A vivência de amamentar para trabalhadoras e estudantes de uma universidade
pública
PESQUISA
A vivência de amamentar para trabalhadoras e estudantes de uma universidade
pública
Breast-feeding experience for women workers and students from a public
university
La experiencia de la amamantación para mujeres trabajadoras y estudiantes de
una universidad pública
Isilia Aparecida Silva
Enfermeira. Professora Titular do Departamento de Enfermagem Materno-infantil e
Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP
1. INTRODUÇÃO
O fenômeno do desmame precoce pode ser explicado pelo fato de o processo de
amamentação não estar determinado apenas pelos atributos fisiológicos maternos
e pelo reconhecimento da importância dessa prática para mãe e filho, mas por
uma estreita relação com os determinantes contextuais, em que a mulher está
inserida, pois os fatores causais do desmame nem sempre são explicitamente
evidenciados(1,2).
O trabalho materno consta como uma das mais expressivas causas de desmame, em
especial entre mulheres de baixa escolaridade(3,4). A dificuldade de conciliar
suas atividades extra-lar e a inadequação ou ausência de suporte nos ambiente
doméstico e de trabalho, torna a continuidade da amamentação uma tarefa difícil
de ser superada. Segundo pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde do Brasil,
as mães da Região Sul do país que não trabalham fora, têm 30% a mais de chance
de manterem aleitamento materno exclusivo, quando comparadas às mães que
exercem atividade fora do lar(5).
No Brasil, a mulher tem direito a 120 dias de licença de seu trabalho(6).
Embora existam leis de proteção à mulher que amamenta e trabalha no comércio e
indústria, as normas que facilitariam a nutriz trabalhadora dar continuidade ao
aleitamento de seu filho, nem sempre são cumpridas por empresas e empregadores
(7).
Somam-se às trabalhadoras as mulheres que estudam e tentam conciliar a
maternidade com sua formação profissional. Para elas, também, o amparo
institucional para manter a lactação enquanto estudam, é bastante precário(8).
Embora o trabalho materno venha sendo explorado como fator interferente na
prática da amamentação, ao longo das últimas três décadas, pouco se conhece
sobre as interfaces dos ambientes doméstico, de trabalho ou de estudo em que as
nutrizes estão inseridas e de que forma os elementos desses contextos,
contribuem com o perfil da prática da amamentação. Dessa forma, este estudo
teve como objetivo: conhecer os principais elementos presentes no processo de
amamentação e como estes contribuem no perfil dessa prática, exercida por
mulheres trabalhadoras e estudantes.
2. METODOLOGIA
O estudo, de natureza qualitativa, foi realizado com funcionárias docentes e
não docentes, graduandas e pós-graduandas de uma Universidade Pública do Estado
de São Paulo, no campus da capital, entre agosto de 2000 e maio de 2003. Dentre
as 24 unidades do referido campus, 16 responderam afirmativamente a solicitação
de permissão de desenvolvimento do estudo. As demais não responderam ao pedido
em um prazo de quatro meses, não sendo, portanto, incluídas como campo da
pesquisa.
Mediante o consentimento da coleta de dados por parte da direção das
instituições, contatamos o serviço de pessoal, a seção de graduação e de pós-
graduação de cada unidade em busca da identificação de mulheres que haviam dado
à luz crianças sadias e de termo, entre abril de 2000 e dezembro de 2002.
Identificamos 139 mulheres, distribuídas nas quatro categorias: 39 graduandas,
15 pós-graduandas, 11 docentes e 74 funcionárias não docentes. Iniciamos a
coleta de dados por meio de um primeiro contato telefônico convidando-as para a
pesquisa. Mediante o aceite, posteriormente foi realizada e entrevista, até
conseguirmos alcançar a saturação das informações inter e intra categoria das
participantes. Assim, entre o total de mulheres identificadas, entrevistamos 65
mulheres (34 funcionárias, 13 graduan-das, 9 pós-graduandas e 9 docentes). A
data de retorno às atividades foi fornecida pelas próprias mulheres por ocasião
do primeiro contato telefônico feito pela pesquisadora. Nesse primeiro contato
foi apresentada a proposta da pesquisa, expusemos os objetivos e finalidades do
estudo e acordamos o agendamento de novo telefonema, em data próxima ao retorno
às suas atividades, quando seria avaliada a possibilidade de marcar o momento
da entrevista.
