Competência para prestar cuidado de enfermagem transcultural à pessoa com
deficiência: instrumento de autoavaliação
INTRODUÇÃO
Na Enfermagem, a essência do trabalho é o cuidado, que deve ser amparado por um
conjunto de conhecimentos construídos no intuito de produzir um caminho para
pensar o propósito, a expressão e o processo para o seu desenvolvimento. Ao
longo do último século, enfermeiros produziram teorias com vistas a embasar
cientificamente os processos de ensino, de pesquisa e das práticas relacionadas
ao trabalho de enfermagem.
Teoria pode ser definida como abstração sistemática da realidade, ou
estruturação rigorosa e criativa de ideias que projetam uma visão provisória
objetiva e sistematizada dos fenômenos. Assume caráter de sistematização
especulativa, transitória, relativa, imperfeita e aproximada do observado na
realidade(1). A maioria das teorias tem a perspectiva de compreender e explicar
os aspectos biopsicossocio-culturais envolvidos no processo saúde/doença/
cuidado de indivíduos, famílias, grupos e comunidades aos quais se destina o
cuidado de enfermagem. São elementos constitutivos dessas teorias os conceitos
de enfermagem, ambiente/sociedade, saúde e pessoa.
Neste estudo, o Modelo de Análise de Teoria adotado consiste na descrição e na
análise crítica da teoria de enfermagem observando sua aplicação à pesquisa, à
prática e ao ensino de enfermagem. Descrever e refletir são processos diversos.
Descrever é um relato sobre a teoria; refletir é questionar a que propósito
serve a teoria. Quando se descreve, atenta-se se a teoria possui
características identificadas e organizadas a partir de questões relativas ao
processo de cuidar. Estas informações são essenciais para se compreender como
funciona e como se trabalha com uma teoria(1).
Construído o arcabouço teórico-conceitual, constitui-se interesse da Enfermagem
realizar análise crítica das teorias e dos modelos teóricos elaborados pela
profissão, com vistas a testar e validar resultados e contribuir para o seu
aperfeiçoamento. Como se evidencia, há teorias que seguem um mesmo eixo
norteador, entre elas as teorias de enfermagem antropológica ou cultural. Isto
porque as diversidades culturais e étnicas repercutem no cuidado, justificando
a formulação de modelos teóricos de enfermagem voltados a explicar a relação
entre cuidado humano e cultura.
O pensamento antropológico incorpora a interpretação das práticas e dos
discursos buscando compreender as diferenças, pois considera as incertezas e as
experiências vividas como partes constituintes de um sistema de significado
simbólico que alicerça as estruturas conceituais dos fenômenos sociais(2).
Teorias com abordagem cultural é uma especialidade dentro da Enfermagem, pois
têm como meta desenvolver um corpo de conhecimentos científico e humanístico
que focalize seus estudos na comparação e análise das diferentes culturas, na
perspectiva de examinar com atenção e respeito o comportamento dos sujeitos, a
fim de prover cuidados de enfermagem baseados em aspectos específicos e
universais(3). Assim, uma revisão sobre esses modelos apontou Leininger,
Campinha-Bacote, Giger e Davidhizar, Orque Purnel e Paulanka, Spector, e
Andrews e Boyle como as principais teóricas a contribuírem para o avanço do
conhecimento de enfermagem transcultural. As duas últimas autoras vêm
colaborando nesse campo ao construírem a Teoria Enfermagem Transcultural na
perspectiva de prover cuidados de enfermagem culturalmente competentes ou
correspondentes(4). Mas o termo competência cultural é novo na literatura de
enfermagem, e o mesmo carece ser apresentado e analisado.
Competência cultural pode ser definida como um conjunto de comportamentos
harmoniosos, atitudes e políticas reunidas na formação de profissionais que os
capacita para trabalhar de modo eficaz em situações interculturais. Desse modo,
competência implica a capacidade para funcionar eficazmente como um indivíduo e
uma organização dentro do contexto das convicções culturais, comportamentos e
das necessidades dos consumidores e suas comunidades(5-7).
