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BrBRCVHe0034-71672011000100015

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National varietyBr
Year2011
SourceScielo

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Características dos enfermeiros de uma unidade tecnológica: implicações para o cuidado de enfermagem

INTRODUÇÃO A motivação para tal estudo parte da observação da inserção de enfermeiros com pouca ou nenhuma experiência em setores de assistência intensiva. Esta é uma característica na enfermagem, pois, invariavelmente, os concursos e processos seletivos são feitos para selecionar enfermeiros, independentes de sua especialidade. Nesta perspectiva, como conseqüência, diversas equipes passam a serem compostas por enfermeiros sem experiência, entendidos aqui como iniciantes ou novatos.

Contudo, é importante destacar que o enfermeiro quando iniciante apresenta algumas características que implicam no modo como o cuidado é realizado. O enfermeiro novato encontra-se preocupado com sua atuação profissional, visto que não tem o domínio dos caracteres que possibilitam um agir seguro, ou seja, não conhece por completo o que e como deve ser feito nas diferentes e desafiadoras situações cotidianas do cuidado. A lógica que o orienta é a de que se não sei, não devo, não posso atuar. Portanto, o enfermeiro novato contém-se em si mesmo, não conseguindo se projetar uma vez que o novo se apresenta como um estranho ao enfermeiro(1).

Este momento representa um período de transição de um mundo social conhecido para um desconhecido, sendo marcado por inquietações e mudanças. Neste período, o enfermeiro novato sente-se despreparado para lidar com situações específicas, havendo uma discrepância entre o que ele sabe e faz, para aquilo que deverá saber e fazer. Este encontro com o novo constitui-se numa circunstância que deixa o enfermeiro em estado de choque com a realidade(1).

Sendo assim, entende-se que os enfermeiros novatos não têm experiência para atender o que é esperado deles, sendo orientados apenas em termos de atividades pontuais. Ao contrário do especialista, o qual possui uma visão apurada da situação, que lhe possibilita resolver problemas de uma forma diferente do iniciante, haja vista que o componente experiência tende a fazer com que este se mova para a solução do problema com maior eficiência(2).

As características da atuação do novato são marcadas deste modo pelo medo, insegurança, afastamento/paralisação, falta de experiência, as quais se tornam ainda mais evidentes quando se pensa na questão da tecnologia no cuidado em saúde. Isto porque, no cenário da terapia intensiva, as máquinas que estão acopladas ao cliente são utilizadas no intento de preservar e recuperar sua vida, pois, que ele não é capaz de realizar suas funções vitais de forma independente, em virtude da gravidade do seu quadro clínico, maquinários tecnológicos como próteses ventilatórias, balão intra-aórtico e marcapassos assumem o papel de controle sobre a função de determinados órgãos(3). Assim, o uso de tais aparatos significa manter a vida do cliente, revelando a importância das tecnologias na assistência ao cliente sob cuidados intensivos e o impacto que ela traz.

Neste sentido, a inserção da tecnologia faz com que o enfermeiro assuma novas atribuições no que se refere ao manuseio do maquinário, utilizado como um meio para a prestação de uma assistência integral ao cliente em estado crítico. É necessário assim, que os enfermeiros estejam capacitados e familiarizados com todas as etapas do processo de trabalho, para que se obtenha o máximo de proveito da tecnologia em benefício do cliente.

Ao estabelecer as interfaces entre as características do novato, e o impacto que o uso da tecnologia traz no cuidado ao cliente sob assistência intensiva, vem à tona a maior possibilidade de riscos inerentes ao mau ou inadequado uso da tecnologia, que por sua vez podem levar à ocorrência de iatrogenias. Pensar sobre esta questão atualmente ganha força, sobretudo, no campo da Tecnovigilância. Esta, visa à segurança sanitária dos produtos de saúde pós- comercialização (equipamentos, materiais, artigo médico-hospitalares, implantes entre outros)(4).

Envolve, sobretudo, o controle dos efeitos adversos, ou seja, eventos que produzem, ou potencialmente podem produzir resultados inesperados ou indesejados que afetem a segurança de pacientes, usuários. Trata-se, portanto, de identificar problemas que tenham ocorrido durante o uso, que possam provocar risco de vida, ou venham resultar em estrago, prejuízo ou lesão permanente às funções ou às estruturas corporais. Relaciona-se à falha do produto, defeito ou fabricação, mau funcionamento, desenvolvimento impróprio/inadequado de projeto, erro do usuário quando da utilização dos produtos para a saúde(4).

