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BrBRCVHe0034-71672006000400004

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National varietyBr
Year2006
SourceScielo

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Conhecimento materno/familiar sobre o cuidado prestado à criança doente PESQUISA

1. INTRODUÇÃO No Brasil, embora mudanças importantes tenham sido observadas no quadro geral da mortalidade infantil nas últimas décadas, esse indicador ainda revela grandes iniqüidades no campo da saúde. A situação atual das crianças brasileiras continua representando um grande desafio, pois ainda se convive com elevada morbidade por doenças geradas pelas desigualdades sociais resultantes do modelo capitalista, como as pneumonias, diarréias e desnutrição. Segundo o Ministério da Saúde, em 1997, foram hospitalizadas no Sistema Único de Saúde (SUS), mais de 1.600.000 crianças menores de 5 anos, sendo 60% de causas decorrentes de problemas respiratórios e de doenças infecciosas e parasitárias.

Medidas de prevenção e eficiência na assistência em nível primário poderiam contribuir para redução dessas internações e de suas conseqüências para a criança, além da liberação desses leitos para tratamento de crianças com patologias que exigem uma atenção de maior complexidade(1).

Também no Município de São Paulo, informações epidemiológicas de 2002 indicam a manutenção da doença respiratória como a patologia mais freqüente e severa, mantendo-se como a principal causa de mortalidade da população infantil. A participação das pneumonias como causa mais freqüente de óbito, por sua vez, além de estar atrelada às precárias condições de vida a que certamente está submetida, a maioria das crianças, denuncia a ineficiência da atenção primária à saúde. Outro dado bastante significativo é a presença de morte por desnutrição, não pelo valor numérico que representa, mas por ser a forma mais explícita e desumana das desigualdades sociais(2). Analisando-se a distribuição dos óbitos infantis segundo freqüência e local de residência, percebem-se diferenças acentuadas entre as crianças moradoras de distritos administrativos mais periféricos em relação aos distritos administrativos mais centrais ou mais "elitizados". Os indicadores são extremamente desfavoráveis e sistematicamente mais elevados nas regiões mais pobres, revelando, por exemplo, que uma criança que nasce no Jardim São Luis tem chance de morrer 20 vezes maior, comparada à uma criança nascida no Jardim Paulista(2).

Esse quadro, comum nos países pobres, apesar do imenso avanço tecnológico observado nas últimas décadas, gerou preocupação mundial e levou organismos internacionais a estabelecerem prioridades concretas, com vistas a reduzir a morbimortalidade infantil decorrente de doenças preveníveis como diarréia, infecções respiratórias e doenças imunopreveníveis e melhorar as condições de saúde dessa população nos países em desenvolvimento.

Na busca de novos enfoques e instrumentos para enfrentar essa problemática, a Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Panamericana da Saúde (OPS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) preconizam, desde meados da década de 90, uma abordagem estratégica para as doenças prevalentes na infância. No Brasil, o Ministério da Saúde incorporou, em 1996, a estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) dentro das políticas de atenção à saúde. Sua implantação seguiu os critérios de prioridade estabelecidos pelo próprio Ministério da Saúde, isto é, nos municípios com índices de mortalidade infantil acima de 40/1000 nascidos vivos, iniciando com os municípios integrantes do Programa de Redução da Mortalidade na Infância (PRMI) e aqueles que tivessem os Programas de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e de Saúde da Família (PSF) implantados(3).

A estratégia AIDPI foi concebida com a finalidade de abordar a criança "como um todo", em vez de se dirigir somente para o "problema de saúde", avaliando de forma sistemática os principais fatores que afetam a saúde das crianças para detectar e tratar qualquer "sinal geral de perigo" ou "doença específica" e ainda integrar ações curativas com medidas de prevenção e promoção da saúde, de forma a reduzir a mortalidade infantil e contribuir de maneira significativa para que a criança venha a atingir seu potencial máximo de crescimento e desenvolvimento, sobretudo nos países emergentes(3).

