Violência institucional: vivências no cotidiano da equipe de enfermagem
INTRODUÇÃO
A violência é considerada um problema social e de saúde pública, com origens e
consequências variáveis, ocasionadas por indivíduos, grupos, classes ou nações
que geram danos a uma ou várias pessoas em diferentes graus, seja em sua
integridade física, moral, emocional ou espiritual(1).
Anualmente, mais de um milhão de pessoas morrem e muitas sofrem ferimentos
resultantes de atos violentos. Nesse sentido, chama atenção o fato de a
violência configurar-se como uma das principais causas de morte nos indivíduos
na faixa etária de 15 a 44 anos(2).
No Brasil, a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e
Violência evidencia que o impacto econômico desse fenômeno pode ser medido
diretamente por meio dos gastos hospitalares com internação, incluindo unidades
de terapia intensiva e de permanência geral. Por essas razões citadas, essa
política estabeleceu diretrizes e responsabilidades institucionais,
contemplando e valorizando medidas ligadas à promoção da saúde e a prevenção
desses eventos(3).
A violência é classificada de diversas formas, em diferentes tipos, de acordo
com a visão de cada pesquisador. Dentre as várias classificações a ela
atribuídas têm-se a violência institucional, aquela que se realiza dentro das
instituições, sobretudo por meio de suas regras, normas de funcionamento e
relações burocráticas e políticas, reproduzindo as estruturas sociais injustas
(4).
A violência institucional é abordada como um fato presente no cotidiano do
trabalho hospitalar, e definida sob dois aspectos: por omissão e por comissão.
A primeira engloba a negligência e o descaso em relação aos usuários do sistema
de saúde não atendendo, assim, a suas necessidades básicas. A segunda
relaciona-se a procedimentos desnecessários e/ou indesejáveis, voltando-se ao
aspecto técnico da assistência(5).
A violência no local de trabalho engloba insultos, ameaças, agressão física ou
psicológica originadas de pessoas exteriores à organização, incluindo clientes,
contra alguém que está trabalhando constituindo um risco para a saúde,
segurança e bem-estar dos trabalhadores(6).
Esse tipo de violência é uma das principais causas de mortes e ferimentos no
mundo. Nos Estados Unidos, segundo estatísticas oficiais, o assassinato
representa a primeira causa de morte no local de trabalho para as mulheres e a
segunda principal entre os homens. Na União Europeia, cerca de 3 milhões de
trabalhadores (2% do total) já foi submetido a alguma forma de violência física
no trabalho, e na Suécia, calcula-se que tal comportamento seja o fator
responsável por 10% a 15% dos suicídios. Pesquisa realizada no Reino Unido
revelou que 53% dos funcionários já sofreram intimidação no trabalho e 78%
testemunharam tal comportamento. Na África do Sul, estudo recente mostrou que
78% dos entrevistados tinham experimentado bullyingno local de trabalho(7).
No Brasil, os profissionais de enfermagem vivenciam constantemente a
precarização do trabalho, por terem, entre outros fatores, uma trajetória
marcada pela jornada de trabalho aumentada devido ao acúmulo de empregos, à
quantidade insuficiente de pessoal, além da convivência com situações de morte
que têm influência no caráter psicológico. Com isso, esse quadro pode
contribuir para a realização de uma assistência ineficaz, podendo resultar em
atitudes violentas dos pacientes e/ou acompanhantes contra a equipe(8).
Nesse contexto, definiu-se como objeto de estudo a violência institucional
vivenciada no cotidiano da equipe de enfermagem. E, como objetivos, descrever a
vivência dos profissionais da equipe de enfermagem expostos à violência
institucional em um hospital de ensino, discutir como essas vivências influem
no cotidiano desses profissionais e na organização do serviço de saúde, bem
como conhecer os possíveis eventos causadores dessas atitudes violentas.
Na atualidade, o tema tem ganhado espaço nas pesquisas na área da saúde, como
também se pode perceber, através de situações presenciadas e relatos de casos,
a existência de violência de pacientes e/ou acompanhantes em relação aos
profissionais da equipe de enfermagem dentro do seu ambiente de trabalho. Esse
fato vem resultando em grande desgaste psicológico dos profissionais, afetando
diretamente o desenvolvimento de um cuidado adequado.
