Religião e saúde mental: desafio de integrar a religiosidade ao cuidado com o
paciente
INTRODUÇÃO
Existe consenso entre cientistas sociais, filósofos e psicólogos sociais de que
a religião é um importante fator de significação e ordenação da vida, sendo
fundamental em momentos de maior impacto na vida das pessoas(1). Os problemas
espirituais, afetivos e sociais são demandas importantes na vida de qualquer
um, e a principal delas, é o problema de saúde, motivo pelo qual as pessoas
recorrem ao santuário e aos santos como se estes fossem uma espécie de "pronto
socorro" de atendimento integral(1). Desse modo, ocorre a busca pelo alívio do
sofrimento, por alguma significação ao desespero que se instaura na vida de
quem adoece.
A religião caracteriza-se, ao longo do tempo e do espaço, como extremamente
variável, de um contexto cultural para outro, de um período histórico para
outro(2), inclusive com marcante influência na organização e desenvolvimento
inicial da assistência no campo da saúde em nosso país(3). Porém, existe uma
formulação multidimensional que descreve a religião em vários aspectos, sendo
ela considerada um conjunto de crenças, leis e ritos que visam um poder que o
homem considera supremo, do qual se julga dependente, com o qual pode entrar em
relação pessoal e do qual pode obter favores. De acordo com essa formulação, as
religiões são compostas por: uma doutrina, que representa um conjunto de
crenças e mitos sobre a origem do cosmos, o sentido da vida, da morte, do
sofrimento e do além; ritos e cerimônias, que empregam e atualizam símbolos
religiosos; um sistema ético, com leis proibições e regras de conduta; e por
último, uma comunidade de fiéis, com diferentes tipos de líderes e sacerdotes,
que estão mais ou menos convencidos das crenças e que seguem os preceitos dessa
religião(4).
Espiritualidade diferencia-se do conceito de religião, por ter significado mais
amplo. A religião é uma expressão da espiritualidade, e espiritualidade é um
sentimento pessoal, que estimula um interesse pelos outros e por si, um sentido
de significado da vida capaz de fazer suportar sentimentos debilitantes de
culpa, raiva e ansiedade. Religiosidade e espiritualidade estão relacionadas,
mas não são sinônimos. Religiosidade envolve um sistema de culto e doutrina que
é compartilhado por um grupo, e, portanto, tem características comportamentais,
sociais, doutrinárias e valorais específicas, representando uma dimensão social
e cultural da experiência humana. Espiritualidade está relacionada com o
transcendente, com questões definitivas sobre o significado e propósito da
vida, e com a concepção de que há mais na vida do que aquilo que pode ser visto
ou plenamente entendido(5,6).
Alguns estudos demonstraram que existem dois tipos de religiosidade, a
intrínseca e a extrínseca(1). Na religiosidade intrínseca o indivíduo realmente
acredita e procura viver sua fé. Trata-se de uma religiosidade madura, saudável
e boa, sendo princípio motor de sua vida. Na extrínseca, a religião é um meio
para atingir outros fins, como por exemplo, uma conversão com finalidade de
casamento, ou por status, ou porque é boa para os negócios e está relacionada à
intolerância e ao preconceito(1).
Como a religião é elemento constitutivo da subjetividade e doadora de
significado ao sofrimento, ela deve ser considerada um objeto privilegiado na
interlocução com a saúde e os transtornos mentais.
Ao estudar a relação que a saúde tem com a religiosidade, não é necessário
assumir qualquer posição sobre a realidade ontológica de Deus ou do mundo
espiritual. É possível entender se a crença religiosa está associada a
resultados de saúde, independente de se acreditar nas crenças sob investigação
(7).
