suas
atividades, reconhecimento e a conseqüente visibilização, tanto dentro da
equipe quanto aos olhos daqueles para os quais presta seus serviços
profissionais. Para tanto, torna-se importante que, ao desempenhar tais
práticas de cuidado, ele mostre conhecimento e competência técnica, associados
à relação intersubjetiva e dialógica desenvolvida com a equipe, com os
clientes, a família e a instituição. Essa última, nos tempos atuais, atribui ao
enfermeiro o papel de seu representante junto ao cliente, aquele que recebe
seus cuidados.
O cuidado voltado às diferentes dimensões humanas é uma ação que possibilita a
visibilidade do enfermeiro, assim como abre espaço para a manutenção da
visibilidade da prática de cuidar. A conquista da visibilidade passa
primeiramente pela própria pessoa, para depois atingir o coletivo. O ser
enfermeiro necessita ter esse convencimento de que é visível, para, então, ser
visível perante os outrosprofissionais. Há três estados básicos da consciência
humana, que podem ser aplicados à visibilidade ou não do processo de cuidar dos
enfermeiros: o estado aparente, o estado escondido e o estado intermediário(2).
Ao se fazer uma analogia com as práticas da enfermagem, tem-se o saber e o
fazer em enfermagem inseridos nessas três possibilidades: o cuidado aparente,
evidenciado pela racionalidade, intelectualidade e objetividade; o cuidado
escondido, demonstrado pela intuição, criatividade e subjetividade; e o cuidado
intermediário, que contém algo dos dois primeiros e manifesta-se na
sincronicidade, na essência, no movimento e na espontaneidade.
Constata-se, no dia-a-dia, que o cuidar em enfermagem liga-se à comunicação
existente entre os próprios enfermeiros, entre enfermeiro, cliente e família e
entre enfermeiro, equipe e ambiente. Nesse sentido, Paterson e Zderad(3) ao
delinearem a teoria humanista, enfatizam que o profissional enfermeiro mantém
com o outro não uma simples relação sujeito-objeto, tecnicamente competente,
mas sim uma relação intersubjetiva, baseada na consciência existencial que ele
tem de si e do outro. Ainda, o espaço onde se encontra o doente é um local de
transações intersubjetivas, em que o enfermeiro mantém constante
interdependência com o cliente, a família e a equipe, e eles com o enfermeiro.
Assim, tal contexto é propício para firmar relações e conquistar a visibilidade
(3).
A escolha da teoria de Paterson e Zderad(3) para sustentar o referencial
teórico deste estudo fundamenta-se na aproximação de suas idéias e proposições
com os objetivos que busco atingir, pois elas oferecem subsídios que demonstram
a verdadeira articulação entre todos os envolvidos no processo de cuidar. Já a
inquietação consiste em descobrir como os membros da equipe percebem o cuidado
do ser enfermeiro, uma vez que a prática aponta que, por meio da atuação
profissional, surge a visibilidade.
A necessidade de reconhecimento dos enfermeiros como membros importantes da
equipe de saúde, especialmente quanto aos aspectos de cuidar, remete a pensar
sobre a valorização que se atribui aos pares e aos outros membros da equipe. Na
trajetória da prática, dar visibilidade à profissão é também buscar parcerias,
compartilhar responsabilidades e tarefas(4).
Ao discorrer a visibilidade que perpassa a prática, enfatiza-se que a prática
dá visibilidade e resume o significado de uma profissão no espaço social,
porque, nela, consubstancia-se a realização do compromisso social, que, sendo
obrigatório e coletivo, assegura à profissão sua continuidade no tempo e no
espaço(5). Tal pensamento complementa-se com a afirmação de que a prática
determina a posição do enfermeiro na sociedade, assegurando ganhos simbólicos
que lhe permitem manter sua autonomia (individual e coletiva) no mesmo local
(5).
