Ambiente, saúde e enfermagem no contexto ecossistêmico
INTRODUÇÃO
Na perspectiva ambiental o contexto da saúde e a inserção da disciplina
enfermagem podem ser percebidos sob diversas óticas. A questão ambiental, mais
especificamente o ecossistema, caracteriza-se como uma rede flexível, em
permanente flutuação(1). Esta flexibilidade é consequência dos múltiplos elos e
anéis de realimentação que mantém o sistema em um estado de equilíbrio dinâmico
(2).
Nesta flutuação, a saúde elenca aspectos de caráter integrador, inter-
relacional e multidimensional e está pautada nas múltiplas dimensões humanas:
biológicas, sociais, psicológicas e espirituais, e outras, que se entrelaçam e
inter-relacionam com o ambiente no qual as pessoas se encontram e que podem ou
não transitar pelo atendimento em saúde na busca do equilíbrio e
sustentabilidade. Essa constitui uma função complexa que associa
características de interdependência, reciclagem, parceria, flexibilidade(1).
Nesta ótica da saúde, acredita-se na possibilidade da enfermagem, como
profissão, deliberar inter-relações por meio de seus quatro padrões
fundamentais de saber, integrando ciência, ética, estética, além do
conhecimento pessoal. Estes padrões, em suma, podem fundamentar a produção de
novos conhecimentos e apresentar potencialidades para ampliar seu campo de ação
nos diferentes cenários de cuidado e saúde onde a enfermagem está inserida.
Este enfoque emerge para a diversidade existente no contexto ambiental. Assim,
os ecossistemas são capazes de alcançar a estabilidade dinâmica e,
fundamentalmente, a capacidade de recuperação dos desequilíbrios, pela riqueza
e complexidade das teias ecológicas(1). Por meio destas mudanças e
complexidades emergentes, o sistema começa a explorar novas estruturas e tipos
de organizações espaço-temporais, que se denominam como estruturas
dissipativas, ou seja, não se referem mais a certezas, e sim a possibilidades
(2).
A compreensão do ambiente, sua influência na saúde das pessoas adicionadas às
possibilidades que os sistemas desencadeiam, podem produzir subsídios para a
formulação de novas políticas públicas nos diversos contextos vigentes na
sociedade, ou ainda, propiciar uma (re)organização das práticas já existentes,
além de direcionar e qualificar o cuidado em saúde/enfermagem. Transitando
neste pensamento, percebem-se as complexas interações entre as diversas
dimensões humanas; além disso, há necessidade de atender aos multifacetados
aspectos dela decorrentes, o que leva a questionar a produção das ações de
saúde(3).
Assim, vislumbra-se que o ambiente de saúde e enfermagem é, sobretudo, complexo
em sua essência e, de modo significativo, integra múltiplos conceitos e
facetas. Pode-se, ainda, inferir que é fundamentalmente sistêmico e, neste
aporte, remete ao pensamento de que a compreensão sistêmica baseia-se no
pressuposto de que a vida é dotada de uma unidade de importância e que os
diversos sistemas vivos apresentam padrões de organização semelhantes(1). Pode-
se dizer que o organismo e o meio se modificam juntos, uma vez que se
influenciam mutuamente(4).
Sob esta perspectiva, desde as redes metabólicas das células até as teias
alimentares dos ecossistemas, ou seja, os processos e componentes dos sistemas
vivos que se interligam em forma de rede, formam sistemas amplos que contemplam
o contexto ecossistêmico. O ecossistema é entendido como um espaço/ambiente
composto por uma comunidade de organismos, e sob esse olhar o ser humano compõe
um dos elementos integrantes dessa comunidade(5).
Nesta ótica, a saúde dependerá do equilíbrio dinâmico de todos os elementos
constituintes do ecossistema, visto que, com base na Teoria Sistêmica, todos os
elementos que constituem determinado espaço/ambiente interdependem, se inter-
relacionam, exercem interações e influenciam-se mutuamente, sendo capazes de
transformá-lo, por meio das diversas possibilidades que surgem dessa dinâmica.
Os sistemas e a complexidade emergente negam o determinismo e insistem na
criatividade em todos os níveis da natureza(2).
Entretanto, numa visão mais ampliada, pode-se considerar o ecossistema humano
como um sistema coerente de fatores biofísicos e sociais, com capacidades de
adaptação e sustentabilidade ao longo de sua vivência(6). E, mais do que isso,
o ecossistema humano pode ser percebido como um sistema no qual um evento, após
uma bifurcação, implica no aparecimento de uma nova estrutura social. Isto faz
com que, para permanecer vivo e com saúde, deve-se partilhar fluxos contínuos
de matéria e energia em uma circulação contínua dentro da teia da vida(1-2).
