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BrBRCVHe0034-71672010000100014

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National varietyBr
Year2010
SourceScielo

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Compreensão das mães sobre a produção do cuidado pela equipe de saúde de um hospital infantil

INTRODUÇÃO Trabalhando com crianças hospitalizadas ao longo da nossa trajetória profissional, percebemos a importância do cuidado integral à criança e sua família.

O cuidado é uma palavra que vem sendo muito utilizada alguns anos entre os profissionais de saúde. Segundo o filósofo alemão Martin Heidegger(1), cuidado "significa um fenômeno ontológico-existencial básico". Ainda, segundo o autor, do ponto de vista existencial, o cuidado (cura) "se acha a priori, antes de toda atitude e situação do ser humano (presença), o que sempre significa dizer que ele(a) se acha em toda atitude e situação de fato".

De modo geral, falar de cuidado de saúde, ou cuidado em saúde, atribui ao termo um sentido consagrado no senso comum, o de um conjunto de procedimentos tecnicamente orientados para o bom êxito de certo tratamento. Porém, cuidado, do latim cura, em uma forma mais antiga, coera, era usado nas relações de amor e amizade, expressando uma atitude de desvelo e preocupação(2-3).

A doença é interpretada, pela concepção biomédica, como um desvio de variáveis biológicas em relação à norma. Este modelo, fundamentado em uma perspectiva mecanicista, considera os fenômenos complexos como constituídos por princípios simples, isto é, relação de causa-efeito, distinção cartesiana entre mente e corpo, análise do corpo como máquina, minimizando os aspectos sociais, psicológicos e comportamentais(4). A formação dos profissionais de saúde, tendo por base o referido modelo, centrado na doença, reduz o cuidado ao corpo doente, esquecendo que o doente é um ser de sentimentos e pensamentos.

Mesmo sem saber cientificamente o que é sua doença, o enfermo sabe o que ela significa na sua vida e onde se sente incapaz. Na opinião de Canguilhem(5), o homem, mesmo sob o aspecto físico, não se limita a seu organismo; é além do corpo que se deve olhar para julgar o que é normal ou patológico para esse mesmo corpo. Segundo ele, é o próprio indivíduo quem avalia o que é normal e o que é patológico, porque é ele quem sofre essa transformação.

Em contraponto ao cuidado segundo o modelo biomédico, ainda predominante no Brasil, fazemos referência ao cuidado integral. Falar em cuidado integral remete à Constituição Federal do Brasil(6)de 1988, ao Art. 198, alusivo ao atendimento integral em saúde e, também, ao Sistema Único de Saúde (SUS)(7), de 1990, que tem como uma de suas diretrizes básicas, a integralidade. Porém, a integralidade não é uma diretriz do SUS. Ela se relaciona a uma luta por uma sociedade mais justa e solidária. A integralidade, "no contexto da luta do movimento sanitário, parece ser assim: uma noção amálgama, prenhe de sentidos" (8).

O cuidado como uma ação integral para o ser humano e do ser humano que vive na busca contínua do cuidado, diante da fragilidade social existente no mundo capitalista, segundo Luz(9), não é um procedimento técnico simplificado, mas o tratar, o respeitar, o acolher, o atender o ser humano em seu sofrimento(9-10).

Em um dos espaços do cuidar -o hospital -todas essas questões se revestem de ainda maior importância, dada a situação de extrema fragilidade, dependência e perda de autonomia em que os pacientes se encontram quando internados. O hospital moderno tem como marca histórica de sua constituição organizacional, impor aos "pacientes" o isolamento, a despersonalização e a submissão disciplinar de seus corpos (e subjetividades) a procedimentos e decisões que sequer compreendem(11).

Se a hospitalização é um momento difícil na vida de qualquer pessoa, no caso da criança, ela pode se configurar como uma experiência potencialmente traumática, na medida em que a afasta de sua vida cotidiana e do ambiente familiar, e a coloca em um mundo desconhecido, com suas rotinas, equipamentos, pessoas, limitações de movimento, cheiros, procedimentos e dores(12). Não sem razão, portanto, as internações são carregadas de medos, inseguranças e angústias diversas, tanto para a criança quanto para seus familiares.