Assim que as mulheres retornavam às suas atividades, era feito o segundo
contato telefônico. Caso a mulher já tivesse interrompido a amamentação por
ocasião do retorno dessa ao trabalho ou estudo, a entrevista era marcada tão
logo ela consentisse. Para as demais que mantinham algum tipo de aleitamento
quando voltaram às atividades, a coleta de dados foi feita assim que ocorria o
desmame, ou após seis meses de idade da criança. Era feito contato telefônico
mensal para detectar o status de amamentação e agendamento da entrevista, no
ambiente de trabalho ou doméstico, segundo opção da mulher, em local privativo,
data e horário definido por elas. As entrevistas, do tipo não estruturado foram
iniciadas com uma questão norteadora: "Fale-me como foi para você, amamentar
seu bebê e voltar para o trabalho (ou curso)".
O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola
de Enfermagem da USP. Todos os esclarecimentos prestados por ocasião do
primeiro contato telefônico e reiterados no contato pessoal para a realização
da entrevista. Foram observados todas as recomendações e requisitos legais
previstos para as atividades de pesquisa envolvendo seres humanos(9).
2.1 Análise de dados
As entrevistas foram transcritas na íntegra e seu conteúdo tratado e analisado
segundo os pressupostos de Taylor e Bogdan(10), que apresen-tam uma forma
sistemática de análise em que os temas, as idéias, os conceitos, as
interpretações e as proposições, sobre o assunto em questão, emergem a partir
da compreensão dos discursos, primeira-mente ouvidos na íntegra e,
posteriormente, fragmentados segundo os núcleos de sentido deles extraídos.
Nesse processo, chegou-se a uma estrutura analítica composta por categorias e
subcategorias, em que os fragmentos das falas dos atores ganham coesão,
integrando-se e criando-se um fluxo de idéias que expresse a vivência das
participantes. Os dados obtidos foram analisados sob a ótica do Interacionismo
Simbólico(11), cujo principal pressuposto é de que as pessoas agem em relação
aos objetos sociais com base no significado que eles têm para elas. O
significado que atribuem às suas experiências é o princípio norteador e
mobilizador da ação.
3. RESULTADOS
As mulheres que participaram deste estudo apresentavam idade entre 20 e 45
anos. As docentes e funcionárias tinham entre 36 e 45 anos. Dentre as
funcionárias, havia primíparas e mulheres com dois filhos ou mais, e as
docentes estavam tendo o segundo filho. As graduandas tinham idade entre 20 e
35 anos. Todas primíparas, o mesmo ocorrendo com as pós-graduandas, que tinham
entre 26 e 30 anos. Todas as docentes e alunas de pós-graduação e funcionárias
eram casadas, e dentre as graduandas, uma era solteira.
3.1 O que dizem as mulheres sobre sua experiência de amamentar e trabalhar
Com base nas falas das mulheres, evidenciamos os elementos significativos do
contexto materno no ambiente doméstico, de trabalho e de estudo, presentes na
trajetória da sua prática de amamentar. Estes foram expressos por meio de cinco
categorias e suas subcategorias, estas assinaladas no texto entre aspas.
3.2 Ficando como o coração apertado
O retorno ao trabalho significa concretamente uma separação entre a mãe e o
filho, sendo uma situação angustiante e dolorosa para a mulher, mesmo que tenha
local adequado e pessoas confiáveis para cuidar da criança em sua ausência.
Para a trabalhadora, muitas vezes, o trabalho é uma fonte de recursos e
sustento para a família, do qual ela não pode abrir mão. Para outras, percebe-
se o valor implícito da realização profissional, também observado entre as
estudantes.
Assim, a mulher retoma suas atividades anteriores ao nascimento do filho,
"priorizando a manutenção do trabalho ou trabalho", que significa garantir a
subsistência da vida familiar e a realização profissional. Porém, "sentindo-se
culpada" e vivenciando um conflito, sente que gostaria de dar primazia à
criança e de permanecer com esta por maior tempo, mas o trabalho ou estudo são
prioritários, mesmo perante o desejo de manter a amamentação e a ciência da
importância do leite materno para o filho.