Nessa perspectiva, existem duas intenções distintas e simultâneas, ao
enfermeiro que procura ser elemento de referência: viabilizar a assistência e
impor-se profissionalmente, criando oportunidades para abrir espaço nessa
direção(6). Ainda, o fazer do enfermeiro tem por motivação maior a sua
identidade, que é ser visto, reconhecido, procurado e aceito como o
`profissional enfermeiro', que se dá no cotidiano da relação com os
significantes e clientes, outros enfermeiros e o médico.
Nessa mesma linha, entende-se que o cuidado não pode se dar isoladamente, pois
se trata de uma ação e de um processo interativo, que ocorre entre o ser que
cuida e aquele que é cuidado, e se desenvolve por meio da disponibilidade,
confiança, receptividade e aceitação, promovendo o crescimento de ambos(7).
No processo de cuidar, é importante que o enfermeiro se coloque em sintonia com
os pais e familiares da criança ou do adolescente, pois tal interação tem a
finalidade de oferecer o melhor na relação cuidativa, uma vez que, geralmente,
durante o percurso da doença, as crianças e os adolescentes, assim como suas
famílias, estão sensibilizados e sentem-se desamparados, os pais,
especialmente, quando não conhecem o processo de tratamento e a evolução da
doença que acomete seu filho.
Assim, cabe ao enfermeiro, como elemento mobilizador das ações de cuidado,
utilizar, com o doente e com sua família, uma forma de comunicação descrita
como sendo a mais clara e simples possível(8). Tal forma de comunicação, aliada
à capacidade e à sensibilidade demonstrada pelo enfermeiro e pela equipe de
saúde, é, por vezes, mais valorizada pelo cliente do que a falta de acomodação
e até de medicamentos.
A questão da visibilidade profissional, especialmente em unidades
críticaspediátricas (UCP), local de realização desta pesquisa, alia-se ao
desempenho rápido e preciso, à capacidade de diálogo empático com o cliente e
demais membros da equipe, a fim de propiciar umambiente agradável, respeitoso e
acolhedor para todos os envolvidos. Em tal ambiente, o enfermeiro torna-se uma
espécie de `diálogo humano', porque está em constante transação intersubjetiva,
com todos os participantes de seu mundo de trabalho(3). O momento do cuidado
torna-se, então, segundo a teoria humanista, um tempo privilegiado, no qual o
enfermeiro pode `doar-se' para o cliente, ao mesmo tempo em que `recebe' algo
dele, num pacto mudo de comunicação intersubjetiva profunda.
3. METODOLOGIA
Para desenvolver este trabalho, optou-se pela pesquisa fenomenológica, à luz do
referencial teórico de Paterson e Zderad(3). Utilizou-se, para a coleta das
informações, a entrevista fenomenológica semi-estruturada e, para a compreensão
dos discursos, os passos de análise propostos por Giorgi(9).
A escolha pela pesquisa fenomenológica deu-se por ela ser uma metodologia
congruente com a teoria humanista(3), pois possibilita ao enfermeiro conhecer o
outro por reflexão, desvelamento e compreensão, ou seja, ver o outro pelos
olhos do sujeito interrogado, detectando as similaridades e diferenças da
vivência do diálogo no cuidado.
A literatura descreve a fenomenologia como um movimento cujo objetivo precípuo
é a investigação direta e a descrição de fenômenos que são experienciados
conscientemente, sem teorias sobre a sua explicação causal e tão livre quanto
possível de pressupostos e preconceitos(10). Esse pensamento é compartilhado
por outro autor(11), ao escrever que a fenomenologia propõe a investigação de o
que é vivido, descrevendo os fenômenos como eles são sentidos, despojados de
todo tipo de conceitos e teorias a seu respeito, permitindo, portanto,
interpretação e compreensão mais verdadeiras do fenômeno.