Conforme assinala Ceccim(13)"o hospital e a enfermidade produzem, para a criança, uma relação peculiar com o mundo, onde o cuidado, a cura e os atos de saúde requerem uma abordagem mais integral".

Como profissionais de saúde que somos, preocupadas com o desenvolvimento do cuidado integral à criança dentro do contexto hospitalar, buscamos neste estudo apreender como as acompanhantes percebem o cuidado dispensado à sua criança nesse ambiente assistencial, de modo a contribuir para as reflexões e o desenvolvimento de ações que possam a facilitar o respeito aos direitos dos pacientes pediátricos e uma atenção mais humanizada.

MÉTODOS A pesquisa empreendida foi de abordagem qualitativa. A opção pela metodologia qualitativa é consonante com Minayo(14), para quem esta abordagem se afirma no campo da subjetividade, com o universo de significados, crenças, valores, entre outros. Leopardi(15)corrobora com Minayo, afirmando que, na pesquisa qualitativa, "tenta-se compreender um problema da perspectiva dos sujeitos que o vivenciam", ou parte da sua vida diária, seus sentimentos e desejos, bem como na perspectiva do pesquisador.

O campo da pesquisa foi um hospital Infantil, público, na cidade de Fortaleza, de referência para todo o Estado, no cuidado à criança e ao adolescente, tanto nas áreas clínicas como cirúrgicas, no ano de 2006.

O referido hospital serve de campo de estágios para diversos cursos de graduação das várias universidades de Fortaleza bem como de nível médio e de residência médica em diversas especialidades pediátricas.

Existem diversos projetos de humanização no hospital, entre eles citamos Cidade da Criança, Brinquedoteca, Cirurgia sem Medo, Criança Cidadã, Mãe Canguru, Mãe Acompanhante. Esses projetos atendem tanto a criança como sua família, destacando a instituição em relação a outros hospitais do SUS, em Fortaleza.

Nesse hospital, os locais de internação são denominados de blocos. A nossa pesquisa foi desenvolvida em um bloco cirúrgico, que denominaremos de X. O bloco em questão possui sete enfermarias num total de 46 leitos. Não é incomum que algumas das crianças - e, por conseguinte, seu acompanhante - passem, por vezes, longos períodos de tempo internados ou estejam sujeitos a internamentos repetidos.

A entrada no campo se deu após aprovação do projeto, pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital.

Os sujeitos da pesquisa foram sete acompanhantes, todas eram mulheres, mães de crianças internadas, exceto uma avó que era a responsável pela "criação" do menor em discussão. A participação se deu orientada sobre o termo de consentimento livre e esclarecido, tendo todas concordado e assinado este termo. As acompanhantes foram identificadas com nomes fictícios.

Na coleta dos dados, utilizamos um roteiro de entrevista com: dados de identificação (nome, idade, procedência e renda familiar) e, quatro perguntas abertas: "Como os profissionais de saúde cuidam do seu filho?", "Quem cuida de seu filho?", "Como realizam procedimentos dolorosos?" e "Como se processava o cuidado no período noturno?" Após leitura exaustiva dos discursos, recortes de trechos, confrontos dos vários discursos dos sujeitos, organizamos cinco temáticas: Cuidar no sentido de executar procedimentos, Identificando o profissional cuidador, O profissional e o cuidado especializado e/ou doloroso, O cuidado à noite e Dificuldades no relacionamento acompanhante x profissional que foram interpretadas com o referencial teórico pertinente à pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Cuidar no sentido de executar procedimentos Conforme os discursos de algumas acompanhantes, a equipe de saúde (referindo-se mais às auxiliares de enfermagem) cuidava bem das suas crianças. Esse "cuidar bem" era no sentido de dar o medicamento nos horários estabelecidos, de brincar com a criança, de não puncionar várias vezes "tentando achar a veia", entre outros: o discurso a seguir, destaca vários desses aspectos: Elas [as auxiliares de enfermagem] têm o maior carinho com ele, os remédios vêm na hora certa [...]. Tratam direitinho, pra puncionar a veia elas fazem o possível pra não ficar furando.

Elas conversam, brincam, são maravilhosas [...].