"Eu me senti culpada. Queria achar um jeitinho de continuar dando de
mamar". (Funcionária)
A culpa ainda é mais forte e difícil de ser superada, quando a mãe percebe que
"a criança está preferindo a mamadeira" mesmo quando ela tem disponibilidade,
em alguns períodos, para amamentar o filho ao peito. Essa manifestação de
comportamento da criança é interpretada pela mãe como um ato de rejeição ao
peito, e a ela, "sentindo-se preterida ou castigada" pelo filho, por ter
interrompido a amamentação. Sente assim, sua culpa reiterada.
"Quando voltei a trabalhar, ela efetivamente me recusou".
(Funcionária)
O retorno às atividades fora do lar, para a maioria das mulheres, inaugura a
primeira experiência de separação entre ela e o filho; provoca, além da culpa,
uma sensação de perda e preocupação com o bem-estar da criança. A mãe passa as
horas de trabalho "sentindo a falta da criança" o que faz com que os primeiros
dias de retorno ao trabalho sejam difíceis de serem superados.
3.3 Preparando o desmame
Embora a Universidade disponha de creches, no próprio campus e em outras
localidades próximas, o número de vagas ofertado não consegue absorver toda a
demanda. Não podendo usufruir da creche, a mulher se vê forçada a escolher o
local onde a criança ficará e quem irá cuidar dela e nesse caso, a família
costuma ser o principal apoio da nutriz. No entanto, na ausência desse recurso,
os berçários e creches privativos são as alternativas mais viáveis.
Após definir o local de permanência da criança, a mulher passa a considerar as
possibilidades de manter a amamentação após o retorno ao trabalho ou curso.
"Não tendo condições no trabalho ou na escola" para realizar a ordenha e
refrigeração adequada do leite materno, e nem orientação de como fornecer o
leite para a criança, a mulher inicia o processo de desmame de seu filho com a
introdução gradativa e antecipada de alimentos substitutos do leite materno.
Esse evento também tem a finalidade de ir "afastando-se da criança" para que
ela, não sinta a falta da mãe quando esta voltar a trabalhar, não recuse as
pessoas que irão cuidar dela, nem o alimento substituto do leite materno. Nesse
movimento, e com esta perspectiva, a introdução da mamadeira é a única
alternativa percebida pela mãe.
"Eu comecei a dar de mamar só à noite, para ir se habituando, com a
ausência da mãe... do leitinho, do colinho ..." { lágrimas são
perceptíveis em seus olhos } (graduanda)
No entanto, a mulher vive um conflito angustiante, "sentindo que está negando o
peito ao filho", principalmente, se está satisfeita com o resultado da
amamentação.
"A gente vê a criança quase pedindo o leite e a gente tendo que
enganar, dando a mamadeira. O peito cheio, a gente, ... nega".
(docente)
Em geral, as instituições de atendimento ao lactente não estão preparadas para
utilizar o leite materno na dieta deste, alegando dificuldades com o seu
manuseio. Da mesma forma, no ambiente doméstico, as mulheres também encontram
resistências dos cuidadores de seu filho em oferecer o leite materno ordenhado
enquanto ela está trabalhando. Assim, mesmo que tenha o desejo de manter a
amamentação, "não tendo quem a ajude", a mulher não vê possibilidades de dar
continuidade à amamentação, pois mesmo que ordenhe o leite esse não será
utilizado.
Essas situações são vistas pela mãe, como elementos dificultadores da
continuidade da amamentação, pela introdução de bicos e outros alimentos nos
hábitos da criança.
"... foi acostumando com a mamadeira e passou a recusar peito..."
(docente)
3.4 Armando o esquema para manter a ammentação
Quando as condições do ambiente de trabalho, doméstico ou de suporte social,
propiciam as possibilidades da criança receber o leite ordenhado de sua mãe, a
mulher também busca preparar-se para tal. Ela sente-se mais confiante
"encontrando a creche que aceite dar o seu leite" ou, toma providências
"instruindo o cuidador", para que ele esteja apto a oferecer o seu leite para o
filho em sua ausência, em sua própria casa.
