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BrBRCVHe0034-71672013000500003

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National varietyBr
Year2013
SourceScielo

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Enfermagem neonatal: o sentido existencial do cuidado na unidade de terapia intensiva

INTRODUÇÃO O nascimento de um bebê prematuro é um acontecimento inesperado na vida de uma família, configurando-se como um evento estressante, gerando, principalmente para os pais, distintos tipos de emoções e sentimentos como ansiedade, angústia, culpa e decepção. A chegada de um bebê pequeno e frágil deixa uma lacuna na mulher entre a expectativa do bebê imaginário, aquele que ao engravidar sonhava com características físicas saudáveis, e o bebê real, ali presente na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN). Este fato leva a maioria das mães a se sentir inseguras na capacidade de cuidar, de maternar e interagir com o bebê. As especificidades e singularidades desse novo ser serão compreendidas a partir do momento que consigam superar os sentimentos e sensações do parto prematuro, aceitando a situação atual(1-2). Muitas são as causas que podem levar um recém-nascido prematuro (RNP) a ser internado em uma UTIN, sendo a prematuridade a mais prevalente(3). Entender o RNP como um ser complexo que necessita do contato com sua família qualifica a assistência de saúde e em especial a de enfermagem.

Desde 1903, com o advento da incubadora no Brasil, a área neonatal apresentou um expressivo desenvolvimento de tecnologias considerando toda a complexidade de assegurar sobrevida a RNP cada vez menores(4). As pesquisas e descobertas sobre os cuidados perinatais e neonatais, acrescidas aos esforços para amenizar o trauma do bebê e de sua família, tiveram um efeito direto na transformação das UTIN em ambientes mais humanizados. Compreendeu-se a importância de estudar não os elementos biológicos, mas também os aspectos psicossociais envolvidos e as consequências que o ambiente poderia trazer para o desenvolvimento e consequentemente, para a qualidade de vida desses bebês e de suas famílias(5- 6).

No Brasil, a elaboração de políticas de saúde e de programas com vistas à atenção humanizada à criança, à mãe e à família, apresenta um novo paradigma do cuidar, antes focada no modelo biomédico e tecnocrático. Emerge uma concepção que envolve ações que contemplam os sujeitos, considerando sua complexidade e individualidades. A humanização do atendimento em saúde tornou-se relevante no contexto atual, uma vez que a atenção e o cuidado embasados em princípios como integralidade da assistência, equidade, participação do usuário, dentre outros, demandam a revisão da prática cotidiana em saúde. Envolvem fatores subjetivos, complexos, multidimensionais, sendo, portanto, necessário que se tenha um desempenho das atividades pautado em valores que primem pelos aspectos essenciais do ser humano(6-8).

A atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso pelo Método Canguru é um dos programas implantados pelo Ministério da Saúde. Nas três últimas décadas, o Método-Canguru vem mundialmente despertando interesse de profissionais envolvidos com a assistência neonatal. Sua implantação e implementação tanto em países pobres onde não uma boa estrutura de atendimento neonatal, quanto nos desenvolvidos que contam com toda uma organização de recursos tem sido crescente. Porém, o método não possui uma diretriz única, variando sua aplicação em relação à abrangência, ao tempo de início e ao tempo de permanência na posição canguru conforme necessidades e objetivos do contexto onde for implantado(6-8).

No Brasil, o Método Canguru é utilizado como mais uma tecnologia disponível na assistência neonatal. A Norma de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo- Peso - Método Canguru(9), implantada no ano 2000, possui como objetivo estabelecer uma mudança no paradigma da atenção em neonatologia, objetivando cuidados técnicos humanizados que promovam uma atenção melhor à mãe, ao RN e à sua família. Apresenta quatro fundamentos básicos: acolhimento ao bebê e sua família; respeito às singularidades; promoção do contato pele-a-pele o mais precoce possível; e envolvimento da mãe nos cuidados com o bebê.