Eu acredito que eles fazem do Super-Homem com maior carinho, eu não sei dos outros, mas eu sinto isso [...] Não por ele ser melhor, que eu sei que toda criança, eles cuidam bem [...] O meu sentimento [é] que eles cuidam com carinho, que eles fazem a cirurgia com muito gosto [referindo-se aos médicos e enfermeiras] (Acompanhante do Super-Homem).

A avaliação da "qualidade" do cuidado prestado, feita pelas mães e acompanhantes, também passa muito pelo "sucesso" dos procedimentos executados: quero dizer que foi muito bom, graças a Deus, foi um sucesso a cirurgia, ele está se recuperando bem e eu gostei (Acompanhante do Zorro).

Na realidade, as acompanhantes desconhecem o cuidado integral, vendo-o apenas como o acesso à internação, aos exames e tratamentos e relacionando-o no máximo a um tratamento respeitoso e gentil por parte daqueles que atendem aos menores, mas sem associá-lo ao reconhecimento dos direitos do paciente, de sua subjetividade e às suas referências culturais.

Percebemos que esse desconhecimento ocorre também com alguns profissionais.

Embora tenhamos presenciado momentos em que alguns profissionais de saúde demonstravam carinho, atenção à criança e seu acompanhante, isso não significa que houve um cuidado integral, mas apenas um passo ou alguns passos na direção deste cuidado.

O cuidado integral em saúde, segundo Cecílio e Merhy(16), aconteceria a partir de uma combinação generosa e flexível de tecnologias duras (ligadas a equipamentos, procedimentos), leve-duras (uso de saberes bem estruturados) e leves (relacionais no espaço intersubjetivo do profissional de saúde e paciente). Cuidado envolveria, portanto, tecnologia e humanização combinadas, como ponto de partida para qualquer intervenção hospitalar, no desafio de adotar o lugar do paciente e suas necessidades singulares.

Nesse sentido, ainda falta um espaço, que não sabemos mensurar em termos de tamanho ou dimensão, para acontecer o "encontro" descrito por Ceccim(13) e Merhy(17), entre outros autores que defendem a integralidade. Isso ocorre apesar da integralidade vir, muitos anos, sendo objeto de grande produção e debate na saúde, principalmente no meio da saúde coletiva. Talvez porque ela não seja suficientemente "discutida", e menos ainda efetivamente incorporada, no espaço das práticas, da clínica, entendida esta não como a clínica dos médicos e sim dos vários e distintos profissionais de saúde.

Infelizmente, a incorporação desse atributo às práticas cotidianas dos sujeitos em saúde ainda parece depender muito da formação de cada profissional. É um desejo ou uma consciência individual querer cuidar de forma integral. Mattos8 faz um questionamento sobre isso: "Seria integralidade um adjetivo de uma atitude de certos profissionais, ou uma marca das práticas desses profissionais?" Esse cuidado também não é visto como um direito, de saúde e de cidadania. Ao contrário, parece vinculado a uma atitude cooperativa, quase passiva frente à situação de internação e aos procedimentos realizados no âmbito do hospital.

Conforme informou uma acompanhante, a auxiliar cuida muito bem do seu filho porque ele é "bonzinho": A auxiliar de enfermagem também cuida dele muito bem, por ele ser um menino muito bom, muito calado, muito quieto (Acompanhante do Super- Homem).

Ou seja, na visão da acompanhante, a criança tem de se "comportar bem" para ser bem atendida, independente da sua dor, seus sentimentos e medos. Independente, portanto, de ser este um direito da criança e da família.