Traduzindo para a realidade brasileira, a estratégia AIDPI reintroduziu o conceito da integralidade, surgindo como alternativa para aplicar todas as ações de controle específico existentes no Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança (PAISC), implantado no Brasil desde 1984 (Ministério da Saúde, 1984), além de reconhecer que as crianças, saudáveis ou doentes, sejam consideradas em seu contexto social. Também enfatiza a necessidade de melhorar tanto as práticas relacionadas à família e à comunidade, quanto a atenção prestada pelo serviço de saúde. Nesse sentido, busca melhorar as habilidades dos profissionais de saúde, a organização dos serviços e as práticas familiares e comunitárias relacionadas ao cuidado da criança(4).

Dentre as bases da estratégia AIDPI destacam-se as medidas para o cuidado da criança por parte de seus pais no domicílio, especialmente o reconhecimento de sinais perante os quais deve-se buscar a atenção de serviços de saúde, porém incluindo também a capacitação dos familiares para o cuidado efetivo da criança no lar(5).

Sabe-se que as atividades de promoção e de atenção básica são fundamentais para a melhoria da qualidade de vida e saúde da população e que as ações educativas constituem uma das principais estratégias em direção à transformação e mudança de conhecimentos e de valores, processo que exige um esforço contínuo dos profissionais de saúde, no sentido de contribuir para o melhoramento das condições de saúde da população infantil.

Considerando que a implantação da estratégia AIDPI foi priorizada nas unidades de saúde com Programa de Saúde da Família (PSF), buscou-se neste estudo, identificar os conhecimentos das mães ou a tecnologia materna no manejo, ou seja, no cuidado da criança com infecção respiratória aguda e com doença diarréica em unidades de saúde com modelos assistenciais distintos, com PSF e sem PSF.

2. METODOLOGIA Este estudo exploratório/descritivo, de natureza transversal, integra um projeto mais amplo denominado "Saúde da Família: avaliação da nova estratégia assistencial no cenário das políticas públicas"1, aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa. O sub-projeto foi desenvolvido com mães/familiares responsáveis por crianças de 0 a 5 anos de idade, matriculadas em duas unidades de saúde da rede pública do município de São Paulo.

As unidades de saúde selecionadas atuavam com modelos assistenciais distintos.

Uma organizava a assistência conforme o modelo tradicional de atenção à saúde (sem-PSF) e a outra tinha como eixo estruturante da assistência à saúde, o Programa de Saúde da Família (com-PSF). O Quadro_1 apresenta algumas variáveis sócio-econômicas e demográficas dos distritos administrativos onde se localizam as unidades de saúde envolvidas no estudo. Os dados reiteram que a população residente no distrito administrativo de Cidade Dutra, região onde se localiza a unidade sem-PSF, apresenta população mais numerosa e índice de exclusão mais acentuado. Essa posição no mapa de exclusão da cidade é confirmada pelas demais variáveis como renda e escolaridade dos chefes de família, taxa de homicídios, áreas com favela e percentual de mulheres chefes de família sem renda, todos com índices mais desfavoráveis em relação aos da população de Artur Alvim, onde se localiza a unidade com-PSF.

A amostra estatisticamente prevista para o projeto maior foi a seleção aleatória de 100 prontuários de crianças de 0 a 5 anos de idade atendidas em cada uma das unidade de saúde, porém os dados deste estudo referem-se a uma amostra de 190 mães/familiares responsáveis, sendo 96 da unidade sem-PSF e 94 da unidade com-PSF. Contou-se com a assessoria do Laboratório de Epidemiologia e Estatística do Instituto Dante Pazzanezi, tanto para o desenho amostral, quanto para a elaboração do banco de dados e as análises estatísticas.

A coleta dos dados foi feita por entrevista com a mãe ou responsável pela criança, no domicílio, realizado por estudantes de enfermagem, bolsistas de iniciação científica do projeto maior, treinados tanto para a técnica de entrevista quanto para o preenchimento de formulário previamente testado.

A análise dos dados foi feita utilizando-se freqüências relativas (percentuais) e absolutas (n) das classes de cada variável qualitativa, especialmente com o intuito de caracterizar a amostra estudada.

