Percepção de enfermeiros sobre aspectos facilitadores e dificultadores de sua
prática nos serviços de saúde mental
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas do século XX, o movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil
intensificou críticas à forma violenta como os pacientes eram tratados nos
asilos e hospícios, ocasionando as primeiras tentativas de humanização desses
espaços(1). A Reforma pretendeu modificar o sistema de tratamento clínico da
doença mental, eliminando gradualmente a internação como forma de exclusão
social e com o objetivo de integrar o sujeito que sofre de transtorno mental ao
convívio familiar e social(2).
Atualmente, o Brasil possui uma Política Nacional de Saúde Mental (PNSM) que
abarca os princípios da Reforma Psiquiátrica e propõe consolidar o modelo de
atenção que garante a livre circulação das pessoas com transtornos mentais e
oferece cuidados com base nos recursos da comunidade. Com este enfoque, a rede
de atenção ao portador de transtorno mental, deve ser formada por serviços
comunitários articulados entre si, como os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), Residências Terapêuticas, Hospitais Gerais, Centros de Convivência,
Hospitais-dia, Núcleos de Atenção Psicossocial (NASF), além da inclusão de
beneficiários no Programa de Volta para Casa(3).
Para compreender a singularidade dos indivíduos, num contexto social e
coletivo, os serviços de atenção em Saúde Mental devem contar com equipe ampla
e multidisciplinar, na qual o enfermeiro faz parte devendo, portanto
implementar ações terapêuticas conforme orientações da PNSM.
O contexto atual do trabalho da enfermagem em Saúde Mental caracteriza-se pela
transição entre uma prática de cuidado hospitalar que visava a contenção do
comportamento dos doentes mentais e a incorporação de princípios novos e
desconhecidos, na busca de adequação de práticas interdisciplinares(4).
Com o surgimento dos serviços abertos de saúde mental, foi necessário
reorganizar os processos de trabalho e, consequentemente o projeto terapêutico
institucional, em que os profissionais da equipe multidisciplinar participam.
Diante de muitas mudanças, coube também ao enfermeiro assumir novas funções com
postura terapêutica, na perspectiva humanista e com autonomia profissional(5).
Com a mudança paradigmática da atenção à saúde mental, suas funções estão
focadas na promoção da saúde mental, na prevenção da doença mental, na ajuda ao
indivíduo a enfrentar as pressões decorrentes dos transtornos mentais e na
capacidade de assistir ao paciente, sua família e comunidade, ajudando-os a
encontrarem o verdadeiro sentido da enfermidade mental(6).
Neste cenário, a prática atual da Enfermagem Psiquiátrica fundamenta-se em
vários preceitos, incluindo a reabilitação psicossocial a que deve nortear suas
ações junto aos usuários e familiares dos serviços de Saúde Mental. Há várias
atividades terapêuticas desejáveis que os enfermeiros desenvolvessem nestes
serviços, como relação de ajuda, atendimentos grupais e o relacionamento
interpessoal, embora nem sempre sejam constantes e sistematizadas, mantendo
suas ações de caráter assistencial-tecnicista contrariando o que é preconizado
pela valorização das potencialidades e recuperação da autonomia do indivíduo em
sofrimento psíquico, mediante uma abordagem compreensiva e individualizada (6-
7).
Para tanto, o enfermeiro deve usar a percepção e a observação, formular
interpretações válidas, delinear seu campo de ação com tomada de decisões,
planejar a assistência, avaliando as condutas e o desenvolvimento do processo.
Essas ações fazem parte do cuidado de enfermagem, devendo direcionar o
relacionamento interpessoal e terapêutico(6).
Essa realidade vem requerer das instituições formadoras, a reconstrução dos
seus Projetos Pedagógicos de Curso, no que se refere à atenção à saúde mental,
buscando a reorientação do processo de formação voltado ao desenvolvimento de
competências, para o exercício de práticas e saberes capazes de dar respostas
aos princípios propostos pela Reforma Psiquiátrica(8).