Embora o MC esteja sendo trabalhado a aproximadamente uma década no Brasil, estudos apontam ainda aspectos limitantes a sua implementação. Observa-se que os profissionais de saúde têm conhecimento teórico sobre essa atenção humanizada, contudo ainda não a praticam plenamente em seu dia a dia, sugerindo que ainda não estão completamente apropriados das características, detalhamento e abrangência dessa tecnologia de cuidado neonatal(6-8).

Destaca-se que a qualidade da interação inicial mãe-bebê é um importante fator de mediação entre os eventos perinatais e o desenvolvimento sócio-cognitivo da criança, sendo os primeiros meses de vida fundamental para o desenvolvimento do apego entre o bebê e sua mãe ou cuidador substituto(10-11).

Os RNP, mesmo nas primeiras semanas, são responsivos a algumas formas de estímulos sociais. Diante disso, faz-se importante que seus pais recebam orientação da possibilidade de aproximar-se do bebê e sejam apoiados para relacionar-se com ele(10). A situação de prematuridade pode repercutir em sentimentos diferenciados nos pais, dificultando a capacidade de envolvimento com o filho(11).

Sabe-se que as mães de crianças nascidas prematuramente não realizam o período de consolidação, momento em que os pais investem no bebê imaginário, incluindo- o no discurso familiar, fazendo os preparativos para a sua chegada(10). O prematuro não corresponde às expectativas dos pais que deverão realizar, além do luto pelo bebê imaginário, o luto pelo prematuro real que apresenta risco de vida. O luto dos pais após o nascimento do filho prematuro é inevitável, não pela perda do bebê imaginário, mas pela culpa de sentirem-se responsáveis, de algum modo, pelas condições do bebê real. Esta situação dificulta que os pais mantenham o vínculo com o bebê. Enfrentam dificuldade devido às características e riscos do RNP, bem como da tecnologia empregada na UTI, além de estar temporariamente em uma incubadora, o que pode representar um distanciamento(11- 12).

Em contraponto a esse distanciamento está a importância do contato mãe-bebê. A pele revela estímulos sensoriais de várias magnitudes, e o contato pele a pele pode promover mudanças no organismo tanto do bebê quanto da mãe. Para os bebês conquistarem passo a passo um lugar em suas famílias é necessário troca de olhares, o tocar e ser tocado, sentir e ouvir, fundamentais nesse processo de interação. Ao serem estimulados, respondem ao manuseio e mostram-se tranqüilos quando alguém conversa com eles(7). De modo que o toque pode ser considerado terapêutico, visto que contribui no restabelecimento do RN.

Assim, foi traçada como questão norteadora do estudo: "como as mães significam a possibilidade do toque ao filho prematuro na UTIN?" Compreender o significado da vivência do nascimento do filho prematuro e a possibilidade de tocá-lo é procurar resgatar seu próprio existir como mãe. Tal enfoque privilegia compreender a mãe em um momento em que se encontrava fragilizada pela ocorrência da interrupção prematura do processo gestacional, sendo esse momento precoce para ambos. Então, propôs-se como objeto de estudo: o cuidado às mães de RNP na UTIN e como objetivo desvelar o sentido existencial do cuidado às mães de recém-nascido prematuros internados na UTIN.

METODOLOGIA Estudo de natureza qualitativa, com abordagem fenomenológica e referencial teórico-metodológico de Martin Heidegger(13). A fenomenologia como método busca compreender o ser a partir do seu próprio mundo, através de uma relação de intersubjetividade, em que o principal objetivo do pesquisador é compreender os significados que os indivíduos atribuem a sua vivência/experiência. Aponta a possibilidade de olhar as coisas como elas se manifestam, sem pretender explicá-las. Explicita o fenômeno, não se preocupando com as relações de causalidade, empenhando-se em mostrar e descrever com rigor, pois, através da descrição detalhada é que se pode chegar à essência do fenômeno(14).

Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição cenário do estudo ( 54/2009), desenvolveu-se a etapa de campo, que se cumpriu com a proteção dos sujeitos quanto aos princípios de: voluntariedade, consentimento livre e esclarecido, anonimato (identificadas por pseudônimos de deusas gregas, conforme concordância das depoentes), confidencialidade das informações da pesquisa, justiça, equidade, diminuição dos riscos e potencialização dos benefícios, resguardando sua integridade física-mental- social de danos temporários e permanentes.

O cenário foi uma UTIN de um hospital universitário da rede pública do Rio de Janeiro/RJ, cadastrada na central estadual e municipal de regulação de vagas.

As depoentes foram mães de RNP internados na UTIN. Foram excluídas do estudo mães portadoras de deficiência auditiva e transtornos mentais que poderiam impossibilitar a capacidade de verbalização.

Foram desenvolvidas entrevistas fenomenológicas(15) com nove (09) mães, no período de março a maio de 2010. Este quantitativo não foi predeterminado, visto que a etapa de campo, concomitante à etapa de análise, mostrou quando foi alcançada a suficiência de significados, indicando o momento de findar o desenvolvimento de entrevistas(14).

Essa modalidade de acesso aos participantes possibilita um movimento de compreensão do vivido do ser humano, tal como se apresenta na sua vivência cotidiana. Como modo de acesso ao ser, a entrevista é desenvolvida como um encontro, singularmente estabelecido entre o sujeito pesquisador e cada participante pesquisado. O encontro foi mediado pela empatia e intersubjetividade, valendo-se da redução de pressupostos(15). Exigiu do pesquisador um posicionamento de descentramento de si, para se direcionar intencionalmente à compreensão das mães.

Durante o encontro, o pesquisador precisou: estar atento aos modos de se mostrar do participante entrevistado; captar o dito e o não dito; observar as outras formas de discurso: o silenciado, os gestos, as reticências e as pausas; e respeitar o espaço e tempo do outro. Essa posição de abertura do pesquisador ao outro possibilitou aprimorar progressivamente a condução da entrevista. A entrevista foi desenvolvida a partir de questões orientadoras: Você teve a possibilidade de tocar seu filho na UTIN? Como isto aconteceu? Quando isto aconteceu? O que significou para você? As respectivas questões serviram para nortear e possibilitar que aflorassem novas falas que atendessem ao objeto e objetivo do estudo. Evitou-se induzir respostas, procurando utilizar de suas falas, em forma de questionamento para instigar a continuidade do discurso.

Então, no decorrer da entrevista foram formuladas questões empáticas, a fim de evitar induzir respostas, mas destacando questões expressas pelas próprias mães que precisavam ser aprofundadas para melhor compreensão dos possíveis significados apontados. Para encerrar a entrevista era desenvolvido um feedback, perguntando se a mãe gostaria de acrescentar algo e agradecendo sua disposição para esse encontro. Não houve tempo pré-estabelecido para a realização da entrevista.

Os depoimentos foram gravados mediante consentimento e a transcrição das entrevistas conforme a fala original, na qual a pesquisadora apontou os silêncios e as expressões corporais observadas durante a entrevista.

A partir da escuta e leitura atentiva dos depoimentos, foram desenvolvidos os dois momentos metódicos do referencial heideggeriano: a compreensão vaga e mediana (instância ôntica) e a compreensão interpretativa (instância ontológica). A instância ôntica se refere aos fatos, na qual são percebidas e entendidas as coisas de imediato, estando relacionada à vida cotidiana. A instância ontológica procura a origem genuína que possibilita a coisa manifestar-se, podendo assim ser desvelados sentidos velados pelos significados (13).

A compreensão vaga e mediana começa pela busca das estruturas essenciais (significantes), por meio do exercício de distinção entre o que se manifestou como essencial e como ocasional/acidental nos depoimentos. As estruturas essenciais constituíram as Unidades de Significação (US), revelando os significados maternos da possibilidade de tocar o filho. As US compuseram o fio condutor (conceito de ser) da compreensão interpretativa. Assim, por meio da hermenêutica, se descobriram alguns sentidos do cuidado à mãe de RNP na UTIN.