As discussões e reflexão sobre os impactos da incorporação de tecnologias em ambientes de cuidado, sobretudo no que tange a possibilidade de se produzir efeitos adversos ocasionados pelo manejo da tecnologia estão nas pautas das discussões da saúde. Por conta disso, conhecer as características dos profissionais atuantes nos setores de cuidados intensivos, discutindo as repercussões no cuidado, sob a ótica da questão tecnológica é fundamental.

Objetiva-se então descrever características de formação e qualificação dos enfermeiros atuantes numa unidade de cuidados intensivos, e, a partir destas, discutir suas implicações na assistência de enfermagem prestada aos clientes internados nestes ambientes, tendo em vista o uso de tecnologias no cuidado.

O ambiente especializado da terapia intensiva demanda que o profissional que atua tenha determinadas características, no sentido de atender aos requisitos do cuidado que se processa neste local, marcado pela presença de aparatos tecnológicos. Tais características impactam nos modos de agir dos enfermeiros, os quais por sua vez, repercutem na qualidade da assistência que é prestada. À luz de tais idéias, a discussão que ora se apresenta possibilita refletir sobre a incorporação de tecnologias nos ambientes de cuidado e suas influências na atuação profissional e no cuidado.

METODOLOGIA Estudo descritivo-exploratório cujo projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital dos Servidores do Estado-RJ, protocolo nº000.298 e foram respeitadas as exigências constantes na Resolução 196/96 do Ministério da Saúde. Todos os participantes assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O cenário foi a Unidade Cardio-Intensiva de um hospital federal de grande porte localizado no município do Rio de Janeiro. Esta unidade compunha-se de 30 enfermeiros, sendo este o universo da pesquisa. Os critérios de inclusão foram: ser enfermeiro em atividade no setor de estudo no período da pesquisa; atuar na assistência ao cliente em pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca em qualquer turno; aceitar participar da pesquisa. A amostra constou de 24 enfermeiros, pois quatro estavam de férias ou licença e dois recusaram-se a participar. Os enfermeiros foram classificados em dois grandes grupos: novatos - aqueles com atuação profissional de até dois anos em setores altamente tecnológicos; e veteranos - aqueles com atuação profissional superior a dois anos em setores altamente tecnológicos.

Realizou-se entrevista individual, com aplicação de um roteiro com questões semi-estruturadas com vistas à captação de informações sobre a formação, qualificação e formas de inserção dos enfermeiros nos setores de cuidados intensivos e suas repercussões na assistência aos clientes sob tais cuidados.

Tal roteiro foi apresentado e discutido em reuniões do grupo de pesquisa no qual se inserem os autores, e sofreu avaliação por pares que compuseram uma comissão examinadora composta por três doutores, antes de ser aplicado junto aos sujeitos. Após esta validação dos pares, o roteiro foi aplicado em formato pré-teste com enfermeiros que não fizeram parte do grupo pesquisado, com o intuito de verificar sua funcionalidade e tempo de investimento dos sujeitos para responder às questões. A coleta de dados ocorreu no período de dezembro de 2007 a março de 2008.

As perguntas do roteiro visaram explorar a caracterização por sexo e a idade dos participantes, o tempo de formação profissional, a titulação, cursos realizados para manipulação de tecnologias, a escolha por atuar em setores tecnológicos e o tempo de atuação em tais setores. Os dados foram contabilizados em frequência simples, sendo utilizados como base para a organização das categorias temáticas, em conjunto com o que emergiu sobre as repercussões que os mesmos trazem à assistência de enfermagem em tais cenários.

O agrupamento destes elementos possibilitou a formulação de duas categorias de análise, a qual a primeira congregou os resultados sobre a idade, o tempo de formação e experiência profissional dos enfermeiros; e a segunda sobre a escolha pelo cenário de trabalho e qualificação profissional. Tais categorias foram discutidas com vistas ao estabelecimento de nexos com o agir dos enfermeiros e com o cuidado de enfermagem em ambientes de cuidados intensivos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Tempo e idade como marcadores da experiência profissional e seus nexos com os modos de agir dos enfermeiros A marca de gênero na enfermagem se faz evidente, sobretudo pela sua trajetória histórica de ser um ofício eminentemente feminino. Embora se perceba um movimento em relação à inserção do homem na profissão, os dados sócio- demográficos desta pesquisa ainda revelam a predominância das mulheres no contexto das práticas assistenciais, em especial também na terapia intensiva.

Dos 24 participantes, 21 eram do sexo feminino (87,5%) e três (12,5%) do masculino.