O contexto de realização deste trabalho incluiu quatro Unidades Críticas
Pediátricas de um hospital pediátrico de grande porte de Curitiba, considerado
de referência no tratamento de crianças e adolescentes de zero a 18 anos, em
todas as especialidades.
Como sujeitos da pesquisa, optou-se pela equipe de saúde, entendida, neste
trabalho, como aqueles que atuam diretamente no cuidado nas unidades críticas
pediátricas, neste caso: 7 enfermeiros, 4 médicos, 2 fisioterapeutas, 2
psicólogos, 2 técnicos e auxiliares de enfermagem e 2 auxiliares de
higienização, totalizando 19 sujeitos. A decisão pelas Unidades Críticas
Pediátricas deu-se porque, ali, há maior solicitação do profissional
enfermeiro, estando ele em evidência por meio de sua autonomia, competência,
qualidades, defeitos, formas de relacionamento e efetivação do cuidado
complexo. Os sujeitos foram divididos em dois grupos, sendo um composto por 7
enfermeiros e outro composto por 12 profissionais de saúde, de modo que se
utilizaram, portanto, dois instrumentos distintos para a coleta dos
depoimentos.
Para os enfermeiros, foram utilizadas as seguintes questões de pesquisa:
1. Como você se percebe como enfermeiro, desenvolvendo as ações de cuidado em
UCP?
2. Quais os aspectos que indicam que o seu trabalho é (in)visível?
3. A sua prática tem repercussão no agir dos demais profissionais da equipe em
UCP?
Para os demais profissionais, as questões foram:
1. Em sua convivência diária com os enfermeiros na unidade crítica pediátrica,
o que você vê e observa, frente às ações de cuidado que eles desempenham?
2. Você acha que o trabalho deles é (in)visível?
3. O modo de agir do enfermeiro tem repercussão no seu agir profissional?
Quanto aos aspectos éticos, solicitou-se a colaboração espontânea de cada
sujeito, mediante contato pessoal, visando a esclarecer os motivos da pesquisa
e conhecer a disponibilidade de cada um. Para aqueles que aceitaram participar,
foram agendados dia, hora e local para realização da entrevista. Foi, ainda,
solicitado autorização institucional ao Comitê de Ética do Hospital em estudo.
Somente após a obtenção do aceite, iniciaram-se os contatos.
Todos os participantes receberam os termos de consentimento livre e
esclarecido, que, depois de lidos e comentados, foram assinados, permitindo-se
inclusive a gravação das entrevistas para posterior transcrição. O zelo ético
permeou todo o processo de investigação, considerando-se o que preconiza a
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisa com seres
humanos.
3. RESULTADOS E ANÁLISE
A análise dos depoimentos coletados representa um momento analítico no
processamento da informação e torna-se parte da qualidade da informação
produzida pela pesquisa. Nesse mesmo pensamento, a análise é uma forma de
penetrar nas estruturas simbólicas que configuram a vida cotidiana das pessoas
em seus contextos reais(12).
Neste trabalho, após a transcrição das entrevistas, utilizou-se o caminho de
análise proposto por Giorgi(9) o qual estabelece os passos essenciais do método
fenomenológico:
PASSO 1: O pesquisador lê as descrições, a fim de obter o sentido geral do
todo;
PASSO 2: O pesquisador lênovamente o texto e transforma-o em linguagem da
ciência, com o objetivo específico de discriminar as Unidades de Significado,
com foco no fenômeno que está sendo pesquisado, conforme mostra o Quadro_1.
PASSO 3: O pesquisador expressa os insights contidos no todo das unidades de
significação, que revelam o fenômeno sob consideração.
Ao efetivar-se o Passo 3, desvelaram-se dos discursos dez Unidades de
Significação (US), que foram analisadas a partir das expressões de cada
enfermeiro, ou seja, essas US foram encontradas em cada discurso. Somente após
conclusão da análise de cada discurso iniciou-se a análise global, reunindo-se,
então, todos os discursos, ou seja, as partes que compunham o todo, como se
observa no próximo passo de análise.