A Teoria de Enfermagem Transcultural é complexa. Para aplicá-la o enfermeiro
deve ter condições de interagir com pessoas observando os valores culturais do
ser cuidado(4). Para isso, necessita se autoavaliar e ajuizar se está apto a
assumir a relação de cuidador com o ser cuidado em diferentes contextos e
cenários. A autoavaliação do enfermeiro deve considerar conflitos étnicos e
raciais; problemas sociais e religiosos; dificuldades físicas e mentais e,
políticas inclusivas. Embora a abordagem para inclusão dos indivíduos com
deficiência seja citada na Teoria, não oferece um instrumento com conteúdo
próprio para esta autoavaliação(3).
No Brasil, estimativas apontam que 14,5% da população apresenta algum tipo de
deficiência, ou seja, 24,6 milhões de pessoas, número significativo e
influenciado pelas condições de acesso à saúde(8). Para a Organização Mundial
da Saúde, pessoa com deficiência é aquela com algum tipo de alteração motora,
sensorial e mental(9). Como referido, a deficiência é um conceito histórico e
culturalmente elaborado. Nesse caso, as tipificações, que estabelecem
estereótipos às pessoas com deficiência, são estabelecidas pelos grupos sociais
e introjetadas para si e para os outros(10).
A inclusão da pessoa com deficiência exige adaptação e apoio das instituições e
espaços públicos e privados em face das diferenças e das necessidades
individuais dos sujeitos com deficiência ou necessidades especiais, bem como, o
desenvolvimento de competências profissionais podem ser considerado o principal
limite à prestação do cuidado inclusivo.
Ao propor uma autoavaliação das atitudes e valores dos enfermeiros em face das
variações bioculturais dos sujeitos do cuidado e grupos sociais, a Teoria
Enfermagem Transcultural(3) tem como pressuposto prover um processo de
comunicação adequado. Isto inclui cuidar e comunicar-se adequadamente com
aqueles que vivem com deficiência.
Assim, este estudo objetiva descrever os conceitos da Teoria Enfermagem
Transcultural, analisar sua estrutura de intervenção e adaptar Instrumento de
Autoavaliação da Competência para o Cuidado de Enfermagem Transcultural para a
Pessoa com Deficiência.
MÉTODO
Trata-se de estudo de reflexão crítica na qual se utiliza um Modelo de Análise
de Teoria, que afirma que os componentes dos conceitos dizem respeito a como a
teoria se estrutura a partir de suas expressões pela linguagem. Também oferece
subsídio para avaliar a construção de instrumentos sugeridos pelas teorias(1).
Selecionada a teoria de interesse, procedeu-se à leitura seletiva e tradução da
Teoria Enfermagem Transcultural(3) a fim de identificar os conceitos abordados
e os instrumentos de autoavaliação para a prática profissional do enfermeiro.
Em continuidade, fez-se leitura analítica da Teoria com o objetivo de responder
às questões propostas pelo Modelo de Análise de Teoria1: Existe conceito
principal? Quantos conceitos existem? Há subconceitos organizados?
Para finalizar, procedeu-se à análise do Instrumento de Autoavaliação proposto
pela Teoria Enfermagem Transcultural e, em seguida, é desenvolvida a adaptação
dos referidos instrumentos para o enfermeiro avaliar suas competências para
prestar Cuidado Culturalmente Competente à Pessoa com Deficiência.
RESULTADOS E ANÁLISE
A Teoria Enfermagem Transcultural e seus conceitos
Margaret M. Andrews e Joyceen S. Boyle são, respectivamente, docentes do
Departamento do Nazareth College of Rochester e do Departamento de Enfermagem
Comunitária da Medical College of Georgia. Em 1989, publicaram o livro Modelo
Conceitual do Cuidado de Enfermagem Transcultural, resultado de tese de
doutorado na Universidade de Utah, cujo objetivo foi clarificar a compreensão
dos conceitos de enfermagem cultural para a prática clínica. Atualmente na
quinta edição, o livro propõe-se a discutir a construção das bases teóricas da
prática de enfermagem e facilitar a realização do cuidado culturalmente
competente(11).
