Privacidade em unidades de terapia intensiva: direitos do paciente e
implicações para a enfermagem
INTRODUÇÃO
A internação de um paciente em unidade de tratamento intensivo (UTI) é
precedida de condições críticas, presentes e potenciais, que colocam em risco a
vida do ser. Por isso, o cuidado é voltado para os aspectos físicos/orgânicos/
biológicos, como controle e manutenção das funções vitais, com ênfase no uso de
tecnologias e aplicação de conhecimento técnico-científico, visando à
manutenção da vida. Embora a equipe de saúde tenha sua atenção voltada ao órgão
doente, à patologia ou busca de diagnóstico que orientam suas condutas e
procedimentos técnicos, muitas vezes ignora os sentimentos dos seres que
vivenciam a internação e a condição de doentes(1).
A experiência da internação em ambiente de cuidados intensivos, em razão das
suas características e rotinas, muitas vezes rígidas e inflexíveis, pode gerar
ao paciente desconforto, impessoalidade, dependência da tecnologia, isolamento
social, falta de privacidade, perda de identidade, autonomia, dentre outros,
rompendo bruscamente com seu modo de viver, que inclui suas relações e seus
papéis. Neste caso, a identidade e autonomia são afetadas, em virtude de o
paciente ser considerado incapaz de escolher, decidir, opinar e expressar-se.
Assim, o princípio da autonomia não é exercido nem mesmo nas situações de
higiene pessoal, alimentação, eliminações, etc, configurando sujeição parcial
ou total dos que o cuidam, como um mero receptáculo de cuidados técnicos e
intensivos(1).
Conforme os princípios da bioética, o respeito à autonomia implica respeitar os
atos de escolha do indivíduo, baseados em seus valores morais e crenças, sendo
a vontade e o consentimento fatores preponderantes, porque afirmam sua
dignidade humana(2).
Diante do exposto, o ambiente de UTI envolve diversos componentes éticos e
técnicos que requerem atenção dos envolvidos no processo. Apesar do esforço dos
profissionais no sentido de humanizar o cuidado, é esta uma tarefa difícil
nesse ambiente, que requer atitudes individuais e coletivas para que sejam
respeitadas a privacidade, a individualidade e a dignidade dos pacientes.
Dessa forma, pacientes conscientes internados no ambiente de UTI, além do
sofrimento pelo comprometimento biológico, demonstram desconforto e
constrangimento por estarem despidos e serem, muitas vezes, expostos e
invadidos em sua intimidade. A perda da privacidade é, portanto, condição
adicional de estresse e sofrimento durante a hospitalização(3).
Na realização do cuidado, o profissional de enfermagem muitas vezes precisa
expor o corpo do paciente e ou partes íntimas para a execução de procedimentos,
condição que invariavelmente constrange e embaraça o ser exposto, que tem
invadida a sua privacidade. A condição de ver o corpo despido fere seu pudor,
que é produto de sua cultura.
Embora não seja este um problema recente, os profissionais de enfermagem pouco
discutem o tema, o que constitui uma deficiência nesta dimensão do cuidado(4).
Por essa razão, indagamos: Como os profissionais vivenciam a exposição do corpo
e intimidade do paciente na realização de procedimentos e cuidados em ambiente
de cuidados intensivos? Ocorre invasão da privacidade dos pacientes durante a
realização de procedimentos na visão dos profissionais? Que questões éticas
estão implicadas?
Posto isso, este estudo objetivou compreender as experiências vivenciadas pelos
profissionais de enfermagem sobre a privacidade do paciente internado em UTI e
suas implicações.
METODOLOGIA
Este estudo, de natureza qualitativa fundamentado na análise temática. Foi
desenvolvido com 22 profissionais de enfermagem que atuam em unidades de
terapia intensiva, há mais de três anos (por permitir maior vivência com as
situações investigadas), em dois hospitais de uma cidade do interior do Rio
Grande do Sul. O projeto de pesquisa seguiu todas as recomendações da Resolução
Nº 196 do Ministério da Saúde(5), sendo submetido e aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo, sob o nº 865/2006.