RESULTADOS O ser-mãe-que-tem-a-possibilidade-de-tocar-seu-filho-prematuro-na-UTIN ao ter passado em sua cotidianidade por um parto prematuro, recebeu a notícia que seu filho foi encaminhado a UTIN. Sentiu-se bem recebida e ajudada pelos profissionais de saúde, que foram explicando como tinham que fazer para poder tocar no seu bebê.

[...] mas aqui com assistência, com a gente, pai, mãe, o pai pode ficar até as 19 horas. Às vezes quando a gente tava meio triste, tinha palavras, diziam tudo bem mãezinha? Tudo bem, isso ai alegrava até um pouco nosso coração, a gente via que a gente também tinha assistência. (Ariadne mãe de Pérola); [...] as meninas daqui passaram segurança, eu cheguei, as meninas me explicaram que podia tocar, poderia pegar no colo, ficar conversando, fazer carinho pra ele sentir que eu estou ali, que a recuperação dele é melhor quando ele escuta a mãe, sente o toque dela, do pai também.

(Circe mãe de Ônix); Me receberam bem, vim fiz a higiene da mão, a médica me recebeu, a enfermeira também, explicou tudo o que estava acontecendo. (Afrodite mãe de Cristal).

O ser-mãe vive essa facticidade do parto prematuro e da internação do bebê na UTIN. Encontra-se lançada naquilo que está determinado e do qual não se pode escapar. "A expressão estar-lançado deve indicar a facticidade de ser entregue à responsabilidade"(13). Sendo assim, desses fatos - prematuridade e internação na UTIN - não teve escolha e não pode fugir, pois são inerentes à sua situação vivida.

Diante dessas facticidades, o ser-mãe se mostrou em sua singularidade e do seu modos-de-ser no cotidiano. O ser se revela presente (-) e se comporta de diferentes maneiras em seu existir. Neste sentido, a presença, na multiplicidade de modos de ser, indica continuamente o acontecer da história vivida/vivenciada por cada ser(13).

Devido à internação na UTIN, deparou com um ambiente novo apontando para o modo de ser-no-mundo. O mundo mais próprio da presença cotidiana é o mundo circundante, essa expressão aponta para uma espacialidade. Essa espacialidade indica o "contexto em que de fato uma pre-sença vive"(13). Ela "não apenas é e está num mundo, mas também se relaciona com o mundo"(12).

Devido ao ambiente da UTIN ser diferente do seu mundo, compreendeu-se como uma estranha, não sabendo o que fazer. Nesse momento pode contar com os profissionais de saúde.

O relacionar-se é imprescindível para a constituição do mundo, pois este não corresponde a uma estrutura geométrica dada, na qual o ser se localiza. O mundo existe somente num sistema de relações, pois isolado não é nada. Produz- se, somente, no estar junto, movimento da presença (distanciando/aproximando) em direção àquilo (outros ou coisas) que vem ao encontro. Assim, denota uma "estrutura fundamental da presença: ser-no-mundo" que designa uma totalidade articulada, pois não mundo sem ser, como também não ser sem mundo(13).

Relatou que, ao ter chegado à UTIN, foi bem recebida pelos profissionais que ali atuam, sendo por eles orientada sobre as rotinas da unidade, condição de saúde do filho e, também, a promoção da possibilidade de tocá-lo. Assim, ao atribuir a espacialidade da presença, se reconhece como ser-com os profissionais de saúde da UTIN. O modo mais fundamental de ser-no-mundo é o relacionar-se com o outro. "O ser-aí-com de outros é desvelado dentro do mundo para um ser-aí conosco, porque somente o ser-aí em si mesmo é essencialmente ser-com"(13).

No modo de ser-com no cotidiano de cuidado na UTIN, o ser-mãe aponta a preocupação dos profissionais expressas pela solicitude. A preocupação permite a relação ontológica com as pessoas na convivência cotidiana e têm como base os modos de ser-com os outros(13).

