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BrBRCVHe0034-71672013000200016

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National varietyBr
Year2013
SourceScielo

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Práticas de enfermeiros na gerência do cuidado em enfermagem e saúde: revisão integrativa

INTRODUÇÃO O termo gerência do cuidado de enfermagem compreende a articulação entre as esferas gerencial e assistencial que compõem o trabalho do enfermeiro nos mais diversos cenários de atuação. Ele tem sido utilizado para caracterizar, principalmente, as atividades dos enfermeiros visando à realização de melhores práticas de cuidado nos serviços de saúde e enfermagem por meio do planejamento das ações de cuidado, da previsão e provisão de recursos necessários para assistência e da potencialização das interações entre os profissionais da equipe de saúde visando uma atuação mais articulada(1-3).

A gerência do cuidado de enfermagem mobiliza ações nas relações, interações e associações entre as pessoas como seres humanos complexos e que vivenciam a organicidade do sistema de cuidado complexo, constituída por equipes de enfermagem e saúde com competências/aptidões/potências gerenciais próprias ou inerentes às atividades profissionais dos enfermeiros. A prática gerencial do enfermeiro envolve múltiplas ações de gerenciar cuidando e educando, de cuidar gerenciando e educando, de educar cuidando e gerenciando, construindo conhecimentos e articulando os diversos serviços hospitalares e para- hospitalares, em busca da melhor qualidade do cuidado, como direito do cidadão (4).

Entretanto, muitos enfermeiros ainda consideram gerenciar e cuidar como atividades dicotômicas e incompatíveis em sua realização e estabelecem uma diferença entre cuidado direto e cuidado indireto, valorizando e entendendo como cuidado somente aquilo que depende de sua ação direta junto ao paciente.

Nesse sentido, o cuidado indireto, apesar de ser uma ação voltada à organização e implementação do cuidado direto, muitas vezes, ainda é pouco compreendido entre os enfermeiros como uma dimensão complementar do processo de cuidar(1,5).

Entre as possíveis causas dessa dicotomia e da dificuldade de compreensão dos enfermeiros acerca das ações que envolvem a gerência do cuidado e o cuidar gerenciando, pode-se destacar a influência do modelo proposto por Florence Nightingale, no século XIX, e dos preceitos das teorias administrativas que influenciaram a institucionalização da Enfermagem como profissão.

Florence Nightingale, considerada a primeira administradora hospitalar, demonstrou, com os resultados do trabalho que ela e sua equipe desenvolveram no hospital militar da Criméia, a importância do conhecimento acerca das técnicas e instrumentos administrativos, para a organização do ambiente terapêutico, mediante a divisão do trabalho desenvolvido pelas nurses (cuidado direto) e pelas ladies nurses (cuidado indireto) e na sistematização das técnicas e dos procedimentos de cuidado de enfermagem(1). Essa divisão técnica do trabalho na enfermagem profissional emergente tem suas raízes na dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual, e tem se perpetuado até os dias atuais.

As teorias administrativas, historicamente mais conhecidas e cujos conhecimentos estão presentes no cotidiano da enfermagem e saúde, advêm das teorias Científica, Clássica, de Relações Humanas, Burocrática, Comportamental, de Sistemas e Contingencial. No entanto, elas são utilizadas pela Enfermagem de forma pouco crítica e reflexiva, determinando, frequentemente, ações reducionistas, pouco criativas e/ou inovadoras. Entre as principais características desses modelos destacam-se a fragmentação do trabalho com separação entre concepção e execução, o controle gerencial do processo de produção associado à rígida hierarquia, a racionalização da estrutura administrativa, a impessoalidade nas relações interpessoais e a ênfase em sistemas de procedimentos e rotinas(6).

A partir da década de 1990, com as novas demandas exigidas pelo exercício de cuidar do ser humano, o advento do Sistema Único de Saúde e as transformações no mundo do trabalho, intensifica-se o debate acerca das mudanças necessárias na gestão/gerência e organização do trabalho em saúde. Nesse contexto, emerge a necessidade da construção de formas inovadoras e interativas de gerenciar em enfermagem, que busquem transpor os limites institucionalizados do cuidado tradicional, geralmente pautado em processos administrativos fundados no pensamento positivista e determinista(3).