Dessa forma, tendo as condições de cuidados com a criança garantidas ela também
se prepara para estar apta a coletar o leite que vai produzir nos períodos de
sua jornada fora do lar, "aprendendo a guardar o leite", implicando em aprender
as técnicas de ordenha e utilizar os frascos e geladeiras para o
acondicionamento e refrigeração do leite.
Busca, também, negociar com seus superiores e seus pares os horários livres
para proceder à ordenha, ou usufruir de horários especiais para se ausentar do
trabalho para amamentar. "Organizando o seu horário", é o que lhe permite
manter mamadas matutinas, vespertinas e noturnas, ou quando, a proximidade do
local onde está a criança, lhe possibilita alternar ordenha e mamadas durante a
jornada de trabalho.
No caso das alunas, essas não estão amparadas por uma legislação que lhes
garanta alteração em seus períodos de estudo com muita flexibilidade, dessa
forma, a estratégia é buscar uma organização em seu esquema de horários em
combinação com os professores.
"Eu saía logo depois da mamada, ia para a aula e voltava"...
( graduanda)
3.5 Precisando de apoio
Mesmo que tenha as condições ambientais e recursos materiais propícios para
esta prática, a mulher sente que são as relações humanas, em seu contexto
doméstico ou público, que lhe darão retaguarda para se adaptar e implementar
seus projetos para a continuidade da amamentação. Assim, se vê "precisando
contar com todos", para que haja um conjunto de esforços que auxilie a ela e ao
bebê, seja no ambiente doméstico, de trabalho ou de estudo.
O principal elemento de ajuda para essas mulheres é o apoio dos familiares e
colegas que buscam incentivar o aleitamento e valorizar a ação da mulher,
apesar das dificuldades encontradas por elas. O fato de ter alguém que além de
cuidar da criança, valorize seu esforço ofertando o leite materno em sua
ausência é de grande valia.
"Eu tive muita sorte. Minha sobrinha que cuida dela, só dava meu
leite. Não deu mamadeira, e nem chupeta..." (funcionária )
Assim, mesmo antes de retornar as suas atividades, a mulher coleta informações
"avaliando as condições no ambiente de trabalho e estudo", que além da
flexibilidade de horário, para que a nutriz possa usufruir de seus direitos
para a amamentação, implica também, em ter um local privativo em condições
sanitárias adequadas para que ela possa proceder à ordenha do leite materno.
Neste estudo, as docentes, pela característica de distribuição de espaço nas
instituições, tinham privacidade em suas próprias salas de trabalho, e algumas
alunas e funcionárias utilizavam espaços comunitários para esta finalidade.
"No começo, confesso que achei que não ia dar certo por não ter um
lugar que eu ficasse à vontade de fazer a ordenha. Mas quando você me
arrumou a salinha, com pia, toalha, aí ficou bom". (funcionária)
Ou ainda, embora iniciativas muito individuais e pontuais, diante da
necessidade e empenho materno, a sensibilização de gerentes que providenciaram
espaço apropriado para as mulheres foi reconhecido pelas mulheres como
elementos determinantes para manter a amamentação.
Dessa forma, detalhes como o aparelho onde o leite materno vai ser refrigerado,
é um fator de relevância e dependendo de suas condições, pode ser um
facilitador ou complicador:
" ... aqui não tem problema, eu guardo na geladeira da copa que é
muito confiável, limpa, confiável mesmo" (docente)
"Eu fiquei muito preocupada em guardar o leite na geladeira daqui que
todo mundo usa. Agora, com a geladeirinha para esta finalidade, então
fiquei tranqüila". (funcionária)
Diante das dificuldades superadas, há outro elemento de apoio para essas
mulheres, que se torna imprescindível: é a percepção delas quanto à aceitação
de seu leite ordenhado pela criança e o bemestar que ela percebe estar
promovendo ao filho. Dessa forma, "sentindo-se motivada", a mulher adapta-se ao
novo estilo de conviver com o trabalho/estudos e a sua função/papel de nutriz,
buscando contornar e dar resolutividade para situações que podem comprometer
seu desempenho lactacional.