A interface entre religião e saúde tem causado modificações na medicina,
principalmente na psiquiatria(2). Podem ser observadas modificações no Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM - IV), da American
Psychiatric Association, incluindo inovações na abordagem de temas culturais e
religiosos ou espirituais. Nessa publicação, existe uma seção com o título de
"Considerações éticas e culturais" que possui orientações para melhor capacitar
os médicos que lidam com pacientes de diferentes contextos socioculturais, a
fim de evitar que variações de crenças, vivências ou comportamentos religiosos,
sejam interpretadas como psicopatológicos.
Ainda com o objetivo de contribuir para a diferenciação entre enfermidades
mentais e expressões da religiosidade, o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais apresenta uma nova categoria diagnóstica denominada
Problema Religioso ou Espiritual(5). A aproximação entre religião e psiquiatria
pode auxiliar os profissionais de saúde mental a desenvolverem habilidades que
possibilitem a melhor compreensão dos fatores religiosos que influenciam a
saúde dos pacientes.
Apesar de cada vez ser mais reconhecida a importância da religiosidade para a
saúde, a maior parte dos profissionais da área da saúde não recebeu treinamento
para lidar com essa questão, o que tem criado uma lacuna entre o cuidado
desenvolvido e o conhecimento sobre a importância que a religião representa na
vida dos pacientes(8).
Assim sendo, objetiva-se neste trabalho resgatar e analisar integrativamente
produções científicas que apresentem como tema, uma interface entre religião e
cuidados em saúde mental.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de revisão integrativa de literatura, cuja estruturação
da base teórica foi realizada a partir da pesquisa e análise de relevância
histórica e contemporânea, em livros e artigos científicos.
A revisão integrativa determina o conhecimento atual sobre uma temática
específica, já que é conduzida de modo a identificar, analisar e sintetizar
resultados de estudos independentes sobre o mesmo assunto, contribuindo, pois,
para uma possível repercussão benéfica na qualidade das condutas assistenciais
de enfermagem prestados ao paciente(9-10).
São seguidas algumas etapas, sendo que a primeira consiste na formulação da
questão de estudo, cuja construção deve estar relacionada a um raciocínio
teórico e se basear em definições já apreendidas pelo pesquisador. A próxima
etapa é a seleção da amostra, em que são estabelecidos os critérios de inclusão
e exclusão de trabalhos científicos a serem revisados. Depois disso são
definidas as características da pesquisa original que serão utilizadas e seus
achados, a partir da definição das informações a serem extraídas dos trabalhos
selecionados. As próximas etapas são a análise dos dados segundo os critérios
de inclusão estabelecidos, a interpretação dos resultados e a apresentação da
revisão(9,11).
O referencial teórico foi pesquisado em livros e também por meio de busca nas
bases de dados eletrônicas Lilacs, Bdenf e biblioteca eletrônica SciELO,
abordando temas relacionados à religiosidade e saúde mental. Foram utilizados
os seguintes descritores de assunto: religiosidade, religião e saúde mental.
Foram utilizados como critérios para a seleção da amostra, teses e artigos
completos, publicados em periódicos nacionais ou internacionais, a partir de
2000, que abordam a relação da religião com a saúde mental, considerando as
áreas de interesse da enfermagem.
Por meio da leitura criteriosa do título e resumo, pôde-se obter uma visão
global do material, identificando a sua importância para o alcance dos
objetivos do presente estudo. A partir disso, foi realizada a seleção dos
artigos, sendo que, foram desconsiderados da análise aqueles levantados com os
critérios utilizados para busca bibliográfica, mas que, após avaliação de seu
resumo, não tratavam do tema de interesse ou que, após analise, não
apresentavam resultados compatíveis com os objetivos traçados.
Para a organização e análise dos dados, foi utilizado um formulário para coleta
dos dados de cada estudo selecionado, que permitiu obter informações como
título, autores, ano de publicação, periódico/editora onde foi publicado e
resumo.
