O climatério: a corporeidade como berço das experiências do vivido
PESQUISA
O climatério: a corporeidade como berço das experiências do vivido
Climacteric: the corporeity as cradle of life experience
El climatério: la corporalidad como el orígen de las experiencias de lo vivido
Roselane GonçalvesI; Miriam Aparecida Barbosa MerighiII
IDoutora em Enfermagem e Professora Assistente Mestre da Universidade de Mogi
das Cruzes - SP. lanegoncalves@uol.com.br
IIProfessora Livre Docente do Departamento Materno-Infantil e Psiquiátrica da
EEUSP e orientadora da Tese. lesami@ig.com.br
1. INTRODUÇÃO
O termo climatério é comumente usado como sinônimo de menopausa, porém esta
última é um fenômeno que se define retroativamente, pois representa a cessação
permanente das menstruações, por um período de doze meses de amenorréia, sendo
o resultado da perda da função folicular dos ovários. É utilizado para definir
o período da vida reprodutiva da mulher durante o qual a menopausa ocorre(1-3).
A menopausa, então, é um episódio biológico natural que pode ocorrer
espontaneamente ou ser induzida por meio de uma intervenção médica, por
exemplo: ooforectomia bilateral, quimioterapia e radioterapia pélvica(4-6).
Os sinais e sintomas do climatério podem ser classificados cronologicamente, ou
seja, os que incidem a curto e a longo prazo. Dentre as manifestações iniciais
estão à irregularidade menstrual; os sintomas vasomotores (os fogachos, que
freqüentemente começam como uma sensação de pressão na cabeça, seguida pela
sensação de calor na cabeça, pescoço e tórax; as palpitações e as ondas de
calor); as manifestações atróficas no sistema geniturinário (prurido,
dispareunia); as alterações da pele e fâneros e as alterações psíquicas, que
vão da fadiga à depressão. As manifestações tardias são a osteoporose e as
doenças cardiovasculares (DCV)(2,7).
Constata-se então que esta fase crítica da vida da mulher, também chamada de
meia-idade feminina, é um estágio importante e complexo que traz numerosas
mudanças nos âmbitos físico, emocional e social(8).
No âmbito da Saúde Pública chama a atenção a expectativa de que em 2020 haverá
mais de um milhão de indivíduos acima de 60 anos de idade. Assim sendo, o
climatério passa a constituir um desafio já que se sabe que com a prevenção
adequada dos riscos nesta fase, melhora-se a sobrevida e a qualidade de vida
relacionada à saúde das mulheres(9-11).
Salienta-se o fato de o Brasil ter atualmente uma população de 160 milhões de
habitantes aproximadamente, dos quais 56% são mulheres. Nos últimos 40 anos a
expectativa de vida feminina tem aumentado, passando de 45 anos em 1968 a 68
anos na atualidade. Este dado mostra um incremento de 50% em apenas 45 anos e
as estimativas são de que esse aumento se mantenha durante o século XXI. De
qualquer forma, para alguns autores o período etário aceito em que a população
poderá apresentar os sintomas do climatério é a partir dos 40 anos(6,11-13).
Diante das considerações, acima mencionadas, entende-se como prioritário a
implementação de ações efetivas na assistência à saúde da mulher no climatério,
enfocando aspectos sócio-econômico-culturais, além do enfoque fisiopatológico.
Para tanto a discussão de aspectos mais abrangentes sobre a temática deve ser
enfatizada por meio de estudos que aproximem a conceituação biofisiológica das
questões que dizem respeito a forma como os indivíduos vivenciam suas
experiências, já que as mudanças impostas pelos processos de vida que se dão em
seus corpos influenciam e são influenciadas pela sua forma de pensar e agir,
como também por todo contexto em que está inserido.
2. CAMINHO METODOLÓGICO E FILOSÓFICO
Intencionando ampliar o olhar sobre esta fase da vida das mulheres,
desenvolvemos um estudo sobre a vivência do climatério utilizando a pesquisa
qualitativa de abordagem fenomenológica, tendo Maurice Merleau-Ponty como
referencial teórico-filosófico. Optamos por este caminho metodológico por
acreditarmos que, por meio da pesquisa qualitativa, encontraríamos o respaldo
necessário para a compreensão do fenômeno Ser mulher vivenciando o climatério,
além de estarmos convictas de que o enfoque fenomenológico, por abarcar o
existir humano em sua totalidade, oferece a oportunidade da interpretação da
experiência vivida.
