Anomalia anorretal e cuidados maternos
INTRODUÇÃO
A criança e a mãe possuem interações físicas, emocionais, psíquicas e sociais
uma com a outra. É neste ambiente que a criança interage quase que,
exclusivamente, nos primeiros anos de sua vida, adquirindo sua identidade, sua
posição individual na rede de interações sociais. Portanto, o bebê ao nascer já
pertence a uma rede familiar, continuando a estabelecer vínculos que se
iniciaram a partir do ventre materno. É sabido que a criança, sendo um ser em
crescimento e desenvolvimento, necessita de um ambiente de acolhimento e afeto
para que a atenção básica de cuidado, aprendizagem e carinho sejam atendidos.
Na internação da criança é importante considerar os aspectos emocionais em
relação ao seu desenvolvimento biopsicossocial. O profissional de saúde que
dará a assistência procurará a compreensão do relacionamento mãe-filho,
apoiando, protegendo e fortalecendo, uma vez que a sua presença afluirá para a
efetivação do clima emocional desejável(1-2).
Várias são as crianças nascidas com alguma malformação congênita e que, muitas
vezes, precisarão de internação para a resolução do problema. As malformações
congênitas incluem as anomalias presentes no momento do nascimento, as
morfológicas (malformações, deformidades) ou funcionais (retardo mental,
cegueira, surdez). Sua etiologia pode ser genética ou ambiental e na maioria
dos casos existe uma multifatoridade que se interrelaciona; são os fatores
genéticos predisponentes e fatores ambientais desencadeantes(3-4). Uma das
anomalias congênitas que podem ocorrer é o nascimento da criança com ânus
imperfurado e, por isso, em muitos casos, há a necessidade da realização de
estomias.
As crianças necessitam fazer estomias por vários problemas de saúde, não apenas
por nascer com ânus imperfurado, e esses estomas ocorrem de forma temporária ou
definitiva, a reconstrução do trânsito, seja gastrintestinal ou urinário,
depende da doença de base e das intervenções cirúrgicas necessárias. As causas
mais freqüentes no lactente são enterocolite necrosante, ânus imperfurado, e,
menos comum, doença de Hirschsprung; nas crianças maiores são as doenças
intestinais inflamatórias, defeitos congênitos e as ureterostomias nos defeitos
de bexiga ou da porção distal do uretér(2).
No intuito de identificar os trabalhos alcançados a respeito desse tema, surgiu
o interesse em realizar a revisão integrativa (RI). Foi determinado como
objetivo principal para esta revisão, a identificação de pesquisas que abordem
as crianças com anomalia anorretal e cuidados maternos.
MÉTODOS
Tratou-se de uma RI a respeito do tema de crianças nascidas com anomalia
anorretal e o cuidado materno. Essa revisão foi feita por leituras exploratória
e seletiva do material de pesquisa indexados nos bancos de dados acessados
eletronicamente na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) da Biblioteca Regional de
Medicina (BIREME).
A RI é a revisão dos estudos disponíveis sobre um tópico em particular, e
permite o agrupamento das evidências na prática clínica. Como toda revisão,
esse método também possui a finalidade de reunir resultados, analisá-los de
maneira sistemática e extrair a conclusão, com isso contribuir para o
aprofundamento do conhecimento do tema investigado. Aponta e discute soluções
para problemas similares e oferece alternativa de metodologias que têm sido
utilizadas para solução dos problemas. A RI vai além de uma revisão de
literatura, devido o seu resultado possuir contribuições essenciais da
literatura e conhecimentos específicos.
O caminho a ser percorrido para a realização de uma eficiente RI segue alguns
pontos, como, primeiramente a identificação do tema, que deve ser feita de
forma clara e específica, com a formulação de uma hipótese que apresente
relevância para a saúde. Ao ser definido o assunto, segue-se para o ponto
seguinte, encontrar os artigos científicos, a pesquisa é exaustiva nos bancos
de dados, e para a seleção dos estudos faz-se necessário os critérios de
inclusão e exclusão de artigos, caso contrário, ocorreria a inserção de todos
os encontrados(5-6). É importante que todas as decisões tomadas frente a esses
critérios sejam documentadas e justificadas na descrição da metodologia da
revisão.