Os artigos eram numerados por ano de publicação e fixados aos formulários
correspondentes. A avaliação dos dados foi realizada de acordo com seus
conteúdos, por descrição analítica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na busca inicial, foram encontrados 28 artigos na biblioteca eletrônica SciELO,
96 no Lilacs, e 13 no Bdenf, para os descritores "religião", "religiosidade" e
"saúde mental", que foram utilizados em combinações alternadas de "religião e
saúde mental" e "religiosidade e saúde mental". A busca nas duas bases de dados
e biblioteca eletrônica totalizaram 105 trabalhos, entre teses e artigos não
repetidos. Como critério de exclusão, foi utilizada a indisponibilidade do
trabalho online, e também, após a análise dos resumos, a falta de
compatibilidade do tema tratado com o objetivo do presente estudo. Foram
selecionados treze trabalhos para leitura completa.
A leitura criteriosa dos trabalhos selecionados permitiu uma análise do
conteúdo pesquisado, identificando seis categorias que contribuem para o
entendimento do modo como a religião interfere na saúde mental e do desafio de
integrar a religiosidade ao cuidado com o paciente.
As implicações da religiosidade e espiritualidade na saúde vêm sendo estudadas
cientificamente com muita frequência, mas é necessário reconhecer que algumas
experiências religiosas e espirituais constituem fenômenos que não podem ser
disciplinados ao estudo científico tradicional(12). Com finalidade didática
foram constituídas algumas categorias que são apresentadas na sequência:
A religião como dimensão que contribui para uma melhor qualidade de vida
Existe uma rica multiplicidade de temas abordados nos estudos sobre
religiosidade e saúde mental, tanto em estudos com contornos mais qualitativos
e etnográficos, como nos quantitativos epidemiológicos, que abordam desde
transtornos mentais leves, até quadros mais graves, como a ansiedade e as
psicoses respectivamente.
Diversos estudos indicaram que, de modo geral, as dimensões de espiritualidade
e religiosidade estão associadas à melhor qualidade de vida(13-23), com
melhores resultados para as pessoas que estão se recuperando de doença física e
mental, ou que tenham menores alternativas de recursos sociais e pessoais
(17,22), sendo que indivíduos pouco religiosos, com bem estar espiritual baixo
ou moderado apresentam o dobro de chances de apresentarem transtornos mentais,
e cerca de sete vezes mais chance de ter algum diagnóstico de abuso ou
dependência do álcool(13,16).
Existe uma forte associação positiva entre o envolvimento religioso e saúde
mental. Estudos epidemiológicos indicam a influência de fatores religiosos
sobre um conjunto diversificado de resultados, incluindo drogas, depressão e
etilismo, comportamento delinqüente, suicídio, e certos diagnósticos
psiquiátricos(17,23).
A influência positiva da religiosidade sobre a saúde pode ser causada devido à
mobilização de energias e iniciativas extremamente positivas, que fortalece o
indivíduo, fazendo com que ele tenha condições de lidar mais eficazmente com
suas condições, incentivando-o a aceitar a terapia(14,17). Desse modo, ele
passa a apresentar potencial ilimitado para melhorar a sua qualidade de vida
(14).
A religiosidade implica em uma mobilização de energia positiva, a fé. As
pessoas que têm fé sentem-se mais fortes para enfrentar dificuldades e
continuar a lutar pela sua sobrevivência, acreditando que serão curadas dos
seus males(15,20). A fé faz o indivíduo acreditar numa provisão sobrenatural,
capaz de intervir favoravelmente em sua situação concreta de vida e,
especialmente, no caso do adoecimento mental, no curso da doença e nos seus
efeitos na vida quotidiana.
Outro fator que explicaria os resultados positivos da religiosidade sobre o
estado de saúde, é que a religião é grande responsável pela formação de
comportamentos de proteção, assim como de comportamentos que conduzem à saúde,
como, por exemplo, o não uso de álcool e drogas, o cumprimento de ordens
médicas e o incentivo ao exercício físico regular(17,18). O indivíduo que segue
esse estilo de vida tem menores taxas de doenças crônicas e agudas e tem níveis
reduzidos de estresse, porque a religião também transmite a necessidade da
pessoa ter comportamento de moderação e conformidade, além de pregar atitudes
positivas como a oração, que proporcionam conforto emocional, desencorajam
situações de conflito, e incentivam a harmonia interpessoal(17,18,21).