De acordo com a análise da Teoria de Enfermagem Transcultural(3) à luz do
Modelo de Análise de Teoria(1), as teóricas mencionam dois conceitos principais
ou maiores: (1) Cuidado Culturalmente Competente e (2) Comunicação Cultural, e,
ainda, oito subconceitos ou conceitos menores: avaliação cultural, valores
culturais, diversidade biocultural, habilidade cultural, conhecimento cultural,
identidade cultural, código cultural e empatia cultural(1-3).
Cuidado Culturalmente Competente, primeiro conceito principal, consiste no
conhecimento dos componentes do cuidado de enfermagem cultural. Diante dos
conceitos maiores expressos na teoria, competência pode ser definida como um
conjunto de saberes e práticas necessárias a uma profissão para o
desenvolvimento dos papéis sociais e exercício profissional, combinando
habilidades, conhecimentos e atitudes de modo autônomo(3).
Desenvolvimento de competência cultural para o cuidado efetivo de saúde requer
do provedor de cuidados ações contínuas no contexto cultural das pessoas e
grupos para alcançar habilidade cultural(12). A competência cultural articula
temas como consciência cultural: exame da própria cultura e dos preconceitos do
cuidador; conhecimento cultural: conhecer as culturas e grupos étnicos;
habilidade cultural: conhecimento cultural e aptidão para avaliação física
culturalmente fundamentada; encontro cultural: compreender as variações da
biocultura; e desejo cultural: envolve a capacidade de importar-se com o outro.
Este é o elemento mais complexo no desenvolvimento de competências. O termo
competência cultural é intricado, pois ser competente significa ser
satisfatório e estar apto a cuidar é promover a satisfação dos usuários
conforme aspectos subjetivos intrínsecos à cultura dos recebedores do cuidado.
Prestar cuidado de enfermagem culturalmente competente ou correspondente
condiciona à utilização de um modelo conceitual de enfermagem que constrói
consciência e habilidade para o desempenho do cuidado. Desse modo, o
desenvolvimento de habilidades para prover Cuidado Culturalmente Competente
pauta-se na observação e conhecimento da cultura dos grupos sociais.
O segundo conceito maior da Teoria Enfermagem Transcultural é o de Comunicação
Cultural, imperativo para entender as influências culturais na relação
enfermeiro/paciente e no processo saúde/doença. É descrito como um sistema
organizado e padronizado que regula o comportamento e marca as possíveis
interações entre o enfermeiro e o paciente. Pode ser entendido como troca de
mensagens e criação de significados(3).
Na Comunicação Cultural, o contexto é significativo e engloba o tom de voz
empregado, o ambiente onde a ação está ocorrendo e os aspectos inerentes à
linguagem dos povos. Assim, a comunicação desponta como elemento capaz de
dirimir barreiras culturais, pois comportamentos adotados na saúde/doença dos
grupos sociais podem ser traduzidos na comunicação intercultural. Destaca a
variação dos padrões de comunicação entre culturas, sendo premente não
negligenciar a comunicação não verbal, pois silêncio, olhar, toque têm
significado cultural, e são fundamentais à clínica(3).
Inegavelmente, o significado atribuído às doenças e síndromes guarda relação
com a cultura, considerada a partir de experiências e vivências dos indivíduos.
Nesse atributo, a percepção de saúde/doença correlaciona-se e fundamenta-se
conforme normas culturais e aspectos psicossociais. A tradução ou decodificação
desses significados confere a possibilidade do Cuidado Cultural Competente ou
Correspondente e pressupõe a observação de dois subconceitos: avaliação
cultural e valores culturais.
Avaliação cultural consiste na análise sistemática das convicções, valores e
práticas dos grupos para selecionar intervenções de enfermagem
contextualizadas. Na avaliação cultural aplicam-se aspectos como comunicação
verbal e não verbal, afiliação cultural, orientação de valores, restrições e
sanções culturais, convicções relativas a práticas alimentares e condições
socioeconômicas. Portanto, avaliação cultural é um atributo a ser observado na
construção da competência cultural do enfermeiro(4).
