Hospitalidade como expressão do cuidado em enfermagem
INTRODUÇÃO
O cuidado é uma característica fundamental da prática de Enfermagem. As
enfermeiras como profissionais de Enfermagem, podem contribuir para que a
essência deste cuidado permaneça centrada na sensibilidade, na ciência e na
arte, refletindo sobre o seu fazer e o conhecimento envolvido.
Considera-se que uma das formas que a enfermagem tem para manifestar-se como
ciência e arte seja através do cuidado, uma vez que este é constituído por
diversos elementos que o caracterizam como o saber e o fazer da profissão(1).
O cuidado em enfermagem implica em auxiliar o ser humano a percorrer um caminho
que lhe dê a compreensão de que a vida é repleta de sentidos e sentimentos, bem
como fazer com que as pessoas prolonguem ou renovem as formas de ser e sentir-
se saudável(2).
Neste sentido, o cuidado em saúde e em enfermagem, seja ele individual ou
coletivo, estabelece uma dinâmica intersubjetiva e, por vezes, imperceptível,
entre o cuidador (enfermeira) e o ser cuidado (ser humano).
Refletir sobre o cuidado nos faz perceber que cuidar de seres humanos implica
ter intimidade, senti-los dentro de si mesmo, acolhê-los, respeitá-los, dar-
lhes sossego e repouso. Cuidar é entrar em sintonia com, auscultar-lhes o ritmo
e afinar-se com eles. Dessa forma, o ser humano consegue viver a experiência
fundamental do valor, daquilo que tem importância e definitivamente conta. Tudo
começa com o sentimento, que nos faz sensíveis ao que está a nossa volta, que
nos faz gostar ou desgostar. É o sentimento que nos une às coisas. Se formos
capazes de sentir, podemos agir em prol da melhoria do eu e do outro(2).
Em todas as suas dimensões, o cuidado provoca reflexões acerca de questões
axiomáticas como a convivência, a tolerância, o respeito, a hospitalidade, a
ecologia, a espiritualidade do ser humano. Desta forma, configura-se em uma
perspectiva complexa de interação e intenção humana no sentido de gerar reações
dinâmicas em todos os envolvidos.
A hospitalidade pode ser entendida como uma das expressões do cuidado em saúde
e enfermagem e percebida como um conjunto de características qualificadas,
humanizadas e acolhedoras por meios olhares abrangentes voltados para o ser
humano.
Na construção da relação entre os profissionais de saúde e os seres humanos que
necessitam de cuidado, algumas particularidades destacam-se nas atitudes e nos
comportamentos da Hospitalidade em saúde e enfermagem, entre elas: a boa
vontade incondicional, a acolhida generosa, a escuta atenciosa, o diálogo
franco, o negociar honesto, a renúncia desinteressada, a responsabilidade
consciente e a relativização corajosa(3).
A Hospitalidade como parte do cuidado, pode representar um meio de cuidar do
outro e cuidar de si, e estabelece uma relação de integração e interação mútua.
Esta relação de convivência, entendida como a capacidade de fazer conviver as
dimensões de produção e de cuidado, de efetividade e de compaixão; a modelagem
de tudo o que produzimos usando a criatividade, a liberdade e fantasia,
caracterizando-se como uma mútua pertença(4).
Esta convivência pode ser exercitada dinamicamente por meio da hospitalidade. A
partir destas considerações este estudo tem por objetivo refletir acerca da
relação existente entre hospitalidade, cuidado e enfermagem a partir do olhar e
das experiências de enfermeiras pós-graduandas.
MÉTODOS
Este estudo foi desenvolvido a partir de encontros teórico-práticos realizados
na disciplina "O cuidado em Enfermagem e Saúde" do Programa de Pós- Graduação
em Enfermagem, em uma Universidade Federal do Sul do Brasil, no segundo
semestre de 2008. Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratório-descritiva com
abordagem qualitativa, a qual busca uma compreensão mais ampla da realidade
estudada(5). Participaram do estudo dez pós-graduandas, sendo nove enfermeiras
e uma fisioterapeuta mediante o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE), conforme determina a resolução número 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde. Por se tratar de um estudo que envolveu a participação de
seres humanos foram também adotados os procedimentos explicitados na Declaração
de Helsinki e os cinco referencias básicos da Bioética, quais sejam: autonomia,
não-maleficência, beneficência, justiça e anonimato. Neste sentido, os
participantes do estudo foram identificados pelas seguintes siglas: Pós-
Graduanda (PG1, PG2, e assim sucessivamente).