Entretanto, os enfermeiros têm apresentado dificuldades em atender a PNSM, na
medida em que não conseguem definir o objeto de trabalho de acordo com o
paradigma da Reforma Psiquiátrica(1-2,4-5). Na equipe de saúde mental, que
define como objeto de intervenção o sujeito-cidadão em suas necessidades
psicossociais, o enfermeiro não se define como sujeito-trabalhador(4).
Tendo em vista que as transformações do modelo assistencial no campo da saúde
mental mudaram a dinâmica no desempenho dos profissionais de Enfermagem, cabe
questionar quais os fatores que influenciam positiva ou negativamente a prática
destes profissionais nos serviços substitutivos especializados da área.
Com o intuito de aprofundar as reflexões decorrentes diante da problemática
exposta, o objetivo do estudo foi identificar os aspectos facilitadores e
dificultadores nas práticas dos enfermeiros nos serviços de Saúde Mental
públicos do interior do Estado de Goiás.
METODOLOGIA
Pesquisa descritiva de abordagem qualitativa desenvolvida em todos os serviços
públicos de Saúde Mental, 22 CAPS, do interior do estado de Goiás, habilitados
até dezembro de 2010. Participaram os 21 enfermeiros que trabalhavam nestes
serviços há mais de três meses. As perdas foram representadas por aqueles em
afastamento oficial, como férias e licença.
A coleta de dados foi realizada entre janeiro e maio de 2011. Utilizou-se um
instrumento autoaplicável, composto por questões fechadas sobre a
caracterização dos enfermeiros e por questões abertas relacionadas à
identificação dos aspectos facilitadores e dificultadores que os profissionais
encontram para desenvolver suas atividades nos serviços.
As respostas foram transcritas e submetidas à análise de conteúdo, conduzida
pela pré-análise, pela exploração do material e pelo tratamento e interpretação
dos resultados. Assim, inicialmente, por meio da leitura flutuante os dados
foram organizados para, na sequência, serem selecionados e classificados. Neste
procedimento, procurou-se identificar palavras e frases que tivessem maior
frequência de citação e que pudessem ser agrupadas em aspectos facilitadores ou
dificultadores da prática dos enfermeiros, assim como a relevância de conteúdo
expressa pelos participantes permitindo, deste modo, considerar os conteúdos
com baixa frequência(9).
Por fim, na fase de interpretação dos resultados os aspectos facilitadores e
dificultadores foram categorizados utilizando-se o referencial de avaliação de
Avedis Donabedian, com base na tríade: Estrutura, Processo e Resultados. Os
aspectos relacionados à estrutura referem-se aos recursos físicos, humanos
(número e qualificação), materiais (como instalações e equipamentos),
financeiros e organizacionais. Quando se trata de processo, objetiva-se
analisar todos os aspectos ligados às relações e às atividades desenvolvidas
pelos profissionais de saúde, na condução dos cuidados e na interação com os
usuários(10).
Todo o processo de categorização foi analisado e discutido fundamentando-se nos
documentos oficiais do Ministério da Saúde e na literatura especializada
indexada em bases de dados. Os relatos dos enfermeiros apresentados nos
resultados foram codificados com a letra "E" seguidos do número da ordem com
que foram entrevistados.
A pesquisa seguiu as orientações da Resolução nº 196/96 tendo sido aprovada em
Comitê de Ética em Pesquisa sob protocolo nº 303/10.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A maioria dos enfermeiros (85,7%) era do sexo feminino, com idade entre 24 e 44
anos, sendo que a maior parte deles estava na faixa etária de 20 e 34 anos.
Tinham pouco tempo de conclusão do curso de graduação e pouca experiência na
área de Saúde Mental. Quase a metade dos enfermeiros (47,6%) possuía até 2 anos
de formados, 42,9% até 4 anos e apenas 9,5% tinha mais de 5 anos de conclusão
do curso de graduação. Grande parte desses profissionais (76,2%) estavam
atuando no serviço há menos de 2 anos.
Os enfermeiros possuíam vínculos empregatícios precários, visto que 85,7%
estavam inseridos nos CAPS por meio de contratos de trabalho temporários. A
jornada de trabalho variou entre 30 e 40 horas semanal, sendo que 71,4%
trabalhavam em regime de 40 horas semanais.