Como parte dos seus estudos, as teóricas apresentam o Guia de Avaliação de
Enfermagem Transcultural que objetiva identificar como estes elementos estão
explicitados na cultura dos sujeitos do cuidado. A avaliação cultural permite
conhecer a relação de saúde/doença considerando raça/cor/etnia e as variações
bioculturais relativas à incidência e prevalência de doenças e agravos entre os
grupos. Essa avaliação também inclui a autoavaliação do enfermeiro para prestar
cuidados de enfermagem adequados a seus clientes. Já valores culturais são
expressões que dão ordem, direção e significado às decisões, caminhos e ações
escolhidas por um grupo social, pois variam entre e dentro de uma mesma cultura
(3).
Ainda conforme as teóricas, a autoavaliação da competência para o cuidado da
Teoria Enfermagem Transcultural obedece a um modelo de análise que orienta o
enfermeiro a analisar ciclicamente como se relaciona com os diferentes grupos
na sociedade e descobrir os distintos níveis de resposta que poderia ter para
uma pessoa acerca de: 1. Cumprimentar: sinto que posso cumprimentar esta pessoa
calorosamente e dar as boas-vindas a ela sinceramente; 2. Aceitar: sinto que
posso aceitar esta pessoa honestamente e de modo confortável e também os seus
problemas; 3. Ajudar: sinto que posso ajudar esta pessoa, com seus problemas
relacionados e com os estereótipos construídos pelos problemas por ela
enfrentados; 4. Conhecer: sinto que detenho conhecimento para cuidar desta
pessoa; e 5. Advogar: sinto que posso honestamente defender esta pessoa(3).
As respostas são apenas para o conhecimento pessoal do enfermeiro, portanto,
deve-se responder o que realmente se pensa. Estas respostas devem ser dadas com
honestidade, pois servem para o seu conhecimento pessoal acerca de como se
comportaria diante de pessoas de diferentes culturas ou em situações
conflituosas. Apresenta-se, em seguida, a figura síntese desta ideia.
![](/img/revistas/reben/v65n5/a20fig01.jpg)
Este ciclo visa organizar a autoavaliação das competências do enfermeiro para
prestar Cuidado Culturalmente Competente ou Correspondente. Assim o
profissional analisa se cumprimenta, aceita, ajuda, tem convicção de suas
habilidades para cuidar e se advogaria em favor de diferentes pessoas. A
perspectiva é testar a habilidade do enfermeiro para prover cuidados
competentes em situações conflituosas(3).
Há três elementos envolvidos na autoavaliação do enfermeiro: a atitude, a
habilidade instrumental e o compromisso social. Quando avalia se está preparado
para cumprimentar e aceitar o paciente, demonstra competências de atitude.
Quando responde se está apto para ajudar e se conhece a situação biocultural do
paciente, evidencia competências para o cuidado instrumental de enfermagem.
Advogar ou defender o paciente confirma envolvimento social.
Portanto, para o enfermeiro estar capacitado culturalmente significa que deve
cumprimentar e aceitar a pessoa, ajudar e conhecer seus problemas e advogar nos
contextos socialmente construídos. No tocante à pessoa com deficiência, deve
avaliar se está preparado para prestar cuidado aos deficientes auditivos,
visuais, físicos e mentais.
Pressupostos do Instrumento de Autoavaliação da Competência para Cuidado de
Enfermagem Transcultural
Ao compreender que intervenções efetivas de enfermagem sejam possíveis, se
baseadas na avaliação das competências de atitudes e aquisição de habilidades
clínicas do enfermeiro, utilizar instrumento de autoavaliação é uma estratégia
com vistas ao Cuidado Culturalmente Competente ou Correspondente, portanto
busca analisar atitudes, valores e convicções que influenciam a prática
permitindo formar as habilidades necessárias para o Cuidado de Enfermagem
Transcultural.
Assim, é desafio para a Enfermagem prover cuidados em consonância aos valores
culturais e o processo saúde/doença dos clientes. Isto porque as diferentes
culturas atribuem valores e significados às práticas de saúde, os quais, quando
identificados, devem ser correlacionados a expectativa dos sujeitos. Logo, a
autoavaliação do enfermeiro pode ser empregada no contexto de saúde/doença
daqueles que vivem com necessidades de cuidado especiais, não apenas culturais
ou raciais, mas de ordem física, sensorial e mental. Tal situação inclui a
assistência a pessoa com deficiência.