O terceiro ponto possui como objetivo organizar as informações colhidas. O
seguinte é a análise das informações colhidas, que deverá ser realizada de
forma crítica, e procurando responder a alguns questionamentos, como: qual é a
questão da pesquisa; qual é a base para esta pesquisa; por que esta questão é
importante; como eram as questões de pesquisas já realizadas; a metodologia do
estudo está adequada; os sujeitos selecionados para o estudo estão corretos; o
que a questão da pesquisa responde; a resposta está correta e quais pesquisas
futuras serão necessárias. O quinto ponto corresponde a avaliação sistemática
dos estudos incluídos, apontando sugestões para futuras pesquisas direcionadas
para a melhoria da assistência à saúde. Por último, a elaboração do documento
que deve observar a descrição das etapas percorridas e os principais resultados
evidenciados na análise dos artigos incluídos(5-6).
A coleta de dados foi realizada no segundo semestre de 2006, utilizando a via
eletrônica consultando as bases de dados. Compreendeu o período de publicação
dos artigos entre os anos de 2002 e 2006, este período foi determinado em
decorrência do início da coleta informações para o desenvolvimento do
anteprojeto para a seleção no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde,
no Curso para o Mestrado na Universidade de Brasília (UnB). Foram utilizados os
seguintes descritores: relação mãe e filho; malformação anorretal.
A revisão iniciou-se com o levantamento bibliográfico, em seguida a realização
de leitura exploratória do material encontrado, determinado pelo critério de
inclusão e exclusão: pesquisas que abordem os descritores estabelecidos,
publicados na íntegra, entre os anos de 2002 e 2006; nos idiomas Português,
Inglês, e Espanhol; e indexados nas bases de dados da Literatura Latino-
Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), da Literatura
Internacional em Ciências da Saúde (MEDLINE) e da Scientific Electronic Library
Online (SciELO).
Em seguida, efetuou-se a leitura seletiva, a qual permitiu determinar qual
material bibliográfico de interesse para a revisão. Em um segundo momento, a
leitura na integra dos artigos com avaliação sistemática, e ao final, uma
análise crítica para a elaboração dos temas. Foram identificados 376 artigos e,
após a verificação dos critérios para a seleção do artigo e duplicidade, foram
identificados 25, sendo encontrados 20 na base de dados da MEDLINE, três na
LILACS e dois na SciELO.
Na avaliação sistemática observou-se que as publicações apresentaram desenho e
método distintos: dois utilizaram a observação participante e entrevista com os
sujeitos; três o questionário; um o interacionismo simbólico; quatro o estudo
de caso; três a revisão de literatura; e 12 o estudo retrospectivo.
Totalizando-se 10 estudos qualitativos e 15 quantitativos, sendo quatro no
Idioma Português e 21 na Língua Inglesa.
Para melhor elaboração do documento final, foi realizada a análise crítica dos
artigos escolhidos e organizados em dois temas: as conseqüências do nascimento
de criança com anomalia anorretal e a família, a criança e o cuidado com a
estomia. Os temas foram trabalhados de acordo com os artigos selecionados, e
foram explorados da seguinte forma: 22 artigos encaixaram-se no desenvolvimento
do primeiro tema e quatro para o segundo.
RESULTADOS E DISCUSSÂO
Consequências do nascimento de criança com anomalia anorretal
Foi observado que vários são os problemas neonatais que necessitam de cirurgia
de urgência, a anomalia anorretal é uma delas. O impacto do nascimento de uma
criança mal formada é profundo, aliado ao problema da imperfuração anal inclui,
aos pais e familiares, o desapontamento, a vergonha, os complexos de culpa,
acusações mútuas, rejeições, preocupações financeiras e o medo das futuras
gestações(3-4, 7).
A imperfuração anal é uma das anomalias anorretais e está associadas aos
defeitos em outros sistemas do corpo(3, 8), e estudos mostram a associação mais
frequente com o trato urogenital(9-14); a sobrevida depende da severidade das
anomalias associadas. Logo no início deve-se obter uma anamnese sistemática e
iniciar o tratamento, cirúrgico ou clínico, o mais precoce possível, a lesão se
desenvolve devido à falta de complementação do complexo embriológico(15-19).
O tratamento cirúrgico convencional é a confecção da colostomia pélvico
proximal(20-21), em neonatos com um dia de vida, seguindo a formação da fístula
com a realização da anorretoplastia sagital posterior, realizada aos 4 ou 6
meses de vida(22-23). Após três meses dessa cirurgia é realizado o fechamento
da colostomia, para isso é necessário ocorrer com frequência a dilatação suave
da fístula anal no neonato, utilizando os dilatadores próprios(24). Há chances
de incontinência fecal em pacientes que passaram por cirurgias em decorrência
da malformação anorretal(25), o tratamento do intestino à base de enemas,
laxantes e medicamentos são bem sucedidos, quando bem administrados.