Unidades de significação captadas das descrições dos sujeitos enfermeiros
1) Compreendendo os atributos pessoais como padrão fundamental para o cuidado;
2) Compreendendo-se como pessoa que pode ir além;
3) Compreendendo o cuidado humano como dimensão que diferencia o trabalho do
enfermeiro e lhe outorga a visibilidade;
4) Compreendendo a dimensão técnica no desempenho profissional;
5) Compreendendo a inter-relação entre saber científico e responsabilidades
como forma de suplantar a subalternidade;
6) Compreendendo a temporalidade do ser enfermeiro no desempenho profissional
do cuidado;
7) Compreendendo o diálogo vivido na relação do ser enfermeiro com a equipe de
saúde;
8) Compreendendo o reconhecimento do trabalho do enfermeiro pelos demais
profissionais de saúde e família;
9) Compreendendo a relação do enfermeiro com a instituição;
10) Compreendendo o humanismo profissional do enfermeiro como aspecto de
repercussão sobre os demais membros da equipe, família e do paciente.
PASSO 4: O pesquisador reflete e sintetiza todas as unidades de significado,
transformadas em afirmações consistentes a respeito da experiência do sujeito
(categorias convergentes).
O Passo 4 reúne todas as informações obtidas dos 7 enfermeiros entrevistados,
abstraindo-se, então, as categorias convergentes, conforme mostra o Quadro_2. É
importante salientar que as US que estão na coluna da direita foram extraídas
dos discursos. Nada foi inferido, complementado ou acrescentado pelo
pesquisador. Nessa fase, o conhecimento e a experiência do pesquisador contam
muito, pois é a partir desse referencial que ele consegue apreender as US
articuladas às categorias convergentes.
O mesmo processo de análise efetivou-se para os discursos da equipe de saúde,
obtendo-se o Quadro_3, a seguir.
COMPREENSÃO DA (IN)VISIBILIDADE DA PRÁTICA DE CUIDAR
Dos discursos, emergiu que a visibilidade, assim como a invisibilidade do
enfermeiro, nas ações de cuidado, relaciona-se com a maneira de ser e de estar-
com aquilo que o próprio enfermeiro vivencia e expressa por meio de seu ser
profissional e da compreensão a seu respeito pelos outros membros da equipe. Os
discursos são identificados pelo número de ordem em que foram realizados, ou
seja, os discursos de 1 a 7 correspondem aos depoimentos dos enfermeiros e os
de 8 a 19 correspondem aos profissionais da equipe de saúde. Uma faceta da
visibilidade que se delineia nos discursos da equipe de saúde reflete a postura
do profissional enfermeiro frente à evolução da criança, ao longo do processo
terapêutico, a qual é enfatizada quando o enfermeiro é participativo, crítico e
não-apático.
Aquele enfermeiro que não pergunta nada, não questiona sobre a droga
que foi mudada, porque esse paciente estava assim, agora está de
outro jeito, é apático. Ele não nos chama a atenção. (D10)
O fenômeno da visibilidade profissional aparece como emergente das
manifestações de conhecimento técnico-científico, por parte do ser enfermeiro,
da co-participação na tomada das decisões referentes ao cliente ou ao
gerenciamento da unidade e na forma humanizada de cuidar.
Eu penso também que os enfermeiros precisam estudar mais, se graduar
mais, aprender mais para também ter uma postura diferente, com
relação aos funcionários, também saber colocar a sua posição como
enfermeiros.Também saber colocar o seu lado humano,se igualar a eles,
no momento, você é uma pessoa como todas as outras ali dentro da
unidade.(D1)
Aquele enfermeiro que detecta precocemente as alterações e comunica o
médico ajuda para que a criança possa recuperar-se mais rapidamente
ou não sofrer as conseqüências de uma conduta demorada, que pode
causar mais danos do que os já existentes, é por nós visibilizado.