Na perspectiva de poder aplicar alternativas e estratégias que possibilitam a
continuidade da amamentação, a mãe vai "mantendo a amamentação enquanto pode",
o que significa utilizar todas as possibi-lidades que lhe são disponíveis no
ambiente doméstico e externo, para prolongar os benefícios da amamentação para
o filho e para si.
"Gostando de amamentar" é uma das razões apontadas pela mãe que a leva a
superar todas as dificuldades para conciliar suas atividades e todos os
cuidados com a qualidade da ordenha e conservação do leite.
"Protelando a dependência da criança", a mãe assume ser uma das suas ações
encobertas que causam grande prazer em manter a amamentação. Percebe-se que ela
se sente valorizada pelo fato de a criança necessitar dela e, muitas vezes
rejeitar outro alimento que não seja o seu leite, além de perceber o prazer do
filho em sugar o peito materno, quando ela lhe pode oferecer.
Ao mesmo tempo, esse tipo de manifestação da criança cria um conflito para a
mãe, que teme o fato da criança não aceitar facilmente outro tipo de alimento
caso necessite. No entanto, o prazer que sente em saber que o filho dá
preferência para o seu leite e, em conseqüência, para ela, representa um
estímulo para manter suas estratégias de manutenção do aleitamento.
3.6 Percebendo os limites da realidade
Mesmo quando todas as dificuldades tenham sido superadas para a continuidade da
amamentação, o cotidiano das nutrizes mostra-se uma realidade de difícil
conciliação de papéis.
Sua re-inserção nas atividades profissionais ou acadêmicas vai fazendo com que
ela reassuma suas responsabilidades cada vez mais intensamente. Sente que seus
pares ou superiores vão se distanciando e esquecendo que ela tem necessidades
diferenciadas para manter seu propósito de dar continuidade ao aleitamento,
isso exige os horários mais flexíveis para ordenha ou saída para mamadas, e
também, um ambiente menos estressante.
"Percebendo que o trabalho não perdoa", ela sente que as pressões nos ambientes
de trabalho ou estudo, tornam-se maiores com o passar do tempo e dificultam as
suas ações para manter a amamentação. Isto a faz avaliar suas reais condições
de continuidade do aleitamento no ambiente externo ao lar.
Percebe-se que a mulher não se sente à vontade para usufruir de seus direitos,
pois, em especial as funcionárias, à medida que o tempo passa, sentem que
aumenta a dificuldade de se desvencilhar das atividades, limitando até o tempo
para ordenhar o leite.
"As pessoas compreendem, mas até um momento e passa "direito" de sair
uma hora mais cedo (...) você é obrigada a ficar e trabalhar um pouco
mais..." (funcionária)
Da mesma forma, as docentes também vivem o problema do envolvimento crescente
em atividades, reuniões, trabalhos científicos e viagens e não se permitem
manter um ritmo para a amamentação, como é possível perceber na fala de uma
delas:
"Fiz a ordenha por uns três meses e meio, tranqüila. Depois, tudo
acaba invadindo o horário das ordenha". (docente)
Esta realidade também é evidenciada nas falas das alunas:
"A gente tem que estar no estágio e não tem as mesmas condições de
fazer a ordenha... às vezes só esvazio a mama, rapidamente e nem
guardo o leite". (graduanda)
"Eu tenho bolsa de estudos e não há uma dispensa ou licença (...) a
pesquisa tem prazo e eu tenho que apresentar resultados" (pós-
graduanda)
Nesses casos, fica evidente, que mesmo com o desejo materno de manter sua
performance lactacional e a amamentação de seu filho, as condições ofertadas
não facilitam esse processo, pelo menos para a maioria delas, e com o passar do
tempo, elas sentem o desgaste desse processo na ausência da criança, pois,
estão "sentindo a criança longe dela".
Mesmo para as mães que praticavam ordenha sistemática e conseguiram manter a
amamentação por períodos de meses, nada substituiu o prazer da amamentação
direta do filho, também, percebido por elas, como elemento importante para a
manutenção do volume de leite.