De modo a contribuir para o processo de construção de novas formas de gerenciar em enfermagem e, ao mesmo tempo, clarificar as ações e os significados que envolvem a prática gerencial dos enfermeiros, mais especificamente a gerência do cuidado de enfermagem que é realizada por esses profissionais, questiona-se: quais são as principais concepções e ações de gerência do cuidado dos enfermeiros? Quais são as recomendações para melhores práticas de gerência do cuidado? Para responder tais questionamentos, realizou-se este estudo com o objetivo de evidenciar e analisar as práticas dos enfermeiros na gerência do cuidado descritas na produção científica nacional e internacional.

METODOLOGIA Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. Este método permite que pesquisas anteriores sejam sumarizadas e conclusões sejam estabelecidas a partir da avaliação crítica de diferentes abordagens metodológicas. O seu objetivo é sintetizar e analisar esses dados para desenvolver uma explicação mais abrangente de um fenômeno específico a partir da síntese ou análise dos achados dos estudos, com propósitos teóricos e/ou intervencionistas. As etapas que conduziram esta revisão integrativa foram: formulação do problema; coleta de dados; avaliação dos dados; análise e interpretação dos dados; apresentação dos resultados e conclusões(7-8).

A coleta de dados foi realizada no período de outubro a novembro de 2010, nas bases de dados Literatura Latino-Americano e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Bases de Dados Específica da Enfermagem (BDENF) e Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) utilizando os seguintes descritores contemplados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): Gerência e Administração, ambos associados a Cuidado e Enfermagem. Na CINAHL, os termos de busca utilizados foram: Nursing Management e Nursing Care. A partir da combinação desses descritores, foram localizadas 788 produções.

Os critérios de inclusão foram: artigos originais publicados entre os anos de 2005 e 2010, disponíveis na íntegra, que abordavam a temática administração/ gestão/gerência do cuidado, dentro de todas as áreas de interesse da enfermagem; publicados em português, espanhol ou inglês, independente do método de pesquisa utilizado.

Foram excluídos artigos de revisão de literatura/reflexão, editoriais, resumos de anais, teses, dissertações, TCCs, boletins epidemiológicos, relatórios de gestão, documentos oficiais de programas nacionais e internacionais, livros, publicações que não se enquadraram no recorte temporal estabelecido e estudos que não respondiam a pergunta de pesquisa estabelecida inicialmente. Estudos encontrados em mais de uma base de dados foram considerados somente uma vez.

Assim, a amostra final foi constituída por 27 artigos(9-35). Para avaliação dos dados, elaborou-se um instrumento de coleta das informações visando responder a questão norteadora desta revisão. A análise e interpretação dos dados foram realizadas de forma organizada e sintetizada por meio da elaboração de um quadro sinóptico que compreendeu os seguintes itens: identificação do estudo; objetivos, ano e periódico de publicação; delineamento do estudo; temática; participantes da pesquisa; e, principais resultados e recomendações. Os artigos selecionados foram analisados na íntegra e agrupados por áreas temáticas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Dos artigos analisados, observou-se que seis foram publicados em revista específica sobre gerenciamento de enfermagem, o Journal of Nursing Management.

Entre os periódicos brasileiros, destacaram-se a Revista Brasileira de Enfermagem e a Revista Latino-Americana de Enfermagem, respectivamente com quatro e três publicações. Em relação ao ano de publicação, constatou-se que, no período elencado para análise, a produção sobre gerência do cuidado foi crescente, sendo que o ano de 2009 concentrou oito publicações (29,7%). A maioria dos estudos foi realizada no Rio de Janeiro, São Paulo e exterior, representando 18,5% cada. Quanto ao tipo de pesquisa, todos os artigos foram originais, a maioria de natureza qualitativa (88,8%), tendo como cenário de estudo o contexto hospitalar (74%).

A partir da análise dos resultados dos estudos, constituíram-se três categorias temáticas: Concepções sobre gerenciamento de enfermagem e gerenciamento do cuidado; Ações de gerenciamento do cuidado na prática do enfermeiro; e, Recomendações para melhores práticas gerenciais do enfermeiro.