Com relação à formação profissional, 57,1% dos enfermeiros afirmaram possuir
curso de pós-graduação Lato Sensu (especialização), embora apenas quatro na
área de Saúde Mental. Nenhum enfermeiro atuante nos serviços de Saúde Mental de
Goiás possui formação Stricto sensu.
Os resultados foram distribuídos em duas categorias: Aspectos facilitadores e
Aspectos dificultadores, sendo que este último aborda estrutura e resultado
(10). Vale dizer que os enfermeiros não relataram atividades relacionadas ao
processo, de acordo com o referencial de Avedis Donabedian.
Aspectos facilitadores
Os aspectos citados, pelos enfermeiros, como facilitadores para o
desenvolvimento das suas atividades nos CAPS encontram-se listados na Tabela_1.
![](/img/revistas/reben/v66n5/16t01.jpg)
Dentre a maioria dos aspectos que facilitam o trabalho dos enfermeiros,
prevalecem os relacionados à estrutura do serviço em detrimento dos resultados,
os quais incluem a disponibilidade de recursos materiais e físicos, além da
qualificação da equipe.
Especificamente em relação aos recursos físicos e materiais destacou-se o
espaço, ambiente para atendimento aos usuários, mobiliário (mesas novas,
cadeiras, armários) e materiais para realização das oficinas.
Trabalhar próximo ao serviço foi considerado como facilidade, aspecto também
evidenciado em outro estudo, em que, somente a proximidade do local de trabalho
com a residência do profissional foi um determinante externo ao ambiente de
trabalho como causa de satisfação dos trabalhadores de saúde mental(11).
Alguns enfermeiros citaram a qualificação dos profissionais da equipe
multiprofissional e a experiência de seus membros na área de Saúde Mental como
elementos que favorecem seu exercício profissional.
Sabe-se que a prática assistencial na área de saúde mental é complexa, pois
requer, além da habilidade técnica necessária, a habilidade em lidar com o
comportamento humano e com as relações humanas voltadas para a ressocialização
do usuário(2). Nesta perspectiva, a qualificação profissional é uma condição
estruturante para o trabalho em Saúde Mental, segundo a lógica psicossocial, em
virtude da reorganização do modelo assistencial proposto pela PNSM.
Os enfermeiros sentiram-se capacitados para atuar na área e relacionaram a
realização de cursos de pós-graduação, especialmente Lato Sensu, conforme
ilustra o depoimento a seguir:
Sinto-me capacitado sim. Por acreditar que a pós-graduação a qual
cursei teve um altíssimo rendimento, tanto pelos excelentes
monitores, como pelas experiências compartilhadas pelos colegas de
classe que já trabalhavam nos serviços de saúde mental. (E17)
Houve várias menções quanto a iniciativas próprias na busca por cursos,
treinamentos e atualizações, a fim de melhorar o desempenho profissional.
Porque além de ser uma área que atuo porque gosto, tenho sempre me
preparado em cursos, capacitações e diversas atualizações na área.
Porém, a saúde mental nos surpreende a cada dia e por mais
"capacitada" que eu seja, o serviço nos mostra que sempre temos que
aprender e capacitar um pouco mais. (E3)
Foi destacado pelos profissionais, um aspecto importante relacionado ao
resultado que é a afinidade pela área, iniciativa e motivação própria, que
podem influenciar positivamente o desempenho profissional. Em contrapartida, a
área de Saúde Mental parece não ser atrativa para alguns enfermeiros e, muitas
vezes, não é a área de escolha, mas permanece nela por falta de melhores opções
(1).
Entende-se que ação profissional no campo da saúde é multideterminada a fatores
ligados à formação acadêmica do enfermeiro, às características pessoais do
profissional e da própria sociedade(1).
Acredita-se que a baixa procura dos enfermeiros por trabalhos em Saúde Mental
está intrinsecamente relacionada ao preconceito e estigma que muitas vezes não
são superados pela forma com que o conteúdo é exposto durante os cursos de
graduação, a pouca aproximação com os serviços extra-hospitalares e com os
desafios postos pelo modelo psicossocial. Há também a desvalorização das
competências relacionais, da criatividade e da plasticidade(12).