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) sob o número 407/08. Utilizou-se como ferramenta de
coleta de dados um questionário semi-estruturado possibilitando identificar os
diferentes olhares e experiências acerca da Hospitalidade na saúde, na
Enfermagem, no cuidado e entre os seres humanos. Este foi entregue às alunas
após a realização de dois momentos durante o encontro quinzenal da disciplina
que serviram de incentivo ao processo de discussão e reflexão sobre o tema
"Hospitalidade".
Os dados foram analisados qualitativamente por meio da técnica de análise de
conteúdo de Bardin. A análise de conteúdo está fundamentada no que está
escrito, falado, mapeado e figurativamente desenhado e/ou simbolicamente
explicitado e sempre será o ponto de partida para a identificação do conteúdo
manifesto seja ele explícito e/ou latente(6).
A análise e a interpretação dos conteúdos obtidos nesta técnica enquadram-se em
etapas a serem seguidas e, para a efetivação do método, a contextualização deve
ser considerada como um dos principais requisitos (6).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da discussão realizada em sala de aula e após leitura e análise
minuciosa dos questionários, três categorias despontaram para análise:
"Hospitalidade e Ser Humano", "Hospitalidade e Cuidado" e "Hospitalidade e
Enfermagem".
Hospitalidade e o Ser Humano
Relacionar a Hospitalidade ao ser humano é um exercício reflexivo profundo que
resgata as formas de pensar e "ser hospitaleiro" destes, ao longo de sua
evolução histórica. Mergulhando na origem gramática da palavra hospitalidade
verifica-se que em grego significa "philoxenos". Esta palavra origina-se pela
junção de dois termos: phileo que significa amar, ser amigo, mostrar afeição e
"xenos" que significa estrangeiro, estranho(7). Através deste conceito e junção
de termos é possível iniciar essa discussão compreendendo que o ser humano é
capaz de amar ao outro, mesmo o estranho, desde que seja desnudado de
preconceitos, fator hoje, decisivo na sua forma de ser e conviver em diferentes
ambientes.
A hospitalidade é um ato de acolhimento entre seres humanos que procuram ser
recebidos entre si com atenção, amor e afeto de forma a sentirem-se bem e
satisfeitos em uma inter-relação harmônica. Quando questionados sobre o que
compreendiam sobre a hospitalidade, enquanto seres humanos, um dos sujeitos
relatou que a hospitalidade é:
"Interesse desinteressado por ajudar a outra pessoa" [...] é sinônimo
de "Compaixão, no sentido não de lastima, e sim de comprometer-se com
a pessoa, de torcer por seus interesses" (PG5)
Neste sentido, é possível verificar neste relato que a hospitalidade é uma
atitude que envolve o importar-se com o outro sem esperar algo em troca e
realizar este comprometimento na intenção de proporcionar a satisfação e o bem-
estar. É uma forma de:
"receber com atenção e dedicação Demonstrar cuidado com todos os
detalhes para que a pessoa sinta-se bem e confortável" (PG2)
Nesta relação de "hóspede-hospedeiro" há a necessidade de apresentar e
desenvolver algumas atitudes como
Atenção, Cuidado, Conforto, Sinceridade, Amor, Estar aberto para
(PG6)
Atitudes que possibilitem manter uma relação de "acolhida", ou seja, como
mencionado por (PG6) "estar aberto para". Esta abertura só pode ser alcançada a
partir do momento em que há nesta relação, a disponibilidade e a flexibilidade,
assim como altruísmo e sentimentos como o afeto e o "querer bem", como se
evidencia, também, no relato de (PG1) e (PG7):
Senso altruísta, carinho e afeto (PG1)
Disponibilidade e flexibilidade (PG7)
Para os sujeitos deste estudo a relação de hospitalidade entre os seres humanos
envolve satisfação, no sentido de sentir-se bem, e estar em relação e ao
reconhecer o outro como humano reconhece as suas necessidades materiais, bens
simbólicos e da existência de outro ser humano.
Para que seja possível alcançar a satisfação desses três conjuntos de
necessidades o ser humano desenvolve diferentes formas de interação e
relacionamento afetivo, de elaboração de conhecimentos, de atividades lúdicas,
bens e serviços(8).