De modo geral, a influência da cultura explicita-se tanto nos aspectos comuns
como naqueles específicos aos enfermeiros e clientes. Nessa perspectiva, os
elementos culturais da profissão influenciam diretamente o processo de cuidar,
representado simbolicamente na missão e nos objetivos da profissão, e se
materializam nas ações de enfermagem. As teóricas descrevem seu processo de
enfermagem pautado em conceitos e subconceitos interrelacionados, amparados por
um conceito comum, o de cultura. Este deve subsidiar valores profissionais no
processo de cuidado. Mas a não observância desses fatores pode levar a
imposição de convicções, valores e padrões culturais próprios(12).
Ainda segundo as teóricas, o instrumento de autoavaliação proposto pela Teoria
Enfermagem Transcultural pressupõe antecipar as dificuldades/facilidades do
enfermeiro em cuidar de trinta diferentes tipos de indivíduos agrupados em
cinco categoriais: étnicos/raciais (americano nativo, negro americano, mexicano
americano, anglo-saxão branco, vietnamita americano, haitiano); assuntos/
problemas sociais (abusador de criança, prostitutas, gays/lésbicas,
alcoólatras, usuários de drogas, adolescente grávida solteira); prejuízos
físicos/mentais (pessoa senil ou anciã, pessoa com paralisia cerebral,
amputados, pessoa com câncer, pessoa com AIDS, pessoa com hemofilia);
religiosos (judeus, protestantes, católicos, testemunha de Jeová, harecrisna e
ateu) e políticos (membro da ku klux klansman, neonazista, proponente de
armamento nuclear, comunista, sindicalista, proponente de união entre pessoas
do mesmo sexo). Assim, o ideal é dotar o enfermeiro de conhecimento específico
acerca das suas dificuldades/facilidades para prestar cuidado efetivo e
inclusivo(3).
Destaque-se, porém, a atenção e as intervenções devem coadunar-se à
singularidade e identidade cultural dos sujeitos do cuidado, e o enfermeiro
deve avaliar se reúne os atributos necessários para prestar o Cuidado
Culturalmente Competente.
Instrumento de Autoavaliação de Competência Transcultural para cuidar da Pessoa
com Deficiência
Neste estudo, construiu-se instrumento específico para a autoavaliação do
enfermeiro quanto à sua competência cultural para cuidar da pessoa que vive com
deficiência. Como exposto, ao responder ao instrumento o enfermeiro deve
autoavaliar sua competência para o cuidado assinalando no preenchimento do
instrumento se ele se considera culturalmente competente para cada uma destas
situações. Com esta finalidade, deve usar as letras C para competente, P para
parcialmente competente e I quando se avaliar incompetente para prestar
assistência de enfermagem nos componentes do ciclo, variáveis de cumprimentar a
advogar pelos sujeitos do cuidado.
Consoante recomendado, o Instrumento de Autoavaliação de Competência
Transcultural Para Cuidar da Pessoa com Deficiência deve permitir explorar os
processos e os conteúdos para a avaliação cultural inclusiva. Admite-se que a
autoavaliação cultural deve aumentar a consciência do enfermeiro diante das
atitudes, valores, convicções, e práticas que influenciem sua habilidade para
prover cuidado de enfermagem culturalmente competente ou correspondente de
indivíduos, famílias, e grupos de culturas diversas no contexto da pessoa com
deficiência. De acordo com a Teoria Enfermagem Transcultural, o profissional
deve realizar a autoavaliação mediante a identificação de variações
bioculturais em saúde e doença para que empreenda um processo de comunicação
transcultural como um componente integrante do cuidado de enfermagem
transcultural(3).
A aplicação do Instrumento de autoavaliação da competência do enfermeiro para o
Cuidado de Enfermagem Transcultural para cuidar da Pessoa com Deficiência deve
ser precedida da seguinte explicação ao profissional: Responda honestamente se
você se considera culturalmente competente para cada uma destas situações
usando as seguintes expressões: Competente ' C; Parcialmente competente ' P;
Incompetente ' I. Esta análise sistemática das convicções, valores e práticas
do profissional compreende Cumprimentar cordial e sinceramente a pessoa com
deficiência; Aceitar a pessoa com deficiência e seus problemas; Ajudar a pessoa
com deficiência respeitando seus estereótipos; deter Conhecimento para cuidar
da pessoa com deficiência e se Advogar e defender a pessoa com deficiência.