MÉTODOS
Pesquisa de abordagem qualitativa realizada em um hospital público de ensino de
grande porte, localizado no município de Teresina, PI, que atende, em sua
maioria, pacientes oriundos do próprio Estado, como também de estados vizinhos
como Maranhão e Ceará.
Os sujeitos participantes deste estudo foram 11 profissionais da equipe de
enfermagem, que desenvolvem atividades nas clínicas Ortopédica, Neurológica,
Urológica e Especializada, cujos pacientes apresentam patologias que exigem
tempo de internação mais prolongado. É importante ressaltar que essa última
clínica recebe pacientes de diferentes especialidades, sendo que grande parte
deles são transferidos do hospital de urgência do município, vitimados por
acidentes e violências, e apresentam problemas ortopédicos que requerem
internação demorada.
Os critérios de escolha dos sujeitos foram a disponibilidade e o consentimento
em participar do estudo. Foi considerado critério de exclusão a resposta
negativa quando estes foram interrogados se já haviam sofrido algum tipo de
violência no local de trabalho.
Tomando por base os critérios da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo e em
seguida foi solicitada a assinatura do termo de consentimento livre e
esclarecido, do qual todos receberam uma cópia, em que há clareza quanto aos
aspectos da pesquisa em relação ao respeito à dignidade humana. Também lhes foi
garantido o anonimato das informações através da identificação dos depoentes,
conforme a sua categoria profissional, por letras maiúsculas do alfabeto latino
E, TE, AE, correspondendo respectivamente a enfermeiro, técnico e auxiliar de
enfermagem, seguidas de algarismo arábico correspondente ao número do
entrevistado em sua categoria profissional.
Optou-se pela entrevista como técnica de produção de dados, utilizando um
roteiro semi-estruturado. Para registrar a fala dos depoentes, utilizou-se um
gravador e em seguida as informações foram transcritas na íntegra. Adotou-se
como critério para encerramento das entrevistas a saturação das falas. A
discussão dos dados produzidos foi realizada por meio da análise temática,
objetivando descobrir os núcleos de sentido da comunicação, a fim de revelar os
valores presentes nos discursos. Na pesquisa se utilizou as três etapas
recomendadas no referido método de análise, a saber: pré-análise, exploração do
material, tratamento dos resultados e interpretação(9).
O estudo foi encaminhado inicialmente à Comissão de Ética em Pesquisa do
hospital público de ensino onde foi realizada a produção dos dados. Em seguida,
submeteu-se à análise do Comitê de Ética e Pesquisa da NOVAFAPI com protocolo
de nº 0054.0.043.000-09, ressaltando que somente após a autorização de ambos, a
pesquisa foi iniciada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A violência institucional contra profissionais de saúde é um fato preocupante e
cada vez mais presente nos cenários da prática em saúde. Nesse sentido, as
categorias de análise construídas a partir das falas das depoentes permitem
conhecer suas vivências e como elas influenciam em seu cotidiano de trabalho,
assim como ao que atribuem à ocorrência desse fenômeno.
Estes dados produzidos foram obtidos a partir dos depoimentos de dois
enfermeiros, seis técnicos e três auxiliares de enfermagem. Através de
perguntas fechadas identificou-se a categoria profissional dos entrevistados e
observou-se que o tempo de serviço na instituição varia de um a mais de dez
anos, com predomínio dos profissionais que prestam serviço há mais de dez anos.
Vivências de violência na equipe de enfermagem prioritariamente expressa por
violência verbal
Acredita-se que dentre os profissionais de saúde, aqueles pertencentes à equipe
de enfermagem encontram-se mais susceptíveis a vivenciar episódios de violência
no seu ambiente de trabalho, devido à maior aproximação com pacientes e
acompanhantes.