Entretanto, em virtude de sua própria evolução social, econômica e tecnológica
a hospitalidade, característica peculiar do ser humano, acabou se diluindo e
distanciando os seres humanos dessas relações e causando certa "xenofobia", que
significa a aversão a coisas ou pessoas estrangeiras(9). Para algumas pós-
graduandas a falta de hospitalidade pode ser observada no:
Sentimento de estranheza, distância, egocentrismo (PG1)
Egoísmo, mau humor e agressividade (PG7)
Hostilidade [...] (PG2)
Pressa, Olhar Biomédico, Rotinas Pré Estabelecidas (PG6)
Sentimentos e atitudes que são direcionadas a outros seres humanos como nas
relações entre: pais e filhos, casais, professor e aluno, chefe e empregado,
sociedades de povos "diferentes", enfim, em todas as relações possíveis entre
seres humanos nos seus diferentes contextos.
A discussão sobre "Hospitalidade" é uma das questões que está, atualmente,
ganhando espaço e destaque nos meios de comunicação e em pesquisas,
principalmente, na área hoteleira. Por este motivo estimula a pesquisa sobre
este tema tão simples e que se tornou tão complexo ao mesmo tempo despertando a
reflexão em diversos cenários.
A hospitalidade talvez seja um foco a ser trabalhado, e deveria ser condição
básica para a sobrevivência de qualquer empreendimento, principalmente daqueles
cujo produto não é tangível e que lida com pessoas. Neste caso a enfermagem é
uma área a ser destacada e relacionada à hospitalidade, pois cuida do ser
humano e ser hospitaleiro é uma atitude que permeia o cuidado(10).
Com estes conceitos podemos compreender que saber receber seus "hóspedes"
significa a atenção que se dá para os mesmos. A maneira de como nos
relacionamos passa a ser mais importante que o processo de trabalho em si.
Saber operar máquinas e equipamentos também tem seu valor, mas não se deve
valorizar esse aspecto em detrimento a Hospitalidade oferecida às pessoas(10).
Entretanto, ser hospitaleiro deve ser um ato presente na vida cotidiana das
pessoas, independente do ambiente em que se encontre, ou seja, em casa, no
trabalho, ou na rua. Apesar de alguns autores compreenderem a Hospitalidade e
dividi-la em três âmbitos, o doméstico, o comercial e o público, o ser humano,
por ser único, ter caráter, valores e formas de entender o mundo, não deve
mudar seu modo de tratar as pessoas(11).
Quando desprovida dos limites pré-estabelecidos nos conceitos de hospitalidade
doméstica, comercial e pública, pode evidenciar o elemento humanizador no
tratamento dispensado a qualquer ser humano, como mostra PG5 em seu relato:
Desinteresse em estabelecer uma relação e em conhecer ao hóspede,
lástima, falta de comunicação, pré-conceitos (PG5)
A partir desses depoimentos e conceitos é possível compreender a hospitalidade
no campo da saúde e em particular, na Enfermagem cuja essência de trabalho é o
cuidado.
Hospitalidade e o Cuidado
O cuidado é definido a partir da percepção individual e subjetiva de cada
sujeito e traz consigo um olhar histórico e social, o qual é construído pelas
vivências, principalmente as vivências familiares. Podem-se considerar as
relações maternas, a convivência com irmãos, primos, avós, dentre outros, como
os "primeiros cuidados" que se tem referência. Desta forma, pode ser observado
como uma constituição ontológica, ligado a construção individual e coletiva de
cada ser.
A abordagem filológica do cuidado traz um conceito referente ao sentido de
cogitare-cogitarus, como sendo o mesmo de cura: cogitar, pensar, colocar
atenção, mostrar interesse, revelar sua atitude de desvelo e de preocupação.
(4) Mas por outro lado, mantendo uma atitude de cuidado com tudo o que
compreende a vida, pode antecipar-se aos problemas, evitando estados de
desequilíbrio e manter a harmonia, considerando tal atitude como promoção da
saúde.
Enquanto hóspedes, desfrutamos o que é oferecido e disponibilizado e como
hospedeiro, colocamos à disposição o que temos, para que ambos em convivência
possamos vivenciar momentos ímpares. A hospitalidade está relacionada ao
acolhimento, ao deixar-se penetrar no íntimo, ao carinho e afeto, aos
sentimentos mais puros que se manifestam no outro e para o outro.