As variáveis quantitativas foram analisadas utilizando-se médias e medianas para resumir as informações, além de desvios-padrão e valores mínimo e máximo para indicar a variabilidade dos dados.

Para comparar as distribuições de freqüência das variáveis qualitativas, foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson(6). Esse teste baseia-se nas diferenças entre valores observados e esperados, avaliando se as proporções em cada grupo podem ser consideradas semelhantes ou não. O teste exato de Fisher foi utilizado nas situações onde os valores esperados foram inferiores a cinco.

Em cada tabela de cruzamento dessas variáveis são apresentados os resultados da significância do teste através do valor de p, sendo que, para valores menores do que 0,05 (p<0,05), considerou-se associação estatisticamente significante entre as variáveis.

O teste não paramétrico de Mann-Whitney para amostras independentes foi utilizado para variáveis quantitativas na comparação de duas médias, nos casos onde a hipótese de normalidade foi violada.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Apresenta-se na Tabela_1, dados gerais de caracterização da mãe/responsável pela criança. Analisando-se os dados sócio-econômicos e demográficos dos respondentes, observa-se que mais de 80% eram mães, com faixa etária entre 28 a 30 anos. O tempo médio de residência em São Paulo girava em torno de 20 anos e a maioria, aproximadamente 78%, vivia com companheiro.

Quanto ao nível de escolaridade, cerca de metade possuía 8 anos ou mais de estudo, a maior parte (68,6%) não ocupava posição de chefia da família e mais de 70% não estavam inseridas no mercado de trabalho. Cerca de 60% das famílias possuíam renda familiar per capita entre 1 a 3 salários mínimos e em dois terços delas, apenas uma pessoa da família contribuía para a renda familiar. As famílias referiram gasto médio mensal de R$ 84,34 com a saúde e a grande maioria das famílias não possuía assistência médica suplementar (81,5%).

No Brasil, os problemas respiratórios, principalmente a pneumonia, causam 22,3% das mortes de crianças de 1 a 4 anos, ocupando o primeiro lugar entre as causas de morte, e compreendendo mais de 50% das causas de internação hospitalar, nessa faixa etária. Nos pronto-socorros e postos de saúde, 30% a 50% das crianças atendidas apresentam algum sintoma respiratório(1).

De cada quatro crianças com problemas respiratórios, três têm apenas resfriados, que embora de menor gravidade, causam mal-estar, pois provocam febre, tosse, dor ou dificuldade para respirar e inapetência. Até recentemente a pneumonia não era considerada como um problema prioritário, pois se entendia que o controle das infecções respiratórias não merecia muita prioridade, devido às dificuldades inerentes à sua prevenção e tratamento. Hoje em dia, sabe-se que a pneumonia é um problema muito grave e responsável por muitos óbitos na população infantil, necessitando, por isso, de medidas preventivas eficazes(5).

Veríssimo e Sigaud(7) propõem, entre as ações de promoção, prevenção e recuperação de crianças com agravos respiratórios, cuidados como aumento da freqüência de oferta de líquidos e alimentos servidos às crianças.

A Tabela_2 expressa o grau de conhecimento da mãe e/ou familiares sobre cuidados específicos quando a criança apresenta infecção respiratória aguda e/ ou doença diarréica. Analisando-se os dados referentes aos conhecimentos sobre infecção respiratória, percebe-se que proporção similar de respondentes da unidade sem-PSF (48,4%) e com-PSF (45,7%) associam maior oferta de líquidos a infecções respiratórias. Para maior oferta de alimentos, os índices também não diferiram entre as unidades, sendo de 11,6% para a unidade sem-PSF e 7,4% para a unidade com-PSF. Sabe-se que tanto a oferta de alimentos quanto de líquidos é muito importante na recuperação da criança com agravos respiratórios.