Os atos de violência cometidos contra essa equipe acontecem de formas
diferentes, podendo ser de ordem física ou verbal como pode ser observado nas
falas a seguir:
O paciente chegou... me abordou aqui na porta do posto me agredindo
com palavras, dizendo que eu não sabia de nada, que eu queria mandar
no hospital, que eu queria mandar na clínica, que ele ia me
processar, que ele tinha os direitos dele. E apontando o dedo pra mim
e tudo... muito agressivo. (E1)
[...] a esposa do paciente estava deitada junto com ele debaixo dos
lençóis. Falei que não podia deitar com o paciente [...] Aí ele me
ameaçou, disse que ia me levar pra Ouvidoria. Eu disse que ela podia
ir que eu estava no meu direito.(TE2)
[...] Eu já sofri várias agressões, física não, só porque a gente
corre, porque tem perna pra correr, mas uma vez (...) o acompanhante,
disse: vocês são isso, são aquilo! Usou vários termos bem baixos.
Vocês ficam caminhando pra lá e pra cá, não dão assistência. E no
momento se eu não tivesse me afastado, ele tinha jogado o suporte de
soro em cima de mim. E uma amiga minha também, com um dos suportes
ele ia agredi-la.(E2)
A partir dos depoimentos acima pode-se perceber que a maioria das atitudes
violentas vivenciadas pelos profissionais de enfermagem são de caráter verbal,
através de insultos, ameaças e difamações. Contudo, alguns casos de violência
física também foram relatados.
[...] eu sai correndo e ela puxando minha bata, até rasgou minha bata
nesse tempo, sai correndo e ela atrás, aí eu fui atrás do médico.
(TE3)
As agressões sofridas pelos trabalhadores de serviços de saúde podem ser
físicas ou verbais. Dentre as agressões físicas, aquelas mais presentes são:
arranhar, beliscar, dar pontapés, esmurrar, dar tapas, empurrar, apertar contra
a parede, morder e agredir com o uso de objetos ou armas. Já as agressões
verbais ocorrem na forma de humilhações, insultos, ofensas, indicando falta de
respeito com a dignidade do indivíduo(10).
Devido à complexidade do relacionamento humano e às características próprias do
homem, as relações entre as pessoas que convivem no ambiente de internação
hospitalar acontecem de forma instável, ainda que entre os mesmos sujeitos.
Existem diversas situações que demarcam experiências de relacionamento, sendo
estas positivas ou negativas(11).
Por outro lado, mensurar a extensão da violência no ambiente de trabalho é algo
complexo, uma vez que a literatura traz conceitos diversos de violência, assim
como também varia a definição do fenômeno da violência por parte das vítimas
(10).
Dessa forma, observa-se a necessidade de adequação dos serviços, criando
estratégias que possibilitem informar aos usuários sobre as rotinas adotadas
nos serviços de saúde a fim de facilitar a compreensão deles sobre os
procedimentos que devem adotar enquanto permanecerem na instituição de saúde.
A influência da violência no cotidiano de trabalho e na organização do serviço
de saúde
A maioria dos entrevistados afirmou que as vivências de violência influenciaram
no seu cotidiano de trabalho, relatando terem se sentido estressados,
irritados, com baixa auto-estima e desestimulados para trabalhar. Isso pode ser
constatado nos depoimentos abaixo:
Não é bom pra gente não, porque se fica com os nervos à flor da pele.
É muito ruim, a gente fica tão sem gosto. Fico assim sem vontade de
trabalhar, fico desestimulada.(AE1)
A gente fica estressada no momento, pode elevar até a pressão. A
gente fica irritada, chocada, afeta até o psicológico.(TE2)
Eu me senti péssima, senti assim, três pontadas na minha cabeça.
(...) quando eu ouço essas coisas, fico com vontade de não fazer mais
nada.(TE4)
Ameaças, xingamentos, intimidação, ofensas, humilhação, dentre outras, são
expressões usuais do agressor para com os profissionais de enfermagem, além das
agressões físicas. E, em geral, os profissionais que são afetados por essa
violência no trabalho têm, como consequência, sintomas emocionais, tais como:
frustração, estresse, tristeza, raiva, desânimo, baixa auto-estima. Com isso,
além do risco de agravo à saúde do próprio trabalhador, há um comprometimento
no processo do cuidar devido a um possível atendimento deficiente tanto para o
usuário como para o acompanhante.
As atitudes violentas têm efeitos inquietantes e englobam uma variedade de
consequências preocupantes, que incluem desde a lesão física a problemas
emocionais como depressão, medo, estresse, perda da auto-estima, entre outros,
comprometendo a qualidade do serviço e cuidados prestados(12).