A permanência prolongada no ambiente hospitalar, que facilita o estabelecimento de vínculos da criança e das famílias com os profissionais de saúde, parece ser outro elemento que modifica ou interfere nos cuidados prestados, contribuindo para um cuidado diferenciado ou mais humanizado. Uma das acompanhantes sinalizou para essa característica distinta do atendimento: Não é criticar, mas eu acho que as meninas [as auxiliares] têm um tratamento diferencial com ela [referindo-se a outra acompanhante, mãe do Batman]. Talvez seja [...] porque conhece mais tempo [...] Às vezes, pode ter mais necessidade do que eu, mas eu não sei não, acho tratamento diferencial [...] Ontem, uma mãezinha reclamou, porque a gente ia [o posto de enfermagem]: "Eu dei banho no meu filho, tem que trocar o curativo". E ela [a auxiliar]: "Depois, eu vou". Passava uma hora, meia hora, a gente ia de novo: "Tem que trocar o curativo". E ela: "Mãezinha, eu sei", mas não ia na hora que a gente pedia. A outra [mãe do Batman] não, chegava: "Fulana, meu filho está assim, assim". Na mesma hora, ela [a auxiliar] ia, podia está fazendo o que fosse, às vezes tava cuidando do nosso [filho] e ia ver o dela(Acompanhante do Homem Aranha).

Apesar de, por direito, não existir (ou não dever existir) hierarquia entre os indivíduos que são cuidados, no cotidiano das práticas dos serviços de saúde, diferenciais de comportamento, de tratamento, de cuidado, enfim, se estabelecem. Em parte isso decorre do fato de que cuidado tem uma forte dimensão relacional e subjetiva, dependente de vínculos, afinidade, percepção de necessidades, e esses diferenciais podem ser mais bem percebidos pelos familiares que pelos profissionais de saúde. Os familiares podem inclusive como fez a acompanhante do Homem Aranha, buscar hipóteses ou justificativas para esses "tratamentos" distintos: mais tempo de internação, mais necessidade de atenção, mais afinidade entre familiar e profissional.

Identificando o profissional cuidador Quando perguntamos às acompanhantes quem cuidava de suas crianças, a resposta quase unânime foi a seguinte: a equipe de enfermagem, os médicos e elas. Outros profissionais integrantes da equipe de saúde atuante no setor estudado a nutricionista, a fisioterapeuta, a terapeuta ocupacional, a assistente social, que estão diariamente em contato com as crianças não foram citados, a não ser quando mencionamos explicitamente.

Todas as mães se incluíram como uma das principais agentes desse cuidado à criança porque, conforma menciona Spitz(18), existe uma relação de amor e afeição da mãe para com o filho. A criança torna-se um objeto de contínuo interesse para ela. A equipe de enfermagem e médicos tendem a ser consensualmente citados por serem estes os profissionais de saúde mais próximos da criança e de forma constante, principalmente a equipe de enfermagem, que permanece 24 horas por dia na unidade.

Começa por mim, primeiramente. Eu tenho muito cuidado com ele. , vem a equipe médica, que é o dr. X, o cirurgião dele, dr. Y [falou o nome dos diversos médicos que atendem a criança]. Eles é que fazem, todo dia, as prescrições, e, às vezes, à tarde, se tiver alguma intercorrência, os plantonistas. [...] As enfermeiras, as auxiliares e eu, principalmente (Acompanhante do Batman).

Além disso, deve ser destacado que a percepção pela acompanhante de quem cuida do menor, em termos de função no processo de cuidado até chegar à possibilidade de nominar esses profissionais, parece guardar estreita relação com o tempo de contato, no caso de internação. Isso fica evidente na última narrativa ora exposta da mãe do Batman, que se encontrava internado por quase dois meses - como pelo relato a seguir: [No segundo dia de internamento, ao ser perguntada sobre quem cuidava do seu filho].

[...] Não, quem vai operar [...] eu não sei, não sei não! [Perguntada se algum profissional chegou para conversar com ela].

Nenhum. Tem uma doutora que chegou de manhã [...] não sei se ela é doutora. [...] acho que ela é a chefe daqui [a enfermeira responsável pelo Bloco].

[No quinto dia de internamento, ao ser novamente indagada se ela sabia quem cuidava do seu filho] De manhã, é a XXX (auxiliar de enfermagem). À tarde, tem [...] porque eu esqueço o nome dela. De manhãzinha, as doutoras, a pediatra, é a dra. XXX Às vezes, dr. X, foi ele que me explicou [...] e a doutora [...], não lembrada do nome dela não, que é meio complicado (Acompanhante do Homem Aranha).