A pesquisa teve como sujeitos mulheres que estavam vivenciando o climatério,
independente da profissão, do nível de escolaridade, da raça ou de qualquer
outro atributo, por entendermos que os mesmos não interferirão nesta pesquisa.
A escolha dos sujeitos da pesquisa foi definida a partir dos achados
bibliográficos que afirmam que a fase do ciclo reprodutivo, na qual a mulher,
usualmente, constata a ocorrência da menopausa, é aquela situada entre a faixa
etária dos 48 aos 52 anos. Entretanto, na procura das possíveis colaboradoras
para este estudo, constatamos alta incidência de mulheres histerectomizadas na
faixa etária pré-estabelecida para participar da pesquisa. Por acreditarmos que
esta característica poderia influenciar nos resultados ampliamos a faixa etária
para 55 anos de idade e procuramos evitar sujeitos que tivessem sido submetidos
a procedimentos que pudessem interferir na ocorrência espontânea da menopausa.
A abordagem das mulheres dependeu do conhecimento de uma das pesquisadoras e de
informações de terceiros sobre a existência destes sujeitos. Evitamos coletar
os dados em Serviços de Atenção ao Climatério por entender que as mulheres já
estivessem envolvidas com tratamentos médicos e, portanto, com possibilidade de
terem sua atenção voltada, principalmente, aos aspectos fisiopatológicos
relacionados è esta fase da vida.
As entrevistas foram agendadas e realizada entre novembro de 2004 e janeiro de
2005, sendo que algumas foram realizadas nas residências das mulheres e outras
nas dependências do seu local de trabalho.
Considerando o que preconiza a Resolução 196/96, sobre Diretrizes e Normas
Regulamentadoras, que trata de pesquisa com seres humanos, as mulheres foram
esclarecidas sobre o objetivo da pesquisa, bem como sobre a manutenção do
sigilo, do anonimato da sua pessoa e do seu direito de participar ou não da
mesma. Após estes esclarecimentos foi solicitado às participantes a assinatura
do termo de consentimento para participar de pesquisa científica. As
verbalizações das mulheres, apresentadas no texto, foram identificadas com
nomes fictícios.
Vale ressaltar que o projeto da pesquisa foi submetido à avaliação e aprovado
pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São
Paulo.
Para a obtenção dos depoimentos utilizamos a seguinte questão norteadora: fale-
me como é para você estar vivenciando o climatério. O número de mulheres
participantes deste estudo foi definido pelas próprias descrições. O
encerramento da inclusão de novos sujeitos foi decidido com base no conjunto
dos dados coletados que evidenciou, tanto a riqueza como a abrangência dos
significados contidos nos depoimentos. Neste sentido, sete discursos foram
trabalhados e considerados suficientes para desocultar o fenômeno Ser mulher
vivenciando o climatério.
Os depoimentos foram submetidos à análise e interpretação, segundo o
referencial teórico-filosófico de Maurice Merleau-Ponty, e possibilitou a
identificação de cinco diferentes categorias temáticas que desvelaram que o Ser
mulher vivencia o climatério percebendo mudanças no seu corpo, vivenciando
sentimentos de ambigüidade, conscientizando-se do mundo por meio do corpo no
tempo e no espaço, refletindo sobre a sexualidade e reconhecendo novas maneiras
de co-existir no mundo.
Dentre as categorias temáticas que emergiram dos depoimentos destacamos, neste
momento, o tema desvelado "Conscientiza-se do mundo por meio do seu corpo no
tempo e no espaço", com o objetivo de estimular a reflexão sobre o aspecto
existencial da vivência desta fase do ciclo reprodutivo e fazer considerações
sobre a assistência à saúde da mulher climatérica.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conscientizando-se do mundo por meio do corpo no tempo e no espaço
O corpo é a origem do nosso modo de ser, de reagir ao mundo e, assim sendo,
torna-se indubitável que ele seja a forma como relaciono-me com o mundo. Então,
podemos aceitar que o mesmo mundo muda a cada fase vivida pelo corpo. O mundo
intra-uterino, o mundo do bebe, da criança, do adolescente, do jovem, do
adulto, do idoso. São vários mundos constituídos num único mundo, são vários
corpos num único Ser vivendo em mundos diferentes e no encontro desses corpos o
mundo se torna único(14,15).