Assim, a humanização dos serviços de saúde envolve a conquista pelos
trabalhadores de adequadas e saudáveis condições de trabalho, o que implica
autonomia e participação no controle dos processos de trabalho em saúde,
criação de vínculos e responsabilidades(13).
Contudo, um depoente considerou essas vivências de forma positiva, pois
propiciaram reflexões que contribuíram para seu crescimento profissional,
buscando tornar a assistência ao paciente mais humanizada. Isso pode ser
evidenciado na fala a seguir:
Influenciou assim, influenciou porque a gente cresce! Toda vez que
alguém me agrediu ou dizia essas coisas comigo ou com as minhas
colegas, a gente pensa que não aprende, mas a gente tenta melhorar
(...) E eu acho que pra mim, eu sempre melhorei. Eu fico mais humana,
muito mais. Sempre me colocando que eu poderia ta ali, ou uma família
minha, sempre me coloquei assim.(E2)
A partir do momento que o profissional da saúde vivencia a experiência de
violência, como ser humano, ele pode também refletir e buscar compartilhar a
preocupação e sofrimento do outro, passando a considerar suas necessidades,
angústias e vontades para melhor confortar o familiar ou o próprio usuário.
A humanização dos cuidados está relacionada à individualidade do ser humano e à
construção de um espaço concreto nas instituições de saúde que valorize o lado
humano daqueles que recorrem a esses serviços. Dessa forma, para que o cuidar
aconteça de maneira humanizada, os trabalhadores da saúde, em especial o
enfermeiro que presta frequentes cuidados e possui maior contato direto com o
paciente, deve ser capaz de entender a si mesmo e ao outro, estendendo esse
conhecimento a ações concretas e conscientizando-se dos valores e princípios
que norteiam sua ação. Para que possa ser iniciada a busca pela humanização é
necessário que os profissionais de saúde vejam o usuário não apenas como alguém
que possui necessidades biológicas, mas como um ser biopsicossocial e
espiritual que deve ter sua dignidade preservada e seus direitos respeitados
(14).
Portanto, o acolhimento é uma necessidade de saúde e a sua prática deve ser
centrada no trabalho vivo cotidianamente construído, de modo individual e
coletivo, produzido no encontro do trabalhador com o usuário, o verdadeiro
centro do mundo das necessidades(15).
Entretanto, outros participantes da equipe relataram que suas atividades não
são influenciadas pelas atitudes violentas por estarem habituados a conviver
com esse tipo de situação, o que pode ser comprovado com as seguintes
declarações:
Aí eu levo na esportiva, não me estresso...(AE2)
Não. A gente já está acostumada. Era sempre assim. Eu não fico
estressada de jeito nenhum.(TE1)
A violência vivenciada pelos profissionais de saúde vem causando uma
consequente naturalização do fenômeno, uma aceitação, como se fosse algo
normal, que não comove e não choca mais, principalmente, acredita-se devido ao
fato de estar próxima e presente cotidianamente na rotina de trabalho.
Pôde-se perceber a partir das opiniões dos entrevistados que os atos violentos
podem também influenciar de forma positiva na organização do serviço de saúde.
Como se observa através dos seguintes depoimentos:
Eu acho que com isso as políticas públicas mudaram, os diretores,
gerentes, o próprio secretário de saúde começou a trabalhar essa
mudança. Não só no hospital geral, esse grande, como nos hospitais de
bairro de urgência, eles também tão mudando, mudando de estrutura, de
atender melhor, vários serviços até instalaram ouvidoria. Pra que é
isso? Pra melhorar, pra conhecer os anseios da população. As mudanças
têm que ser feitas.(E2)
Na organização da clínica, eu pedi que os funcionários tomassem mais
cuidado na hora da admissão começando logo a alertar, orientar...
Hoje já é feito, no decorrer dessa nova regra do diretor elas já
fazem essa orientação.(E1)
Hoje eles dão uma urna, botam uma urna bem aí para acompanhantes
fazerem as queixas deles, sugestão, colocar o que eles acham do
hospital, o que acham do tratamento, de tudo, umas perguntas de
rotina e muitas vezes têm resposta na urna.(AE1)
A ocorrência de atitudes violentas dentro do ambiente de trabalho pode servir
como um alerta para que mudanças importantes ocorram na instituição, desde a
adoção de novas práticas na rotina de trabalho até a implantação de ouvidorias
e urnas onde é possível ter um elo entre o usuário e/ou acompanhante com o
hospital, gerando, com isso, melhorias na qualidade do serviço e uma
consequente satisfação das pessoas.