Por outro lado, todos os aspectos facilitadores, identificados no aspecto
Resultado, estão pautados no relacionamento interpessoal com a equipe e com os
usuários: trabalho em equipe, apoio e respeito da coordenação, interesse e
aceitação, participação e empenho dos usuários.
Esses aspectos facilitadores corroboram com os resultados de outro estudo que
avaliou a satisfação dos trabalhadores dos serviços de saúde mental, no qual
emergiram determinantes considerados internos ao ambiente de trabalho, a saber:
as relações estabelecidas com os usuários, referida por todos os entrevistados,
o reconhecimento profissional e as relações com a equipe(11).
Entretanto, as relações no ambiente de trabalho podem ser causa de satisfação
ou insatisfação, dependendo de como são estabelecidas(11). O apoio dos
coordenadores nos serviços foi destacado por muitos enfermeiros como
facilitador das atividades que desenvolvem, destacando o importante papel da
gestão.
A receptividade dos coordenadores no sentido de escutar e acolher as demandas
dos profissionais revela que o bom relacionamento possibilita a integração de
equipe multiprofissional, na perspectiva de construção coletiva do trabalho nos
CAPS(11).
Diante das possibilidades de organização dos processos de trabalho, emergem
novas formas de relação entre os trabalhadores, inclusive a necessidade do
trabalho interdisciplinar(14).
A interdisciplinaridade reforça a tendência de superação do compartilhamento do
saber, como um dispositivo que busca integrar conhecimentos e atitudes que
possam compreender a loucura em sua complexidade. A união de esforços pode
ajudar na transformação do atendimento e no combate aos vícios de um modelo
tradicional que ainda reside em nosso meio(13). Elevados níveis de satisfação
no trabalho na instituição correlacionam-se às boas relações profissionais,
além de gostar de trabalhar com os usuários dos serviços(14).
Entretanto, o trabalho interdisciplinar carece de constante reflexão. Não
significa que todos podem fazer o trabalho de todos, porque há competências
específicas de cada profissão. Certamente, a área da saúde mental passa por um
período de reconstrução de práticas e saberes, tornando-se fundamental manter
os profissionais engajados no compromisso coletivo. Espera-se que os
profissionais de enfermagem trabalhem com a equipe no contexto da
interdisciplinaridade, pois a inter-relação, a troca de experiências e
conhecimentos favorece o cuidado junto ao usuário da rede de saúde mental(2).
Aspectos dificultadores
Os aspectos dificultadores foram mais identificados e, igualmente aos aspectos
facilitadores, houve predominância de daqueles relacionados à Estrutura dos
serviços.
Também foi possível identificar que alguns aspectos relacionados à Estrutura
possuem uma característica dialética na medida em que foram identificados como
facilitadores quando presentes e dificultadores quando ausentes. Entretanto,
consideram-se os recursos materiais, humanos e físicos, qualificação
profissional e acesso à internet como elementos fundamentais para o
desenvolvimento das práticas dos enfermeiros.
Tal aspecto dialético, representado por aparente oposição, pode estar
relacionado à desigualdade de contextos dos serviços situados em diversos
municípios e, apesar de terem a mesma finalidade, têm estrutura e funcionamento
diferentes, resultado confirmado com outro estudo(11).
A falta de recursos humanos, físicos e materiais como fator dificultador para o
desenvolvimento das atividades nos serviços de saúde mental do interior do
Estado de Goiás foi referida por mais da metade dos enfermeiros. Estudos
apontam também que as principais causas de insatisfação dos trabalhadores
relaciona-se aos aspectos inerentes à estrutura física e material, como
inadequação do local, precariedade do ambiente e restrição de materiais para a
realização das oficinas(1,11,14-15).
Outro estudo realizado em Fortaleza corrobora com este resultado e mostra que
76% dos trabalhadores nos CAPS julgam que a estrutura física e a oferta de
equipamentos/instrumentos para o trabalho não proporcionam condições
satisfatórias para o desenvolvimento de suas ações(14).