Num estudo com trinta e oito enfermeiros de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) de São Paulo, a caracterização dos participantes apontou que 94,7 pertenciam ao sexo feminino(5). Em outra pesquisa com vinte e um enfermeiros que atuavam em cenários de unidades críticas, evidenciou-se que 90,5% dos trabalhadores eram do sexo feminino e 9,5% do sexo masculino(6). Assim, a supremacia do sexo feminino entre os trabalhadores de enfermagem nas unidades de cuidados intensivos reflete a composição própria da profissão.

Quanto à faixa etária, constatou-se que o perfil dos enfermeiros é de adultos jovens, pois pouco mais da metade (13) dos participantes estavam na faixa etária entre vinte e quatro e trinta anos. Os demais se distribuíram entre trinta e um a trinta e cinco (2), trinta e seis a quarenta anos (3), e com idade acima de quarenta anos (5). Um deles não informou a idade. Em investigação sobre o estresse nos enfermeiros das UTI dos hospitais de alta complexidade, a análise da faixa etária demonstrou que 80,2% tinham menos de 40 anos(7), o que vem ao encontro do perfil etário dos sujeitos participantes da pesquisa, objeto deste artigo.

Ressalta-se que o cuidado ao cliente internado em setores de cuidados intensivos é marcado por uma demanda de esforço físico muito grande, devido ao peso dos pacientes acamados, com diversos aparatos tecnológicos acoplados, que muitas vezes encontram-se impossibilitados de se movimentarem, em virtude de sua condição clínica. Assim, tal assistência gera um elevado dispêndio de força muscular e gasto de energia física, exigindo um alto grau de agilidade, destreza e energia, características que são mais comuns em indivíduos jovens.

Pelo fato do cenário da terapia intensiva ser caracterizado por atividades intensas, desgastantes e estressantes, não é comum que o profissional continue trabalhando nele por longo período, o que pode ser uma hipótese para que se reduza a média de idade dos profissionais.

Os profissionais que atuam nestes locais são requeridos absorver novas tecnologias e os novos saberes que circulam. Para tanto, que se demonstrar vontade, disposição e ânimo para aprender frente às novidades que são incorporadas ao cuidado. Acerca deste aspecto, em pesquisa que investigou a vivência de enfermeiros iniciantes na especialidade, foi possível perceber que quando tais enfermeiros estão diante do novo podem apresentar diferentes reações, indo desde sentimentos como felicidade até a negação. Neste último caso o enfermeiro pode não desejar aprender, expressando um comportamento de total descrença(1). Dentre os fatores que podem ser elencados para explicar esta escolha, um destes é a idade, pois às vezes o fato de trabalhar num setor que não corresponde às preferências, aliado ao fator idade, pode ser um elemento que dificulte a disponibilidade para a aprendizagem. No caso de um setor tecnológico, isto pode fazer com que muitos enfermeiros não se familiarizem com a tecnologia, e realizem um cuidado sem o embasamento científico apropriado, com uma maior propensão a riscos.

Deste modo, a escolha dos profissionais deve levar em conta as características deste ambiente, em termos do processo de trabalho, e a disponibilidade do profissional, para se adaptar à este.

O tempo de formação profissional dos enfermeiros atuantes na Unidade Cardio- Intensiva também é uma categoria interessante para análise. Os dados mostram que metade (12) deles tem entre um a cinco anos de formados, a outra metade está entre seis a dez anos (3), onze a quinze anos (4), mais de dezesseis anos (5).

Diversas publicações sobre recursos humanos em Unidades de Terapia Intensiva vêm mostrando resultados que discutem a questão do tempo de formação profissional. Numa delas foi realizado um levantamento com enfermeiros de instituições de ensino, pesquisa e assistência acerca da contratação do enfermeiro recém-formado para trabalhar em unidades intensivas(8). Das nove enfermeiras pesquisadas, quatro responderam que contratariam; no entanto, esta admissão seria para algumas unidades críticas, sendo excluída a unidade de cirurgia cardíaca. Outras condições que foram colocadas pelas entrevistadas dizem respeito a: as enfermeiras recém-formadas deveriam ter pelo menos de três a seis meses de treinamento para as unidades de terapia intensiva pediátrica e geral; deveriam assumir os clientes gradativamente e não repentinamente; e somente após orientação de dois meses em clínica médico-cirúrgica.

As enfermeiras que não contratariam os recém-formados alegavam que o conhecimento dos livros texto e dos cuidados básicos de enfermagem não era suficiente para cuidar de clientes em condições críticas, por isso preferiam os enfermeiros experientes nesta área. Não recomendavam o contato direto com a UTI, mas apontavam para a necessidade das enfermeiras buscarem experiência através do contato com clientes internados em unidades de clínica médico- cirúrgica, na tentativa de melhorarem o seu desempenho interagindo com os clientes, se aperfeiçoando, até serem capazes de cuidar de pacientes críticos (8).