"Ia ser fantástico poder estar com a criança ali, entrar na sala de
aula, assistir, voltar, amamentar, assistir outra aula.... não ia ser
preciso ordenhar". (graduanda)
A conciliação do trabalho com a amamentação gera desgaste físico materno. As
atividades diárias, do que apreendemos dessas mulheres, não são diferentes do
período em que não estão amamentando. Assim, à jornada de trabalho e estudo
somam-se as solicitações domésticas e as mamadas noturnas. Também, o despertar
mais cedo para amamentar o filho antes de sair de casa, sendo este um dos
horários de mamada que elas praticam, enquanto que as demais são realizadas ao
final da tarde e noite, quando voltam para casa.
"O que foi mais complicado, é que vai ficando cansativo, estressante"
(graduanda)
Concomitante aos compromissos profissionais, tarefas e desem-penho doméstico, a
mulher se percebe "sofrendo outras cobranças".
Dessa forma, a continuidade da amamentação pode sofrer uma re-avaliação da
nutriz, quando esta percebe dificuldades em seu relacionamento, em que a
amamentação passa a ser um ponto de atrito para o casal, interferindo na
prática da sua sexualidade, dependendo da maneira como seu parceiro lida com
esta questão.
"Percebi que meu marido não ficava a vontade na hora da relação... aí
eu ponderei, já tinha amamentado o suficiente". (funcionária)
4. DISCUSSÃO
4.1 O cenário, as mulheres e o ato de amamentar
O modelo explicativo da experiência de amamentar, "Pesando riscos e
benefícios", indica que a mulher age em relação à amamentação, segundo o
significado de risco ou de benefício que esta experiência tem para si ou para
seu filho. Ainda, amamentar é um processo em contínuo movimento de avaliação
desses significados e da valoração atribuídas a eles, podendo, portanto, os
significados e seus valores serem modificados ao longo do processo de amamentar
(2).
Neste estudo, embora a mulher atribua um significado de benefício para a
amamentação, ela opta por reassumir atividades fora do lar, dando-lhes
prioridade, o que deixa o aleitamento sujeito as outras condições, que fogem de
seu único domínio e decisão.
Os resultados deste estudo também demonstram que a continuidade ao aleitamento,
dessas mulheres, passa por um processo de atribuição de prioridades em que
todas as dimensões da vida dessa mulher são avaliadas na interface com o
processo de amamentação e seu trabalho ou estudo. Manter a amamentação não foi
o fator determinante das condições de trabalho, mas foi condicionado pelos
limites que a atividade materna fora do lar oferecia. Isto pode ser reiterado
por outros estudos que indicam que o desejo materno de dar continuidade ao
amamentar está condicionado aos fatores institucionais em que a mãe se insere,
seja nos ambientes públicos ou privados(12). A inadequação dos equipamentos
sociais que possam oferecer apoio à trabalhadora, e em nosso estudo
acrescentamos as estudantes, é um fator que pode ser determinante da
interrupção da amamentação.
Para essas mães, a introdução de outro alimento, pode preceder o tempo
demarcado para o retorno às atividades fora do lar, como um rito de preparação
para a criança assimilar seu afastamento. Tentam minimizar o impacto da
separação e ausência do peito materno para a criança, na dificuldade
vislumbrada de manter a amamentação e muitas vezes, influenciadas pelos
profissionais que não estão preparados para dar-lhes o devido suporte(13). Da
mesma forma, que ocorre o preparo para o desmame, as mulheres que optam por
tentar a continuidade da amamentação, buscam explorar ao máximo as condições de
que dispõem para atingir seus objetivos. Concorde aos resultados encontrados
por Kimura(14), as mulheres buscam aprender como manter a amamentação e como
instrumentalizar os cuidadores de seus filhos para ampliar suas possibilidades
de oferecer seu leite em sua ausência.
A falta de condições estruturais, como sala de ordenha apropriada, material
adequado para coleta e refrigeração do leite, aparece como elemento fortemente
interferente na continuidade da amamentação por essas mulheres, pois estas se
sentem constrangidas em exporem-se e inseguras em ofertar um leite
potencialmente contaminado ao filho. Esse fato pode explicar o resultado de
estudos que demonstram que mulheres que trabalham em ambientes com creches e
com salas de coleta tendem a amamentar por mais tempo(15,16).