A coleta de dados foi realizada com entrevista individual, semiestruturada,
agendada previamente, concedida pelos participantes mediante assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Constituíram o roteiro das
entrevistas, as seguintes questões: Você pede licença ao tocar o paciente? Como
você se comporta quando precisa expor o corpo do paciente para a realização do
cuidado? Você tem a preocupação de proteção e de manutenção da privacidade e/ou
intimidade do paciente? Os pacientes demonstram algum tipo de reação no cuidado
quando é necessária a exposição corporal? Você tem algum tipo de dificuldade em
lidar com situações que envolvem a exposição corporal e a desproteção da
intimidade do paciente? Você tem algum tipo de dificuldade em fazer algum
procedimento em que há a exposição corporal de um paciente do sexo oposto ao
seu? Para você, os profissionais de enfermagem que atuam na unidade de cuidados
intensivos se preocupam em proteger a privacidade do paciente? Que preocupações
possuem? Relate como acontece o cuidado em que há necessidade de toque corporal
nas partes íntimas e o que os pacientes manifestam ou mencionam nessas
situações? Como você pensa que deveria ser a abordagem para a proteção e
manutenção da privacidade e/ou intimidade do paciente? Os participantes foram
identificados pela letra "p", seguida do número ordinal respectivo à ordem da
entrevista (p1, p2...), garantindo-se, assim, o seu anonimato.
Os dados foram analisados e interpretados utilizando-se o método de análise
temática de conteúdo, que "consiste em descobrir os núcleos de sentido que
compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa
para o objetivo analítico visado"(6). Assim, agrupando-se as unidades
temáticas, originaram-se as categorias, as quais foram analisadas à luz da
literatura concernente ao tema(7).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os participantes do estudo possuem idade entre 21 e 42 anos, sendo 18 do sexo
feminino e quatro do masculino, com experiência entre três e 19 anos; seis
possuem formação de nível superior, quatro superior incompleto e 12 de nível
médio. Do processo de categorização dos discursos dos profissionais emergiram
três categorias, com as respectivas subcategorias, apresentadas e analisadas a
seguir.
Expondo o corpo e a intimidade dos pacientes: atitudes e ações dos
profissionais - agindo naturalmente
A exposição do corpo e da intimidade é uma condição única para o paciente que a
vivencia, porém uma experiência múltipla para os profissionais de enfermagem,
como alude um deles:
"... o que é rotina para nós, é totalmente novo para o paciente
[...]".(p7)
Por essa razão, "naturalmente" é como se comporta a maioria dos profissionais
nas situações/condições apontados, independentemente do sexo do paciente, pois
consideram condições normais/ naturais no cotidiano das atividades de
enfermagem, principalmente em ambiente de UTI.
"Atuo de forma natural, pois já estou acostumada com essa
situação..."(p2)
"... a enfermagem é uma profissão que dispensa a diferença sexual.
(p1)
"... com o passar do tempo, a rotina dos procedimentos torna-se
normal".(p19)
A assistência de enfermagem tem destaque no atendimento de necessidades básicas
dos pacientes que envolvem segurança(8) e confiança no contexto de internação
em ambiente de cuidados intensivos(9).
"Não expor o paciente, deixando-o envergonhado. Mostrar que essa é
uma técnica normal que é para seu conforto. Essa abordagem é
realizada com calma, olhando em seus olhos, passando segurança e bem
estar".(p19)
"... ao mostrar preocupação em não expô-lo, ele (a) sentirá mais
confiança em nosso trabalho".(p5)
Asseveram os profissionais deste estudo que assumem a postura profissional de
um agir "natural", buscando transferir ao paciente segurança, confiança,
proteção, conforto e bem-estar durante a exposição do seu corpo, respeitando-
o eticamente.