O corpo é o veículo do ser no mundo. Para este autor, ter um corpo é juntar-se
a um meio definido, confundir-se com certos objetos e empenhar-se continuamente
neles. Por encontrar possibilidades de manejar objetos, por estar nesse
movimento que o leva em direção ao mundo, o sujeito/corpo encontra a certeza da
sua integridade e a certeza de que seu corpo é o pivô do mundo. Assim, torna-se
possível conhecer as várias faces deste objeto de carne, pois pode-se dar a
volta em torno dele, perceber-se e tomar consciência do mundo por meio deste
mesmo corpo. Só assim é possível ver-se a si mesmo(14)!
A percepção pode ser concebida como a experiência original do corpo com o mundo
ao seu redor. O Ser ao entrar em contato com o objeto, com as coisas, entra em
contato consigo mesmo, portanto, o corpo passa a ser considerado como
corporeidade, pois é fonte de sentidos e rede de significados existenciais
(14,16):
Você se olha no espelho e pensa que a gente muda tanto! Se você vê
uma foto minha(vai até o guarda-roupas e pega um álbum de
fotografias) quando eu tinha 16 anos e vê agora?! Nossa Senhora! Como
muda! A idade vai chegando e as coisas não são mais como antes! Antes
a gente era jovem... podia rir mais... (Ártemis)
Ártemis parte da imagem do corpo atual e compara a imagem real com aquela que
possuía, argumentando que o corpo que gostaria de ver refletido no espelho era
aquele de anos atrás. Relaciona o que vê com a intenção de manter-se bela e
encontra na sua própria história as motivações:
Eu tenho um casal de filhos moços, três netos e eu adoro meus netos,
graças à Deus! (Ártemis)
No começo que eu perdi a menstruação eu senti falta porque eu achei
que tava muito nova e via pessoas com 50 anos ainda menstruando....
Hoje eu tô mais liberal... posso conviver... eu viajo, passeio, jogo
baralho, jogo vôlei... embora com os mesmos problemas do lado mas eu
tô conseguindo dar um pouco de espaço para mim também. (Tique)
Percebemos, por meio dos depoimentos dessas mulheres, que é preciso que o
sujeito se esforce para alcançar o Ser que está ali presente e vivo neste corpo
que se vê projetado no espelho percebendo que, além daquela superfície
corpórea, existe uma aglutinação de vivências que dão forma àquilo que os olhos
nus, ou seja, sem a lente da complexidade, não consegue perceber.
Quando percorremos com o olhar, primeiramente, o mundo ao nosso redor e, em
seguida, percebemos nosso corpo atuando neste grande cenário humano, iniciamos
um processo de auto-descoberta durante o qual o nosso corpo assume, a cada
momento, posturas e ritmos diversos. Como na fala de Afrodite:
Eu acho que eu cresci muito nessa fase do climatério. Eu comecei a
mudar. Não foi a mudança no corpo que detonou o processo... Eu não
tive uma puberdade normal, eu não assumi minha menstruação e só fui
querer ficar com ela quando eu descobri que sem ela eu ia murchar,
quando já tinha 40 anos. Sem ela eu ia ter que reaprender a viver.
Não é fácil! Pra ter um climatério confuso como o meu é porque havia
outras coisas envolvidas. Minha vida pregressa contou muito. Até eu
entender o que era, que horror! Eu vim me conhecer quando eu entrei
nessa fase do climatério. Eu acredito até que eu tenha entrado no
climatério com uns 44 anos, mas eu não me observava, eu não prestava
atenção. Eu só vivia pros outros. (Afrodite)
Quando as mulheres iniciam o movimento de olhar-se e buscar decifrar-se, por
meio das suas vivências, passam a perceber que há ali algo mais profundo e
intenso, que precisam trazer à luz.
Considerando-se que, nas diversas fases da nossa vida, não somos puramente
carne, mas que nosso corpo possui dimensões palpáveis, características
passíveis de descrição na sua superficialidade, alcançaremos também perceber
que existe uma espessura neste corpo e que por meio dela pode-se chegar ao
âmago das coisas, fazendo-nos mundo e fazendo-as carne. É unicamente o corpo
que pode nos levar às próprias coisas; que não somos seres "planos", mas seres
em profundidade, inacessíveis à um sujeito que nos sobrevoe, só abertos para
aqueles que conosco coexista(17).