A solicitude é uma forma de se relacionar com o outro, de cuidar da existência do outro, que se faz possível mediante uma relação envolvente e significante. Tais ações vislumbram a promoção do contato mãe-bebê em uma dimensão em que não é focada apenas ao RNP, mas também a mãe, sendo parte imprescindível do cuidado, devendo ser cuidada e sentir-se sendo cuidada.

O ser-mãe-que-tem-a-possibilidade-de-tocar-seu-filho-prematuro-na-UTIN refere ser uma experiência sem palavras, de sentimentos maravilhosos e de sensações muito boas como amor, satisfação e felicidade.

Pra mim foi uma coisa muito surpresa [...], foi assim maravilhoso, entendeu? Foi uma sensação muito gostosa. [...] foi sensacional, não tem explicação, para mim é assim uma coisa muito especial. É muito amor, muito amor, muito amor mesmo, não tem assim tamanho, foi muito amor, muito carinho, é assim tudo de bom, foi o que naquela hora senti, na hora que eu toquei o meu filho[...] por mais que eu fale eu não vou conseguir falar como é que foi... [...] é uma coisa maravilhosa, não tem sensação melhor. (Ártemis mãe de Rubi); Ah! Foi uma experiência que eu nunca tinha tido, é uma emoção muito grande, vou até chorar [chora], é uma emoção muito grande de tocar meu filho. [...] poder tocar meu filho, não consigo explicar, foi uma emoção muito grande. (Circe mãe de Ônix).

Ao ter a possibilidade de tocar o filho na UTIN as mães expressaram surpresa, pois achavam que não seria possível. Relatam que o momento que tocaram o filho foi de sensação muito agradável, sentimentos e de grande emoção. Assim, o ser- mãe mostra-se como presença aberta às possibilidades. Compreendendo-se enquanto "poder-ser"(13), a pre-sença "doa a si mesma as possibilidades de seu ser, assumindo-as ou recusando-as"(13). Tem a possibilidade de ser-livre do domínio da impessoalidade (sendo-como-os-outros no mundo público) des-cobrindo-se na singularidade (sendo-si-mesmo no mundo próprio).

Como ser-de-possibilidades, pode se direcionar tanto à autenticidade quanto à inautenticidade. Inicialmente, frente à facticidade do parto prematuro e o filho em uma UTIN, a mãe paralisa-se no modo da impessoalidade e da inautenticidade, tende ao fechamento. Isso se no distanciamento do ser como se fosse levado pelo destino. A descrição da vida cotidiana é considerada como forma de existência inautêntica. Consiste no fato de estar jogado no mundo (conjunto de condições geográficas, históricas, sociais e econômicas, em que cada um está imersa), sem que sua vontade tenha participado disso.

Esse sentido existencial não exprime qualquer avaliação negativa, mas indica como a presença, na maioria das vezes e quase sempre, se mostra no cotidiano: de modo impessoal. A inautenticidade significa o desvio de cada indivíduo de seu projeto essencial em favor das ocupações cotidianas, confundindo-o com a massa coletiva, em que, sendo todos, não é si mesmo, ou seja, ser todos é ser ninguém. O eu individual seria sacrificado ao persistente e opressivo todos nós. O ser em sua vida cotidiana é um ser público, e não um ser próprio, reduzindo sua vida a vida junto aos outros e para os outros, alienando-se da principal tarefa, que seria o tornar-se si mesmo(13).

O ser-mãe-que-tem-a-possibilidade-de-tocar-seu-filho-prematuro-na-UTIN expressa ver a melhora do bebê, avaliando que está sendo bem cuidado, bem tratado e com uma aparência melhor.

[...] mas ela foi bem cuidada, bem tratada, a equipe é super atenciosa com as crianças, subiu quando tiveram a certeza que estava bem. (Ariadne mãe de Pérola); [...] eu sabia que ela estava sendo bem tratada, pois estava em boas mãos, eu ter visto aquela coisinha pequena se mexendo [pausa] ali com vida; que tinha os profissionais que estavam cuidando com amor e carinho, eu sabia e subia bem, [...]. (Sofia mãe de Safira); [...] mas eu vi que meu filho bem, que os profissionais estão fazendo um ótimo trabalho e que tudo depende da recuperação do neném mesmo, vejo que está recuperando, que está dando resultado. (Circe mãe de Ônix).