Mais de 850 estudos examinaram a relação entre envolvimento espiritualista e
vários aspectos da saúde mental, sendo que a maioria obteve como resultado que
pessoas vivenciam melhor saúde mental e se adaptam com mais sucesso ao estresse
se são religiosas, além de terem estilos de vida mais salutares e fazerem menor
uso de serviços de saúde(14).
As práticas religiosas podem ajudar a manter a saúde mental e prevenir doenças
mentais, porque elas influenciam psicodinamicamente, auxiliando o indivíduo a
lidar com a ansiedade, medos, frustrações, raiva, sentimentos de inferioridade,
desânimo e isolamento(18,23). A meditação é uma prática que pode produzir
mudanças na personalidade, reduzindo a tensão e ansiedade, diminuindo a
autoculpa, estabilizando altos e baixos emocionais, e melhorando o
autoconhecimento. Melhoria nos ataques de pânico, transtorno de ansiedade
generalizada, depressão, insónia, uso de drogas, estresse, dor crônica e outros
problemas de saúde também têm sido relatados sobre a prática da meditação.
Outras práticas religiosas, como a oração, confissão, exorcismo, liturgia, e
bênçãos, também podem ser eficazes, mas são necessários mais estudos(18).
Embora não seja possível determinar, com exatidão, os mecanismos de interação
da religiosidade com a melhora da qualidade de vida, se os indivíduos
religiosos apresentam em sua maioria, ganhos nas suas condições de saúde, a sua
religiosidade deve ser motivada, respeitando-se a individualidade da sua fé.
Religião como rede de apoio social
A igreja, por ser um espaço de congregação, de coletividade, une pessoas que
possuem interesses em comum, seja a conquista de um bem material, seja a cura
de problemas mentais. Para qualquer um dos problemas que a pessoa apresente,
ela será acolhida e escutada, passando a fazer parte desse universo.
Quando o paciente procura uma religião, geralmente está em busca de uma
compreensão sobre a doença, que a medicina não foi capaz de esclarecer. Outros
espaços terapêuticos têm sido procurados, pelos pacientes psiquiátricos, para
que sejam atendidos integralmente, enquanto seres holísticos que são, não mais
aceitando a dicotomia corpo e mente(20).
O apoio oferecido pelas instituições religiosas e a possibilidade de inserção
do paciente numa rede de relações sociais é muito importante no contexto da
saúde mental, visto que o paciente psiquiátrico é marcadamente excluído das
relações sociais em decorrência do adoecimento, e que muitas vezes, tem seus
laços sociais reduzidos ao hospital psiquiátrico ou à instituição de tratamento
(15,16).
O paciente encontra nas instituições religiosas, muitas vezes, uma aceitação
irrestrita e uma valorização do seu discurso, porque esses locais oferecem
atenção e cuidado mútuo, se revelando mais próximos dos pacientes por
oferecerem uma possibilidade de inserção em relações sociais que extrapolam o
hospital, além de permitirem o enfrentamento de alguns impasses do quotidiano
através da rede de apoio social que estabelecem entre seus fiéis(15). A
continuidade nas relações com amigos, família e outros grupos de apoio, pode
facilitar a adesão aos programas de promoção da saúde, pelo oferecimento de
conforto em momentos de sofrimento, estresse e dor, diminuindo o impacto da
ansiedade e outras emoções(18).
A participação em grupos religiosos que trazem suporte psicossocial confere
benefícios para a saúde, como a promoção de restabelecimento de vínculos com a
comunidade, que está associado a sentimentos de auto estima e emoções positivas
sobre si(17). O apoio social e psicológico que líderes religiosos oferecem a
fiéis motivados em recebê-lo foi efetivo para o bem-estar pessoal, promovendo a
resolução de conflitos e a redução de sintomas psiquiátricos(21).
