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BrBRCVHe0034-71672011000600016

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National varietyBr
Year2011
SourceScielo

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Significado de viver saudável para usuários, profissionais e gestores da saúde

INTRODUÇÃO No Brasil, a descentralização e a democratização da saúde constituem-se em diretrizes do Movimento da Reforma Sanitária, as quais possibilitaram, mais especificamente a partir da constituição de 1988, uma ampla e profunda transformação no campo das políticas de assistência social, bem como no campo das políticas de atenção à saúde(1-3). Com esse enfoque, os serviços e as práticas de saúde passam, gradativamente, a ser organizadas e gerenciadas com foco nas necessidades reais e específicas de cada ser humano, família e comunidade, no sentido de promover a participação social e o viver saudável.

A partir deste movimento de participação e democratização da saúde, diversos estudiosos vem se dedicando ao aprofundamento das questões que dizem respeito ao processo saúde-doença, mais especificamente ao processo de viver saudável nas diferentes idades e grupos populacionais. Enquanto que alguns estudos evidenciaram o viver saudável de pacientes com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, outros buscaram compreender o viver saudável de grupos de mulheres em determinadas faixas etárias, o viver saudável no envelhecimento ativo, o viver saudável de adolescentes de periferias, o viver saudável de clientes diabéticos após a amputação(4-8).

Os diferentes estudos, acima explicitados, evidenciaram que o processo de viver saudável está associado ao modo de viver singular das pessoas e de suas interações, participação e envolvimento na vida da comunidade, demonstrando que a compreensão de viver saudável vai muito além dos determinismos causais do processo saúde-doença. Concluiram, portanto, que a construção do conhecimento acerca desse fenômeno precisa, necessariamente, considerar as múltiplas dimensões e fatores que envolvem o viver a vida no dia-a-dia para cada ser humano em particular, inserido em seu contexto real e concreto.

O viver saudável, sob esse enfoque, envolve a singularidade e a pluralidade de cada ser humano. Constitui-se em um processo singular e dinâmico, que envolve tanto fatores motivacionais internos, quanto externos, tais como: condições econômicas, sociais, ambientais, religiosas, dentre outros. Sendo assim, o viver saudável possui um modo próprio de ser e viver, dinamizado a partir de concepções teóricas e filosóficas, valores, crenças e contextos de vida em que cada ser humano se insere(7).

O modelo de saúde predominante, no entanto, pouco tem considerado esse processo singular de viver saudável. Tem valorizado mais a concepção biológica, do que propriamente a dinâmica de ser e viver de cada indivíduo em seu contexto pessoal, familiar e comunitário. Dito de outro modo, privilegia a doença ao invés de potencializar o processo de viver saudável dos indivíduos - atores sociais, sujeitos e protagonistas de sua própria história.

Ao desconsiderar a singularidade do ser humano, o modelo de saúde desconsidera, igualmente, os significados que cada indivíduo, família e/ou comunidade atribuem ao seu processo específico de viver, estar vivo, estar com saúde ou estar sem doença, estar com uma doença e ser saudável, à capacidade de superar estados ou condições de morbidade, dentre tantas outras discussões que precisam ser levadas em conta, ao se definir o conceito de saúde enquanto fenômeno amplo e complexo(9).

Apreendido de forma ampla e complexa e enquanto prática educativa e de promoção do viver saudável, o conceito de saúde precisa, crescentemente, alcançar novos significados tanto para os usuários - atores sociais, quanto para os profissionais e gestores da saúde, mediadores e protagonistas de novas práticas, principalmente em espaços socialmente vulneráveis. Tais espaços se relacionam a um processo de exclusão, discriminação ou enfraquecimento de grupos, indivíduos ou comunidades fragilizadas, jurídica ou politicamente, na promoção, na proteção ou na garantia dos seus direitos de cidadania(10).