Concepções sobre gerenciamento em enfermagem e o gerenciamento do cuidado Dos textos analisados, poucos explicitam o conceito de gerência do cuidado utilizado. Em alguns casos, a noção de gerência apresentada foi construída com base nos dados empíricos. Nesse sentido, o gerenciamento é apontado como um processo que compreende trabalhar com pessoas e envolve diversos recursos para alcançar os objetivos organizacionais, tais como planejar, avaliar, organizar, liderar e controlar(31). Num estudo realizado numa Central de Material de Esterilização de um hospital de São Paulo, as enfermeiras relataram que a gerência era a principal atividade naquele setor e compreendia as seguintes funções: planejamento, elaboração de instrumentos administrativos e operacionais, administração de recursos materiais, de pessoal e supervisão(11).

Fica evidente que, ao se pensar em gerenciamento de enfermagem, associam-se as idéias de previsão, aquisição, transporte, recebimento, armazenamento, conservação, distribuição e controle(20).

A outra prática do enfermeiro envolve o gerenciamento do cuidado que está em consonância com as constantes mudanças organizacionais a fim de cumprir as metas predeterminadas para garantir o cuidado ao paciente. Consiste em um processo amplo, que abrange ações de cuidado, ações administrativas, quer sejam burocráticas ou não, ações educativas e pesquisa, todas convergindo para o benefício do paciente. É intransferível e exige um critério profissional que, desde o planejamento até a execução, responda aos padrões éticos, jurídicos e técnico-científicos que se alcançam com uma formação superior. Compreende na aplicação de um conceito profissional de planejamento, organização, motivação e controle da provisão de cuidados. A gestão do cuidado interfere nas variáveis críticas da atenção de enfermagem: acesso, oportunidade, humanização, segurança, qualidade e redução de custos(12,15,30).

O gerenciamento centrado no e para o paciente resulta na convergência do cuidar/gerenciar. Observa-se a existência de uma articulação entre as dimensões gerencial e assistencial, visando atender as necessidades de cuidado dos pacientes e, ao mesmo tempo, da equipe de enfermagem e da instituição. A articulação dessas duas dimensões implica em aprimorar o foco do trabalho gerencial, pois, no contexto contemporâneo, a dimensão organizacional do cuidado exige a incorporação nos processos gerenciais de conhecimentos, atitudes e ações tanto de cunho racional como do sensível para alcançar resultados efetivos e satisfatórios(15,28).

Ações de gerência do cuidado na prática profissional do enfermeiro A partir da análise dos estudos incluídos, identificaram-se oito ações de gerência do cuidado realizadas pelos enfermeiros no seu cotidiano de trabalho: 1) Dimensionar a equipe de enfermagem; 2) Exercer liderança no ambiente de trabalho; 3) Planejar a assistência de enfermagem; 4) Educar/Capacitar a equipe de enfermagem; 5) Gerenciar os recursos materiais; 6) Coordenar o processo de realização do cuidado; 7) Realizar o cuidado e/ou procedimentos mais complexos; e 8) Avaliar o resultado das ações de enfermagem.

O dimensionamento de pessoal de enfermagem foi a ação de gerência do cuidado relacionada ao gerenciamento de recursos humanos(10,18- 19, 24, 29, 35). Esta ação envolve a avaliação, o planejamento e a distribuição do quantitativo necessário de recursos humanos de enfermagem disponível de acordo com as necessidades de cuidado dos pacientes e familiares, de modo a zelar pela qualidade do cuidado(10,16,18,24,29).

O exercício da liderança no ambiente de trabalho foi identificado como um componente fundamental a gerência do cuidado(9,14,17,23,26,32). A liderança potencializa a coordenação e articulação das atividades que envolvem a produção do cuidado em saúde e enfermagem, bem como dos profissionais que a desempenham.

O enfermeiro líder é o principal responsável pelo desenvolvimento e pela organização de um ambiente que favoreça e potencialize a qualidade dos cuidados de enfermagem(32). Liderar requer a adoção de uma atitude participativa ao se relacionar com a equipe e tomar decisões, sem imposição do poder, valorizando o trabalho em equipe(9).

