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BrBRCVHe0034-71672011000100014

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National varietyBr
Year2011
SourceScielo

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Características epidemiológicas dos óbitos maternos ocorridos em Recife, PE, Brasil (2000-2006)

INTRODUÇÃO A mortalidade materna é um indicador que além de informar sobre a situação de saúde reprodutiva, reflete as condições de vida de uma população(1). Constitui- se em um dos indicadores mais adequados para avaliar a cobertura e a qualidade dos serviços de saúde de forma integral, assim como é um indicador extremamente sensível de pobreza e desigualdade social(2-3).

As diferenças nos níveis de mortalidade materna existente entre os países e regiões refletem as desigualdades nas condições sociais, econômicas e políticas (4). A razão de mortalidade materna (RMM) dos países desenvolvidos em comparação com os países subdesenvolvidos mostra uma disparidade maior do que qualquer outro indicador da saúde pública(5-6). Em 2005, estimou-se 536.000 mortes maternas no mundo, dessas 99% (533.000) ocorreram nos países em desenvolvimento(7). Nesses países, a maioria dos óbitos maternos dá-se entre os segmentos mais desfavorecidos da sociedade(8).

No Brasil, pesquisa realizada em 26 capitais, no ano de 2002, estimou a Razão de Mortalidade Materna (RMM) em 54,3 por 100.000 Nascidos Vivos (NV) para o conjunto das capitais, identificando uma significativa variação inter-regional: 42 por 100.000 NV na Região Sul, e 73,2 por 100.000 NV na Região Nordeste(9).

No estado de Pernambuco, foi conduzida uma pesquisa em cinco sub-regiões para analisar os níveis e os padrões de mortalidade materna, entre 1994 e 2003.

Foram identificados 54 óbitos maternos, com uma RMM de 77 por 100.000 NV e um nível estimado de sub-notificação de 46%(10).

O conhecimento sobre a ocorrência e as circunstâncias das mortes maternas é fundamental para o planejamento das medidas de prevenção. É nessa perspectiva que são criados os Comitês de Morte Materna. No Brasil os comitês são definidos instâncias de caráter interinstitucional, multiprofissional e confidencial que tem como objetivo identificar, estudar os óbitos maternos e apontar medidas de intervenção para sua redução(11). A investigação epidemiológica dos óbitos maternos contribui para a adequada mensuração dessa mortalidade e, sobretudo, para conhecer os fatores relacionados com a sua ocorrência, buscando identificar a evitabilidade e assim propor medidas preventivas(12).

No Recife, o Comitê Municipal de Estudos da Mortalidade Materna (CMEMM) foi criado em 1998, tendo como uma das principais atribuições, a realização de análises sobre a situação da mortalidade materna, com base nas informações fornecidas pela vigilância epidemiológica do óbito materno e pelas comissões hospitalares de estudo da mortalidade materna, além de propor estratégias de intervenção para melhoria da atenção à saúde da mulher e para redução dessa mortalidade(13). Nesse sentido, o objetivo desse estudo é descrever as características epidemiológicas dos óbitos maternos analisados pelo CMEMM do Recife (PE), ocorridos entre 2000 e 2006.

MÉTODOS A área de estudo foi constituída pela cidade do Recife, PE. A cidade do Recife possui uma extensão territorial 217 Km2, totalmente urbana, composta por 94 bairros e seis distritos sanitários, onde vivem 1.533.580 habitantes(14).

Tratou-se de um estudo epidemiológico de corte transversal, cuja amostra populacional foi constituída pelos óbitos maternos de mulheres residentes no Recife, ocorridos entre os anos de 2000 e 2006, que foram investigados pelo grupo técnico da vigilância epidemiológica da Secretaria de Saúde do Recife e analisados pelo CMEMM. Essa investigação é realizada através de pesquisas nos prontuários ambulatoriais e hospitalares, serviços de necropsia e entrevistas com profissionais de saúde e familiares. Com base nas informações coletadas são preenchidas as fichas confidencias de investigação de óbito materno, as quais são encaminhadas ao CMEMM para discussão e análise de cada caso.

Neste estudo, as mortes maternas analisadas foram: morte materna considerada como morte de uma mulher durante a gestação ou até 42 dias após o término da gestação, independente da duração ou da localização da gravidez, devida a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela, porém não devida a causas acidentais ou incidentais (CID -10, Códigos B20-24, F53, O00-99) e morte materna tardia que consiste na morte de uma mulher por causas obstétricas diretas ou indiretas ocorridas no período de 42 dias até menos de um ano após o término da gravidez(15).