Visto que a religião é considerada um recurso psicossocial, de promoção à saúde
mental, é muito importante o incentivo à participação em atividades dentro da
igreja, porque além de trazer benefícios para a vida do paciente, não onera os
sistemas de saúde.
Religião como atribuidora de sentido ao sofrimento
A religião permite uma leitura do sofrimento mental que lhe confere certa
positividade, ou positividade de propósito, permitindo para o paciente, ainda
que de modo estranho para o profissional que o escuta, uma resignificação de
seu sofrimento através de parâmetros religiosos. Isso equivale a dizer que o
paciente pode construir sentido para seu sofrimento justamente através do
discurso da religião, em oposição a uma construção de sentido baseado em
parâmetros psicodinâmicos(15).
Mesmo vinculados a algum projeto terapêutico, os pacientes podem referir em
algum momento, de modo mais ou menos enfático, alguma relação do que sentem com
a religiosidade(14).
Além disso, a experiência religiosa permite que os pacientes nomeiem suas
vivências psicóticas e lhe atribuam sentido, assegurando-lhes um senso de
identidade(13).
Relação entre intensidade do envolvimento religioso e prevalência de
transtornos mentais
A frequência às reuniões religiosas é uma das questões mais amplamente
utilizadas para se investigar o nível de envolvimento religioso. Outras
questões são religiosidade não-organizacional, que é o tempo gasto privado em
atividades religiosas, como oração, meditação e leitura de textos religiosos, e
também na religiosidade subjetiva, que significa o quão a religião é importante
na vida da pessoa. No entanto, é necessária cautela na interpretação desses
dados. As pessoas podem rezar mais quando estão doentes ou vivendo situações
estressantes. Por outro lado, um mau estado de saúde poderia diminuir a
capacidade de assistir a uma reunião religiosa, desse modo criando outro viés
sobre a associação entre religiosidade e saúde(18).
A relação entre denominação religiosa e prevalência de transtornos mentais tem
revelado resultados contraditórios. Entretanto, dimensões da religiosidade
como, por exemplo, a freqüência à Igreja e, especialmente, o envolvimento
religioso, que de alguma forma indicam a intensidade da religiosidade pessoal e
crença do sujeito, parecem ser mais intimamente associadas com a prevalência de
transtornos mentais(13,16).
Alguns estudos indicam que a maior freqüência de diagnóstico de transtorno
bipolar está significativamente associada a considerar-se uma pessoa "muito
religiosa" (em relação àquelas que se consideram religiosas), ou considerar- se
uma pessoa "pouco religiosa" ou "sem religião" (em relação àquelas que se
consideram religiosas). Por conseguinte, associam-se a uma maior freqüência de
diagnóstico de transtorno afetivo bipolar as duas condições extremas em relação
à religiosidade pessoal(16).
Deve-se reconhecer que, embora instigantes, estes resultados são de difícil
interpretação, sendo inconclusivos e sua análise envolve especulações pouco
seguras, devendo ser consideradas com muita cautela.
Religião como causadora de danos à saúde mental
Em algumas situações a busca religiosa, em vez de aliviar o sofrimento, piora o
quadro clínico, com comportamento de enfrentamento negativo e uso inadequado
dos serviços de (13,17). Entre os aspectos negativos, poderiam ser mencionados
o fanatismo e tradicionalismo opressivo(17).
Algumas religiões institucionalizadas, em função de sua compreensão sobre a
saúde / doença / sofrimento mental, têm se oposto ao tratamento conduzido pelas
instituições do campo da saúde mental. Essa situação é indício da falta de
diálogo dos serviços de saúde com os recursos comunitários. Trata-se de um dos
desafios da assistência ouvir e dialogar com as instâncias comunitárias,
desmistificando saberes próprios e de outrem que, porventura, inviabilizem o
cuidado das pessoas em sofrimento(15).