Em outra amostra de pesquisa havia um número pequeno de enfermeiros com menos de um ano de formado (7,6%)(7). no perfil delineado por estudiosos sobre as características dos profissionais que atuam nesta área, em relação ao tempo de formado dos enfermeiros, houve um predomínio de um a cinco anos com 40,8% e de seis a dez anos com 35,8%(8).

No cenário pesquisado, pouco mais da metade dos enfermeiros eram de veteranos (13), e a outra parte, de enfermeiros novatos (11). Nesta discussão, entende-se que a experiência profissional do enfermeiro seja um elemento relevante para a análise do agir profissional, sobretudo no que tange ao manejo da tecnologia que se encontra articulada à assistência do cliente. Os modos como as pessoas interpretam os fenômenos do cotidiano interferem nas suas formas de agir em relação aos objetos social e culturalmente relevantes(9). Com base nesse entendimento, o maquinário tecnológico, como objeto relevante no contexto dos cuidados intensivos, gera nos enfermeiros toda uma construção de idéias que são tomadas como referência para as ações frente a este. Logo, o tempo de experiência no seu manejo é uma variável importante de ser pensada na construção de tais idéias. Essa compreensão implica na conduta que o enfermeiro assume diante do cuidado ao cliente internado neste cenário.

Sob esta perspectiva, a análise temática de conteúdo(10) do material emergente das entrevistas mostrou que, quando os enfermeiros possuem certo tempo de experiência no manuseio da tecnologia - veteranos -, se referem aos enfermeiros que estão tendo o seu contato inicial com o maquinário - novatos - como pertencentes a outro grupo, diferente do grupo ao qual pertencem os veteranos.

Isto pode ser identificado quando estes mesmos enfermeiros veteranos se reportam a esta fase de sua carreira, quando faziam parte deste grupo de novatos. Neste sentido, os enfermeiros organizam seu pensamento em uma linha de temporalidade de fases - ante e depois - sendo esta última, a fase atual em que se encontram.

Portanto, o tempo presente e o passado são delimitados por uma fronteira representada pelo contato com a tecnologia. Quando o enfermeiro ainda é novato, o modo como ele concebe alguns elementos que estão em torno do cuidado do cliente que depende de tecnologia se diferencia daquele enfermeiro que passou por esta etapa e não faz mais parte deste grupo, visto que ainda não conhece as particularidades da assistência deste cliente, sobretudo no que se refere ao manuseio das máquinas. Tal forma de pensar se reflete nas ações profissionais de cuidado.

Com base no exposto, é possível dizer que o tempo de formação profissional é uma característica importante para análise do perfil dos profissionais que trabalham em terapia intensiva. Entretanto, embora a caracterização tenha apontado que metade dos sujeitos tenha mais de cinco anos de formados, não significa que se trate de veteranos, visto que o enfermeiro pode ter longa experiência em outra área, mas ainda não domina os elementos necessários ao cuidado do cliente sob cuidados intensivos, podendo, pela falta de experiência nessa área ser considerado um novato na UTI. Assim, a classificação entre novatos e veteranos deve ser feita tomando por base não o tempo de formação profissional, mas em termos de experiência de atuação num dado cenário. Desta forma, é de fundamental importância pensar sobre tais aspectos quando se analisa a atuação profissional esperada em um ambiente marcado pela presença de tecnologias.

Tomando isto como referência, os dados da pesquisa em tela mostram que, majoritariamente, os enfermeiros se situam na faixa de até dois anos de atuação na Unidade Cardio-Intensiva (22). Os dois restantes possuem entre três a cinco anos, e mais de seis anos de atuação no setor lócus do estudo.

Tal dado pode ser explicado pela recente realização de concurso público na instituição investigada, que levou à admissão de diversos profissionais de saúde. Contudo, o tempo de atuação em um único setor não deve ser avaliado isoladamente para avaliação do perfil profissional e da atuação esperada em ambientes de cuidados intensivos. Isto porque, a classificação na categoria novato ou veterano deve levar em consideração as experiências prévias do enfermeiro em ambientes semelhantes, às quais os ajudam na reunião dos conhecimentos que compõem a sua bagagem profissional, e, neste caso, se inclui o conhecimento teórico e prático acerca da tecnologia. Assim, importa saber a experiência profissional de atuação em cenários tecnológicos para classificá-lo como novato ou veterano, e se pensar nos modos de atuar.