Após a identificação das causas básicas de morte, estas foram classificadas, conforme a CID 10, em obstétricas diretas (aquela que ocorre devido a complicações obstétricas durante o período gravídico-puerperal) e indiretas (decorrente de doenças existentes antes da gravidez ou que se desenvolveram durante a mesma e que foram agravadas pelas mudanças fisiológicas causadas pela gravidez)(11).

A partir do banco de dados contendo as informações das fichas confidencias de investigação de óbito materno da Secretaria Municipal de Saúde do Recife foram exploradas as variáveis sociodemográficas (faixa etária, escolaridade, raça/cor e situação conjugal); sobre antecedentes obstétricos e de assistência à saúde (número de gestações anteriores, consultas pré-natais, inicio do pré-natal e tipo de parto); e as variáveis relacionadas ao óbito (momento do óbito, condições no internamento e setor de ocorrência do óbito), causa básica; evitabilidade e medidas preventivas. A variável renda foi excluída devido à significativa proporção de informação ignorada (>30%).

A RMM foi calculada pela relação entre o número de óbitos maternos e os nascidos vivos multiplicado por 100.000 (RMM=((óbitos maternos*nascidos vivos)*100.00). Foi realizada estatística descritiva por meio de distribuições de frequências, medidas de tendência central e de dispersão para as variáveis estudadas. Para essa análise foi utilizado o programa EpiInfo versão 3.5.1. Foi elaborado um mapa com a distribuição da RMM por bairro de residência, utilizando-se programa livre TerraView versão 3.3.1. (http://www.inpe.br/ terraview/index.php). Para classificar a RMM foram utilizados os critérios da Organização Mundial de Saúde (OMS), que define como RMM baixa (até 20 óbitos maternos/100.000 nascidos vivos), RMM média (20 a 49 óbitos maternos/100.000 nascidos vivos), RMM alta (de 50 a 149 óbitos maternos/100.000 nascidos vivos) e RMM muita alta (maior que 150 óbitos maternos/100.000 nascidos vivos)(16).

O projeto de pesquisa seguiu os procedimentos formais recomendados pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros da Universidade de Pernambuco (CAEE 0202.0.097.250-08). A utilização do banco dados foi autorizada pela Diretoria de Vigilância à Saúde da Secretaria de Saúde do Recife, preservando-se o sigilo sobre a identificação pessoal dos casos.

RESULTADOS Foram analisados 111 óbitos maternos de residentes na cidade do Recife no período estudado. A RMM global foi de 65,99/100.000 NV, com comportamento anual irregular. Na distribuição da RMM por bairros ressalta-se a ocorrência de RMM classificada como baixa em mais de 50% dos bairros do Recife (Tabela_1 e Figura 1). Observam-se dois aglomerados de bairros: o primeiro abrange a zona norte com RMM alta e o segundo a zona sul com médias RMM (Figura_1).

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Na Tabela_2 estão dispostas as características sociodemográficas dos óbitos maternos analisados. A maioria dos óbitos maternos ocorreu em mulheres pardas (70,3%), que viviam em união consensual (49,5%) e naquelas que possuíam de 4 a 7 anos de estudo (40,5%). A maior concentração de óbitos (42,3%) ocorreu na faixa etária de 20 a 29 anos de idade, com média de 28,9 anos, desvio padrão (DP) de 7,4 anos e mediana de 28 anos, variando entre 16 e 43 anos.

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Quanto aos antecedentes obstétricos verificou-se que 54,1% das mulheres tiveram de uma a quatro gestações anteriores, 31,5% realizou entre uma e três consultas pré-natais, quase 70% iniciou o pré-natal antes do quarto mês de gestação e o parto foi do tipo cesariano em 55,3% dos casos (Tabela_3). A quase totalidade (91,9%) dos óbitos maternos ocorreu no ambiente hospitalar. No momento da admissão hospitalar, internamento que ocorreu durante a gestação ou no momento do trabalho de parto 52 (46,8%) mulheres apresentavam quadro clínico considerado grave, em 56,8% dos casos foi necessário atendimento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Sobre o momento do óbito, 52,3% ocorreu durante o puerpério precoce (Tabela_4).

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As mortes maternas classificadas como obstétricas diretas ocorreram em 49,5% dos casos. As três principais causas de morte materna entre as obstétricas diretas foram: os transtornos hipertensivos (18,9%), infecção puerperal (6,3%), e as complicações puerperais (4,5%). As causas obstétricas indiretas responderam por 48,6% dos óbitos, com destaque para as doenças do aparelho circulatório (11,7%). Apenas dois óbitos foram classificados como morte materna por causa não especificada (Tabela_5).