Pensando desta forma retomamos a questão das limitações físicas, dos sinais e
sintomas do climatério e apropriamo-nos deste corpo atual como sendo um retrato
de uma experiência biológica, mas sempre reafirmando o fato de que existe um
corpo habitual, original. Este corpo habitual pode ser assimilado como o fiador
deste corpo atual, desgastado. Para tanto, é preciso que se reencontre a origem
do objeto (do corpo) na própria experiência, pois só assim a consciência
conseguirá "saber de si". Faz-se necessário entender o corpo como ser impessoal
que independe do movimento de suas partes isoladamente e que é origem de todo o
movimento(14).
Cada organismo tem o seu próprio modo de comunicar-se com o mundo. Toda a
percepção consciente que a mulher tem de si significa que ela experiencia o que
está ocorrendo. Muitas mulheres perderam essa habilidade de estar presentes e
sintonizadas com seu próprio corpo e o vêem como o corpo inespecífico de uma
mulher. Entretanto, é de seu corpo que ela deve aproximar-se cada vez mais e
sentir o que realmente ocorre internamente, como evidencia a fala de Afrodite:
... passei três anos saindo à noite... que coisa boa! Ai que
maravilha!... dancei bastante. Danço muito ainda... só que hoje eu já
começo a sentir que um esforço maior já me cansa. A noitada já não dá
mais... (Afrodite)
Agindo desta maneira, é possível que, no cume da experiência, no ardor dos
acontecimentos, o Ser perceba que não pode mais ser sustentado por este
invólucro frágil, que o limita, circunscreve, que ele pode ir além dessa
circunscrição, mesmo que, num primeiro momento, este reconhecimento se dê à
custa de sofrimento:
Às vezes dá vontade de ir embora, largar tudo! Eu sinto uma tristeza
tão grande e aquela vontade de chorar. Eu associo essa tristeza a
esta fase... porque antes eu não tinha nada disso.... Quando vem essa
vontade eu resolvo sozinha. Bate cansaço... aquelas ruguinhas que vão
aparecendo... eu olho no espelho e penso que quando eu tinha uns 30
anos eu era bonita! Tenho medo de ficar doente e dependente dos
outros. (Afrodite)
O desejo de ir embora, a angústia, a tristeza podem representar o impulso para
a retomada do caminho, a manifestação da consciência que reconhece seu poder de
extrapolar os limites do corpo-carne/invólucro. Porém, este processo/atitude
também desencadeia sensações desgastantes que suscita angústia, conforme se
verifica no depoimento de Afrodite:
Eu vivia embaixo de uma angústia, uma amargura que eu não sabia de
onde vinha. Nesse período aumentou! Eu chorava, vivia com vontade de
sumir. Eu tava horrível. Tinha dentro de mim um mal, estava
sofrendo... Não era uma tristeza. Quando eu olhava no espelho eu
sentia que não era a mesma pessoa e que eu estava sofrendo. Nem era
angústia nem era tristeza. Eu não queria enxergar o que tava
acontecendo comigo. Eu tomei ansiolítico pra poder me suportar. Você
não suporta as outras pessoas. Eu comecei a me sentir como se
estivesse inválida. Minha parte emocional tava no chão, nada tava
bom! Não era falta de afetividade, era alguma coisa em mim mesmo. Não
tava preocupada se o mundo ia rolar pra cima ou pra baixo. (Afrodite)
O estado de medo, tristeza, agitação, torna-se barreira para que a mulher
sustente seu "novo invólucro", para organizar sua vida de um outro modo,
aprendendo a buscar nela a simplicidade, agindo com leveza e vindo a
compreender que a sua liberdade está na possibilidade de ir além.
Encontrar-se no corpo, sentir-se habitando um corpo e por meio dele existindo
num mundo de fato, pode impactar o sujeito. Mas, como já dissemos, é no
movimento que se descobre a direção. É a corporei-dade como berço das
experiências do vivido. O corpo é o unificador e o unificado, ele mostra a
roupa dos dois lados, o direito e o avesso ao mesmo tempo(16).
No momento do dar-se conta de si, uma alquimia transformacional é dinamizada.
Quando o sujeito torna-se cônscio e atento, testemunhando este turbilhão de
sentimentos que a reflexão sobre sua vida suscita, uma mudança transcorre,pois
para testemunhar esta sua condição o Ser faz um movimento de desidentificação,
abrindo um espaço criativo, propício à transformação(17).