Conforme mencionado, fica bastante evidente no discurso recémexposto a ausência de registro da participação dos demais membros da equipe de saúde no cuidado às crianças. Em parte, isso provavelmente se deve ao fato de esses vários profissionais, embora atuantes diariamente no serviço, terem contato apenas pontual e de curta duração com as crianças e/ou familiares. Mas talvez possa ser atribuído também a um diferencial de percepção e valoração, pelos familiares, do papel desses diversos profissionais no cuidado. Termina por ficar mais evidente, para os responsáveis, os papéis dos profissionais médicos como aqueles que decidem as condutas diagnósticas e terapêuticas a serem realizadas e da equipe de enfermagem mais diretamente envolvida na assistência direta, como a administração de medicamentos, os curativos, a higiene corporal, entre outros, e no gerenciamento do ambiente hospitalar. Os demais componentes da equipe "ficam anônimos" ou têm sua função no cuidado pouco destacada, até por serem várias dessas funções por exemplo, o brincar identificadas/valoradas como de menor importância para o restabelecimento da saúde da criança.

Uma acompanhante, que estava no segundo dia de internamento com sua neta, não soube dizer o nome dos profissionais de saúde e classificou o cuidado como "sem medida" porque eram várias pessoas que cuidavam da sua criança: Realmente aqui vem uma, uma palavrinha e sai [...] vem outra, aplica o soro e sai [...] Então, são várias. Também não sei [o nome] porque não me dizem. Eu também não pergunto. Aqui, o cuidado é sem medida, porque são várias (Acompanhante da Docinho).

Em virtude da diversidade de profissionais, essa acompanhante classifica o cuidado como bom, "sem medida". Entretanto, essa multiplicidade também dificulta ao familiar identificar com precisão quem é quem, no sentido da função deles no processo de cuidado e na formação de vínculos. Ao comentar o assunto, Machado(19)relata que, em um hospital-escola, a criança e seu familiar entra em contato com muitos profissionais de saúde, não aprofundando um vínculo afetivo com nenhum deles.

O profissional e o cuidado especializado e/ou doloroso Cuidado integral e humanizado também se refere a uma forma de assistência que valorize a qualidade do cuidado do ponto de vista técnico. Certos procedimentos de saúde somente podem ser realizados por um profissional qualificado.

Procedimentos como passagem de sondas gástrica, enteral, vesical; curativos de maior complexidade, entre outros, requerem habilidade e conhecimento técnico do profissional médico ou enfermeiro que não devem ser delegados a outro profissional sem essa qualificação.

Quando perguntamos quem executava os curativos mais delicados e procedimentos dolorosos, as acompanhantes informaram que as enfermeiras ou médicos os realizavam, e as auxiliares faziam curativos simples e com a permissão dos mencionados profissionais.

Quando é um curativo muito delicado, o doutor vem. De manhã, o dr X, que é o médico dele vem, se for pra fazer o curativo, que é muito delicado, ele mesmo faz, a XX (enfermeira) faz, as chefes, [...] é as auxiliar, quando eles permitem (Acompanhante do Super-Homem).

Como mostram o discurso, um cuidado dos profissionais médicos e enfermeiros na realização dos curativos mais complexos e no acompanhamento da evolução da ferida cirúrgica. Durante os momentos de observação na enfermaria, presenciamos a execução de curativos mais complexos pelas enfermeiras, enquanto os mais simples, pelas auxiliares de enfermagem, sempre com supervisão da enfermeira.

Percebemos, também, que as acompanhantes sabiam distinguir claramente as tarefas específicas de certos profissionais. Ao afirmarem que os curativos mais delicados eram de competência dos médicos ou enfermeiros, elas, apesar de não saberem que é um dever do profissional executar esse tipo de procedimento, os mais "delicados" sabiam que este não poderia ser feito pelo auxiliar de enfermagem.

Nos procedimentos que causam muita dor e possíveis de ser realizados com anestesia ou sedação, a criança é encaminhada ao Centro Cirúrgico: [...] quando é pra botar a sonda, ele vai sempre pro centro cirúrgico. Agora, pra tirar não [...] pra tirar é fácil [...]. Seca o balão rápido e tira. Mas agora, pra colocar, ele toda vida vai anestesiado pra que a criança não sofra muito (Acompanhante do Super- Homem).