Por isso, a importância da orientação à mãe, para não esperar, apenas, uma
evolução normal do treinamento intestinal nessas crianças(25). Esse tipo de
cirurgia, como qualquer outra, deve ser vista no seu aspecto global.
Informações simples relacionadas aos cuidados, incluindo a descrição da
cirurgia, os procedimentos e o centro cirúrgico contribuirão para redução da
angústia, do medo e da ansiedade por desconhecimento das situações.
A família, a criança e o cuidado com a estomia
A necessidade emocional mais importante para a criança é a de ser amada e a de
sentir-se segura desse amor. Essa relação mãe-filho é desenvolvida desde a vida
intra-uterina e é fundamental o contato mãe e filho nos momentos iniciais da
vida pós-natal. A família de uma criança hospitalizada passa por um período de
adaptação, ocorrendo algumas transformações em relação aos aspectos
psicológicos e comportamentais, pois a criança doente fica superprotegida, os
irmãos expressam sentimentos de rejeição e abandono pelos pais e no próprio
relacionamento dos pais ocorrem mudanças, essas transformações tanto podem
fortalecer o casal, quanto afastá-los, isso, dependerá da própria dinâmica
familiar existente(1, 26).
Quando os pais são devidamente atendidos em suas necessidades, participam
efetivamente nos cuidados do filho, beneficiam tanto a família quanto a
criança. Essa participação diminui o nível de ansiedade deles e da criança,
contribuindo para melhor adaptação de ambos à situação hospitalar e na
continuidade do tratamento após a alta. Para transformar a permanência
fatigante em agradável dos familiares, na unidade, além do preparo dos
profissionais de saúde para lidar com ela, é necessário que família encontre
seu modo de participar dos cuidados. Para isso, pode ser necessário que a
equipe organize seu processo de trabalho levando em conta as aptidões da
família e suas necessidades de cuidado(27).
A participação e colaboração dos familiares no processo de cuidado visam uma
rápida recuperação e reabilitação do paciente, essas medidas, quando adotadas,
trazem benefícios e podem prevenir complicações. Desta forma a assistência aos
pacientes estomizados deve ser praticada desde a fase pré, pós-operatória e
alta hospitalar, a orientação emerge como uma estratégia que integra a
valorização e o reconhecimento da família no cuidado ao estomizado. Essa
assistência envolve relacionamento interpessoal, constituído de atitudes
humanas que não podem ser preestabelecidas como uma função essencialmente
técnica(27).
Em relação à orientação no pré-operatório, desenvolve-se a aprendizagem da
família, explicando como ocorrerá o procedimento, isso resultará em diminuição
de complicações, redução do período de internação e diminuição da ansiedade(2,
27). Também está envolvido na assistência à pessoa estomizada a seleção do
sistema de bolsa, tipos de barreira protetora e produtos acessórios a serem
utilizados. Isso só se torna possível com o respaldo dos avanços tecnológicos
alcançados pelos coletores específicos ao cuidado dos estomas e que estão
disponíveis no mercado.
A orientação, que se inicia no pré-operatório tem continuidade no pós-cirúrgico
e após a alta hospitalar. A atividade educativa do profissional de saúde é
entendida como um meio para que a família desenvolva suas potencialidades para
o autocuidado. Sob essa perspectiva, perspectiva, ao enfermeiro cabe facilitar
ou ajudar a se desenvolver para tal, a valorização da orientação para a alta
refere-se ao desenvolvimento da independência e segurança(27).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi percebida a necessidade do envolvimento da mãe e do pai nos cuidados
integrais com o filho, na tentativa de possibilitar um acompanhamento a longo
prazo e de orientações cuidadosas por meio dos profissionais de saúde, para não
esperar, apenas, uma evolução normal do treinamento intestinal nos seus filhos.
Para esse efetivo envolvimento, observou-se a falta de publicações que
descrevam projeto terapêutico de orientação para o cuidado, como também aos
pais e outros familiares na assistência direta.
Demonstrou-se, ainda, que a criança nascida com malformação anorretal requer
uma avaliação cuidadosa, diagnóstico clínico correto, reconstrução anatômica
meticulosa e compreensão nos cuidado pré e pós-operatório, com a finalidade da
criança ter uma boa qualidade de vida. Essas intervenções próprias possuem a
finalidade de minimizar a morbidade .
Entende-se que este estudo tenha fornecido dados que permitam reflexões para
aprimorar a atuação dos familiares na atenção aos cuidados com a criança
nascida com anomalia anorretal, esse é um desafio na busca da qualidade para o
cuidado. Porém, faz-se necessário que novas pesquisas sejam realizadas, com
propostas metodológicas que retratem a essência do cuidado com as crianças
estomizadas.