Nesta busca por ser o que se é, pela felicidade, o sujeito agita-se
interiormente. É como se estivesse em pleno turbilhão existencial. Por
necessitar de uma explicação para o seu desassossego, ele retoma a busca pelas
justificativas e é no corpo que pretende encontrá-las. Isto porque as respostas
aparecem mais rapidamente quando enfoca-se as deficiências desse corpo, as
falhas na sua constituição, afinal, de alguma forma é preciso dar conta de
responder às suas inquietações:
Eu não tenho problemas mais por causa de eu não produzir(não ter tido
filhos) . Eu acho que a menstruação da mulher é a saúde da mulher...
desde o momento que vai embora(a menstruação) não fica mais aquela
saúde que ela tinha. Ela começa a mudar. É uma coisa muito estranha.
Eu me sinto só! (Héstia)
Convém ressaltar que a meia idade feminina pode ser um período de satisfação e
fruição, ao serem aceitas as próprias realizações sem amarguras. A "menopausa",
no entanto, pode representar um golpe na auto-estima feminina pela perda da
função procriativa, e por isso um marco de passagem para o vazio, com
desconfortos físicos, que variam em grau e duração de uma mulher para outra:
No começo que eu perdi a menstruação eu senti falta porque eu achei
que tava muito nova e via pessoas com 50 anos ainda menstruando.
Enquanto eu tava menstruando eu podia engravidar e queria muito
engravidar. Há uns anos atrás meus exames "falou" que eu ainda tava
fértil, embora sem menstruação. (Tique)
Não se pode negar que uma outra forma de expressão da sexualidade é a
reprodução. Percebe-se que a sexualidade permeia as relações e tem como uma de
suas manifestações a idéia da procriação, da perpetuação da espécie e, do ponto
de vista existencial, da eternização do ser. Esta afirmação reporta-nos a um
outro aspecto da vida da mulher climatérica:
Eu queria ser mãe e quando as regras deixaram de vir eu pensei:
"agora é que não vai mais ter filhos mesmo, né?!" Daí a idade vai
passando... são 40, 45(anos) e a mulher vai ficando velha. Passava
tudo isso na minha mente... Apesar de que minha mãe teve um filho com
51 anos. Mas ela deve ter menstruado mais tarde e ter ficado mais
tempo menstruada por que a menstruação é que indica se a mulher pode
ter filhos ou não, né? Eu me sinto só. Se eu tivesse tido filho
talvez eu tivesse uma companhiazinha pra mim. (Héstia)
Encontramos em algumas falas que a vivência desta fase da vida traz para a
mulher a constatação da incapacidade reprodutiva, ou seja, com a menopausa dá-
se por, senão encerrada, dificultada a possibilidade da procriação, do Ser
perpetuar-se pela geração. Afinal, procriar é enraizar-se no mundo, é manter-se
"sendo no mundo".
Eu gostaria muito de ser mãe mais uma vez. Depois da menopausa eu
tenho medo de engravidar. Eu me previno, ele(o marido) usa
preservativo porque eu tenho facilidade pra ter filhos. Eu tenho
vontade de pegar uma criança porque a gente sente falta. (Deméter)
Nas falas de Héstia e Deméter desvela-se a idéia de que a menopausa se
apresenta como a marca fatal do "início do fim". Se assim o é, não se
estranhará quando a mulher manifestar a intenção de manter-se sempre presente
por meio da reprodução. Os filhos representam a possibilidade da continuidade
da sua geração, a "fincada" da bandeira no território, o domínio do espaço.
Neste momento da vida é importante que o Ser compreenda que o fato de termos
passado pelo mundo e nele vivido como seres engajados uns aos outros, de forma
a compor um Todo Maior que é o próprio Universo, pode ser o que venha a nos
confortar. Se estamos no mundo aí permanecemos enquanto essência. De tal forma
que, saber-se experimentando o corpo no mundo, o peso do espaço, do tempo, do
próprio Ser é ter em torno de si mesmo um tempo e um espaço de perpétua
pregnância, parto perpétuo, geratividade e generalidade, essência e existência
brutas que são o ventre e o nó da mesma vibração ontológica. É a forma
autêntica de estar no mundo, ser no mundo, manter-se no mundo(18).
Pelo seu corpo a mulher se dá a conhecer e pode ainda conhecer o outro.