Portanto, uma preocupação, por parte dos profissionais, em evitar que a criança sofra durante procedimentos dolorosos, que podem ser minimizados com sedação. Isto representa um respeito à criança e sua família. E vai ao encontro do item 7 da Resolução 41/95(20), que delibera sobre o direito da criança não sentir dor quando existem meios para evitá-la; e da Carta da Criança Hospitalizada(21), no seu item 5: "Deve evitar-se qualquer exame ou tratamento que não seja indispensável. As agressões físicas ou emocionais e a dor devem ser reduzidas ao mínimo".

O cuidado noturno Durante o dia, o hospital é uma instituição com grande presença de profissionais, empenhados em tarefas diversas. É também o horário onde circulam diversas outras pessoas, onde a assistência se faz mais presente e onde as intercorrências e solicitações são atendidas com mais presteza. A noite, o número de profissionais decaem, e a solidão e os medos ganham forma.

Perguntamos às acompanhantes o que acontecia no período noturno quando a criança sentia dor, febre ou era preciso trocar um curativo. Segundo elas, chamavam primeiro a enfermeira e, se preciso, esta chamava o médico plantonista.

Sempre chamo a enfermeira do horário [...]. Toda noite, a enfermeira passa fazendo a visita [...] (Acompanhante do Batman) Assim que ele chegou da cirurgia, ele tava chorando [...]. Eu peguei e disse assim: "Enfermeira, eu acho que ele está com dor" [...] Ela disse: "Eu vou ver o que é que escrito no prontuário dele". , ela trouxe TylenolÂ, eu dei a ele(Acompanhante do Homem Aranha) Nessas narrativas, as acompanhantes demonstraram conhecer a "hierarquia" mesmo não explícita do serviço e também a quem se dirigir para resolver seu problema.

Como não um médico exclusivo para o bloco em questão no período noturno, a enfermeira tenta resolver a situação, quando não consegue resolver chama o médico plantonista.

Conforme uma acompanhante, nem sempre o plantonista vem na hora em que é chamado; às vezes, demora mais de uma hora. Porém, ela não demonstrou raiva por isso, nem considerava como descaso do profissional ou da instituição. Pelo contrário: segundo afirmou, mesmo demorando, o médico sempre vinha ver seu filho, e disse isto de uma forma gratificada.

cansou de, muitas vezes, ela [enfermeira] chamar o médico pra vim olhar ele. Demora, uma hora e meia, duas horas, mas sempre vem [...] Nunca faltou, de deixar de vir, não (Acompanhante do Super-Homem).

Em muitos casos, talvez essa demora ocorra porque o médico esteja assistindo outras crianças e, assim, mesmo que a criança do bloco em estudo esteja com dor ou outro problema que requer um atendimento imediato, ele não tem como fazê-lo, porque existe apenas um profissional de plantão para atender três setores de internação. Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que situações como estas geram desconforto, estresse (para a criança e seu familiar) e podem envolver, inclusive, riscos, na dependência do problema associado àquela intercorrência.

Desse modo, a preocupação com a humanização da atenção não pode prescindir da melhoria das condições de trabalho do próprio cuidador, como condição inclusive para que os profissionais de saúde possam dedicar-se mais plenamente ao cuidado.

Dificuldades no relacionamento acompanhante x profissionais de saúde Situações de conflito não raramente encontram-se presentes nos encontros entre profissionais e pacientes (ou seus familiares) nos espaços de assistência à saúde. O ambiente hospitalar não constitui acerca disso uma exceção, ainda que, nesse lócus, com frequência os pacientes encontrem-se mais fragilizados, seja do ponto de vista estritamente clínico, seja sob a ótica de seus direitos e autonomia.

Durante a pesquisa, foram relatadas por três acompanhantes situações recentes de desentendimento com os profissionais. Múltiplas causas podem contribuir para isso: um longo tempo de permanência da criança e acompanhante no hospital; a ansiedade e o estresse gerados pela doença, bem como o acúmulo de trabalho do profissional de saúde, seu cansaço físico, jornadas duplas ou triplas de trabalho, entre outros. Independente da causa, produzem estremecimentos ou desgastes na relação doente/acompanhante e profissional de saúde e podem vir a interferir no cuidado prestado.