Respeitando o outro em sua singularidade e privacidade: um exercício de empatia
Os profissionais relatam que, antes de realizarem procedimentos que expõem o
corpo ou partes íntimas dos pacientes, comunicam, informam e explicam o cuidado
a ser realizado, como e por que, obtendo para isso o consentimento devido.
Todavia, sempre os respeitam em sua decisão no caso de não permissão para o
cuidado, sobretudo salientando o estímulo para o autocuidado.
Evidencia-se que os profissionais de enfermagem se preocupam em esclarecer aos
pacientes sobre procedimentos que implicam na exposição corporal na UTI,
valorizando suas necessidades de conhecimento e compreensão acerca das
intervenções da assistência de enfermagem(10), como revelam as falas:
"Sempre explico o que será feito e, depois de orientado, é que será
realizado o cuidado"(p7).
"... perguntar a ele quando está acordado se aceita receber os
cuidados mais íntimos ou se ele (a) mesmo quer realizá-lo, quando
possível".(p2)
Nos depoimentos identificam-se múltiplos cuidados que visam garantir a
privacidade dos pacientes, minimizando a exposição física e protegendo sua
intimidade, visto que a inibição e a vergonha são inevitáveis nessas situações.
Assim, eles podem se sentir seguros e confiantes com a atuação do profissional
de enfermagem, além de minimamente confortáveis, em ambiente reservado.
O uso de biombos e o fechamento de cortinas laterais visam proporcionar
ambiente reservado. A exposição mínima do corpo, descobrindo apenas o
necessário ou cobrindo partes que não precisam ficar expostas com compressas,
lençóis e camisolas, resguarda a privacidade do paciente(4,10-11),
principalmente quando o fluxo de pessoas é maior na UTI.
"Utilização de biombos, com o mínimo de pessoas no box,
principalmente no turno da manhã, onde o fluxo de pessoas é bem
maior".(p5)
"Procuro descobrir o mínimo do corpo possível".(p22)
"... sempre que faço higiene corporal... deixa sua intimidade coberta
com a camisola".(p20)
Os depoimentos corroboram resultados de outro estudo, o qual revelou que os
profissionais de enfermagem estão atentos ao resguardo da intimidade dos
pacientes, manifestando a preocupação em preservar a sua privacidade, inclusive
nos eventos em que a nudez parcial ou total é inevitável(10).
Constata-se que os cuidados realizados pelos profissionais - seres cuidadores -
na assistência ao paciente, preservando a sua privacidade, estão alicerçados na
capacidade de empatia, ou seja, as medidas de proteção adotadas pela equipe são
determinadas com base no imaginário de que o paciente poderia ser um familiar
ou o próprio profissional na condição de ser cuidado. Assim elucidam os
discursos:
"[...] nunca expor o paciente, por mais que ele esteja inconsciente.
Devemos nos pôr no lugar deles, ou então imaginar que fosse um
familiar nosso".(p20)
"... Não é uma coisa normal para eles. Somos pessoas estranhas e isso
traz inibição e vergonha. Às vezes me coloco no seu lugar, não seria
nada tranquilo. Ninguém gosta de se expor".(p13)
Evidencia-se que os profissionais de enfermagem entendem a exposição do corpo e
da intimidade como condição de constrangimento(11) para os pacientes, como
elucidam os depoimentos:
"A exposição corporal é algo difícil e constrangedor para todos os
pacientes. Alguns tentam controlar esse sentimento; alguns tentam se
cobrir de alguma forma, alguns falam ou fazem brincadeiras para
amenizar a situação". (p4)
Algumas afirmações:
"... temos que ter consciência que ali poderia estar o nosso
familiar, e são pessoas extremamente reservadas".(p5)
"... mesmo com pacientes sedados ou em coma tentando sempre fazer
empatia".(p3)
Dessa forma, quando o ser cuidador se projeta para o lugar do ser cuidado, toma
consciência de si mesmo, ou seja, é em razão da sua capacidade de se colocar no
lugar do outro que os profissionais são capazes de avaliar e escolher que
cuidado dispensar(12).