Em virtude da complexidade do cuidado na terapia intensiva, pela presença de recursos tecnológicos cada vez mais avançados, os enfermeiros precisam de um desempenho técnico e científico com maior atenção. Então, a experiência orienta o modo de cuidar do enfermeiro, de tal modo que a qualidade do cuidado se relaciona com a experiência da enfermeira e seu feeling, ou seja, suas impressões adquiridas a partir da experiência profissional(11).

Reconhece-se a existência nestes cenários de prática de um cuidado diferenciado, que é marcado pela aplicação de um maior conhecimento pelo enfermeiro, o qual orienta sua atenção em busca de dados objetivos e subjetivos oriundos do cliente, bem como em dados objetivos provenientes do uso do maquinário. Este cuidado resulta da união de saberes acerca do manuseio do maquinário, da fisiopatologia da doença, da semiologia, dos elementos fundamentais do cuidado e da interpretação dos dados oriundos do uso das aparelhagens(12).

Deste modo, evidencia-se que a tecnologia comporta em si um saber, enquanto fruto de uma produção da ciência, o qual precisa ser articulado a outros conhecimentos para que se alcance o uso apropriado no cuidado do cliente. Logo, a falta de conhecimento das especificidades dos elementos em torno do cuidado intensivo, se reflete nos atos e operações de cuidar, que, por sua vez, trazem implicações de vulto na assistência prestada.

Escolha pelo cenário de trabalho e qualificação profissional e suas influências no cuidado de enfermagem em ambientes de cuidados intensivos Quanto à titulação dos enfermeiros da Unidade Cardio-Intensiva em estudo, evidencia-se uma busca por cursos de pós-graduação, na modalidade Lato-sensu, uma vez que dos vinte e quatro sujeitos, vinte e dois haviam concluído ou estavam cursando especialização. Destes, apenas quatro haviam feito ou estavam realizando a modalidade Stricto-sensu em nível de mestrado. Dentre as áreas de conhecimento escolhidas para aprofundamento do saber, destaca-se a própria Enfermagem em Cardiologia com onze escolhas, incluindo a especialização nos moldes de residência, o que se justifica pelo fato da pesquisa estar sendo realizada em um setor cardiológico. A Enfermagem em Terapia Intensiva apareceu com sete escolhas, e a Enfermagem do Trabalho com cinco.

Numa análise da qualificação profissional de duzentos e sessenta e três enfermeiros atuantes em UTI(7), observou-se que 74,5% do total possuíam pelo menos um curso de pós-graduação, característica essa que está cada vez mais precocemente sendo observada nos enfermeiros, os quais se lançam no mercado de trabalho com a capacitação das especializações, sobretudo quando pensam em pleitear uma vaga em cenários como as unidades críticas, que possuem uma assistência de maior complexidade. A assistência de enfermagem em setores de cuidados intensivos requer uma capacidade para lidar com situações complexas, com velocidade e precisão que geralmente não são necessárias em outras unidades do hospital. Neste sentido, exige competência para integrar as informações, construir julgamentos e estabelecer as prioridades. Para adquirir tais habilidades os enfermeiros precisam então se especializar(7).

As estratégias de aprendizagem utilizadas pelas pessoas dependem do tempo de experiência com determinada tarefa ou função. Quando iniciante na profissão, ou no primeiro contato com uma situação nova, o enfermeiro busca aprender através de modelos, tentando encontrar elementos que assegurem a reprodução das rotinas de serviço. Os novatos tendem a reprodução de modelos, ou seja, aprendem através da imitação, da observação e buscam esclarecer dúvidas a partir do contato com os enfermeiros considerados experientes(13).

A experiência na enfermagem fornecerá a proficiência (expertise), o que autoridade intelectual e científica, entendida como o reflexo da associação entre o conhecimento teórico e o advindo da prática que, por sua vez, distingue a enfermeira(2). O enfermeiro especialista não mais se utiliza de regras e manuais para realizar uma ação com segurança e de forma correta, ele consegue resolver os diferentes problemas a partir da sua intuição. Além disso, recorre à teoria quando tem contato com situações novas, ou que não evoluem conforme o esperado. As experiências anteriores guiam as percepções e ações das enfermeiras consideradas especialistas, uma vez que possibilitam ao profissional uma comparação da situação passada com a vivida na atualidade.

Este recurso é mais efetivo do que qualquer tentativa teórica, que se atinge a região certa do problema, e deixa-se para traz um grande número de possibilidades menos eficazes(2).

A especialização deve ser avaliada a partir do alinhamento dos elementos teóricos e práticos, na medida em que o conhecimento teórico retroalimente a experiência prática do enfermeiro em um determinado campo de atuação.