Apesar da importância da liderança, ocupar o posto de líder no contexto organizacional nem sempre é um objetivo visado pelos enfermeiros. quatro caminhos que conduzem o enfermeiro à liderança: caminho dos ideais, plano de carreira, caminho do acaso e caminho temporário. No caminho dos ideais, o enfermeiro escolhe conscientemente tornar-se um líder e procura se qualificar profissionalmente e pessoalmente para tal. No caminho plano de carreira, os enfermeiros buscam a liderança visando aos benefícios que poderão advir dessa função, tais como salários mais elevados, maior visibilidade na organização e jornada de trabalho mais flexível. No caminho do acaso, a escolha pela liderança não é planejada e, na maioria das vezes, nem mesmo desejada, pois ela advém da pressão externa de colegas ou superiores para assumir o cargo ou a função de líder. O caminho temporário é quando o enfermeiro assume a função de líder ao substituir por um tempo determinado algum colega para ajudá-lo e/ou para experimentar como é ser líder, mas ciente de que a experiência tem um tempo certo para terminar. O plano de carreira e o acaso são os caminhos que conduzem com maior frequência os enfermeiros à liderança(13).

O planejamento da assistência de enfermagem como uma ação de gerência do cuidado ocorre por meio de um exercício contínuo de fazer escolhas e elaborar planos para realizar ou colocar uma determinada ação em prática (14,18,19,25,28). Ele envolve a avaliação das condições de saúde dos pacientes e, desse modo, o direcionamento das ações terapêuticas que serão empreendidas, bem como a delegação de atividades para equipe de enfermagem, organização dos diferentes procedimentos aos quais o paciente é submetido e previsão/provisão dos materiais e recursos que são necessários(18-19,25). Para um planejamento eficaz, recomenda-se que o enfermeiro utilize indicadores, informações epidemiológicas e gerenciais para embasar suas ações e decisões(28). A Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE) é um exemplo da prática de planejamento do enfermeiro, por meio da qual ele articula a dimensão assistencial e gerencial do seu trabalho(14).

A ação de educar/capacitar a equipe de enfermagem é uma prática gerencial que assume características diferentes conforme as particularidades do contexto de atuação(19,22,25). Ao capacitar as equipes sob sua responsabilidade, o enfermeiro atua como facilitador da aquisição de saber, atualização profissional e capacidade de auto-organização, o que contribui para a realização de melhores práticas de cuidado(18-19,25).

A gerência dos recursos materiais foi considerada como uma ação gerencial do enfermeiro que envolve planejamento, supervisão e avaliação a fim de assegurar a quantidade e qualidade dos materiais necessários para que os profissionais realizem suas atividades sem riscos para si próprios e para os pacientes, além de garantir uma assistência contínua de qualidade e a um menor custo(9,19,35).

Quanto à atividade de coordenar a realização do cuidado, essa ação provém da participação do enfermeiro em todas as etapas da produção do cuidado, orientando, controlando, supervisionando, garantindo os recursos necessários às intervenções, articulando, interligando e encaminhando todas as ações assistenciais realizados pelo conjunto dos profissionais de saúde e enfermagem nos serviços de saúde(18-19,25).

O enfermeiro também gerencia o cuidado ao prestar assistência aos pacientes e familiares e realizar os procedimentos mais complexos que lhe são privativos, visando sempre à humanização da assistência, de forma a respaldar a sua atuação dentro dos princípios éticos, utilizando a melhor tecnologia possível, correspondente ao avanço científico, valorizando a qualidade de vida do ser humano(9,17-18).

Avaliar o resultado das ações de enfermagem foi evidenciada como uma prática de gerência do cuidado na medida em que possibilita ponderar se os efeitos obtidos são realmente os desejados e planejados inicialmente e se estão em consonância com a visão, a missão, os valores da organização e, principalmente, se atendem satisfatoriamente às demandas e necessidades dos pacientes. A partir do processo avaliativo, pode-se elaborar estratégias para redirecionar as ações de enfermagem ou mesmo solucionar intercorrências gerenciais e assistenciais que emergem durante o trabalho(9,28).

A partir da descrição das principais ações de gerência do cuidado realizadas pelos enfermeiros, pode-se concluir que gerenciar o cuidado é um processo que se materializa por meio de um conjunto de práticas/atividades que são interdependentes e complementares entre si. A ênfase no dimensionamento de pessoal pode ser explicada por ser essa a principal atribuição gerencial que recai sobre os enfermeiros nos serviços de saúde e uma condição sine qua nom para que todo o processo de cuidar em saúde e enfermagem seja possível.