O ser-mãe atribuía aos profissionais de saúde da unidade a melhora nas condições de saúde de seu filho. Embora estivesse junto ao bebê não conseguia compreender a importância de sua presença. Mostra-se absorvida pela ocupação no mundo próprio da UTIN. A ocupação indica um modo deficiente de se omitir e (des)cuidar, visto manter-se ocupado com as coisas que devem ser feitas, sem se preocupar com as pessoas. Sustenta-se na objetividade sem compreender a subjetividade. Pode designar um realizar e cumprir algo, desviando o ser para um entendimento imediato como ser simplesmente dado. Portanto "o seu ser para com o mundo, é essencialmente ocupação"(13).

Assim, o ser-mãe se mantém como está prescrito que deve viver, ou seja, no modo impessoal, impróprio e da inautenticidade(13). Os limites de sua abertura para o mundo restringem suas possibilidades, a mãe, ao ser ocupar do filho, apresentou-se no modo de preocupação deficiente; presa ao modo prescrito de cuidado guiado por normas e rotinas instituídas pela UTI. Nesse modo, o ser-mãe se mantém presa aos fatos sem compreender autenticamente o que está acontecendo, apenas repete àquilo as informações e afazeres(13).

O ser-mãe-que-tem-a-possibilidade-de-tocar-seu-filho-prematuro-na-UTIN entende que poderia tocar, sendo cuidadosa e cautelosa por ser um bebê pequenininho que necessita ainda de proteção.

Ah, quando a gente assim, , não sabe o que fazer, uma coisinha tão miudinha [...] (Themis mãe de Topázio); Falaram que podia botar a mão, a gente fica com medo porque é muito pequenininho, eu botei a mãozinha. (Íris mãe de Ágata); Eu fiquei com medo no começo de tocar, com medo de prejudicar ele, fazer mal, porque ele estava ali achei que podia passar alguma coisa [...] eu fiquei com medo, de prejudicar meu filho, pegar um neném tão pequeno [...] (Circe mãe de Ônix).

A mãe a ter a possibilidade de tocar o filho, começa a tocá-lo ao seu modo, com medo, devagar, com as pontas dos dedos. De modo que a presença passa a se relacionar com o filho de início em suas possibilidades: com base no falatório (em que repete aquilo que ouviu sem compreender), na ambigüidade (quando parece ter compreendido tudo, mas no fundo não compreendeu o que está acontecendo), frente ao temor diante da situação vivenciada (aquilo que teme possui um caráter de ameaça, pois pode acontecer ou não). O falatório, a ambiguidade e o temor são modos de ser da inautenticidade(13).

Quando ser-mãe-que-tem-a-possibilidade-de-tocar-seu-filho-prematuro-na-UTIN sente-se mais próxima do bebê entendendo que ele sente uma força, um calor e uma energia positiva neste contato que é de troca.

Eu sinto ela mais próxima, e ela também deve sentir a mesma coisa.

(Afrodite mãe de Cristal); [...] fui começando a me aproximar mais, de mim com ele. Então nós dois vivos, um tocando no outro, um sentindo o corpo do outro, o calor do outro. (Ártemis mãe de Rubi); [...] porque a criança recebendo o carinho da mãe a recuperação é sempre mais rápida, eu conversava com ela, sentia que eu estava com ela. (Ariadne mãe de Pérola).

Ao estar-com-o-filho no cotidiano da UTIN e contar com a solicitude dos profissionais, a mãe caminha para a compreensão de suas possibilidades e de seu filho. Compreende o risco de melhora ou de piora do filho por ser pequeno e a importância de ser-presença.

Dessa maneira transita da inautenticidade da ocupação para a autenticidade da preocupação. Passando a compreender o tocar como uma possibilidade de proximidade do bebê, que permite a energia de troca. Esse movimento de autenticidade que emerge da cotidianidade.