Destas interações e inter-relações emergem caminhos e/ou bifurcações a serem
seguidos para que o ser humano possa buscar conhecimento, criar novas
percepções, encontrar soluções, interagir com o meio e alcançar a
sustentabilidade. Essas bifurcações aparecem em pontos especiais onde a
trajetória seguida por um sistema se subdivide em ramos(2), esses podem ser
percebidos como novas opções a serem seguidas. Neste ínterim, um evento implica
no aparecimento de uma nova estrutura social e, depois de uma bifurcação, as
flutuações são os resultados das ações individuais. Ainda nesta perspectiva as
bifurcações existentes são, simultaneamente, além de sinais de vitalidade,
sinais de instabilidade em uma sociedade.
Para a ciência não existe um evento único. Cabe, portanto, ao ser humano, na
atualidade, garantir a sua sobrevivência no futuro em seus múltiplos aspectos
(2). Em detrimento ao contexto da saúde vigente, o qual a enfermagem encontra-
se inserida como disciplina, e as possibilidades de atenção ao humano
questiona-se: Como ocorre a inter-relação do ambiente, saúde, e enfermagem na
perspectiva ecossistêmica?
O estudo envolve uma reflexão teórico-filosófica, com discussões acerca das
inter-relações entre os conceitos de ambiente, saúde e enfermagem à luz do
pensamento ecossistêmico. Essa reflexão foi desenvolvida como trabalho final da
disciplina de Filosofia da Ciência, da Saúde e da Enfermagem do Curso de
Doutorado em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Por meio
do material coletado e das leituras instituídas no decorrer da disciplina,
estabeleceu-se uma discussão inter-relacional com a temática citada.
AMBIENTE, SAÚDE E ENFERMAGEM SOB A ÓTICA ECOS-SISTÊMICA
As reflexões aqui instituídas terão como embasamento o referencial de Prigogine
e de autores que se fundamentam em ideias sistêmicas arraigadas em estruturas
dissipativas, dentre outros que corroboram com este pensar(1,3,5,7-10).
Foi Prigogine, possivelmente, quem proporcionou apreender de modo diferente a
linguagem utilizada para compreender o universo. Ao oportunizar um novo
conhecimento a respeito dos fatos que cercam e constituem o universo, permitiu
outro ponto de vista em relação à ciência(9). Dessa forma, acenou para o
abandono de uma ciência dogmática e neutra, tendo-a como um instrumento para
entender e construir a existência de uma sociedade mais justa. Deste modo, os
avanços inevitáveis do mundo e das ciências, agregados aos limites do próprio
pensamento moderno, emergiram para uma nova visão de mundo, culminando em um
pensamento mais complexo e colaborando para a busca de explicações mais
adequadas à compreensão do saber científico. Portanto, para fundamentar este
novo pensamento, constroem-se ideias de cunho dinâmico, inter-relacional,
integrativo e, sobretudo, importante para o entendimento dos eventos que
acontecem num dado sistema. No pensamento ecossistêmico, as imbricações e
contribuições na estruturação do processo produtivo podem ser a fonte inovadora
na produção em saúde, enfatizando a ligação entre as coisas e os seres,
mostrando que tudo é inter-relacional em todos os pontos, como parte de uma
totalidade ecológica(10).
Por meio desta constatação a vida é dinâmica e inovadora, é movimento inscrito
no tempo e, sendo assim, o equilíbrio que se pode encontrar é, sobretudo,
dinâmico(2,8). Neste sentido, essa noção de equilíbrio está fundamentalmente
ligada à lógica do ser vivo, por isso, todo o corpo se transforma com o tempo,
e a doença é, muitas vezes, um desregramento do seu equilíbrio dinâmico. Desse
modo, as questões relacionadas ao ambiente e à saúde passaram, nos últimos
anos, a ser foco de inúmeros estudos e pesquisas, tanto na área da saúde, como
nas áreas de filosofia e sociologia. Em especial, porque as construções
internas do organismo dependem das construções externas decorrentes do
ecossistema vigente. Corroborando com este pensamento os seres humanos
caracterizam-se por produzirem-se continuamente a si mesmos, ou seja, se auto-
organizam(11). A auto-organização compreende sistemas organizados que estão de
certa forma em relação mútua com o ambiente e, desta auto-organização emerge a
ideia de unidade sistêmica, que reage às perturbações que possam surgir do
ambiente no qual está inserida(12).
Avançando nesta perspectiva, no contexto da enfermagem e da saúde, as questões
ambientais são inerentes a este. Esta interdependência se estabelece pela forma
como o ser humano, como ser no mundo e ser sujeito, se co-relaciona com as
questões sistêmicas e ecológicas, visando não somente a sua sustentabilidade,
mas, também, a dos demais seres de suas relações. Por meio desta constatação,
percebe-se que os seres vivos constituem-se de sistemas e que, embora troquem
matéria e energia com o meio ambiente, eles consistem numa rede de
transformações dinâmicas, em que os componentes, em diferentes níveis,
interagem entre si, de tal modo que esta interação tem como finalidade primeira
a manutenção da própria rede, organismo e vida(11). Assim, "os sistemas vivos
respondem autonomamente às perturbações do ambiente, com mudanças na sua
própria estrutura, ou seja, com um rearranjo do padrão de ligações de sua rede
estrutural"(1).