(D11)
O cuidado que o enfermeiro é chamado a ofertar cotidianamente significa
desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção bom trato, de modo que é a
atitude fundamental, mediante a qual a pessoa sai de si e centra-se no outro
com desvelo e solicitude(12). No discurso, evidencia-se a importância de deixar
que o lado humano do enfermeiro desabroche na prática.
Pode ser um ótimo enfermeiro ou outro profissional, mas, se não tiver
o mínimo de escuta, não terá muito valor para a manutenção da
relação. (D15)
O enfermeiro é muito mais sensível do que o médico, para os desejos
do cliente. O lado humano é mais visível neles. (D14)
Atributos como iniciativa, experiência e segurança que ele transmite à equipe
foram apontados como fatores de visibilidade. Profissionais que se reciclam
constantemente ou estudam os casos novos que aparecem no seu ambiente de
trabalho são ativos, observadores, comunicativos, questionadores, detalhistas,
atuantes, `põem a mão na massa', sabem se posicionar, mantendo boas relações e
criando vínculos positivos, além de conseguir detectar precocemente possíveis
complicações nos clientes, são reconhecidos e visibilizados pela equipe.
Quando eu falo de estudar mais, pode não ser apenas fazer uma pós,
mas pode ser também a leitura pura e simples daquilo que ele esta
fazendo no momento, fazendo no dia a dia, porque a gente não vê, é
muito difícil você ver um enfermeiro estudando aquilo que ele está
fazendo. Ele vai fazendo, vai fazendo e acha que não precisa mais. E
na verdade a gente sabe que quanto mais você ler, mais se aprimora,
mais tem capacidade para discutir o assunto, para se colocar e para
fazer. (D1)
Eu acho que é visível e que qualquer pessoa da equipe pode
identificar o trabalho deles, porque o próprio enfermeiro demonstra
isso, quando mostra segurança ou insegurança naquilo que faz. (D9)
Eu acho que o conhecimento, a experiência e a segurança que ele passa
são fatores que ajudam o enfermeiro a ser mais bem visto dentro da
equipe. (D9)
O enfermeiro é uma segurança, porque seu trabalho não se compara ao
nível técnico. Mesmo o nível das informações que são passadas tem
outra qualidade. (D10)
O discurso revela que as capacidades humanas de compreender, saber ouvir,
relacionar-se, ter responsabilidade, saber dialogar, ter atitudes humanizadas
tornam o ser enfermeiro capaz de fazer, com sua presença, a diferença na
equipe.
Aqueles que têm habilidades, responsabilidades, são questionadores,
ajudam, estão por perto, fazem sugestões são visíveis. (D12)
Eu acho que trabalhar com humanização, fazer um trabalho de qualidade
e buscar constantemente o conhecimento, o saber, a atualização das
técnicas e tecnologias leva, sem sombra de dúvida, à visibilização do
enfermeiro, porque ele está sempre buscando crescimento, melhoria,
para servir melhor. (D17)
Eu também acho que a pessoa competente no seu trabalho nem precisa
fazer muito barulho para aparecer. As conseqüências dele vão acabar
aparecendo. (D15)
Esses fragmentos do discurso apontam que o enfermeiro que não apenas manda, mas
faz junto, ensina, orienta, torna-se referência para a equipe. Na
cotidianidade, entende-se que uma das faces da articulação que deve existir na
equipe é a cooperação no trabalho, entendida como `fazer junto', especialmente
aqueles procedimentos técnicos que possam ser melhor desempenhados com ajuda
(14).
Pessoas ativas, observadoras e atuantes que ajudem a prevenir
complicações dentro da unidade, isto é, profissionais que atuem na
prevenção, pessoas que chequem pessoas, aparelhos, alarmes, para que
tudo esteja funcionando. (D12)
O movimento da invisibilidade para a visibilidade, a mudança de um status para
outro, exigearticulação e sintonia, além de se considerar que o ser enfermeiro
é o centro de todo esse processo. O ser enfermeiro está articulado ao ser
pessoal, que é o seu próprio self, ao ser profissional, que presta os cuidados
ao cliente e à família, e ao ser coletivo, isto é, que interage com a equipe
com a qual convive.