Algumas vezes, determinadas religiões podem tornar-se rígidas e inflexíveis,
estando associadas ao pensamento mágico e de resistência. Isso pode dificultar
o tratamento do paciente, se é feita a proibição da psicoterapia ou do uso de
medicação. No Brasil, onde a mudança religiosa está ocorrendo rapidamente, a
pobreza e a falta de conhecimento, podem tornar as pessoas vulneráveis ao abuso
espiritual(17).
Integração da religiosidade no cuidado com o paciente
Os pacientes têm necessidades espirituais que devem ser identificadas e
tratadas, mas os profissionais de saúde mental, em sua maioria, não se sentem
confortáveis para abordar estas questões.
É muito importante a organização do apoio espiritualista em instituições de
saúde(14,21). Posto que os pacientes freqüentemente associam suas crenças
religiosas ao contexto de suas doenças, a equipe de saúde que não possui esses
sistemas de crenças deve considerar como respeitá-las, apoiando as crenças do
paciente que possam ajudá-lo a lidar com a doença. O profissional que estiver
comprometido com aquilo que é melhor para seu paciente deve considerar como
apoiar a sua espiritualidade, se e quando o paciente considerar isso relevante.
A equipe de reabilitação deve ser educada sobre esses temas e deve abordá-los
mais frequentemente(14). O profissional da saúde deve, entretanto, também ser
educado para entender os assuntos espiritualistas no ambiente clínico. As
expressões de espiritualidade do paciente devem ser triadas e respeitadas, para
maximizar a eficácia terapêutica quando a espiritualidade do paciente for um
fator de vida crucial.
Muitas vezes, o profissional de saúde utiliza sua visão particular e pessoal
sobre o status da religiosidade, valorizando ou depreciando as informações que
são ditas pelo paciente. Essa situação gera incômodo da parte dos profissionais
e também dos pacientes, que parecem, por não saberem como lidar com a situação,
adotar dois modos distintos de lidar com tal recorrência. Ou desconsideram o
discurso religioso no momento da elaboração do projeto terapêutico, ou o tomam
como um dado psicopatológico, como alienação, como neurose obsessiva ou
qualquer outra leitura que garanta a sobreposição do jogo linguístico da
racionalidade científica sobre o jogo lingüístico da religiosidade03.
Em ambas as possibilidades discursivas, seja a crença ou realmente um delírio,
a religiosidade aparece como recurso interpretativo e como experiência
resignificadora do sofrimento mental, desafiando quotidianamente os
profissionais de saúde mental.
Pela dificuldade que a equipe de saúde encontra em interpretar as informações
religiosas ditas pelo paciente, as instituições religiosas deixam de ser
consideradas possíveis parceiras na inserção social dos pacientes(15).
O pouco diálogo entre os serviços voltados para a assistência em saúde mental e
as entidades representantes das igrejas reforça mitos e desconhecimentos em
ambas as partes, gerando o preconceito. Enquanto as instituições religiosas
aparecem como fundamentalistas e autoritárias para os profissionais de saúde,
estes são considerados arrogantes e onipotentes em suas práticas.
É preciso romper com a dissociação entre espaço de tratamento e prática
religiosa dos pacientes e não reduzir a religiosidade a uma experiência
alienadora e exploradora da situação de desprivilegio social dos pacientes
psiquiátricos03. De outro modo, estará sendo favorecida somente a interpretação
racionalista do adoecimento mental e as formas de socialização propostas pela
saúde mental, tais como: as oficinas terapêuticas, os lares abrigados, o lazer
assistido, etc. e desconsiderando as diversas interpretações possíveis para o
sofrimento e os variados modos de inserção social.