No entanto, a determinação materna de amamentar, mesmo dispondo de aparatos
legais trabalhistas, não garante o sucesso da mulher em sua decisão. À exemplo
de outros estudos, nossos resultados mostram que as relações restritivas de
horário e divisão de tarefas no trabalho, que não contemplem as necessidades
especiais maternas, e mesmo as relações com seus familiares e parceiros, ainda,
o desgaste físico e emocional podem ser decisivos e mais fortes do que seu
intento de amamentar(17,18).
Observa-se que a ordenha, embora uma estratégia eficaz para a manutenção da
lactação, não substitui a presença da criança. Quando a mãe tem oportunidade de
estar próxima da criança, ela empenha-se em superar todas as dificuldades para
manter-se junto e amamentar o filho, sendo esse fato um forte estímulo para
manter o aleitamento materno.
Não foi objetivo desse estudo a avaliação quanto ao tempo de duração da
amamentação para os filhos dessas mulheres. No entanto, foi possível constatar
que as docentes e funcionárias com maior escolaridade amamentaram por mais
tempo, mesmo tendo voltado ao trabalho, em média, quatro meses após o parto, o
que pode ser constatado por ocasião da entrevista. Isso pode ser explicado pela
possibilidade de existir maior flexibilidade em seus horários, do que entre as
alunas de graduação e funcionárias com menor escolaridade, devendo haver uma
atenção especial também, para essas mulheres.
5. CONCLUSÃO
O esforço materno em manter a amamentação mostra-se frágil diante das forças
que os ambientes de trabalho ou de estudo estabelecem, numa relação desigual,
em que as decisões e necessidades dessas mulheres perdem energia diante do
poderio das regras de uma sociedade instituída. As mulheres refletem sobre suas
possibilidades de amamentar interagindo consigo e com os demais elementos de
seu contexto. Fica claro que conciliar as atividades de trabalho ou estudo e
dar continuidade ao aleitamento estão na dependência de uma estrutura social
que dê apoio e possibilidade concreta para a mulher exercer esta prática.
A necessidade da mãe se manter próxima do filho com possibilidade de amamentá-
lo durante o período do trabalho, é um dos principais elementos que podem
proporcionar a continuidade da amamentação. Na impossibilidade deste, fazem-se
necessários outros recursos e estratégias para garantir a manutenção da
lactação e da oferta do leite materno para a criança na ausência da mãe, seja
este alimento consumido pela criança em berçários, creches ou em seu próprio
domicílio. Assim, a disposição de cuidadores da criança em utilizar e manusear
o leite materno na dieta do lactente, sejam esses, profissionais das
instituições infantis ou, aqueles que se encarregarão de cuidar da criança em
casa, é um elemento fundamental para a mãe sentir-se motivada e segura em
manter a lactação. Além da condição da oferta do leite materno para seu filho,
é necessário o apoio e condições institucionais para que a nutriz possa
realizar ordenha mamária para manter sua performance lactacional e assegurar a
boa qualidade de armazenamento do leite, que se traduzem no apoio de colegas e
superiores que possibilitem a flexibilidade de horários e de atividades, para
que a nutriz possa ter tranqüilidade, liberdade e condições de higiene para
realizar a extração do leite ou usufruir de sua jornada especial de trabalho.
No ambiente doméstico, os elementos sociais importantes estão representados
pelo apoio e aceitação, principalmente por parte do companheiro, de sua
condição de nutriz e, também de demais familiares que sustentem sua decisão em
manter a amamentação.
Ao contrário, a indiferença de sua condição traduzida pelo trabalho
ininterrupto, cobranças profissionais e mesmo pressões familiares induzem ao
desestímulo e intensificam a sobrecarga a qual a mulher já está exposta
buscando conciliar suas atividades profissionais e maternas.
Embora nas últimas décadas o aleitamento materno tenha despertado um relativo
interesse da sociedade, esta não tem se responsabilizado efetivamente pela sua
promoção, pois os ambientes, como os de trabalho e de estudo, não têm estrutura
para acolher o esforço materno em manter o aleitamento.
A mulher conseguiu fazer muitas conquistas, mas ainda não foram suficientes
para provocar uma mudança na estrutura social que pudesse resultar em
transformações dos relacionamentos na expectativa de seus papéis(19). E, é
sobre estes aspectos que devemos refletir quando buscamos a interface da
promoção da amamentação e a realidade das mulheres.