De acordo com Luz(9), "provavelmente não existem, hoje em dia, profissionais mais estressados e sem descanso que aqueles voltados para a atenção à saúde".

Cuidam da saúde dos outros sem ter quem deles cuidem.

Quanto aos episódios de desavença mencionados pelas acompanhantes, ocorreram com profissionais da equipe de enfermagem, pessoas que convivem bem próximas das crianças e sua família: Eu entrei no quarto [sala de procedimentos] na hora que estava aplicando o soro. [falei] "Ó mulher, vocês furam demais". Uma se estressou comigo [...] eu não voltei para dar resposta porque, eu quero [o] bem, o melhor pra ela [a criança]. Eu disse que ela servia pra está furando [...] não tem aquela expectativa de acertar.

Que eu acho realmente que este povo vem chegando agora, não tem estudo ainda, habilidade de acertar uma veia de uma criança, porque não tem noção ainda. [A auxiliar] disse: "Minha senhora, pra ".

Eu quase que voltava pra dizer: " pra , não, eu tenho todo direito de reclamar" (Acompanhante da Docinho).

Segundo esta acompanhante, sua neta passou por várias tentativas para conseguir puncionar a veia, por uma pessoa que ela julgava não ter experiência. Situações como essa, que envolvem estresses comuns quando da execução de procedimentos que produzem dor em particular quando eles se repetem, por incapacidade ou dificuldades dos profissionais expõem duas facetas a serem mencionadas. A primeira se refere a uma das origens de conflitos no ambiente dos cuidados à saúde, onde particularmente procedimentos relacionados com dor punção venosa, curativos, etc. servem, com frequência, de estopim e gerador de ansiedade.

Outra é que o respeito dos direitos dos pacientes guarda também uma interface significativa com o modo como os profissionais tratam ou reagem dessas situações. Não são apenas as crianças ou seus familiares que ficam nervosos ou angustiados nesses momentos. Também os profissionais se sentem assim. E esse sentir pode, até mesmo, afetar seu desempenho (a auxiliar em discussão é uma funcionária antiga, que lida vários anos com crianças e, possivelmente, por isso, bastante experiente). Mas a "experiência" não foi suficiente para fazê-la lidar com a situação de "forma respeitosa", dialogada.

Por fim, é importante também chamar atenção para o fato de que essa foi não a única, mas uma das poucas vezes em que um acompanhante reconhece e expressa em voz alta um de seus direitos: [A auxiliar] disse: "Minha senhora, pra ". Eu quase que voltava pra dizer: " pra , não, eu tenho todo direito de reclamar" (Acompanhante da Docinho) Direito de reclamar, de sentir-se insatisfeita com o "tratamento" dado a ela e à sua criança. Tratamento no sentido de cuidado clínico (modo de cuidar ou paliar) mas, sobretudo, tratamento no sentido de delicadeza no trato, de maneira de receber ou de ser recebido, de acolhimento, de recepção.

Outro relato de desentendimento teve por base o desgaste decorrente da espera pelo cuidado, em virtude de a mãe ver o filho chorando e não ser atendida quando chamou: A mãezinha ontem pediu pra trocar o curativo, que ele tava chorando, tava saindo sangue do penizinho dele [...] Ela [a mãe] se irritou [e disse]: "Eu tenho raiva, porque tem gente aqui que é chamar, corre tudinho [...] a gente morre [de chamar]". [...] Passou mais de 40 minutos, ele chorava muito, saía sangue pelo pênis, e melou a cama (Acompanhante do Homem Aranha).

Às vezes, a demora no atendimento à queixa do doente leva a um sentimento de raiva e de desespero, por parte do próprio doente e de sua família.

Independente do motivo segundo o qual se retarda o atendimento do pedido da mãe, existe a necessidade de explicar à família e à criança o porquê do atraso e, mais ainda, de priorizar situações de atendimento.