Atualmente, com os princípios que regem o atendimento à saúde, baseados na
integralidade da assistência, equidade, participação social do usuário,
universalidade, dentre outros, a ideia de humanização em saúde assume um papel
de extrema importância, que requer uma revisão das práticas cotidianas,
ressaltando a criação de ambientes de trabalho menos alienantes e valorizando o
trabalhador e o usuário(16).
Assim, como a enfermagem considera o cuidado o foco central de sua prática, é
necessário assumir o compromisso de lutar constantemente pela criação de
vínculos e responsabilidades. Porém, isso implica uma avaliação permanente do
seu fazer, reconhecimento das deficiências de infraestrutura dos serviços e da
situação de vida dos usuários, para com isso tornar favorável melhoras na
qualidade da atenção prestada e na auto-realização de toda a equipe com o
trabalho.
Fatores causadores das atitudes violentas contra a equipe de enfermagem
Os profissionais da equipe de enfermagem atribuem a ocorrência de atitudes
violentas a diversos fatores, como pode ser observado nos depoimentos citados a
seguir:
Ele pensa que o paciente vai morrer, entendeu?! Aí ele quer que seja
atendido logo, pra não ter nada com o paciente, o paciente
sobreviver.(TE1)
[...] ela me pegou, assim, puxando minha bata, falou: "ei, a senhora
vai matar minha mãe, a senhora vai matar minha mãe, eu lhe disse que
ela é diabética, a senhora vai fazer esse soro glicosado.(TE3)
Ao presenciarem a aflição de seus familiares que se encontram enfermos surgem
sentimentos de preocupação e angústia por parte dos acompanhantes, que anseiam
um tratamento imediato para evitar o sofrimento do paciente. Quando isso não
ocorre de forma eficaz, engendram-se momentos de desespero e revolta, o que
pode resultar em atitudes violentas. Assim, constata-se que a comunicação é
realmente um instrumento básico na prática social da enfermagem.
Ao se deparar com a hospitalização de um familiar, o acompanhante encontra-se
em um ambiente estranho, com horários estabelecidos, pessoas que informam,
manipulam e determinam o que pode ou não fazer. Diante disso, o familiar nem
sempre respeita a disciplina imposta, resultando em atritos principalmente com
a equipe de enfermagem, que são os profissionais que permanecem grande parte do
tempo no hospital e aos quais o familiar tem mais acesso(11).
Em geral, as situações mais propícias para a ocorrência de violência contra os
profissionais são: quando o paciente está agitado, recebe más notícias, ou
quando é solicitado a fazer algo que não deseja. Tudo isso associado a outros
fatores, como a frustração com o serviço devido à espera pelo atendimento
médico e estresse dos pacientes por estarem sentindo muita dor ou por se
encontrar com o estado emocional abalado. Os familiares e amigos também surgem
como fontes de violência devido ao estado de ansiedade e angústia perante o
sofrimento do paciente(10).
Os depoentes atribuíram também a causa de atitudes violentas à dificuldade de
acesso ao serviço de saúde e ao estresse do dia a dia. Os relatos a seguir
demonstram esse aspecto:
Eles já trazem essa carga, já trazem consigo (...) a grande maioria
não tem condição financeira, aí marcam uma consulta para ser atendido
não sei quanto tempo depois, uma vida para fazer um exame, outra vida
para dá o resultado, quando ele chega aqui, quando ele consegue uma
vaga, já está estourado.(TE5)
É porque eles já chegam com os nervos à flor da pele pelo problema
que estão passando com seus familiares, já chegam estressados, aí não
tem jeito de se dirigir às pessoas.(TE3)
As pessoas já vêm de casa estressadas. Aí acham que jogando o
estresse deles em cima da gente vai melhorar a condição, não vai. Faz
é piorar, porque a gente fica até nervosa, não tem nem condição de
fazer o trabalho. (AE3)
O usuário do serviço de saúde precisa enfrentar várias etapas até que consiga
receber o tratamento de que necessita, devido às dificuldades de acesso e ao
atendimento deficiente, o que ocorre dentro de um processo demorado. Isso
aliado ao estresse do cotidiano ocasionado pela sobrecarga de problemas
enfrentados diariamente, cria uma situação propícia à ocorrência de agressões
contra a equipe de enfermagem.