A intimidade: dificuldades vividas pelos profissionais e reações dos pacientes
Dificuldades humanas
As dificuldades manifestadas pelos profissionais de enfermagem em lidar com
situações que envolvem a exposição física do paciente ocorreram principalmente
durante o processo de formação e no início da atuação profissional ao expor
pacientes. Mesmo que conscientes, orientados e comunicativos, a condição de
constrangimento acentuava-se durante a exibição de partes íntimas, em especial
do sexo oposto(10). Contudo, atualmente percebida com naturalidade, como
assinalado anteriormente.
"No início da vida profissional senti um pouco de dificuldade, Hoje
trato com muita naturalidade".(p17)
"[...] na época de estágio achava muito estranho e me sentia
envergonhada quando precisava fazer algum procedimento no sexo
masculino".(p6)
Dadas as dificuldades manifestadas pelos profissionais relacionadas à exposição
do corpo e da intimidade dos pacientes no período de formação e início da
atuação em enfermagem, pode-se inquirir se o tema em questão é abordado nas
escolas formadoras considerando as experiências vividas do aluno; se ocorre o
estímulo pelos formadores à reflexão consciente e crítica da postura e do agir
profissional nas condições que expõem física e intimamente os pacientes, com
vistas a garantir ao ser cuidador e ao ser cuidado uma experiência menos
constrangedora.
Para não haver constrangimento para ambos (pacientes e profissionais) em
cuidados que requerem a exposição física e íntima, os participantes apontam a
necessidade do diálogo; do agir de forma natural e da utilização de recursos de
proteção para assegurar privacidade e segurança ao paciente. Tais cuidados de
enfermagem sinalizam o respeito pelo outro, visto que o diálogo/comunicação
possibilitam ao paciente a expressão de seus sentimentos e medos, devendo os
profissionais de enfermagem valorizarem as queixas e proporcionar
esclarecimentos(1,3).
Dificuldades estruturais
Admitem os profissionais que a estrutura física da UTI estudada dificulta a
preservação da privacidade do paciente, embora sinalizem o valor dessa atitude
(11). Assim, sugerem para melhoria desta condição a alocação dos pacientes por
sexo, em box distintos, separados por cortinas ou outros para maximizar as suas
condições de privacidade.
"O ideal seria que os pacientes fossem distribuídos em box
individuais, já que fica difícil de dispor de tantos biombos..."(p1)
"... Deveria ser separado os pacientes masculinos num box e feminino
no outro. Mas não dá, a UTI está sempre lotada".(p21)
Pelo fato de a UTI possuir elevada taxa de ocupação, a separação por sexo, na
iminência de gravidade, é considerada importante, embora de difícil
operacionalização.
Reações dos pacientes tendo seu corpo exposto: uma visão dos profissionais
Tendo o próprio corpo exposto, total ou parcialmente, são inevitáveis as
reações dos pacientes, as quais são, na percepção dos profissionais de
enfermagem: constrangimento, vergonha, medo, ansiedade, tristeza, preocupação,
insegurança, fragilidade, desconforto, invasão, entre outros. Tais reações são
evidenciadas principalmente nos idosos, quando atendidos pelo sexo oposto.
Assim, com frequência eles solicitam que o cuidado seja realizado por
profissional do sexo deles. Comumente isso é manifestado pelas mulheres, as
quais são beneficiadas já que o gênero feminino ainda é predominante na
profissão. Em oposição, os pacientes do sexo masculino, que nem sempre podem
ser cuidados por profissional do mesmo sexo, em razão do pouco número destes
nas instituições hospitalares.
Destaca-se, dessa forma, a relevância em viabilizar a inserção de mais
trabalhadores do sexo masculino na equipe de enfermagem, o que proporcionaria o
cuidado aos pacientes homens por profissionais do mesmo sexo(10).