Figura_2
Segundo o ciclo de análise de valores culturais, o encontro entre o enfermeiro
e a pessoa com deficiência tem início com cumprimentar, isto é, estar aberto,
disponível e acolher. Para que o cumprimento seja eficiente e caloroso, os
envolvidos devem compartilhar o mesmo código de linguagem verbal e não verbal.
Pessoas com limitação sensorial visual e/ou de audição desenvolvem linguagens
específicas, códigos táteis ou linguagem de sinais(13). Conforme evidenciado
por estudo sobre comunicação verbal e não verbal de mães cegas, a comunicação
verbal está preservada entre a mãe e seu filho, mas a resposta não verbal da
mãe é pobre tanto para a criança como para o enfermeiro(14). Caso não saiba
como superar esta diferença biocultural, o enfermeiro pode sentir-se
competente, parcialmente competente ou não competente para o cuidado ao
deficiente visual.
Consoante estudo sobre a comunicação de enfermeiros com pacientes surdos em
unidades básicas de saúde, esta população é referida como aquela com a qual o
enfermeiro menos se sente preparado para manter comunicação e solicita a
presença de um familiar do paciente para isto. Cria, assim, outras barreiras
culturais, pois, às vezes, o deficiente auditivo quer comentar determinados
assuntos apenas com o profissional de saúde, sem a intermediação de outras
pessoas(15).
No segundo passo do ciclo de autoavaliação para prestar o cuidado culturalmente
competente o enfermeiro deve julgar se aceita a pessoa da qual irá cuidar.
Estudo que ouviu deficientes motores, auditivos e visuais apresenta
significados sobre crenças e valores, com forte conotação excludente;
profissionais da saúde corroboram estes discursos(16). Conforme observado, os
currículos da graduação em enfermagem não contemplam plenamente a formação do
futuro profissional para cuidar da pessoa com deficiência. Em disciplina
optativa específica sobre o tema, alunos foram sensibilizados e relataram estar
aptos a estabelecer comunicação introdutória e abordagem segura. Deixaram de
perceber a pessoa com deficiência como desvalida e adotaram sentimento de
aceitação(17).
Para ajudar a pessoa com deficiência é preciso estar informado dos direitos
legais desta pessoa. Neste aspecto, a Política Nacional de Saúde da Pessoa com
Deficiência (PNSPD) anuncia seus propósitos: proteger a saúde da pessoa com
deficiência; reabilitar a pessoa na sua capacidade funcional e desempenho
humano e desta forma contribuir para sua inclusão e prevenir agravos que possam
determinar deficiências(18).
Estudo sobre as possibilidades e limites de aplicação da PNSPD aponta a
existência de lacunas na escolarização e no acesso ao trabalho da pessoa com
deficiência(18). Contudo, como reconhecido na área da saúde, habilitar e
reabilitar esta pessoa agrega valor ao cuidado de enfermagem. Portanto, se este
cuidado for culturalmente competente tende a ser mais eficaz.
Para cuidar com competência cultural, o enfermeiro deve conhecer o paciente e
sua condição biocultural. Por conseguinte, além de cumprimentar com comunicação
eficaz, aceitar suas limitações, ter disposição para ajudar, é preciso deter
conhecimento técnico-científico sobre a deficiência do paciente e sobre como
minimizar-lhe as perdas(19). Para tanto, os subconceitos descritos na Teoria
Enfermagem Transcultural, constitui-se competência essencial do enfermeiro
realizar exame físico para reconhecer diferenças bioculturais implicadas na
deficiência. Esta distinção deve subsidiar um exame físico plural. Observar
tais variações requer conhecimento acurado tanto dos padrões de exame físico
como dos aspectos específicos das pessoas que vivem com deficiência e suas
necessidades de cuidado. Estas pessoas guardam uma diversidade biocultural
relativa à sua cultura e sua saúde presentes na atribuição de significados aos
sintomas a serem etnografados pelos enfermeiros, os quais devem ser avaliados e
considerados no contexto sociocultural e na etnohistória destas pessoas(3).