Quando questionados sobre sua primeira referência de hospitalidade, os sujeitos
do estudo referiram:
Quando li esta pergunta fiquei pensando em lembranças [...] e me veio
à memória coisas da infância quando minha mãe trocava o lençol da
minha cama e eu deitava e sentia aquele cheirinho bom (PG2)
Quando criança ia de férias à casa de minhas avós e minhas tias,
sempre fui bem recebida, com afeto, comida, etc (PG4).
A casa de minha avó, nas férias de final de ano, me sentia muito
acolhida (PG5)
Minha primeira lembrança é de quando passava férias na praia na casa
de minha avó. (PG6)
Neste momento, os princípios do cuidado se misturam com os da Hospitalidade.
Emergem destes depoimentos sensações e sentimentos como: carinho, afeto, bem
estar, aconchego, família, cama, casa, lazer, dentre muitos outros que nos
remetem a situações de conforto e alegria.
O cenário pode ser a casa de um familiar ou a sua própria casa, mas o momento é
que determina se a Hospitalidade traz boas ou más recordações.
Enfim, a primeira lembrança familiar de ser hóspede e Hospitalidade consolidam
um gesto de cuidado, envolvendo a todos em um clima amigável, sereno e leve,
onde cada um sente-se acolhido, sente-se bem e mesmo sem falar, quer sempre
voltar. Acolher é permitir, sob certas condições, a inclusão do outro no
próprio espaço(12).
O hóspede pode vir em busca de auxílio, doente, em condições fragilizadas, o
que representa uma situação de cuidado. Presta atenção na movimentação,
permite-se, aceita os deveres com alegria, inclusive aqueles que em seu
cotidiano lhe causam desconforto. Os sujeitos do estudo descrevem as sensações/
sentimentos ao ser hóspede/hospedado como:
Sentimentos de ser agradada, de ser cuidada com afeto e carinho, de
amor (PG1)
Cama macia e gostosa, comida quentinha e gostosa, um banho quentinho
(PG3)
Esta percepção do hóspede determina sua imagem e avaliação do local onde está
hospedado, conforme as instalações, a comida, os objetos e utensílios dos quais
desfrutou, ele estabelece uma relação de intimidade ou não com o local.
De modo quase intuitivo, o viajante, o turista ou o migrante, quando chega a
uma cidade e percorre os espaços onde se constroem essa forma urbana, é
submetido a um sem-número de percepções, de situações e de processos
importantes de informações(12).
Outra questão relatada é quando o visitante permanece por um tempo mais
prolongado enquanto hóspede e passa a sentir saudades de casa, de seu mundo.
Neste momento, a estadia tende a se transformar em experiência menos
contemplativa e mais condicionada às rotinas do local onde está no momento.
Como se percebe na fala de uma das entrevistadas:
De uma forma geral, tenho boas recordações quando penso nesta
questão, mas por mais bem recebida, acolhida que já tenha sido após
um determinado tempo começo a ficar cansada e desejosa de retornar
para meu ambiente (PG5)
A hospitalidade é, portanto, uma relação espacializada entre dois atores:
aquele que recebe e aquele que é recebido; ela se refere à relação entre um, ou
mais hóspedes, e uma instituição, uma organização social, isto é, uma
organização integrada em um sistema(12). Nem sempre a rotina do local onde o
hóspede está aproxima-se daquela ao qual está habituado em seu cotidiano. Como
refere a entrevistada:
Me sentia acolhida porém devia seguir as regras da casa, que eram
diferentes da minha (PG6)
A hospitalidade pressupõe a entrada, a inclusão daquele hóspede em um sistema
organizado como modalidade de funcionamento já existente(12). Em determinadas
situações, o hóspede tem dificuldades em adaptar-se à realidade do contexto
onde está hospedado. Por outro lado, quem hospeda sempre procura oferecer o que
tem de melhor ao hóspede, quer acolhê-lo com alegria e tenta manter um ambiente
agradável. Ao abordar os sujeitos do estudo quanto às sensações/sentimentos que
tiveram ao hospedar alguém, todos manifestaram interesse em deixar o hóspede à
vontade, preocupando-se com o ambiente, com a comida, com os momentos de
diálogo, como podemos perceber nas falas:
Ah, sempre que recebo alguém dou o meu melhor para que essa pessoa
sinta-se querida e agraciada por meio de uma boa comida, por meio de
uma boa conversa em um clima harmonioso (PG1)
Quando se estabelece um diálogo franco, há uma aproximação das pessoas, começa
então a ocorrer um contato mais íntimo, um momento especial de integração de
culturas, uma troca de experiências e vivências. Por isto, dialogar é entrar em
reciprocidade e intercambiar(3).