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Consideraram-se evitáveis 83,8% das mortes maternas (93 casos), por meio de assistência adequada ao pré-natal e medidas educativas (67 casos). Foram considerados inevitáveis oito casos (7,2%) (Tabela_6).

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DISCUSSÃO Os resultados do estudo revelaram uma RMM elevada para o Recife em relação à recomendada pela OMS, que considera aceitável até 20 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos(17). De forma similar aos resultados de Costa et al.(18) a RMM do Recife foi superior a RMM brasileira. Também está acima da encontrada em outras capitais do país, como Rio de Janeiro (RJ)(19)e São Paulo (SP)(20)que apresentavam uma RMM em torno de 50 por 100.000 nascidos vivos, evidenciando as persistentes desigualdades inter-regionais.

Essas desigualdades também foram encontradas dentro da própria cidade do Recife, com a maioria dos bairros apresentando RMM classificadas como baixa e outros com RMM classificadas como alta e muito alta, revelando diferenças de acesso às ações e serviços de qualidade(21). Tal fato evidencia a necessidade de adoção de medidas específicas, intensivas e focalizada de maneira que os serviços de saúde sejam oferecidos a todos, porém prioritariamente, para as populações mais carentes da cidade.

Reconhecidamente, vários fatores podem contribuir para a ocorrência do óbito materno, entre eles destacam-se os sociodemográficos e os obstétricos(22).

Riquinho e Correia(23) afirmam que o aspecto sociodemográfico deve ser considerado ao se planejar ações que visem à redução da mortalidade, pois revela o grau de vulnerabilidade da população, em especial, das mulheres.

Verificou-se no estudo que o óbito materno ocorreu em maior proporção em mulheres na faixa etária de 20 a 29 anos de idade, com pouca escolaridade, pardas e que vivem em união consensual.

A faixa etária de 20 a 29 anos oferece menor risco para a gestante(24,25). A ocorrência do óbito neste período revela a necessidade de melhorar a assistência ao pré-natal, ao parto e puerpério, e, sobretudo, reforçar a detecção precoce das gestações de riscos. Destaca-se ainda a proporção significativa de óbitos em adolescentes e em mulheres acima dos 30 anos, o que poderia ser evitado com planejamento familiar, amenizando os riscos maternos e fetais em uma gestação não planejada e de risco reprodutivo(24).

Assim como a faixa etária, a escolaridade também está intimamente relacionada com a assistência, quanto maior o nível de conhecimento da mulher maior é a procura pelos serviços de saúde(26). Bratti (1995) afirma que fatores como o nível educacional, a participação no trabalho formal e o estado civil, estão fortemente associados à saúde reprodutiva das mulheres(27).

Nesse estudo observou-se uma maior proporção de óbitos em mulheres em união consensual. Pesquisas realizadas no Piauí e no município de Ribeirão Preto (SP) identificaram uma maior proporção de óbitos maternos entre as mulheres casadas (22,28). na cidade de Porto Alegre (RS) observou-se que mais de 70% dos óbitos maternos ocorreram em mulheres solteiras(23). Para a Comissão Parlamentar de Inquérito da Mortalidade Materna as mulheres solteiras apresentam uma maior probabilidade para o óbito, considerando o abandono como fator contribuinte(25).

Em relação à variável raça/cor observou-se uma maior proporção de óbitos maternos em mulheres negras e pardas, revelando as desvantagens enfrentadas por este grupo, em relação aos serviços de saúde. Essas desvantagens refletem desigualdade socioeconômica e efeito negativo do racismo nos desfechos de saúde (29).

Considerando à paridade, houve maior número de óbitos em mulheres de baixo risco reprodutivo, ou seja, aquelas com menos de quatro gestações anteriores, assemelhando-se com resultado de outros estudos(22,24). A OMS(30) afirma que as mulheres que possuem mais de quatro gestações ficam mais expostas a danos, pois aumenta o risco de anemia, hemorragia, anomalia congênita e baixo peso ao nascer.

Verificou-se predomínio de óbitos durante o puerpério precoce e pequena proporção durante o puerpério tardio. Estudo que analisou a mortalidade materna em um hospital terciário do Rio Grande do Sul ressalta que o período do nascimento e o puerpério imediato são período críticos de risco para a morte materna e como tal demandam uma assistência que as gestantes tenham acesso facilitado aos serviços de saúde e assistência qualificada(31).