As representações sociais dos enfermeiros novatos na Unidade Cardio-Intensiva sobre a tecnologia(14) caracterizam-na como um objeto estranho e não aliado a eles. Com base nesta representação, o enfermeiro novato age de forma dependente de outros profissionais, pois a tecnologia se apresenta como um obstáculo ao cuidado. o veterano entende a tecnologia como uma aliada, complementando seu olhar sobre o cliente, estando ela a seu favor no cuidado. Sob esta perspectiva, age com independência, utilizando a tecnologia como algo que ajuda a otimizar sua ação de cuidar.

Assim, a titulação, sob o ponto de vista teórico, contribui para uma melhor compreensão sobre a tecnologia, mas o tempo de atuação em cenários cuja tecnologia se faz evidente é primordial para o processo de familiarização dos enfermeiros com elas, o que irá repercutir nas suas formas particulares de agir.

Sobre a educação permanente, majoritariamente, o grupo pesquisado informou não ter realizado curso para manusear o maquinário tecnológico (18). Somente seis o fizeram. Atualmente, reforça-se cada vez mais a necessidade de educação permanente na UTI, sobretudo pela presença de alta tecnologia em tais ambientes, que, pela constante renovação, gera o desafio para o enfermeiro de aprendê-la prontamente. A educação permanente deve se através de programas que atendam às necessidades de aprendizagem do enfermeiro, assim como em relação ao uso eficiente da tecnologia avançada(15). Quando articulados ao serviço, tais programas podem contribuir para a familiarização dos enfermeiros com o maquinário tecnológico utilizado nos hospitais. Trata-se de um recurso formal, embora a educação informal, por sua vez, também se constitua numa forma de as enfermeiras se inteirarem das mudanças e avanços tecnológicos, pois a troca de experiências entre os colegas de trabalho e a leitura de trabalhos publicados são estratégias traçadas para tomar conhecimento das inovações(15).

Objetivando verificar quais são e quando são desenvolvidos os programas de educação permanente para a equipe de enfermagem, pesquisadores identificaram em relação ao treinamento inicial para atuar na UTI, que de quarenta e três instituições, trinta e quatro informaram ter um programa específico e nove não o terem. Em relação aos programas de atualização, 41,9% das instituições os realizavam de forma periódica ou ocasional, enquanto 58,1% não ofereciam este tipo de treinamento(15).

A tecnologia tem uma linguagem própria, pois possui códigos específicos de manipulação, que precisam ser decifrados para seu adequado uso, bem como se manifesta através da emissão de sons e mudança de cores, os quais funcionam como sinais indicativos que devem ser interpretados pelos profissionais(14).

Assim, a tecnologia tem toda uma forma de comunicação que lhe é peculiar, e que também o deve ser para aqueles que a manipulam. Dessa maneira, os enfermeiros precisam compreender a linguagem do maquinário, de tal modo a aplicar as informações que dela derivam no cuidado ao cliente.

Considerando que o avanço tecnológico em saúde produz a cada dia novos conhecimentos e recursos que são incorporados ao cuidado, torna-se fundamental se apropriar dos saberes articulados à inserção de tecnologias no cuidado.

Então, para que o enfermeiro consiga dominar essa linguagem tecnológica e assim poder cuidar integralmente do cliente que depende de tecnologias, utilizando- a como um instrumental complementar do cuidado, de tal modo a trazer benefícios para o cliente e até mesmo para o próprio profissional, ele necessita aprender os seus códigos de manipulação. A não compreensão desta linguagem pode, por sua vez, impossibilitar um cuidado seguro.

Requer, portanto, uma disponibilidade para ir em busca dos elementos que propiciem ao enfermeiro os subsídios que irão alicerçar sua prática profissional, seja através de cursos, estratégia informada por 11 enfermeiros participantes desta pesquisa, ou aliança com um enfermeiro mais experiente, relatada por 15 sujeitos. Esta motivação para a aprendizagem, frente às novidades tecnológicas, deve ser algo permanente na atitude esperada dos profissionais que trabalham nestes locais. Os enfermeiros, sejam novatos ou veteranos, reforçam a necessidade de manter uma postura em prol do conhecimento, em virtude das constantes mudanças que ocorrem nos cenários onde tecnologia. Uma exigência indispensável ao enfermeiro de terapia intensiva é a incessante procura por novos saberes.

Existe um processo de naturalização da tecnologia, o qual se efetiva quando o enfermeiro chega ao seu domínio, a partir da aprendizagem. Para a aprendizagem aplicam estratégias. Quem não investe no processo de naturalização continua tendo a tecnologia como uma estranha e não consegue lidar com ela(14).