Quanto aos conhecimentos maternos em relação à diarréia, os dados apontam que a maioria dos entrevistados de ambas as unidades tem consciência sobre a importância do aumento da oferta de líquidos, 69,1% da unidade sem-PSF e 74,5% da unidade com-PSF. Entretanto, com relação à alimentação, 100% dos respondentes de ambas as unidades ainda associaram a pausa ou dieta alimentar como cuidado que deve ser prestado à criança com diarréia, embora essa conduta seja totalmente superada, do ponto de vista científico. Os dados encontrados mostram que essa prática, cultivada durante muitas décadas pelos serviços de saúde, ainda permanece impregnada na cultura popular, embora as ferramentas para o controle das doenças diarréicas sejam mais conhecidas e mais acessíveis à população(8).

Estudo de caso-controle da mortalidade infantil pós-neonatal, que analisou entre outras variáveis a tecnologia materna e sua associação com a sobrevivência da criança verificou que a porcentagem de mães do grupo de sobreviventes, que referiu tomar medida adequada diante de um episódio de diarréia da criança, foi significativamente maior em relação ao grupo de óbitos, demonstrando associação positiva entre saber a conduta correta em relação à diarréia e sobrevivência da criança. A pesquisa mostrou ainda, associação significativa entre saber preparar o soro caseiro e a sobrevivência da criança, com odds ratio evidenciando chance de sobrevivência 4,42 vezes, de forma que para os autores, fatores reprodutivos, culturais, de conhecimento e de tecnologia materna associam-se com a sobrevivência das crianças(9).

Estudo multicêntrico que buscou avaliar se profissionais com e sem treinamento na estratégia AIDPI apresentavam diferença no cuidado prestado à criança, constatou que no grupo de profissionais treinados, mais cuidadores eram melhor aconselhados a dar fluido extra à criança doente, ministrar corretamente a medicação oral e reconhecer sinais e sintomas para retorno imediato ao serviço de saúde, indicando que as regiões brasileiras que ainda não implementaram a estratégia AIDPI devem ser incentivadas a adotá-la(10).

O mesmo estudo mostrou que enfermeiros treinados em AIDPI tinham desempenho tão bom quanto e às vezes melhor do que médicos treinados na estratégia(10).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS No PSF, um dimensionamento diferenciado da enfermeira na equipe de saúde, uma para cada 4 mil habitantes, enquanto no modelo hegemônico, a proporção preconizada é de uma para cada 20 mil habitantes. Considerando que a área específica de conhecimento da enfermagem é mais centrada no cuidado, pressupõe- se que a prática da enfermagem no PSF permita a aplicabilidade da concepção e dos eixos fundamentais do programa, como o desenvolvimento de ações de educação em saúde(11).

Entretanto, os dados do presente estudo apontaram que o efeito da ação dos serviços sobre o conhecimento e o cuidado materno ainda não se traduz de forma efetiva na realidade encontrada. Quanto à abordagem utilizada no enfrentamento dos problemas de saúde referidos no estudo, observa-se que o grau de conhecimento da mãe/familiares sobre cuidados específicos quando a criança apresenta infecção respiratória aguda e/ou doença diarréica é semelhante nos dois modelos assistenciais. Com relação à diarréia, ainda persistem conhecimentos superados do ponto de vista científico. Os resultados mostraram a necessidade de desenvolver ações de educação em saúde em níveis mais próximos da população, ou aperfeiçoá-las, no caso da unidade com-PSF, cujos profissionais são treinados na estratégia AIDPI.

É preciso compreender a importância da ação educativa como um componente de impacto, não na mudança do perfil de morbimortalidade, mas também em direção à construção da cidadania como elemento emancipatório. Nessa perspectiva, cabe uma reflexão acerca da formação dos profissionais de saúde que ainda tem sido centrada na formação de especialistas, com visão voltada para o velho modelo biomédico-biologicista, com enfoque curativo e orientado para a atenção individual. Muitos projetos sustentados pela visão do processo saúde-doença como determinação econômico-social e cultural têm surgido, porém a maioria das escolas ainda tem introjetada em seus projetos pedagógicos, a racionalidade científica ancorada na concepção mecanicista. Esse modelo resulta em um determinado perfil profissional que não contempla os conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias para o enfrentamento dos desafios implícitos ao atual sistema de saúde. Portanto, a transformação deve incluir a mudança do perfil profissional nas escolas e nos serviços(12,13).

 


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