O tipo de parto registrado com maior número de óbitos foi o cesário. A indicação da operação cesariana, muitas vezes, está relacionada com o caráter de urgência da situação e a necessidade de tentar preservar o binômio materno- fetal (32-33). A quase totalidade dos óbitos ocorreu em hospitais que possuíam atendimento especializado em obstetrícia. Apesar de possuir este tipo de atendimento em muitos casos a intervenção da equipe de saúde não foi suficiente para evitar o óbito devido às condições graves do internamento. Com relação ao local de ocorrência dos óbitos verificou-se que a maioria ocorreu na UTI significando que estas mulheres necessitavam de cuidados específicos e intensivos.

Os transtornos hipertensivos constituíram a principal causa de óbito. Estudo realizado em UTI obstétrica na cidade do Recife (PE) demonstrou que a principal causa de internamento foi a síndrome hipertensiva(34). Para Bezerra et al.(33), as síndromes hipertensivas são as complicações médicas de maior relevância durante o período gravídico-puerperal. Gestantes hipertensas exigem atenção especial, pré-natal diferenciado com exames laboratoriais específicos a fim de diminuir os riscos maternos e fetais associados(35).

Gravidez de risco que culmina com a morte da mulher, significa que o pré-natal foi iniciado tardiamente, o número de consultas pré-natais foi insatisfatório ou o pré-natal não foi realizado, visto que, essas mulheres deveriam ter sido identificadas e hospitalizadas durante a gravidez, garantindo assistência ao parto na atenção terciária(18). No presente estudo, boa parte das mulheres iniciaram o pré-natal antes do quarto mês, o que é preconizado pelo Ministério da Saúde(36), entretanto o número de consultas não foi adequado, retratando a inadequação da assistência.

Quanto melhor a assistência pré-natal oferecida, quantitativa e qualitativamente, menores os índices de complicações obstétricas. A assistência pré-natal adequada possibilitaria determinar o risco gestacional, facilitando a identificação e o encaminhamento daquelas que necessitam de atenção terciária (27). Neste estudo, a maioria dos óbitos foi considerada evitável através de uma assistência pré-natal adequada e medidas educativas.

CONCLUSÃO Os resultados desse estudo identificaram como características epidemiológicas dos óbitos maternos: a faixa etária de 20 a 29 anos de idade, pouca escolaridade, raça/cor parda e a união consensual. Os dados obstétricos mostraram a realização de menos de seis consultas pré-natais, entre uma e quatro gestações prévias, parto cesário e admissão durante a gestação ou no trabalho de parto em estado grave. Esses dados são importantes para o planejamento das ações que visem reduzir a mortalidade materna.

Observou-se uma significativa proporção de mortes obstétricas diretas; os transtornos hipertensivos como principal causa básica. Em que os pese, os esforços para sua redução, a mortalidade materna ainda permanece como um problema de saúde pública na cidade do Recife. Seguramente, para a redução da mortalidade materna uma única estratégia não é eficiente, é premente um conjunto concentrado de ações intersetoriais. Persiste a necessidade de assegurar a completa cobertura do pré-natal e a promoção do acompanhamento à gestante durante o parto e puerpério, aprimorando a assistência integral à saúde da gestante.

Neste estudo, a maioria dos óbitos foi considerada evitável através de uma assistência pré-natal adequada e medidas educativas. Essa informação indica a relevância de conhecer as causas das mortes maternas e os fatores envolvidos na sua ocorrência, para o planejamento de estratégias que levem a sua redução. De fato, quando um óbito é considerado evitável todos os esforços devem ser feitos no sentido de desenvolver medidas de saúde pública, visando melhorar a qualidade da assistência pré-natal, ao parto e puerpério.

Deve-se reconhecer a importância da investigação realizada pelo grupo técnico da vigilância epidemiológica do óbito materno para o aprimoramento do sistema de informação. A disponibilidade de informações corretas e confiáveis, bem como a adequada análise dessas pode contribuir sobremaneira para a implantação de política e programas efetivos de assistência à gravidez, ao parto e ao puerpério. Além disso, o uso rotineiro das informações hospitalares obtidas por meio das investigações também pode ser utilizado para a implantação de um sistema de vigilância da morbidade materna grave. Por fim, cabe reforçar, o profícuo papel desempenhado pelo CMEMM para proposição de medidas de promoção da saúde reprodutiva.


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