Outra expressão citada pelos sujeitos é a preocupação com a manutenção deste
ambiente acolhedor, como se percebe nesta fala:
Preocupação para acolher da melhor maneira possível... se estava
confortável e bem (PG2)
A acolhida não deve ser vivida como uma condenação porque não temos outra
saída. Devemos viver a acolhida jovialmente como quem vê no outro um próximo,
um companheiro de caminhada, um irmão e uma irmã(3). Esta acolhida deve
serdemonstrada com alegria, satisfação e bem querer, como se percebe nas falas:
Senti alegria pois quando percebo que alguém fica em minha casa é por
que se sente bem aqui (PG3)
Interesse pela pessoa, satisfação, desejos de que a pessoa
esteja bem confortável (PG4)
O ideal nunca se realiza totalmente. Nem é essa sua função. Sua função é
alimentar o ânimo de sempre melhorar e de nos orientar na direção de práticas
criativas que superem as convencionais e rotineiras(3). Porém, a busca pelo
ideal quando o desejo de receber alguém se transforma em preocupação,
configura-se em um momento de tensão e desequilíbrio, como se percebe nesta
fala:
É uma constante preocupação em fazer a pessoa se sentir bem, "como se
estivesse em casa", que não lhe falte nada. (PG6)
A preocupação com o ideal em receber alguém faz com que o anfitrião planeje a
recepção, pensando em tudo, um verdadeiro preparo para que tudo ocorra da
melhor forma possível, o que observamos na fala descrita por PG5:
É todo um preparo anterior e uma concentração de energias para que o
"hóspede" sinta-se acolhido, integrante e integrado nesta situação.
Acabo abrindo mão de alguns hábitos, rotinas na intenção de acolher o
outro. Às vezes é cansativo e dependendo do "hóspede" pode ser
frustrante, intenso (PG5)
O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é
fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existência, com
gratidão pelo presente da vida, e com humildade considerando o lugar que ocupa
o ser humano na natureza(3).
Sendo o cuidado a essência do trabalho da enfermagem e a hospitalidade uma
atitude que demanda abertura pessoal e abrir mão de preferências, relaciona-se
ainda ao querer bem, ao acolhimento, a estar aberto, ao aconchego, ao gesto de
dar carinho e afeto, entre inúmeras qualificações, torna-se uma necessidade
relacionar a hospitalidade com a enfermagem.
Hospitalidade e a enfermagem
A enfermagem como uma ciência, arte e profissão cujo objeto de cuidado é o ser
humano apresenta como responsabilidade moral e ética promover a hospitalidade
como forma de expressão de sua própria essência que é o cuidar de seres
humanos. Na Enfermagem, esta pode ser compreendida como uma:
[...] estratégia que abre a porta para o encontro entre seres humanos
e que permite que os momentos e relacionamentos de cuidado possam
acontecer como objeto da enfermagem (PG5)
Uma estratégia que pode ser expressa como cuidado em saúde e enfermagem e que
se inicia através do acolhimento do ser humano que necessita do cuidado em si,
estando este doente ou não. Ao chegar ao serviço de saúde este "ser" encontra
um ambiente diferente da sua convivência, desconhecido e por vezes, hostil e
frio e passa a ser hospedado nas dependências da instituição de saúde.
Neste sentido, algumas características como a sensibilidade, a compaixão pelo
próximo, a acolhida, o convite para aproximar-se e entrar, são dimensões da
Hospitalidade inerentes aos profissionais de saúde, em especial aos
profissionais da Enfermagem, uma vez que estes são os primeiros a receberem os
pacientes que necessitam de cuidado. Tais características, ao estarem presentes
nos profissionais de saúde, podem facilitar o momento de interação entre o
profissional-paciente.
As participantes do estudo ao serem questionadas sobre o que entendiam por
hospitalidade na enfermagem revelaram que esta expressão do cuidado está
diretamente relacionada com "acolhimento", conforme observado nas seguintes
falas:
[...] é acolhimento, é permitir que o outro seja ele mesmo, sinta-se
confortável e cuidado num momento (ou ambiente) que não é o [...]
dele (PG5)
É saber receber as pessoas, se dócil com as mesmas, fazer as pessoas
sentirem-se bem em sua casa (PG3)
[...] é ser e estar aberto para receber, acompanhar, ouvir as
pessoas. Preparar e se preparar para cuidar ou oferecer um ambiente
receptivo (PG7)
A palavra acolhimento, na enfermagem, pode ser definida como posturas/condutas
que o profissional da saúde, em especial, os profissionais de Enfermagem devem
desenvolver no sentido de compreender e sensibilizar-se com outro, atendendo
suas necessidades e direcionando-as, quando necessário, para outros locais do
sistema de saúde capacitado para resolvê-las(13).