O cuidado como processo de constituição da presença se no acontecer, isto é, na dimensão da temporalidade. Cuidar constitui-se no exercício da preocupação com o acontecer da presença. O pre da presença remete ao movimento de aproximação, constitutivo da dinâmica do ser, entendida em referência a um determinado modo temporal: o presente. uma tripla oferta de presença, em modalidades: ser-acontecido (passado), o ser que está por-vir (futuro) e o ser como ele é (presente). É na presença que o homem constrói o seu modo de ser, a sua existência e a sua história(13).

O ser-mãe se mostra como autenticidade no modo temporal, que não é determinado cronologicamente, pois um mesmo intervalo temporal pode estar relacionado a diferentes vivências e ter diferentes significados. Assim, a vivência materna independe do tempo cronológico da gestação, nascimento e da internação na UTIN, mas do tempo existencial de relacionamento com o bebê prematuro, seu (sua) filho (a). Essa compreensão indica o sentido de temporalidade, em que a presença possui uma determinação temporal, "sendo e estando a cada vez no tempo"(13). As dimensões da temporalidade não são localizações estáticas, pois o passado não é deixado para trás; mantém-se no presente e no futuro. O tempo é o ponto de partida do qual a presença se compreende.

O ser-mãe-que-tem-a-possibilidade-de-tocar-seu-filho-prematuro-na-UTIN compreende que é mãe, que o bebê que está ali na incubadora é seu (sua) filho (a) e faz parte da sua vida.

[...] pensou você ter um filho e não poder ter contato nenhum com ele, eu não no primeiro momento tive, mesmo aqui no CTI [...].

(Afrodite mãe de Cristal); Então pela primeira vez que peguei senti uma grande satisfação, eu me sentir super bem, ai eu compreendi que eu sou mãe, eu senti o toque da minha filha. (Ariadne mãe de Pérola); Então foi gratificante a realização de dizer sou mãe, é minha filhinha, vou lutar pela vida dela. (Ananke mãe de Esmeralda).

Ao se preocupar o ser-mãe estabelece um ser-aí-com-o-filho, reconhecendo a si mesma e ao seu (sua) filho (a) como ser de possibilidade. Esta compreensão direciona o ser-mãe a ser-com-o-filho. Sendo-com-o-filho, ela se compreende sendo-mãe-de-prematuro, e assim, sendo mãe. Nesta dimensão, ela se relaciona não mais com o bebê que nasceu prematuro, mas com o seu filho.

O cuidado exige a ocupação da vida humana consigo mesma e com os outros, cuja própria ocupação deve ter em mente uma perspectiva de integralidade da preocupação, conjugando o modo prático cotidiano e a dimensão existencial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da facticidade de um nascimento prematuro, aprender a amar o filho e criar vínculo materno requer tempo e aprendizado. Diante da fragilidade do ser que acaba de nascer, a mãe convive com diversas situações de insegurança e medo, sentimentos que irão colocar em dúvida sua capacidade de cuidar do seu filho.

Em seu depoimento o ser-mãe relata a importância de se sentir também cuidada em um ambiente de UTI, no qual o foco da assistência a ser prestada é para o seu filho. Compreender a complexidade do cuidado ao RNP, em que não é suficiente a realização de ações normativas, alicerçadas no cotidiano da assistência prestada, é promover um cuidado no qual as ações assistenciais dialoguem entre a dimensão da objetividade das normas, rotinas, procedimentos e tecnologias e a dimensão da subjetividade das vivências e experiências das pessoas envolvidas.

Entender essa complexidade do cuidar requer que se perceba que o cuidado permeia uma dimensão existencial onde comporta um tempo, em que não é, nem será predeterminado, importa ser-com.

Assim ao ser-com a mãe na UTIN de modo singular, numa possibilidade existencial de discurso e escuta, poderemos, como profissionais de saúde, ouvi-la mesmo em seu silêncio. Para isso é imprescindível saber cuidar transformando as ações assistenciais propriamente ditas no contexto da humanização.


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