A dificuldade de acessibilidade e o acolhimento deficitário do usuário na
atenção primária resultam em uma má qualidade de atendimento em saúde. Assim, a
organização dos serviços de saúde nem sempre tem a finalização do atendimento,
o que acarreta desconforto e até mesmo agressões aos profissionais(17).
Observa-se que apesar de a universalidade implicar, entre outros aspectos,
acesso aos serviços de saúde e às informações necessárias, assim como a
manutenção de um equilíbrio físico e mental saudável e a ações de promoção à
saúde, quer individuais ou coletivas, na prática diária dos serviços, a
percepção da população usuária parece não se configurar dessa forma(18).
Existe um conjunto de ações que poderiam minimizar situações agressivas no
contexto de atenção em saúde, como: melhorar a organização do serviço,
facilitar o acesso e o atendimento do usuário, oferecer-lhe informações e
encaminhamentos de forma correta e a maior integração e bom relacionamento da
equipe(17).
Outro fator ressaltado pelos depoentes foi a discriminação dos usuários em
relação ao hospital público e o fato de a maior parte da população atendida ser
de baixa renda, conforme se pode confirmar nos seguintes relatos:
Acho que quando chegam aqui já vêm discriminando o hospital público,
eles já vem armados porque não tiveram condições financeiras de ir
pra outro lugar, então eles já chegam achando que a gente é um bicho,
que vai tratar mal, então por mais que a gente faça, não consegue
agradar, sempre acham que é pouco.(TE6)
[...] eu acho que é porque é hospital público, eles acham que podem
fazer do jeito que querem, que não tem regra, tudo é do jeito que
eles querem, que eles podem fazer tudo, acho mais que foi por isso.
(E1)
É pela população bem pobre, bem carente, carente de atenção é... de
tudo. (...) eu acho que fica assim... pela carência mesmo da própria
cultura deles. (E2)
Há uma discriminação em relação ao serviço público de saúde por parte dos
usuários que têm a concepção de que o atendimento oferecido é de má qualidade e
que as instituições públicas não possuem regras em seu funcionamento.
A demanda de usuários dos hospitais públicos do Estado é quase totalmente
composta pela população carente. Isso pressupõe uma questão cultural e
educacional, que pode levar a incompreensão das regras estabelecidas na
instituição e menor tendência a obedecê-las, assim como para tentar instituir
um bom relacionamento com os trabalhadores, que determinam tais regras. Assim,
observa-se que o conceito de qualidade é manifesto individualmente pelas
pessoas. Portanto, essa filosofia deve ser adaptada à realidade de cada
instituição, visto que cada serviço de saúde deve buscar alcançar a qualidade
com base em seus indicadores, suas possibilidades, seus valores, suas
características e seus usuários, considerando aspectos como a diversidade na
cultura, clima e condições socioeconômicas presentes na sua região(19).
Diante de um mesmo serviço, as pessoas apresentam diferentes opiniões sobre a
qualidade do cuidado prestado, havendo, assim, uma dificuldade em se
estabelecer um consenso sobre a qualidade, visto que a percepção sobre esse
atributo sofre influência até mesmo do "estado de espírito" do usuário no
momento da avaliação(20).
Durante as entrevistas, em nenhum momento, os profissionais atribuíram para si
alguma parcela de culpa pelas atitudes violentas advindas do próprio usuário ou
acompanhante. Esse fato é questionável por ser de conhecimento de todos que os
profissionais de enfermagem possuem uma sobrecarga de trabalho devido às
inúmeras tarefas a cumprir, associadas à quantidade insuficiente de pessoal e à
jornadas duplas de trabalho.