Descrevem os profissionais que os pacientes, mesmo quando conscientes, "poucos
expressam isso (seus sentimentos) em palavras" (p12), e "ficam calados, pouco
comunicativos e só questionam se vai demorar ainda"(p13), no entanto demonstram
sua inquietação e, diante da condição de impotência, revelam:
"... não sirvo nem mesmo para me higienizar" ou "... eu não sou nada
mesmo".(p3)
"a que ponto chega uma pessoa para estar passando por tudo aquilo e
depender dos outros para tudo".(p17)
Os profissionais inferem ser constrangedor para os pacientes até comentar sobre
o assunto. Em algumas situações, alguns se negam a receber cuidados que os
exponham; então, havendo explicação/orientação/diálogo sobre a necessidade,
ocorre aceitação(11), porém requerem que parte do corpo, pelo menos, esteja
coberta durante o procedimento.
Quando se trata de higiene corporal, o paciente consciente, tendo condições de
autocuidado, auxilia na própria higiene. Todavia, os que não conseguem executar
o autocuidado, mesmo constrangidos com a exposição, agradecem o cuidado
recebido.
Sobre as reações dos pacientes conscientes e comunicativos do sexo masculino,
uma profissional manifesta dificuldade ao se deparar com "situações
desagradáveis, em certas atitudes de pacientes 'engraçadinhos..."(p2).
Sobretudo, é também dificuldade vivida pela equipe de enfermagem realizar
cuidados íntimos com exposição física quando o paciente demonstra estar
constrangido. Em contrapartida, outros sujeitos assinalam:
"Minha maior dificuldade se encontra em conversar com o paciente
comatoso ou sob efeito de sedativos, sendo que muitos reagem. Acabo
abandonando-o, sem antes explicar-lhe o motivo de minha ação".(p1)
"... no caso de pacientes conscientes, o constrangimento em relação a
procedimentos é grande; já no caso inconsciente não".(p5)
Cientes de que os pacientes, mesmo com o nível de consciência diminuído, têm
condições de percepção, os profissionais ressaltam que os cuidados deveriam ser
igualitários, tanto para o que está consciente quanto para o que tem
comprometido o seu estado neurológico. No entanto, na prática ocorrem
contradições quanto ao que é falado e o que é vivido, como analisado na próxima
categoria.
Desproteção da intimidade do paciente: contradições que emergem da prática
Entende-se que manter a privacidade do paciente em UTI é uma tarefa difícil, em
razão da estrutura física e do tipo de cuidado. Embora os profissionais de
enfermagem sinalizem preocupação, evidenciam-se situações e condições de des-
cuidado quanto à proteção corporal(11).
"[...] muitas vezes ou quase sempre acabo deixando de lado esse
cuidado".(p2)
"Explico para o paciente o que vou fazer e por que, mas já esqueci
várias vezes de fazer isso [proteger o corpo e a intimidade do
paciente]". (p6)
O cuidado e a preocupação em preservar a privacidade dos pacientes, em especial
jovens, revelam-se quando estão conscientes, o que não ocorre quando em estado
de sedação, torpor ou coma. Nestes casos, a exposição íntima acontece durante o
banho.
"Quando o paciente está acordado sim, mas sinceramente, quando
sedados, acabamos deixando a desejar em relação a este cuidado".(p2)
"Quando cuido de pacientes acordados sim, são usados biombos, se
expõe ao mínimo o paciente; quando são clientes sedados, em coma ou
mesmo torporosos, nem sempre são utilizados esses meios. Acredito que
a abordagem deveria ser igual para todos".(p3)
"A preocupação existe, porém não é tão cuidadosa devido às
características físicas do setor e, talvez, a sua própria rotina, mas
principalmente pelo fato de que a maioria dos pacientes são comatosos
ou estão sedados".(p1)
Os profissionais de enfermagem confirmam nos depoimentos a persistência de
falhas referentes à proteção do corpo e da intimidade dos pacientes,
reconhecendo que a privacidade é violada constantemente durante a assistência
(4), sem explicação ou consentimento, configurando invasão pessoal, que
desrespeita e banaliza o outro(13-14). Dessa forma, emerge a necessidade do
pensar/ refletir sobre tais condutas, que impelem mudanças na realidade
apresentada, como apontam os próprios profissionais:
"A gente só pensa mais quando discute sobre isso... Todo mundo faz as
coisas sem maldade e o corpo fica à mostra, principalmente no banho.