Percebemos que sua consciência é inerente a um mundo que lhe pertence e é
preciso agora distingui-la do corpo objetivo, tal como descrito pela
fisiologia.
O sujeito não torna-se completamente uma coisa no mundo. A existência corporal,
enquanto possui órgãos dos sentidos, nunca repousa em si mesma e sempre põe a
pessoa diante do propósito do viver em seu tempo natural, ou seja, o tempo
presente está sempre para recomeçar(14).
Sendo este ir e vir, o verso e o reverso, o eu-individual e o eu-coletivo é que
se pode constatar que a corporeidade engloba corpo e espírito. É uma totalidade
que se entrelaça para a evolução do Ser do homem na existência. De forma que, o
homem está em relação consigo, com o outro e com o mundo enquanto corporeidade,
enquanto uma totalidade significativa na qual constrói-se como sujeito na
existência. O corpo existe para revelar as "suas" possibilidades neste existir,
o corpo existe como ser-no-mundo(19). Como ser-sendo-no-mundo, Afrodite diz:
Eu tenho que começar a ter uma vida mais tranqüila para que aos 60
anos eu esteja bem.. Eu não levo a vida e não tenho a fisionomia de
uma mulher de 51 anos. O meu corpo não mostra, mas eu tenho 51 anos.
A gente nunca tá pronto pra morrer, mas se por acaso tivesse que
falar: "Pronto! Tô pronta!" eu falaria hoje: "Estou!". Tenho medo?
Tenho! Tenho medo de ficar sozinha e não ter com quem conversar.
Tenho medo de sentir uma dor e não ter pra quem ligar... mas isso já
sou eu a "A" que tem um monte de medo, um monte de neura... mas meu
lado hormonal ta controladinho. É a segunda adolescência! Pode ter
certeza que é! (Afrodite)
A fala de Afrodite leva-nos a confirmar que, o corpo é o solo firme para a
construção do sujeito e a compreensão do corpo revela a necessidade de uma
abertura para o compartilhar do existir, evitando o esmagamento da corporeidade
que transcende a concepção apenas do corpo biofisiológico(19).
Apreciar a vivência da mulher no climatério é ver-nos ali e, ainda mais, é
entender que o que vemos ali só é visto por nós e por mais ninguém. Isto se dá,
pois o que procuramos no outro é o que nos une a ele e ao mundo. O que propicia
este acontecimento é a constatação de que o mundo é um prolongamento do nosso
corpo e cada um se sabe e sabe os outros inscritos no mundo. O que sente, o que
vive, o que os outros sentem e vivem não são ilhotas, fragmentos isolados do
Ser, mas tudo isso é SER, tem consistência, ordem, sentido e há meio de
compreendê-lo(18).
Pode-se sugerir que a mulher no climatério ao perceber-se exteriormente percebe
seu corpo no mundo, está no mundo e nele permanece sendo-com-o-outro. A mulher
é um Ser de relações e por meio delas dá-se conta de seu corpo co-existindo com
outros no convívio social, na intercorporeidade, no movimento que aproxima e
distancia o corpo de si mesmo, de nós mesmos e do mundo que habitamos. Todo
este movimento merece ser compreendido para que melhor habite seu espaço e seu
tempo.
Considerando o corpo em movimento, vê-se que ele habita o espaço e o tempo. O
movimento assume o espaço e o tempo ativamente e em cada momento é preciso que
saibamos onde está nosso corpo sem precisar procurá-lo, como procuramos um
objeto retirado durante nossa ausência. É preciso que até os movimentos
automáticos se anunciem à consciência, quer dizer, que nunca existam movimentos
em si(14).
Apesar das angústias, o importante é assumir este momento da vida, apreciando
cada detalhe do movimento do corpo, durante o qual o instante precedente não é
ignorado, mas está como que encaixado no presente, e a percepção presente que
temos do nosso corpo consiste em suma em reaprender, apoiando-se na posição
atual a série das posições anteriores que se envolvem umas às outras. É o
passado ajudando a compor o presente com vistas no porvir.