Dos vinte e quatro enfermeiros pesquisados, dezoito deles optaram por trabalhar na Unidade Cardio-Intensiva. Os seis restantes foram alocados por necessidade de serviço. Este dado é bastante relevante, uma vez que ao se fazer uma alocação por necessidade de serviço, corre-se o risco de se ter enfermeiros novatos na área, com pouco ou nenhuma experiência e sem qualificação para atuação no setor. Ou, ainda, enfermeiros desestimulados a se qualificarem, uma vez que não têm interesse pela área. Neste sentido, a análise deste dado assume fundamental importância nesta discussão, na medida em que pode determinar o modo como o enfermeiro se coloca diante do cuidado ao cliente que depende de maquinários tecnológicos.

Estar como novato em uma área de atuação traz novidades que produzem vivências marcadas por extremos de sentimentos e valores, atitudes e comportamentos, pensamentos e práticas, os quais vão desde uma conotação positiva, até uma negativa, como, por exemplo, a raiva e revolta(1). Nessa fase de vivência de situações novas, o enfermeiro não consegue definir qual a melhor estratégia a ser utilizada, qual o melhor caminho a seguir, ficando num estado de completa paralisação, observando o que acontece ao seu redor(1).

O fato de estar atuando em um setor que não é o de sua escolha, afinidade ou preferência pode levar o enfermeiro a uma conduta passiva. Assim, um tipo de comportamento que pode ser observado a partir do contato do enfermeiro com a novidade, é o de se afastar do cliente que depende de tecnologia, assumindo um posicionamento de fuga nos determinados momentos em que se faz necessário o manuseio da mesma, explicação dada por 8 participantes da pesquisa em tela.

Portanto, não se deve negligenciar as preferências, afinidades e qualificação profissional, mas considerar que o trabalhador precisa apresentar um amplo conhecimento teórico e prático, aprofundando-se numa área específica de atuação, porém, sem perder a noção da totalidade.

Esta análise conduz à defesa de uma especialização dotada de polivalência, utilizando-se sempre do saber oriundo da experiência profissional. Tal afirmação ampara-se no entendimento das repercussões do progresso tecnológico ocorreram também na produção e organização do trabalho no mundo, sobretudo no que tange a qualificação profissional(1).

Como visto na primeira categoria, evidencia-se que quase a metade dos entrevistados constitui-se de novatos (11), o que leva a conclusão de que os enfermeiros, mesmo não tendo a experiência adequada para atuação no atendimento à clientela, ainda assim são alocados no setor, muitos deles, simplesmente, pelo fato de tê-lo escolhido. Desta maneira, embora dezoito dos pesquisados tenham escolhido atuar em tal cenário de prática, muitos deles não conheciam com profundidade as especificidades do cuidado a ser prestado, indo à busca de novidades e de novas aprendizagens.

Tal afirmação ganha substância quando se considera os motivos alegados pelos enfermeiros entrevistados para a escolha desta área, dentre os quais se destacam a oportunidade de aprendizagem, o gosto por pacientes graves e por esta área de cardiologia/terapia intensiva e a preferência pelo tipo de assistência prestada. Acerca desta busca pelo novo, verifica-se que alguns enfermeiros possuem uma afinidade pelo novo, pois lidar com o novo para eles constitui-se num enfrentamento pessoal, uma vez que o cuidado de enfermagem num determinado campo específico é cheio de peculiaridades e singularidades que precisam ser aprendidas(1).

Porém, de acordo com as representações sociais dos enfermeiros sobre a tecnologia(14), esta se configura em um desconhecido capaz de impossibilitar a realização de um cuidado apropriado se não existir um processo de familiarização com ela e sua linguagem. Para cuidar do cliente que depende de tecnologia, o enfermeiro precisa, além dos fundamentos essenciais do cuidado, deter um conhecimento relativo à especificidade da clientela, que neste caso perpassa pelo manuseio da tecnologia e interpretação das informações oriundas desta, de modo a direcionar a assistência. Neste sentido, é essencial ao enfermeiro entender a linguagem tecnológica para poder manuseá-la. O domínio da tecnologia e de seus códigos e sinais de comunicação facilitam o seu bom uso no cuidado ao cliente.

Como o enfermeiro novato não conhece ainda a linguagem do maquinário tecnológico, e sabendo-se que é fundamental conhecê-la para cuidar do cliente, enfrenta uma barreira ao cuidado. A tecnologia se constitui para o enfermeiro novato como algo que o impede de desempenhar sua função precípua, que é cuidar do cliente, ou seja, um obstáculo ao cuidado. Deste modo, a valorização da experiência profissional de atuação em setores tecnológicos significa entender que os enfermeiros sem experiência (novatos) e aqueles que a detêm, apresentam formas particulares de agir, que implica diretamente no modo como o cuidado é prestado, tendo em vista, sobretudo, as limitações dos primeiros em relação aos segundos.