Sob esse enfoque, o conceito de saúde, bem como o de viver saudável, precisa, gradativamente, ser ampliado no sentido de compreender as múltiplas dimensões, determinantes e condicionantes que integram o processo saúde-doença nos diferentes espaços sociais(11).

Diante dos argumentos expostos e entendendo que profissionais de enfermagem e demais profissionais da área da saúde necessitam, crescentemente, desenvolver novas tecnologias em cuidado/saúde(12), capazes de incluir os diferentes atores sociais, em especial os grupos sociais vulneráveis, pela participação ativa e pela potencialização do modo singular com que cada indivíduo promove o seu viver saudável, o presente estudo tem por questão de pesquisa: Qual o significado de viver saudável em uma comunidade socialmente vulnerável para os usuários, profissionais e gestores da saúde? Deste modo, o estudo teve por objetivo compreender o significado de viver saudável em uma comunidade socialmente vulnerável para os usuários, profissionais e gestores da saúde.

METODOLOGIA Trata-se de um estudo qualitativo orientado pelo método "grounded theory".

Nesse método, a coleta de dados se constitui num processo amplo, tendo em vista que muitas coisas podem ser consideradas dados(13). Optou-se pela técnica de entrevista individual. No total, a amostra teórica foi constituída por 25 entrevistas, realizadas com usuários (n = 12), profissionais que integram a Estratégia Saúde da Família (ESF) (n = 08) e gestores da saúde (n = 05), de uma comunidade socialmente vulnerável do município de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil, no período de março a dezembro de 2009. As entrevistas foram conduzidas, a partir de questões norteadoras, quais sejam: O que você entende por viver saudável? Quais os elementos que interferem no viver saudável? Como você percebe a atuação da ESF? Os participantes foram encorajados, também, a relatarem as suas expectativas e dificuldades em relação ao seu contexto real e concreto.

O primeiro grupo de participantes, escolhido aleatoriamente pelos pesquisadores, foi composto por usuários que integram a ESF. Na sequência, foi formado um novo grupo, composto por profissionais da equipe ESF e, por fim, um grupo de gestores da saúde, os quais foram selecionados a partir das hipóteses que emergiram da análise das primeiras entrevistas e, em alguns casos, por indicação dos próprios participantes, conforme preconiza o método de pesquisa em questão. Dentre os entrevistados, encontram-se: enfermeiros, médicos, assistentes sociais, agentes comunitários de saúde e usuários de saúde, selecionados aleatoriamente com base na escala de trabalho e/ou prontuários, respectivamente. As entrevistas foram gravadas e, na sequência, transcritas pelos pesquisadores.

A coleta e a análise de dados, conduzida de forma sistemática e comparativa, conforme prevê o método "grounded theory", tem como propósito gerar teorias baseadas em dados brutos. Nessa direção, tanto a teoria quanto a análise dos dados envolvem interpretação baseada em investigação realizada sistematicamente (11).

Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, após especificados os objetivos e a proposta do estudo. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme Resolução . 196, de 10 de outubro de 1996, do Ministério da Saúde, que define as diretrizes reguladoras de pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), sob o número 333/ 2008.

Para manter o sigilo das informações, os participantes da pesquisa serão identificados, ao longo do texto, pelas letras "U" (usuários), "P" (profissionais) e "G" (gestores), seguidas de um número correspondente à fala.

RESULTADOS O viver saudável, para os usuários, profissionais e gestores da saúde que atuam em uma região socialmente vulnerável, foi caracterizado por diferentes conotações, mesmo que com significados específicos e complementares entre si.

Para os usuários da saúde, o significado de viver saudável está associado às condições básicas de sobrevivência, às oportunidades de inclusão e participação social, bem como às possibilidades interativas e associativas. Para os profissionais da saúde, isto é, para os médicos, enfermeiros, assistentes sociais e agentes comunitários de saúde, o viver saudável está relacionado, também, às possibilidades interativas e associativas, mas principalmente às articulações políticas e sociais. para os gestores, o viver saudável está associado ao desenvolvimento de estratégias capazes de reorientar o modelo de saúde vigente.