A preocupação com a estrutura física não tem origem somente na necessidade de
conforto pessoal para a execução das atividades cotidianas, mas principalmente
no desejo de melhor atender os usuários e de poder executar a contento as
atividades programadas(11), sendo, portanto um dos meios e instrumentos de
produção de trabalho(10).
Três enfermeiros relataram também como entrave, a inexistência de transporte
para realização das visitas domiciliares, impedindo a realização de buscas
ativas, visitas para avaliar condições de tratamento oferecido no domicilio do
usuário, transporte do usuário quando necessário, o que dificulta a assistência
com qualidade. Houve relatos da utilização de veículo próprio do profissional
para tal finalidade.
[/img/revistas/reben/v66n5/16t02.jpg]
A disponibilidade de veículo no serviço para as visitas domiciliares é
necessária, uma vez que, o tratamento tem como meta avaliar e auxiliar o
portador de doença mental e sua família no contexto em que se encontra, além de
facilitar a busca ativa de usuários que ausentes ou desistentes do tratamento.
A falta de transporte contribui para o desconhecimento do território pela
equipe e, portanto, para a ineficiência do tratamento.
Alguns sujeitos também citaram, como dificuldade, a falta de acesso à internet
para realização de pesquisas. Sua utilização é um significativo meio por
facilitar o acesso a informações e a processos de educação à distância. Fazer
uso desta ferramenta auxilia programas de qualificação, o que permite a
agilidade nos processos comunicacionais necessários à educação permanente(16).
Vale dizer que no cenário de estudo, há muitos profissionais em regime de
contrato de trabalho temporário/comissionado o que interfere no vínculo
profissional e consequentemente na inserção em projetos assistenciais nos
serviços. O fato de a maioria dos enfermeiros serem funcionários contratados
enfraquece suas relações com a instituição. O vínculo frágil não garante a
continuidade do trabalho e da assistência, como seria desejado(13-14,16).
Outro fator desfavorável citado pelos participantes que precariza a realização
do trabalho na enfermagem é o baixo salário dos enfermeiros. Este resultado foi
igualmente apontado em outra localidade brasileira indicando consequências
adversas, nas atividades desenvolvidas nos CAPS(15).
Diante deste panorama, fica evidente a necessidade dos gestores e coordenadores
dos serviços de Saúde Mental em adotar medidas que fortaleçam as condições de
trabalho dos profissionais(11,13). Da mesma forma, os profissionais também
devem reivindicar melhorias(14).
As deficiências podem ser superadas por meio da democratização das relações de
trabalho, do resgate da participação dos profissionais na gestão do serviço e
na assistência aos usuários. Para tanto, identificar o grau de comprometimento
dos gestores dos serviços de saúde em viabilizar esse processo de
democratização é fundamental(13-15).
O papel do coordenador nos serviços de saúde mental no interior do Estado de
Goiás foi um aspecto facilitador no sentido de apoiar os enfermeiros e
direcionar o trabalho de toda a equipe. No entanto, o cargo de coordenador foi
observado como negativo quando ele possui apenas característica política e não
técnica. Entre os entrevistados esta situação não foi citada com frequência,
embora mereça especial atenção pela complexidade da assistência da área de
Saúde Mental que vem exigindo cada vez mais a mudança do modelo assistencial.
Torna-se importante que os coordenadores dos serviços tenham clareza do seu
papel a ser desempenhado nos serviços além das propostas da PNSM. Esta condição
deve influenciar diretamente nas atividades dos enfermeiros.
O trabalho de enfermagem é marcado historicamente por subordinação ao modelo
médico disciplinador e pelo desenvolvimento de práticas coadjuvantes.
Entretanto, o enfermeiro terá mais condições de desenvolver práticas que visem
o resgate da cidadania das pessoas em sofrimento mental se estiver consciente
da sua condição social e pessoal e ao se perceber como corresponsável pelo
trabalho com a coletividade(4).
Outro resultado relevante corresponde à autonomia dada ao psiquiatra. Este fato
reforça que muitos desses profissionais não se adequaram ao novo modelo de
assistência em saúde mental que preconiza o trabalho multiprofissional e
interdisciplinar.