Outro aspecto interessante é que nove artigos associam, direta ou indiretamente, as ações de gerência do cuidado realizada por enfermeiros à qualidade do cuidado de enfermagem e saúde. É atribuição do enfermeiro otimizar os recursos existentes, proporcionar, na medida do possível, melhores condições de trabalho para os profissionais e, consequentemente, zelar por uma assistência mais eficaz, segura e com mais qualidade ao paciente e sua família (14,16,18-19,25,32,34-35). Porém, avaliar a qualidade e os resultados das intervenções de enfermagem foi uma atividade pouco citada pelos estudos analisados, o que instiga uma reflexão sobre como os enfermeiros poderão zelar pela qualidade/excelência do cuidado prestado aos pacientes/usuários dos serviços de saúde se eles não realizarem processos avaliativos que identifiquem pontos positivos e/ou avanços obtidos e, principalmente, pontos negativos que requerem intervenções.

Recomendações para melhores práticas gerenciais dos enfermeiros As recomendações identificadas nos artigos incluídos neste estudo convergem para um ponto em comum: a necessidade de rever o processo de formação do enfermeiro para a gerência do cuidado em saúde e enfermagem(10,14-15,21,35), com o objetivo de refletir e questionar o descompasso entre a formação e a prática do enfermeiro e a dicotomia entre assistência e gerência do cuidado, bem como ampliar as reflexões sobre a tríade cuidar-gerenciar-educar.

O descompasso entre o processo de formação e a prática do enfermeiro resulta em tensões, desmotivação e conflitos. As escolas de enfermagem têm privilegiado a formação de enfermeiros altamente preparados para prestar o cuidado individualizado com bases científicas; no entanto, na prática, a função esperada desse profissional, na maioria das vezes, é a gerência dos serviços que, não raro, se limita ao controle de material e de pessoal em detrimento do gerenciamento do cuidado.

Além disso, a distribuição e a relação dos conteúdos (técnicos x administrativos) na grade curricular têm se mostrado inadequadas, uma vez que a disciplina teórica de administração é abordada de forma segmentada entre os semestres letivos e a prática da administração em enfermagem está concentrada no final do curso(10,15). Dessa forma, abre-se uma discussão em torno da necessidade de se reestruturar o ensino de enfermagem, de modo a fortalecer a competência administrativa do enfermeiro ao longo do curso e, consequentemente, desenvolver uma assistência mais qualificada que o aproxime da gerência do cuidado.

Nesse sentido, é importante que a reestruturação do ensino de enfermagem ocorra com base nas Diretrizes Curriculares, que estas contemplam competências e habilidades necessárias ao exercício da profissão e aderentes aos princípios do SUS(21). Essa reestruturação pode preparar os futuros enfermeiros para acompanhar as mudanças sociais, políticas e epidemiológicas que têm ocorrido nos diferentes cenários de realização do cuidado de saúde e enfermagem.

É necessário, ainda, que a formação e a práxis do enfermeiro transitem entre as dimensões cuidadora, gerencial, educadora e de investigação científica do processo de trabalho da enfermagem para que ele assuma seu papel de articulador no sistema, nos serviços e na assistência à saúde, na perpectiva da integralidade, da integração ensino e serviço, atendendo as demandas da população e construindo caminhos para a operacionalização do SUS. Por conseguinte, a docência deve estar sintonizada com esse contexto histórico e social e se reunir com seus parceiros para reorientar o Projeto Pedagógico do Curso, adequando-o aos modelos pedagógico, assistencial e gerencial preconizados(14).

Assim, destaca-se a necessidade de despertar novas abordagens gerenciais do cuidado de enfermagem que estejam associadas à ideia de avançar para novos espaços de atuação profissional e superar práticas assistencialistas, ultrapassar normas, rotinas inflexíveis e implementar modelos mais horizontalizados de tomada de decisões; ir além do cuidado pontual e unidimensional, adotando novas abordagens de intervenção na saúde, por meio da educação e promoção da saúde. Ademais, é preciso propor aos graduandos de enfermagem experiências diversificadas que possibilitem a interação, associação e trabalho em equipe, especialmente para o aprendizado da habilidade de liderança da equipe de enfermagem, tendo em vista atingir aptidões integradoras e sistêmicas nos diferentes cenários da prática do enfermeiro(27,35).