Viver saudável para os usuários - atores sociais O viver saudável, associado às condições básicas de sobrevivência, faz referência às condições de alimentação, às condições de segurança, às oportunidades de trabalho, às condições de moradia e às condições de saúde.

Para os usuários, o viver saudável está diretamente relacionado à alimentação diária suficiente, à garantia de um prato de comida, ou seja, não precisar esmolar para viver, conforme refletem os relatos: Viver saudável é não precisar me preocupar com a alimentação diária dos filhos (U2); Significa ter uma alimentação saudável e suficiente para poder estudar e trabalhar; É acordar tranqüilo e ter a certeza de um prato de comida (P5); Significa ter o alimento necessário para não precisar esmolar (U13).

Os usuários, da mesma forma, evidenciaram que o viver saudável está associado às condições de segurança, ao mencionarem a importância do descanso noturno seguro e tranquilo, a segurança no trabalho, a segurança em poder sair na rua, despreocupados, e poder deixar os filhos sozinhos em casa e, principalmente, em não precisar se incomodar com os vizinhos.

Para mim, viver saudável é acordar no outro dia e ter a certeza que a minha família e comunidade estamos seguros... A falta de segurança gera estresse, depressão, obesidade. Muitas vezes, a gente não dorme tranquilo e não sai tranquilo de casa... não se trabalha bem e não se faz nada direito (U7).

Assim como as condições de alimentação e segurança, também, as oportunidades de trabalho/emprego favorecem e/ou dificultam o viver saudável. Possuir um trabalho digno, poder trabalhar com carteira assinada, ter a garantia de um salário mensal e não precisar se drogar para sobreviver, são alguns fatores que, na opinião dos usuários, influenciam diretamente no viver saudável, conforme retratam as falas: É ter um trabalho digno e não precisar se drogar para sobreviver (U9); É poder ter um trabalho e a garantia do salário mensal (U13).

Para muitos usuários, o viver saudável está associado, ainda, a possibilidade de ter uma casa própria, ter uma casa digna e segura ou construir uma casa nova e mais confortável, considerando que grande parte das moradias são precárias e pequenas para o número de moradores.

Para os entrevistados, o viver saudável está associado às condições de saúde, isto é, às possibilidades de acesso ao atendimento básico de saúde, direito ao acompanhamento médico, à continuidade e resolutividade nas questões de saúde, bem como às possibilidades de esclarecimentos, informações e educação em saúde.

Significa você ter referência e resolutividade... saber a quem se dirigir quando precisa de ajuda (U2); Entendo que viver saudável é ter um acompanhamento médico e não precisar ir de um lugar para o outro para resolver os problemas de saúde (U7).

Para os usuários, o significado de viver saudável está associado, igualmente, às oportunidades de inclusão e participação social. Às condições de acesso a Unidade de Saúde, ao transporte coletivo, farmácias, áreas de lazer, bem como às possibilidades de poder estudar e/ou continuar os estudos em escolas/ colégios locais. Algumas falas expressam as dificuldades de oportunidades de acesso local: Aqui tudo fica muito longo. A gente tem uma farmácia que é muito cara. Aqui não se tem lugar para lazer, para encontros (U2); Gostaria muito de continuar os meus estudos. Mas aqui fica tudo muito longe.

Não tenho condições de ir até o centro, tudo é muito difícil (U10).