Por fim, entende-se que a tecnologia possa ser considerada como ferramenta de incrementação do conhecimento da enfermagem, projetando novas perspectivas para a assistência a clientes críticos na UTI. O conhecimento, domínio e reflexão sobre o uso de tecnologias permite um controle da prática assistencial, tornando-a mais autônoma, exata, eficaz e eficiente(16). Contudo, para tanto, de se considerar o preparo profissional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Observa-se que as características dos enfermeiros do cenário estudado são marcadas pelos seguintes elementos: predomínio do sexo feminino, idade em torno dos trinta anos, maioria com menos de dois anos atuando no setor, e com ao menos um curso de pós-graduação na modalidade lato-sensu; grande parte não havia participado de cursos para manuseio de tecnologias; um quarto dos entrevistados atua em um setor não escolhido e próximo à metade são novatos.

Houve um equilíbrio entre aqueles que tinham até cinco anos de formação e os que apresentavam mais de cinco anos de formados. Tais características, por conseguinte, implicam no cuidado, determinando a atuação profissional. A partir dos resultados desta pesquisa, discute-se acerca dos critérios de distribuição e alocação dos enfermeiros pelos setores do hospital. Admite-se a existência de um perfil profissional para trabalhar nos setores de cuidados intensivos. O enfermeiro novato como ainda não congrega todas as características que são necessárias para trabalhar neste local, vivencia a inserção neste contexto de cuidado de forma peculiar.

Todavia, os responsáveis pela lotação de recursos humanos nas subunidades do hospital nem sempre a fazem em respeito ao perfil profissional. Assim, enfermeiros que não reúnem, naquele momento, as características requeridas para uma atuação segura e de qualidade são inseridos neste contexto. Tais enfermeiros, categorizados nesta pesquisa como novatos, como conseqüência da sua falta de experiência no campo teórico e prático, exibem um modo específico de agir, caracterizado pelas limitações da atuação, pela vivência de extremos de sentimentos, positivos e negativos, e pela maior probabilidade de riscos à saúde da clientela.

Os impactos que este tipo de assistência traz, perpassa pela subutilização do uso da tecnologia no cuidado, assim como o uso não fundamentado desta, os quais podem trazer prejuízos à saúde dos clientes, alguns deles irreversíveis, haja vista que muitos deles se encontram num quadro em que suas funções hemodinâmicas estão suscetíveis a rápidas mudanças.

Assim, tal estudo torna-se relevante, na medida em que mostra a importância da utilização de critérios na política de contratação/ admissão de enfermeiros, levando-se em consideração as especificidades do cenário e clientela a ser atendida. Compreende-se deste modo, que na atualidade, questões relativas aos atos profissionais, à qualidade dos serviços de saúde e à cidadania estão na pauta das discussões. Então, é oportuno refletir criticamente sobre os modos de inserção de enfermeiros novatos em setores de cuidados intensivos. Não para rechaçá-los, mas para despertar na categoria a necessária importância da qualificação profissional e formação especializada, que repercutirá diretamente na qualidade da assistência e, indiretamente, agregando valor à profissão.

Apontam-se, entretanto, alguns caminhos, sendo um deles o de minimizar os impactos da inserção deste profissional, quando no momento de sua admissão numa determinada instituição. Envolve a existência de um processo de aprendizagem prévia pelo enfermeiro para lidar com a tecnologia que, teoricamente, fará com que ele atue junto ao cliente de forma mais consubstanciada. Isto minimizará as possíveis dificuldades inerentes a este contato, e, conseqüentemente, tornará a inserção do enfermeiro novato nos setores algo estimulante na apreensão dos novos conhecimentos que surgem, levando-o a buscar cada vez mais uma melhor qualificação profissional, ao tempo em que a sua atuação não trará riscos à clientela.

Esta aprendizagem prévia envolve, sobretudo, a presença de um enfermeiro mais experiente, que possa servir de referência no direcionamento da mesma, acerca do conhecimento teórico e prático sobre os recursos tecnológicos utilizados no setor, bem como das especificidades clínicas dos clientes que demandam cuidados de enfermagem.

A outra opção refere-se a considerar a experiência profissional e qualificação especializada, as quais devem ser resignificadas a partir do atual contexto de contratação dos profissionais de enfermagem, principalmente no que tange à esfera pública. Denota também que os cursos de graduação em enfermagem precisam se envolver cada vez mais com um processo de formação de profissionais que atendam às especificidades da prática, mormente no que se refere à aplicação da tecnologia no cuidado e seu adequado domínio.


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