Decorre daí a percepção de que a saúde, no seu contexto dinâmico, aponta para
diferentes possibilidades. Os seres humanos estão assistindo à emergência de
uma ciência que não se limita mais às situações simplificadoras e idealizadas,
mas, que evidencia a complexidade do mundo real, de uma ciência que permite a
criatividade humana, o viver com uma expressão singular de um laço fundamental
de todos os níveis da natureza(7).
Pautada sob estas novas perspectivas, repensar a inter-relação entre ambiente,
saúde e enfermagem, suscita reavaliar as interações existentes entre os seres
humanos, bem como sua inserção em um ambiente instável. Pois, o caos é sempre
uma consequência de fatores de instabilidade(7). Quando se leva em consideração
este aspecto, pode-se falar de uma reformulação das leis da natureza. Do ponto
de vista aqui empregado, as ideias de Prigogine corroboram para um
aprofundamento do escopo de reflexões de ordem científica, as quais permitem
compreender o re-encantamento do mundo(13). Sob este enfoque, a enfermagem como
disciplina insere-se no contexto ecossistêmico, preconizando práticas
ecológicas que colaborem para que o enfermeiro seja um agente promotor em
saúde; considerando o ser humano em sua totalidade; tornando-se possível
promover o cuidado com o homem natureza, arraigado por saberes ecológicos de
proteção ambiental, nos diferentes espaços que ocupam(5).
A enfermagem, imbuída nestas reflexões, conjetura a necessidade de ambientes
saudáveis, no intuito de otimizar a saúde humana. Para que isso ocorra de modo
efetivo, há necessidade de um estudo aprofundado dos ecossistemas e suas inter-
relações, visto que este denota, que a maioria das relações entre os organismos
vivos são cooperativas, caracterizadas pela coexistência e interdependência
simbiótica em diversos graus(10-16). Neste contexto da saúde/enfermagem, torna-
se necessário encontrar metodologias coerentes que compreendam a realidade
biofísica, sócio-política, cultural e espiritual, como capazes de produzir a
sustentabilidade em todos os níveis(10).
O conjunto de elementos que constituem e estruturam os ecossistemas vigentes
podem construir, no contexto da enfermagem/saúde, redes de cooperação e de
interligação, no intuito de otimizar o trabalho da enfermagem e, com isso,
corroborar para ações em saúde, de modo a viabilizar a sustentabilidade.
Pautados nesta perspectiva, os elementos que constituem uma realidade constroem
redes de espaços onde coabitam e se desenvolvem de modo harmonioso e saudável
(5). Transferindo este pensar para as ações em saúde percebe-se que:
Tendo em vista que a saúde - como a vida, ela é sempre feita em
coletivos [...], o importante é sentir que seja como for, fazemos
parte ativa de sociedades e culturas e, somos, nós próprios, feitos
também dessas sociedades e culturas. [...]. O fluxo de equilíbrio
dinâmico, entre todos os elementos do ecossistema de uma comunidade,
é fator que nutre a rede social local e por isso precisa ser
entendida como um bem comum, construído e a ser conservado pelo
coletivo(5).
Assim, as ações ecossistêmicas direcionadas para as inter-relações existentes
entre ambiente, saúde e enfermagem necessitam ser pautadas na trajetória de
suas histórias pessoais, na possibilidade de inovar, criar e recriar,
modificando o curso dos fatos nos domínios mais profundos da vida(8).
Essas reflexões, embasadas na concepção sistêmica, permitem a compreensão de
que o ambiente direciona-se para profundas mudanças estruturais e, neste
sentido, o enfermeiro imbuído de conhecimento científico arraigado à concepção
ampliada de saúde, necessita buscar uma interligação cada vez mais sólida no
contexto ecossistêmico, tendo em vista a sustentabilidade de suas ações e do
ambiente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Evidencia-se que a inter-relação entre ambiente, saúde e enfermagem é uma
constante no ecossistema onde o enfermeiro está inserido. As ações em saúde
necessitam, fundamentalmente, ser pautadas, considerando os ambientes onde o
ser humano está agregado, bem como, a rede de interações e relações que ele
construiu ao longo da vida, visto que a relação dele com o meio gera
repercussões no seu pensar, agir e sentir. Ao adotar ações ecossistêmicas no
seu fazer cotidiano o enfermeiro preconiza o atendimento integral ao ser
humano, pois tem a oportunidade de adotar ações de cunho ambiental, ecológicas,
físicas, psicológicas, espirituais, sociais, dentre outras, criando, assim,
possibilidades de um cuidado integrativo e inter-relacional. Neste ínterim
compartilha-se da concepção de cuidado imbuída na interação com o ambiente.
Assim, buscar integrar o ambiente, a saúde e a enfermagem aos enfoques
ecossistêmicos na saúde, emergem possibilidades de ações que envolvem os seres
humanos, propondo reflexões acerca da experiência humana imbuída em uma rede de
ligações a qual não comporta o determinismo. Uma vez que pensar sob a ótica
ecossistêmica é, sobretudo, religar saberes, permitir flutuações em diversos
campos do conhecimento, promover a auto-organização e, sobretudo, propiciar a
sustentabilidade dos sistemas vigentes.