O viver saudável para os usuários está associado, também, às possibilidades interativas e associativas. Alguns usuários salientaram a importância do estado de bem-estar consigo mesmo e com os outros. A importância das relações familiares favoráveis, isto é, sentir-se família e viver em harmonia com a família. Para outros, as relações familiares são bastante tumultuadas e/ou conflituosas, devido ao crescente número de usuários de drogas ilícitas que, consequentemente, geram violência e/ou outros eventos inesperados na família e comunidade. Outro elemento que se mostrou relevante, na percepção dos usuários, são as relações, interações e associações com os amigos, vizinhos, grupos de convivência, as quais favorecem a partilha de idéias, a troca de experiências e o fortalecimento dos vínculos de confiança. Estes significados podem ser evidenciados nas falas a seguir: [...] antes eu estava sempre com depressão. Não podia nem ouvir o barulho dos filhos. Depois que comecei participar do grupo de convivência, conversar mais, eu melhorei muito... vi que era ruim ficar trancada em casa. Hoje sou outra pessoa. Tenho mais ânimo para viver. Quando a gente fica sozinha a gente pensa bobagem (U1).

Eu quero morar no centro. você tem mais amigos, você pode conversar mais. Aqui as pessoas não conversam... aqui as pessoas não se encontram... posso ter muitos amigos e conversar mais. Porque aqui em casa, às vezes, a gente briga muito, na rua eu não ia brigar. Aqui não tem ninguém que seja amigo, a maioria das pessoas daqui não se falam (U8).

Viver saudável para os profissionais da saúde Para os profissionais da saúde que integram a equipe ESF, o significado de viver saudável está associado às possibilidades interativas e associativas, isto é, à participação nos grupos de convivência, na associação de moradores e/ ou outros eventos que possibilitam ampliar as relações e interações sociais, mas de outro modo, está associado também às articulações políticas e sociais.

Dito em outras palavras, o viver saudável está relacionado às condições sociais e políticas e a solidariedade comunitária, bem como a autonomia e emancipação política e social dos próprios usuários.

Os profissionais salientaram, igualmente, a importância das políticas inclusivas, das redes associativas entre os moradores, da organização comunitária, do envolvimento e participação comunitária no que diz respeito às lutas em favor dos direitos coletivos, da emancipação dos sujeitos, bem como aos aspectos que dizem respeito à sensibilidade e solidariedade para com as pessoas mais vulneráveis.

Os profissionais, de modo geral, enfatizaram a importância da solidariedade, ou seja, o interessar-se pelo ser humano, independente das suas condições sociais.

A importância dos profissionais desenvolverem uma atitude de empatia para com as necessidades dos seres humanos que se encontram em situações sociais vulneráveis, conforme expressam os relatos: [...] antes eu morava no centro. A minha mãe é professora e me criei no centro. Mas eu optei por morar aqui na comunidade, para poder promover as articulações e ajudar as pessoas a se organizarem. fui líder comunitário... hoje me sinto bem ajudando, articulando e promovendo as pessoas para que sejam mais autônomas (P21).

Viver saudável para os gestores da saúde para os gestores da saúde, o viver saudável está associado ao desenvolvimento de estratégias, capazes de reorientar o modelo de saúde vigente. Inicialmente, os gestores questionaram o atual modelo de saúde e instigaram novos referenciais possibilitados pela ampliação do conceito de saúde. Na sequência, reforçaram a importância da ESF e mais especificamente a atuação do agente comunitário de saúde.

Percebem, portanto, que o atual modelo de saúde orienta-se por práticas e/ou ações fragmentadas, tendo em vista que o foco da assistência está fortemente centrado na doença e para a atenção hospitalar. Para tanto, consideram a necessidade de referenciais mais abertos, flexíveis, isto é, que compreendam o contexto situacional dos seres humanos, das famílias e da saúde sob um olhar mais ampliado e contextualizado. Entendem, portanto, que é preciso respeitar a autonomia dos sujeitos e intensificar a formação profissional, tendo em vista o alcance de uma nova cultura pautada pelos princípios da integralidade e intersetorialidade na saúde.

Em seus relatos, os gestores salientaram a importância da ESF, ao mencionarem que essa estratégia busca se aproximar e interagir com a realidade concreta das famílias, centrando o foco no auto-cuidado, nas reais necessidades dos usuários e na promoção da saúde. Reforçam, ainda, que a ESF constitui-se em uma importante estratégia de promoção e proteção da saúde, visto que além de proporcionar maior resolutividade, a estratégia por meio da equipe da saúde, passa a ser referência tanto para a família, quanto para a comunidade.