Os discursos das mulheres entrevistadas reforçou em nós a certeza de que se o
sujeito se mantiver centrado nas limitações, nas deficiências corporais, será
muito difícil ajudá-lo a compreender que o espaço e o tempo não são estanques
em si mesmos enquanto temos um corpo e por meio dele agimos no mundo, para nós
o espaço e o tempo também não são uma soma de pontos justapostos e nós não
estamos no espaço e no tempo. Meu corpo aplica-se a eles e os abarca. Quanto
mais apreendermos isso maior a amplitude da nossa existência, mas de qualquer
forma, a amplitude da existência nunca pode ser total, pois o espaço e o tempo
que habitamos de todos os lados têm horizontes indeterminados que encerram
outros pontos de vista. Desta forma, a síntese do tempo, assim como a do
espaço, está sempre para se recomeçar. O horizonte é infinito assim como as
possibilidades do Ser também o são(14).
Na realidade, não existe fim e sim um processo de vivências encadeadas umas nas
outras e todas numa única consciência.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vida é um eterno fluir que vai deslizando lentamente, mas intrinsecamente
voltada para o ciclo biológico e vital. Nesse sentido é desejável que a mulher
acolha o seu Ser e o seu corpo diante da própria natureza. Podendo viver a vida
a cada vez e a cada fase diferente, diferente do já conhecido, do antes, mas o
diferente que gera vida.
Para a apropriação deste movimento do corpo, do seu ir-e-vir, considerando a
sua complexidade enquanto arquivo vivo do vivido, acreditamos que o primeiro
passo seja assumir as limitações impostas pelas mudanças corporais, tornando-
nos conscientes de que elas fazem parte da evolução natural do indivíduo e que
são nossas ferramentas para amadurecermos e crescermos enquanto Ser.
No que se refere a assistência à saúde, é importante reconhecermos que a
Terapia de Reposição Hormonal (TRH), tema de tantos trabalhos científicos,
poderá alcançar atender as necessidades das mulheres climatéricas sem expô-las
a tanto riscos e poderá, uma vez garantido o acesso à ela, ser uma das opções,
a ser feita pela mulher, para o controle dos sinais e sintomas da carência
estrogênica que trazem tanto desconforto para maioria das mulheres.
A busca por um nível satisfatório de saúde, por meio de atividades e hábitos de
vida saudáveis deve ser incentivada. A prática da dança, da natação, da yoga,
as caminhadas diárias, por tempo e freqüência recomendadas, podem e devem ser
utilizadas como nossas aliadas nesta fase de nossas vidas.
A ênfase no diagnóstico, tratamento e controle das doenças crônico-
degenerativas, como a como a Hipertensão Arterial Sistêmica e o Diabetes
Mellito; na abolição do tabagismo e etilismo, no consumo de alimentos ricos em
cálcio e proteínas e hipogordurosos e na valorização da auto-estima das
mulheres climatéricas deve ser incentivada.
No âmbito da assistência de Enfermagem, faz-se necessário re-elaborar e
implementar ações incluindo as mulheres em todas as fases do seu ciclo vital,
de forma que sintam-se responsáveis pelo autocuidado, ao mesmo tempo em que nos
colocamos disponíveis para o trabalho de educação e promoção da saúde.
Enquanto membro da equipe multidisciplinar, cabe à enfermeira estabelecer
relação horizontal com as mulheres, de forma que elas sintam-se valorizadas e
motivadas a refletirem sobre seu modo de vida e seus limites.
No ensino, faz-se necessário incluir temas e formas de ensiná-los, que
privilegie a interconexão da razão, da ciência com a sensibilidade, de forma
que o profissional seja formado com a visão da complexidade e da subjetividade
para que a doença não seja o foco principal do conteúdo programático dos
currículos, mas considerada como uma resposta do corpo aos processos vividos e
não apenas nos seus aspectos de neutralidade e objetividade, como se pudéssemos
departamentalizar o indivíduo enquanto uma lista de sinais e sintomas.
Na pesquisa, paralelo ao desenvolvimento de biotecnologias que atendam aos
aspectos biológicos do processo saúde-doença, é importante que se desenvolva
estudos com vistas no desvelamento de outros fenômenos da vivência do
climatério, respaldados pelos princípios científicos, que possam apontar novos
caminhos para o cuidar.
Vale salientar que, tanto na assistência, quanto no ensino e na pesquisa, urge
a implementação do trabalho multi, inter e transdisciplinar.
Mais do que reformular programas e currículos, carecemos de despertar em cada
um de nós, no âmbito público e privado, a prática da solidariedade, o
reconhecimento da subjetividade, da intuição, da emoção, dos sentimentos que
nos move no mundo na direção da auto-realização, da plenitude do homem enquanto
ser-no-mundo, resgatando o sentido do humano em nós.