Se o paciente está acordado (não sedado), tenho alguma preocupação,
mas normalmente não protejo o paciente; poucas vezes coloco o
biombo.... Acho que precisaria mudar, pois, se a gente tivesse no
lugar do paciente, gostaria que fosse diferente".(p21)
"... pelo que vejo e sei, na hora do banho tem pouca gente na UTI e
não protegemos os pacientes. Mas essa pergunta me fez pensar... Seria
bom tomar mais cuidado com a exposição do paciente".(p22)
Proporcionar momentos dialógicos sobre o tema na esfera do cuidado à saúde faz-
se pertinente, na medida em que se devem considerar as múltiplas dimensões do
ser humano, respeitando-o em sua unidade e multiplicidade, ou seja, em sua
cultura, crenças, sexo, ambiente e fé(15).
Urge entender os motivos que levam as ações de violação da privacidade e
autonomia dos pacientes, denotando falha ou descuido por parte de alguns
profissionais, o que pode representar para os pacientes desrespeito e
desconsideração por parte da equipe, bem como impessoalidade e desumanização no
atendimento(10).
É oportuno, aqui, citar o Código de Ética de Enfermagem(16), o qual exige o
respeito ao pudor, à privacidade e intimidade do cliente. Contudo, são os
valores e os princípios de cada cuidador que favorecem sua percepção das coisas
e norteiam o cuidado, balizando suas ações e atitudes(11). Assim, munidos dos
preceitos éticos da profissão e da moral, os profissionais atribuem valor ao
tema em questão. Portanto, os que violam a privacidade do outro devem refletir
sobre sua prática e sua relação com o paciente, de modo a prover a este outro
um cuidado ético e responsável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo revela que a exposição do corpo e da intimidade é uma condição única
para o paciente e uma experiência múltipla para os profissionais de enfermagem.
Com base nessa premissa, a maioria dos profissionais manifesta agir
naturalmente, tendo preocupação e empatia para como o paciente; por isso,
utilizam recursos materiais e humanos para proporcionar um ambiente reservado e
exposição mínima do corpo do paciente (quando necessária), como o biombo. Ainda
assim, condutas que violam a privacidade ainda persistem durante o cuidado de
enfermagem na UTI.
De acordo com as dificuldades expressas pelos participantes, percebe-se a
necessidade de abordar ainda na formação e no início da prática profissional as
questões que envolvem a exposição física e íntima do paciente e de proporcionar
melhorias estruturais às unidades de pacientes críticos, o que requer
investimentos financeiros.
Ainda, mostra-se relevante a reflexão da equipe de enfermagem sobre o
imperativo moral do cuidado quanto à privacidade e dignidade do paciente no
ambiente de UTI, visto que a rotina do trabalho pode inibir a percepção de
alguns profissionais. O conhecimento das reações dos pacientes manifestadas
durante a exposição física e íntima poderá subsidiar as atitudes destes
profissionais, visando minimizá-las e abrandá-las.
Com este estudo, realizado a partir das experiências vividas pelos
profissionais de enfermagem que atuam em UTI, foi possível compreender questões
relacionadas à privacidade do paciente e suas implicações. A privacidade é um
direito do paciente e um compromisso ético do profissional. Sobretudo, foi
possível instigar a reflexão dos participantes - profissionais de enfermagem -
sobre o tema, suscitando, mesmo que timidamente, possibilidades de mudanças no
contexto de atuação.