Observa-se que embora o SUS tenha avanços importantes e se verifique
considerável mudança em relação ao acesso às ações e aos serviços, muito ainda
precisa ser feito. Nesse sentido, os profissionais de saúde necessitam
responsabilizar-se cada vez mais para o estabelecimento da saúde como direito
do cidadão, devendo o Estado comprometer-se em promover condições para que
tanto os profissionais quanto as instituições sejam capazes de oferecer uma
assistência de qualidade à população(18).
A violência em suas várias formas e complexidade sempre ocasiona e perpetua
"violências menores", como por exemplo: negligências, imperícias, assistência
inadequada, baixa auto-estima, entre outras. Essas fortificam e desencadeiam as
violências estruturais (imposição de sobrecarga física e mental aos
trabalhadores) em um ciclo vicioso, o que mostra a necessidade do entendimento
desse processo para seu rompimento com a finalidade de uma auto-realização
profissional e humana dos trabalhadores de enfermagem(12).
Por essas diferentes razões e circunstâncias, a assistência prestada ao usuário
nem sempre acontece de forma eficaz, pois, em alguns momentos, não há, por
parte do profissional, tolerância e atenção requeridas, limitando-se a um
cuidado técnico, negligente, sem vínculo durante todo o processo do cuidar. Em
consequência disso ocorre um descontentamento que pode resultar em represálias
tanto por parte da equipe como por parte dos usuários do serviço.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados obtidos mostraram que os profissionais de enfermagem estão
expostos constantemente a riscos de violência institucional, em geral, por ser
a categoria que passa mais tempo e em maior interação com o paciente e seu
acompanhante.
Ao buscar conhecer as vivências de violência sofridas pela equipe de enfermagem
no seu ambiente de trabalho, pôde-se constatar que esses profissionais
encontram-se expostos a atitudes violentas predominantemente de natureza
verbal. Porém, agressões físicas também foram vivenciadas. A maioria dos
sujeitos participantes do estudo demonstrou que a ocorrência dessas atitudes
influenciou no seu cotidiano de trabalho de forma positiva ou negativa. Como
benefícios relataram que a partir dessas vivências buscaram uma melhora na
qualidade da assistência prestada ao usuário. Já como consequências negativas,
evidenciaram o estresse, a baixa autoestima e o desestímulo na realização de
suas atividades. Outros participantes afirmaram ainda que a violência não
influencia na rotina de trabalho tornando evidente a banalização da violência.
Também foi constatado que os atos violentos influenciam de forma positiva na
organização do serviço de saúde, pois contribuem para que ocorram mudanças
importantes na instituição com consequentes melhorias na qualidade do serviço
prestado.
A ocorrência de atitudes violentas é atribuída pelos profissionais a diversos
fatores tais como: a preocupação e angústia dos acompanhantes diante de seu
familiar enfermo, o estresse do cotidiano aliado à dificuldade de acesso ao
serviço de saúde, a discriminação com a instituição por ser de atendimento
público e o fato da população atendida ser carente.
Atualmente há uma necessidade de incluir a violência no pensamento e na ação da
saúde. O estudo demonstra que a violência no local de trabalho em saúde e,
especificamente em enfermagem, vem se tornando um problema de saúde pública
prejudicial tanto para a saúde e carreira dos trabalhadores de enfermagem como
para a assistência prestada aos usuários.
Assim, verifica-se a importância da implantação de medidas para a prevenção de
atos violentos como: melhorar as condições de trabalho com número adequado de
recursos humanos; capacitar os trabalhadores para o enfrentamento de situações
críticas e prevenção de atitudes violentas de pacientes e acompanhantes;
destacar a importância de uma gestão de enfermagem inovadora que busque a
qualidade da assistência prestada ao usuário e possibilite um trabalho mais
alegre para a equipe de enfermagem, assim como vise a alcançar os objetivos
organizacionais; aperfeiçoar o ambiente de trabalho, estilos de gestão e
organização do atendimento a fim de melhorar o acesso e acolhimento das pessoas
que procuram os serviços de saúde; adotar uma relação dialógica com
trabalhadores e usuários, com implantação de equipes multiprofissionais para
prevenção de ocorrências, orientação e apoio às pessoas afetadas por esse
fenômeno; criar protocolo de registro das formas de violência institucional,
entre outras, de acordo com a necessidade da instituição.