O último episódio relatado de desentendimento da família ocorreu com uma enfermeira, como exposto a seguir: Eu me enraivei com a Y [enfermeira]. Foi assim: a X [enfermeira] disse: "Ó mãe da Lindinha, tenha muito cuidado nas meninas [enfermeiras] que vão fazer [o curativo]. Eu prescrevi, mas você diga que não pode jogar fora esse produto, que eu coloquei em cima da cirurgia da Lindinha, que é para descer a urina" [...] troca o curativo de cima. Eu falei para a enfermeira Y: "Mulher, tu rebolou o curativo?". Ela disse: "rebolei". Eu falei: "A X[enfermeira] falou que não era para rebolar, porque isso dura sete dias". Ela falou: "eu sei". Eu disse: "E porque tu rebolou?" "Porque eu quis". Ela falou desse jeito: "Porque eu quis". Eu me enfezei, porque estava filtrando bem com esse produto [...], ela [a X] tinha ido para esse congresso pra arrumar esse produto, era pra colocar na cirurgia da Lindinha, que estava muito feia, porque tinha tirado o abscesso [...] e, com aquele xixi, num ia sarar, tinha que ser com esse produto. Ela foi e rebolou, que as outras [enfermeiras] não rebolavam. Eu achei ruim, eu me enfezei com ela, porque ela olhou para mim e disse: "Porque eu quis" (Acompanhante da Lindinha).

Na narrativa desta acompanhante, existem alguns pontos a serem considerados. Um deles era a falta de conhecimento do profissional sobre o material utilizado no curativo. Independente da sua habilidade técnica, faltava-lhe conhecimento do produto em uso na ferida cirúrgica. Outro ponto que destacamos é o descaso do profissional em ouvir a mãe, que demonstrou ter ciência do produto em discussão e que não era para ser removido. Às vezes, uma "falta de humildade" e interesse do profissional em escutar a família e aprender com ela a cuidar da criança. E, um último ponto, mesmo tendo outros, é a falta de reconhecimento, por parte do profissional, de que errou e deveria tentar corrigir o erro.

Nada justifica a forma como o profissional tratou a situação, mas, como mencionamos, Luz(9) questiona: Quem cuida do cuidador? Pois este vive uma vida estressada, com muitos empregos, além dos seus problemas pessoais. uma necessidade das instituições de saúde olharem para seus funcionários e, não apenas oferecer boas condições de trabalho, mas proporcionar momentos de relaxamento, integração ou outras atividades destinadas a diminuir o estresse e ajudar na reflexão do cuidado humanizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Na nossa realidade, o cuidado em saúde, em particular aquele que é prestado no ambiente hospitalar, ainda está bastante restrito a parte técnica, o saber fazer, deixando muitas vezes, de lado, a relação de subjetividade entre os sujeitos (o doente e o cuidador). Ser bom profissional é fazer os procedimentos técnicos na hora, ter destreza manual e conhecimentos específicos, entre outras coisas. Esta visão tanto parte do doente e seu familiar como do profissional de saúde. Persiste ainda o privilégio do conhecimento da patologia, da fisiologia, da técnica, em detrimento do valor do conhecimento do ser humano e do que o cerca.

O cuidar de alguém requer de cada um a compreensão do outro como ser humano, integral. O cuidador precisa perceber o sofrimento do doente e compreender seu momento de dor, bem como o da família. Cuidar de uma criança exige do profissional de saúde não apenas o treinamento, mas, segundo Winnicott(22), que "somente se candidatem aqueles capazes de amar". E, conforme o mesmo autor, a ausência de amor ou os muitos traumas produzidos no cuidado da criança podem ser permanentemente prejudiciais a ela.

ainda uma lacuna referente à importância e significado de um cuidado humanizado, integral ao ser humano. Existe falta de conteúdos específicos sobre o cuidado nos processos de formação da área da saúde. A inclusão nos currículos, das universidades e cursos técnicos das profissões de saúde, de temáticas e discussões relacionadas com a humanização e com os direitos dos usuários dos serviços de saúde necessita ganhar destaque. Uma divulgação mais intensiva pela mídia e pelas organizações da sociedade civil dos direitos dos pacientes, em particular daqueles hospitalizados, bem como ações pró-ativas para sua consecução também necessita acontecer para que efetivamente se moldando e construindo essa atenção mais humanizada e humanizadora.


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