Existe, portanto, uma intercessão, uma interface entre todas essas
características, que não podem ser dissociadas da prática profissional. O ser
enfermeiro congrega a articulação destas três dimensões: pessoal, profissional
e coletiva. A partir do momento em que essa articulação entra em movimento,
várias atribuições, funções e aspectos compõem esse processo de trabalho, para
auxiliar a visibilidade do ser enfermeiro. Dentre esses aspectos, é possível
citar a atualização e o desenvolvimento pessoal, profissional e coletivo. A
interação com o outro ajuda a transformar o próprio modo de ser, fazer e
conviver, melhorando, assim, as alianças com a equipe. A responsabilidade, o
engajamento, a gentileza, empatia, o respeito, interesse e amor são sentimentos
que necessitam estar interligados, para que esse processo de trabalho que
envolve o processo de cuidar do ser enfermeiro torne-se visível.
Todos devem primar pelo técnico, sem perder o lado humano dos
relacionamentos e a capacidade de ver cada doente como único. (D15)
Precisamos de profissionais sensibilizados para esse tipo de
necessidades, que mantenham um bom padrão de atendimento, para que
possamos dar mais conforto ao nosso usuário. (D12)
A visibilidade é pessoal, profissional e coletiva, porque envolve o ser do
enfermeiro como pessoa, o ser enfermeiro profissional e o ser de relações do
enfermeiro com a equipe de saúde, que é o coletivo.
Esse trabalho de bastidores deles acaba aparecendo na rapidez com que
muitas coisas são resolvidas. (D12)
Mas a dedicação dos enfermeiros e sua equipe é algo incontestável.
(D13)
Se cada profissional da equipe fizer o que deve bem feito, o
resultado aparece, e o paciente ganha em qualidade no cuidado. (D17)
Figura_1
A partir do que se apreendeu, delineou-se o modelo conceitual seguinte, no qual
se apresenta a dinâmica que envolve a visibilidade do profissional enfermeiro,
tendo-se como centro a prática de cuidar do ser enfermeiro. Interligadas ao
foco central estão as três dimensões que compõem o processo de visibilidade
buscado neste trabalho. Como primeira dimensão apreendida, tem-se o self do ser
enfermeiro relacionado às potencialidades pessoais, ao convívio familiar de
sensibilidade, de humanidade, de relacionamentos, necessários à prática de
cuidar. A segunda dimensão é o ser enfermeiro profissional, que necessita de
conhecimento, planejamento, comunicação, competência, eficiência, rapidez,
resolutividade, atualização constante, a fim de dar suporte à terceira
dimensão, que é o ser enfermeiro na coletividade,e envolve trabalho em equipe,
presença genuína de cliente, família e equipe, mediação de relações, transação
intersubjetiva, além das habilidades técnicas. O modelo aponta a relação
existente entre o ser enfermeiro pessoa, o ser enfermeiro profissional e o ser
enfermeiro na convivência coletiva com o cliente, a equipe e instituição. Da
presença ou ausência de harmonia nesse movimento em três dimensões depende a
visibilidade ou invisibilidade do profissional enfermeiro.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escolha do objeto deste estudo, ou seja, a (in)visibilidade da prática de
cuidar do ser enfermeiro em Unidades Críticas Pediátricas, partiu do desejo de
desvelar tal fenômeno, sob a ótica da equipe de saúde, para melhor compreender,
no processo de cuidar e auscultar, por meio dos discursos, como efetivamente o
ser enfermeiro é visto pela equipe de saúde. Essa compreensão auxilia no modo
de gerenciar o cuidado, em mudanças de postura e comportamentos, em maior
atenção no preparo técnico-científico de cada profissional envolvido e,
principalmente, em tornar visível o papel do ser enfermeiro na prática de
cuidar, sua essência. O significado emergido das falas dos depoentes elucida
que o ser enfermeiro, em sua prática de cuidar, tem papel fundamental no
ambiente de trabalho, mesmo que, muitas vezes, não exista a consciência desse
fato ou o enfermeiro não se sinta detentor desse papel naquela unidade.