A autonomia e centralidade nas consultas médicas estão relacionadas à
deficiência de formação e capacitação dos enfermeiros. Na falta de um fazer
definido o enfermeiro executa o que lhe parece correto ou o que se aproxima
mais das ações que já está acostumado a realizar. Também o que poderia estar
conduzindo a este posicionamento, seria o modelo de atenção à saúde ao qual o
enfermeiro se insere. Trata-se de um modelo centrado na consulta médica, na
psicofarmacologia e nos cuidados com o corpo, em virtude do agir terapêutico
(17).
A falta de capacitação na área de Saúde Mental, bem como a ausência de educação
continuada foi considerada como aspectos dificultadores para o melhor
desempenho das atividades profissionais dos enfermeiros. Talvez, por esta razão
aparece entre as respostas de alguns participantes a não identificação de seu
papel profissional nos serviços especializados.
"Eu não fui capacitada quando cheguei aqui. Cheguei e pronto! Fui
trabalhar sem saber ao certo o que estava fazendo. Sinto falta
disso".(E12)
Atualmente, verifica-se que, apesar da inserção do enfermeiro na equipe
multiprofissional dos serviços de saúde mental, há ainda desvalorização das
atividades específicas relativas à assistência(2), a falta de reconhecimento
pelos demais membros da equipe(1). Percebe-se que, nos projetos institucionais,
o enfermeiro está presente na equipe em função apenas de exigências legais e
não como um profissional importante na assistência à pessoa em sofrimento
psíquico(17).
Diante disto, muitos enfermeiros não se sentem capacitados para atuar nos
serviços de saúde mental e relaciona isto à deficiência do ensino durante a
graduação à falta de educação continuada.
"Não me sinto capacitada, visto que não possuo nenhuma qualificação
em saúde mental e creio que somente a graduação não oferece o suporte
necessário para lidar adequadamente com o transtorno mental".(2)
"Não me sinto capacitada em totalidade, pois falta maior conhecimento
acerca de procedimentos e condutas em saúde mental".(E11)
Ficou evidente que os profissionais necessitam de capacitação para desenvolver
procedimentos específicos da área. Muitas vezes o enfermeiro não consegue
estabelecer sua prática diferenciada da tradicional prática em psiquiatria indo
das funções clássicas de supervisão, administração de medicamento, alimentação
e higiene(2,7,18).
O exercício da enfermagem, principalmente nos serviços de atenção psicossocial,
deve se constituir pela responsabilidade na acolhida do usuário, estabelecendo
vínculos afetivos, de confiança, de escuta e de relações interpessoais entre
usuários e familiares. Torna-se imprescindível, portanto, que as universidades
e os cursos de capacitação considerem a abordagem centrada no cliente e suas
necessidades, na perspectiva da reabilitação e reinserção e social.
Há um distanciamento entre a teoria e prática desenvolvida nos serviços, o que
pode ter influenciado no conhecimento do egresso que possui um domínio teórico
limitado e centrado no modelo tradicional e segregante da psiquiatria. Esta
realidade dificulta a percepção e a capacitação dos profissionais para as
práticas atuais na assistência à Saúde Mental, com base na PNSM(2). Salienta-se
ainda que, grande parte dos cursos de graduação em Enfermagem está em
municípios que não possuem CAPS, o que também dificulta a orientação
psicossocial seja implementada pelos seus egressos.
Muitos autores têm enfatizado que para atuar nesta área, o enfermeiro deve ter
preparo suficiente e de qualidade, com práticas que não se restrinjam ao
hospital psiquiátrico, mas considerando o modelo psicossocial de atenção à
saúde com enfoque na comunidade(1,16,18-19). Sua inserção, enquanto discente,
em serviços extra-hospitalares possibilita que vivencie e desenvolva
competências que contemple o modelo psicossocial(15,20).
Apesar de não ter tido contato com serviços de saúde mental que não
fosse o hospital psiquiátrico, enquanto acadêmica, estou sempre
procurando aperfeiçoar meus conhecimentos. Senti falta desta prática
quando entrei aqui no CAPS.(E7)
O curso de graduação deve possibilitar o pensamento teórico, permitindo a
compreensão das novas demandas na formação de enfermeiros que apresentem uma
identidade profissional(1-2,16-17,20). No entanto, a realidade aponta como um
dos aspectos dificultadores, a falta de preparo profissional especializado(1-
2).