Nos Estados Unidos, a liderança do enfermeiro tem sido um foco de preocupação e investimento constante da Associação Americana de Faculdades de Enfermagem. Em 2000, essa Associação, juntamente com gerentes e educadores de enfermagem, projetou a função de Clinical Nurse Leader (CNL), que é um profissional responsável pela liderança da prática clínica. Trata-se de um enfermeiro com mestrado em Ciências de Enfermagem, com foco no desenvolvimento de habilidades clínicas e de liderança para atuar na gestão de sistemas de cuidados de saúde ao nível da unidade clínica, cuja função principal é primar pela qualidade do cuidado e segurança dos resultados das práticas de saúde e enfermagem(22-23,25- 26).

Entre as ações desse profissional, destacam-se: advogar em prol do paciente, coordenar e planejar as intervenções/cuidados de saúde e enfermagem identificando quando outros profissionais são necessários para responder às questões do paciente e da família, supervisionar e orientar enfermeiros menos experientes e auxiliar o paciente a utilizar eficientemente no sistema de saúde. Essas ações visam minimizar as lacunas de comunicação e informação entre o paciente, a família e a equipe de saúde e enfermagem visando à melhoria da qualidade do cuidado e segurança dos resultados das práticas de saúde e enfermagem(22-23,25-26,32-33).

O exercício da liderança está relacionado, também, com a formação de novos líderes. A partir do momento em que os enfermeiros líderes passam a promover o conhecimento da liderança em enfermagem, eles passam a atribuir significados a essa área. Percebe-se, com isso, a importância dos enfermeiros líderes como formadores de novas lideranças. Disso decorre a necessidade de requisitos educacionais para desenvolver uma liderança de enfermagem cada vez mais competente(22).

Diante da análise apresentada, acredita-se que a revisão do processo de formação do enfermeiro para a gerência do cuidado em saúde e enfermagem tende a desencadear mudanças significativas na sua atuação profissional e na reorganização do trabalho em enfermagem nos serviços de saúde. A reestruturação do ensino, realizada de forma não segmentada, pode contribuir para uma melhor compreensão da gerência do cuidado como fruto da articulação das dimensões assistencial, gerencial, educativa e investigativa, as quais são interdependentes e complementares na prática do enfermeiro nos serviços de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da análise da produção científica nacional e internacional sobre as práticas dos enfermeiros na gerência do cuidado em enfermagem e saúde, constatou-se que a gerência do cuidado é uma atribuição do enfermeiro diretamente relacionada à busca pela qualidade assistencial e de melhores condições de trabalho para os profissionais. Para tanto, o enfermeiro atua na realização do cuidado, na gerência de recursos humanos e materiais, na liderança, no planejamento da assistência, na capacitação da equipe de enfermagem, na coordenação da produção do cuidado e na avaliação das ações de enfermagem.

As recomendações para melhores práticas gerenciais estão centradas no processo de formação dos futuros enfermeiros e indicam a necessidade de oportunizar que os estudantes compreendam na teoria e vislumbrem e vivenciem na prática as possibilidades de articulação entre gerência e cuidado na prática profissional do enfermeiro. Destaca-se que também são necessários novos estudos e ações inovadoras visando à capacitação e ao desenvolvimento das potencialidades dos enfermeiros que atuam nos serviços de saúde, os quais são coparticipes do processo de formação dos acadêmicos de enfermagem.

Acredita-se que este estudo contribui com a superação das tensões existentes entre as dimensões gerencial e assistencial da atuação do enfermeiro ao clarificar algumas ações do enfermeiro que remetem às convergências entre essas duas esferas, as quais se entrelaçam/fundem na gerência do cuidado das ações de enfermagem e de saúde de maneira mais ampla. São necessários novos estudos que avancem nessa compreensão e confiram maior visibilidade à atuação dos enfermeiros, considerando a complexidade organizacional, as incertezas e as transformações políticas/sociais/econômicas inerentes aos serviços de saúde e à produção do cuidado em enfermagem e saúde.


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