Ao planejar os cuidados de vida diária de adolescente que desenvolveu
deficiência visual decorrente de diabetes, o enfermeiro, ao interagir com a
jovem, buscou entender seu estilo de vida anterior e as transformações
ocorridas na presente situação(20). Esta conduta incorpora componentes
culturais em uma circunstância de fortes mudanças, em que a enfermeira deve
dominar habilidades de comunicação e avaliação da saúde biológica e social.
Para advogar pela pessoa com deficiência, o enfermeiro, deve estar atento à
teia complexa de fatores e conceitos combinados na prestação de cuidado de
enfermagem. Deve-se destacar a premissa de explorar componentes da comunicação,
como a empatia cultural, para realizar o cuidado de enfermagem da pessoa com
deficiência, voltado para aqueles que vivem com deficiência e não a seus
cuidadores.
O uso clínico da Enfermagem Transcultural para o cuidado da pessoa com
deficiência consiste na provisão de cuidados de enfermagem culturalmente
competentes ou correspondentes. Desta forma, o processo de enfermagem dessas
teóricas não trabalha na perspectiva da repadronização cultural, e sim, propõem
compreensão da variação biocultural dos aspectos de saúde/doença dos indivíduos
e grupos. Nesse caso, a perspectiva é o cuidado inclusivo de enfermagem com
respeito à cultura e as diferenças. Assim, o enfermeiro deve avaliar suas
competências para cuidar.
Portanto, observa-se a possibilidade de aplicação da Teoria Enfermagem
Transcultural ao contexto das pessoas com deficiência, principalmente
considerando a amplitude da problemática que afeta significativa parcela da
população, em variados cenários culturais. Neste âmbito, as distintas
características socioeconômicas, alimentares, de linguagem, composição étnica,
manifestações populares, incidência e prevalência de doenças e agravos à saúde,
pressupõem distinção na ocorrência das deficiências físicas, mentais e
sensoriais acompanhadas de diferentes percepções pelos enfermeiros.
O reconhecimento dessa diversidade biocultural exige a capacitação do
enfermeiro para garantir a promoção do Cuidado Culturalmente Competente às
populações. Faz-se, necessária a adoção do processo de Cuidado Culturalmente
Competente como suporte do processo de cuidar em enfermagem.
CONCLUSÕES
A essência do trabalho da Enfermagem é o cuidado. Teorias de enfermagem
desenvolvem fundamentação para o cuidado e para a prática e a antropologia dá
suporte para teorias que explicam as questões da cultura e do cuidado. Este
estudo de reflexão teve como referencial metodológico um Modelo de Análise de
Teoria com a seleção dos conceitos da Teoria Enfermagem Transcultural.
Analisaram-se os dois conceitos principais, a saber, (1) Cuidado Culturalmente
Competente e (2) Comunicação Cultural, e oito subconceitos discutidos
transversalmente aos conceitos principais, a saber: avaliação cultural, valores
culturais, diversidade biocultural, habilidade cultural, conhecimento cultural,
identidade cultural, código cultural e empatia cultural. Como referido, a
Teoria Enfermagem Transcultural descreve o ciclo de análise que subsidia a
autoavaliação dos valores do enfermeiro, a saber: cumprimentar, aceitar,
ajudar, conhecer e advogar.
A última etapa do estudo foi construir o Instrumento de Autoavaliação da
Competência para o Cuidado de Enfermagem Transcultural para a Pessoa com
Deficiência. Este instrumento lista surdez, cegueira e baixa visão, deficiência
física e deficiência mental, enumerando diferentes situações. Em seguida são
disponibilizados os níveis de respostas do ciclo de análise dos valores
transculturais para avaliar a competência do enfermeiro quanto a cumprimentar,
aceitar, ajudar, conhecer e advogar em favor da pessoa com deficiência.
Conclui-se este estudo com a apresentação do Instrumento de Autoavaliação da
Competência para o Cuidado Transcultural para a Pessoa com Deficiência
possibilitando avaliação empírica futura para validar sua configuração. Desta
forma, acredita-se contribuir para a qualificação do cuidado de enfermagem
culturalmente competente para a pessoa com deficiência.