No ambiente de trabalho, ele é chamado a ser `elo', que, por meio de sua
conduta humana e profissional, expressa aos demais o quanto valoriza as
relações humanizadas entre a equipe e o cliente, sabendo ouvir, sendo
disponível, estando e fazendo-com, demonstrando habilidades, conhecimento
humano-científico, responsabilidade, assim como senso crítico, observação e boa
comunicação.
A partir do conteúdo apreendido dos discursos, é possível conceituar a
visibilidade do ser enfermeiro, focando-se o olhar da equipe de saúde.
Visibilidade é reconhecer de forma crítica sua prática, perceber suas lacunas,
é, antes de tudo, um processo que deve ser exercitado e notabilizado como eixo
norteador para efetivar um cuidado de qualidade pelo enfermeiro;
Visibilidade dá-se pelo rompimento do modo de agir do enfermeiro, voltado
apenas ao desempenho técnico, e exige a conjugação de conhecimento,
habilidades, experiência, sensibilidade e humanidade no cuidar;
Visibilidade é priorizar, no processo de cuidar do enfermeiro, o estar-com, o
olhar, ouvir, tocar, pois esses atributos fazem com que ele utilize o
pensamento crítico para a sistematização, organização e reflexão de sua prática
e, assim, regule-a no tempo vivido para o cuidar;
Visibilidade legitima o humano das pessoas envolvidas, e isso repercute no
ambiente da UCP, reverenciando as pessoas, em vez de o aparato tecnológico;
Visibilidade se estabelece no ato de cuidar como evento inter-humano, de
transação intersubjetiva, dependendo de arranjos entre instrumentos, saberes e
relações dos sujeitos envolvidos no encontro do cuidado;
Visibilidade é estar atento a qualquer solicitação do cliente ou da equipe,
percebendo os temores, apelos, manifestações, para, então, em uma atitude de
solidariedade, realizar a mediação do encontro;
Visibilidade é vislumbrar o fenômeno da verdadeira comunhão, do face a face, da
plenitude do encontro, da beleza singular de cada ser, no momento do cuidado.
Visibilidade é cuidar de maneira integral do cliente, agindo na prevenção de
complicações, investindo em atualização, tanto para si como para a equipe.
Visibilidade é estabelecer o desafio constante da relação dialógica entre
enfermeiro e profissionais da saúde, para, de forma competente, efetivar a
convergência da comunicação sensível e a intersubjetividade que permeiam as
ações de cuidar;
Visibilidade é agir de forma interdisciplinar e multirrelacional no processo de
cuidar, em que a mutualidade, o trabalho compartilhado, a reciprocidade e
autenticidade tornam-se elementos básicos;
Visibilidade é comunicação efetiva entre a equipe, o cliente e a família, em
que as informações são valorizadas, repassadas e transformadas em ações de
cuidado;
Concluindo, considera-se válido enfatizar que este trabalho é perspectival, uma
vez que reflete uma compreensão do fenômeno pesquisado, a qual é sempre
inacabada e dinâmica. Ele fornece dados importantes sobre a visibilidade e a
invisibilidade da prática de cuidar do ser enfermeiro, os quais podem
incentivar modificações no relacionamento ser/saber/fazer, assim como facilitar
a aproximação entre os sujeitos na equipe e trazer luz sobre o ser enfermeiro,
como agente que cuida com responsabilidade, zelo e ética profissionais.