Assim, "acolher" não significa essencialmente resolver por completo todos os
problemas relatados pelo paciente, mas sim dispensar atenção na relação
mediante a escuta sincera, a valorização das suas queixas e identificação de
suas necessidades(14).
A construção do momento de interação/relação, ou seja, de acolhimento do
enfermeiro com o paciente é dinâmico, marcado por intenções, competências e
intersubjetividades(15). Neste momento, a escuta e o diálogo deve estar
presente para que a interação entre o profissional e o paciente ocorra de forma
genuína, estabelecendo-se assim, uma relação(14).
Portanto, o acolhimento como integrante da hospitalidade, como expressão do
cuidado, concretiza-se no servir ao outro, percebendo-o nos seus gestos, falas
e limitações. Para isso, torna-se fundamental que os profissionais possuam
afinidade e afetividade em relação ao paciente(16).
Hospedar alguém presume que estejamos dispostos a dividir o que temos com o
outro, mesmo o outro sendo diferente vindo de outro lugar, de outra cultura,
com outros costumes, de outra classe social ou país. O nosso hóspede passa ser
o "estranho" que vem de longe, de diferentes localidades, culturas e ambientes
sociais e que assim como os outros hóspedes requer empatia, afeto, amor, ser
ouvido, confortado, alimentado, receber confiança, ou seja, ser cuidado
incondicionalmente.
A hospitalidade supõe a superação dos preconceitos e confiança quase ingênua,
mas indispensável para que a hospitalidade e a convivência sejam
verdadeiramente hospitalidade e convivência sem constrangimento(3).
Ao questionar as participantes sobre a relação da Hospitalidade com a
Enfermagem verifica-se que:
"o ser humano que precisa de cuidado, precisa antes de tudo ser acolhido, e a
enfermagem podem fazer parte deste acolhimento de forma bem simples, pensar
como gostaria de ser cuidado". Se cada Enfermeiro refletisse sobre isto, o
cuidado seria mais hospitaleiro. (PG2)
Penso que para uma enfermagem que exerce o cuidado além da doença, é essencial
ter entre suas características principais a hospitalidade e o cuidado ao ser
humano. (PG6)
Então, para os sujeitos deste estudo a hospitalidade apresenta relação com a
Enfermagem através do cuidado. Cuidar significa acolher através da inter-
relação. Acolher como "eu" enquanto "cuidador" gostaria de ser cuidado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os profissionais de saúde devem ter no seu perfil a Hospitalidade, onde o
cuidado e o interesse pela busca do bem-estar do ser cuidado sejam valorizados
e representativos nos valores institucionais. O interesse pelas necessidades
apresentadas por quem recebe o cuidado, o "querer bem", pode ser identificado
nas relações construídas e desta forma, a hospitalidade assume sua face mais
nobre na moral humana, a de costurar, sedimentar, vivificar o tecido social e
colocar em marcha esse processo sem fim que alimenta o vínculo humana(17).
As categorias analisadas surgiram, espontaneamente, durante as discussões em
grupo e que, assim como no encontro, várias respostas preenchidas no
instrumento de coleta de dados, se entrelaçavam/complementavam entre as
categorias.
Esta pesquisa aponta a Hospitalidade como um gesto de acolhimento, abertura,
altruísmo, carinho e cuidado, ao mesmo tempo em que, cada ser humano tem em sua
casa, o cenário da hospitalidade, e tem em sua família o primeiro contato com
esta dimensão da vida em comunidade.
Este estudo demonstrou que o ser humano é único em suas escolhas, mas quando
recebe alguém, não o faz somente em sua casa, recebe em sua vida, na medida em
que troca experiências convive com diferenças, busca qualificar suas relações.
Tal comportamento configura-se em prática de cuidado, de acolhimento, de
interesse pelo outro.
Para a enfermagem este momento de hospedar, é único, pois em muitas situações,
esta é a última experiência de quem chegou, tornando-se, portanto, um momento
único também para quem se hospedou.