O uso da medicação como única estratégia de tratamento dos problemas psíquicos,
como se sabe, nem sempre costuma produzir bons resultados(24), por isso deve
ser pensada a possibilidade de conciliação de estratégias de tratamento
psicoeducacionais e psicoterápicas, associadas às crenças religiosas devem ser
considerados em nome do bem-estar do paciente(25). A integração das dimensões
espirituais e religiosas dos clientes em seus tratamentos requer
profissionalismo ético, alta qualidade de conhecimento e habilidades para
alinhar as informações coletadas sobre as crenças e valores à eficácia
terapêutica(21).
Para isso, a formação do profissional que planeja a assistência, deve abranger
o conhecimento profundo do ambiente cultural e da religião onde seu trabalho
está sendo feito, para que seja possível integrar a religiosidade na prática
clínica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando o paciente procura algum tipo de acolhimento fora dos serviços de saúde,
ele está à procura de algum tipo de acolhimento que não recebeu da ciência. Por
isso é importante a atenção da equipe de saúde a essas outras formas de apoio
que o paciente encontra.
Foram comprovados os efeitos benéficos que a emoção causa no organismo, tendo
como um dos resultados a produção de endorfina, hormônio responsável pela
sensação de bem-estar(26). Os mesmo efeitos são observados quando são
vivenciadas situações de extrema alegria e prazer causadas pela fé, que faz as
pessoas se sentirem mais fortes para enfrentar dificuldades e continuar a lutar
pela sobrevivência, acreditando em provisão sobrenatural, capaz de intervir
favoravelmente em seu sofrimento. No ambiente religioso, há uma atmosfera
extenuante de satisfação, emoção e esperança de que a benção seja alcançada.
A religião também influencia positivamente sobre o estado de saúde, porque
ensinam e cobram de seus fiéis, comportamentos de proteção, e de condução à
saúde. Desse modo, o indivíduo deixa de fumar, fazer uso de álcool, passa a ter
atitudes positivas como a oração, ou meditação, que oferecem conforto emocional
e redução do estresse.
A maioria dos estudos indica que a religiosidade é um aspecto determinante da
vida humana e, que geralmente, tem uma associação positiva com boa saúde
mental, promovendo a qualidade de vida. Sendo assim, para honrar o dever de
profissionais de saúde, de aliviar o sofrimento e oferecer uma assistência de
qualidade, é necessário aumentar o conhecimento sobre o aspecto religioso.
A importância da relação entre religião e saúde mental é reconhecida na teoria,
mas muitas vezes a equipe de saúde pode não se sentir confortável para abordar
essas questões. Para reduzir esse desconforto e proporcionar o atendimento
integral ao paciente, é necessário que os profissionais sejam capacitados em
sua formação acadêmica a integrar a espiritualidade na prática clínica. O
profissional de saúde deve ser capaz de determinar qual a importância da
religião na vida de seu paciente, qual é o nível de envolvimento religioso e se
este é útil (ao promover a boa autoimagem, por exemplo) ou prejudicial
(religião contra o uso de medicações) para a sua saúde.
É necessário o reconhecimento da espiritualidade como componente essencial da
personalidade e da saúde por parte dos profissionais. Seria interessante o
acréscimo de discussões sobre a religiosidade e de que forma ela pode
contribuir para a melhor qualidade de atendimento às necessidades do doente
mental. Os conceitos de religiosidade e espiritualidade devem ser esclarecidos
à equipe que faz o atendimento ao paciente, e devem ser entendidos como
dimensões que exercem influência sobre o seu estado de saúde.
Em virtude da influência que as crenças religiosas podem ter na vida do
paciente, que de algum modo estejam relacionadas à sua doença psiquiátrica, é
importante que o enfermeiro faça uma coleta sobre o histórico religioso do
indivíduo, explorando suas crenças do que pode estar influenciando a sua
doença, e como ele está lidando com e ela. Assim é possível entender como as
crenças religiosas do paciente estão relacionadas com as decisões sobre
cuidados médicos.