No processo de consolidação da ESF, os gestores consideraram a importância da atuação do agente comunitário de saúde, o qual passa a ser o principal interlocutor, mediador e/ou elo de comunicação entre a família, a comunidade e a equipe de saúde, pela formação dos vínculos de confiança e o estreitamento da rede de relações e interações com os diferentes atores sociais. Percebem, de outro modo, a fragilidade na formação tanto dos agentes, quanto dos demais profissionais que integram a equipe, no sentido de promover a continuidade e integralidade das ações de saúde.

A ESF ainda não está implantada como deve ser. Ainda está fragmentada... não atingiu toda área de abrangência. Busca trabalhar com a questão do auto-cuidado... É preciso conjugar o saber da família com o saber profissional. Nós ainda temos dificuldades interdisciplinares na própria equipe. É preciso se despir dos nossos valores, porque a família tem os seus valores e precisamos construir em conjunto com a família. É difícil trabalhar com pessoas que transitam nas drogas e quando uma mãe te diz: olha eu preciso vender drogas para sustentar o meu filho. Para atingir o cuidado daquela família é preciso ter uma nova concepção. É preciso ir além daquela função e ter a capacidade de despir-se da sua verdade, dos seus dogmas para entrar na realidade do outro. A ESF é algo que deve ser construído com a família... ela precisa ser emancipada e participar do processo de viver saudável (G23).

Os diferentes significados atribuídos pelos usuários, profissionais e gestores da saúde refletem, em suma, que tanto às condições básicas de sobrevivência, às oportunidades de inclusão e participação social, às possibilidades interativas e associativas, quanto às articulações políticas e sociais e as estratégias de reorientação do modelo de saúde, são significativas e complementares para o processo de promoção e/ou manutenção do viver saudável dos seres humanos - atores sociais que se encontram em situações socialmente vulneráveis.

DISCUSSÃO DOS DADOS Viver saudável, a partir dos significados atribuídos pelos usuários, profissionais e gestores da saúde, retrata um processo que envolve singularidades e circularidades que vão além de um conceito linear ou formal de saúde e doença. É um processo que envolve novos olhares e demanda referenciais capazes de apreender o fenômeno saúde-doença, em situações socialmente vulneráveis, de forma ampliada e contextualizada.

Nessa perspectiva, o empreendedorismo social, compreendido como um mecanismo auto-organizador, se apresenta como um referencial inovador e transformador, capaz de maximizar as possibilidades e oportunidades reais do ser humano e comunidades, pela inclusão e participação dos diferentes atores sociais, pela potencialização dos recursos de cada realidade e/ou situação social, pelo estímulo à inovação, a partir do que existe e, principalmente, pela valorização do ser humano como um ser singular e protagonista da sua própria historia(14-17).

Para outros autores, o empreendedorismo social se apresenta como uma nova tendência organizacional, capaz de instigar novas tecnologias, ações ou práticas de cuidado/saúde, no sentido de atingir um maior número de pessoas, com maior efetividade/resolutividade e com menor investimento e custo. Em outras palavras, se apresenta como um novo modelo de desenvolvimento humano, social e sustentável, que requer por parte dos profissionais da saúde uma nova atitude, isto é, uma atitude inovadora e socialmente responsável, orientada para as reais necessidades dos diferentes atores sociais, mais especificamente dos grupos populacionais marginalizados(12,18).

Com base nas considerações anteriores, o viver saudável pode ser entendido como um processo auto-organizador, no qual e para o qual cada ser humano desenvolve os seus próprios recursos e competências necessárias para a promoção da saúde e/ou o enfrentamento da doença. Um processo, no qual a auto-organização do ser humano, famílias e comunidades está diretamente relacionada ao desenvolvimento de possibilidades interativas e associativas. Dito de outro modo, quanto maiores às articulações sociais e políticas, tanto maiores as possibilidades do ser humano e famílias se auto-organizarem ou auto-recriarem e, ainda, tanto maiores as redes de cooperação solidária e o alcance dos direitos coletivos.

De acordo com os resultados evidenciados, os profissionais da saúde, mais especificamente os profissionais que integram a equipe de ESF, desempenham ações e atitudes importantes no contexto das intermediações e articulações sociais e políticas dos seres humanos, famílias e comunidades. Pela inserção e atuação direta na realidade das famílias, os profissionais de saúde possuem infinitas oportunidades e possibilidades para desenvolverem tecnologias inovadoras, que podem auxiliar tanto no desenvolvimento auto-organizador dos sujeitos - atores sociais, quanto na ampliação dos recursos e competências.

Por meio de ações integradas e articuladas em redes e parcerias, as quais são fortemente estimuladas(17), os profissionais da saúde podem, portanto, contribuir para o empoderamento dos grupos vulneráveis, por meio de práticas de educação e promoção da saúde e, desta forma, aumentar o capital social, de forma a contribuir para o desenvolvimento e transformação social.

O processo de solidariedade ancorado no cotidiano, isto é, no lugar real, simbólico ou imaginário, onde as pessoas entram em interação, se constitui num elemento fundamental na estruturação da subjetividade. Entende-se, que o ser humano - sujeito é o esforço de transformação de uma situação vivida em ação livre, introduz a liberdade no que aparece, em primeiro lugar, como determinantes sociais e herança cultural(19). Sendo assim, a construção das redes de cooperação solidárias pode e deve ser reforçada pelas associações voluntárias, pelos movimentos coletivos, enfim, pela reafirmação dos vínculos com os diferentes atores sociais.

O viver saudável, em suma, é um processo singular que envolve a interface e o diálogo entre usuários, profissionais e gestores, no sentido de fomentar estratégias emancipatórias, capazes de promover a negociação solidária. Envolve estímulo à participação e mobilização social dos diferentes setores sociais, engajamento e inserção na realidade concreta dos sujeitos, estímulo e acesso às tecnologias de informação e comunicação em saúde e, principalmente, a valorização do ser humano como protagonista do viver saudável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados evidenciados, a partir dos usuários, profissionais e gestores da saúde, permitem concluir que o viver saudável é um processo singular e plural ao mesmo tempo, ou seja, complexo, construído com base no imaginário e significados que cada ser humano ou grupo social atribui ao fenômeno saúde- doença, bem como aos diferentes movimentos de viver a vida com saúde e/ou doença em seu contexto social e cultural específico.

Os significados atribuídos ao viver saudável variam desde as condições básicas de sobrevivência, como às condições de alimentação, segurança, moradia, trabalho, às oportunidades e possibilidades de inclusão e participação social, às possibilidades interativas e associativas, às articulações sociais e políticas, bem como às estratégias e referenciais que orientam o modelo de saúde. Logo, o viver saudável constitui-se num conjunto de fatores e intervenções que requerem, tanto o comprometimento de cada indivíduo, família ou comunidade, quanto o envolvimento e engajamento efetivo dos profissionais e gestores da saúde, responsáveis pelo fomento de políticas inclusivas e participativas.

Pela compreensão do processo de viver humano, de forma integral e contextualizada dos usuários, a equipe de saúde, mais especificamente os profissionais da equipe ESF, tem a possibilidade de ampliar os recursos e competências do ser humano - ator social, pelo estímulo ao auto cuidado e/ou a auto-organização do seu modo de viver o dia a dia.

Numa perspectiva de redes de cooperação solidária, é possível promover um viver mais saudável pela ampliação das práticas integrativas e inclusivas que valorizam o ser humano como um ser singular e multidimensional. Enfim, é possível potencializar o viver saudável dos indivíduos, famílias e comunidades por meio de processos interativos e associativos, bem como pela ampliação dos recursos e competências específicas de cada realidade ou situação.


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