É fundamental direcionar a formação acadêmica envolvendo os enfermeiros e a
equipe multiprofissional, atuantes nos serviços, como parte do processo
educativo. A educação permanente é necessária e desejada pela equipe de
enfermagem de saúde mental e exige além de programas educacionais baseados em
definições de competências específicas, processos educativos mais amplos e
problematizadores que visem o desenvolvimento de conhecimentos de caráter
interdisciplinar(12,16). Deve auxiliar no conhecimento de estratégias
inovadoras de cuidar, favorecer o intercâmbio de experiências e a aliança entre
os serviços de saúde e as instituições acadêmicas(16).
A prática assistencial no campo da saúde mental é complexa, pois requer, além
da habilidade técnica, destreza para lidar com as relações humanas e
ressocialização do portador de transtorno mental ou em sofrimento psíquico.
A inexistência do trabalho em rede e a dificuldade na referência e contra-
referência também apareceram como fator dificultador para o trabalho dos
enfermeiros. A articulação da rede de serviços de saúde permite que os
profissionais encaminhem os usuários a outros dispositivos de saúde, sejam eles
na atenção básica ou nos demais serviços do território. No entanto, é possível
verificar que os profissionais dos outros serviços de saúde dificultam a
inserção daqueles referenciados pelo CAPS, possivelmente pelo estigma social
que ainda existe com relação a essas pessoas, uma vez que a visão dos hospícios
como proposta de tratamento para os doentes mentais não foi definitivamente
descartada.
Espera-se que os CAPS sejam as unidades de saúde responsáveis pela porta de
entrada dos usuários na rede especializada. Se esses serviços não tiverem os
recursos necessários para a resolução do problema, deve-se encaminhar o usuário
para a referência, que se constitui em outro serviço considerado de maior
complexidade. Trata-se de estabelecer, portanto, a circulação controlada, para
que os problemas sejam resolvidos com eficácia e ao menor custo possível(21).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A assistência em enfermagem nos serviços de Saúde Mental, especialmente nos
CAPS, pode ser influenciada por diversos fatores relacionados à disponibilidade
de recursos, fatores inerentes aos profissionais, fatores relacionados à
experiência na área, bem como a dinâmica do profissional com os demais membros
da equipe de saúde.
Diante os resultados desta pesquisa, foi possível perceber que alguns
enfermeiros consideraram que os fatores facilitadores colaboram para que os
profissionais desenvolvam seu trabalho com interesse e motivação.
O estudo também contribuiu para o conhecimento das lacunas e deficiências que
ainda existem nos CAPS, além de despertar para a necessidade de garantir meios/
recursos para que os profissionais possam desenvolver ações fundamentadas na
perspectiva humanista que prevê abordagem compreensiva e individualizadas.
É inegável a necessidade de adequação da Estrutura dos serviços no interior do
estado de Goiás quanto aos espaços dos ambientes e disponibilidade de
materiais. A ausência destes fatores tem dificultado o desenvolvimento das
atividades no CAPS, prejudicado o tratamento dos usuários quanto a realização
de oficinas terapêuticas sem espaço e material suficiente e acolhimento sem
garantia de privacidade dos usuários e familiares.
Outra questão relacionada à Estrutura em destaque refere-se à falta de
qualificação dos enfermeiros, cuja condição não favorece a visibilidade do
profissional, gerando sensação de insegurança perante a equipe
multiprofissional. Foi possível perceber, de forma antes empírica, alguns
fatores que foram atribuídos à formação acadêmica, como a indefinição de
papéis, a crise de identidade do profissional enfermeiro, a dificuldade em
trabalhar com os usuários nos serviços de saúde mental e com a equipe
multiprofissional. Muitas vezes a concepção do modelo psicossocial o qual
concebe práticas que contrapõem as práticas asilares e médico-centradas, deixa
de ser aprofundadas na capacitação profissional, comprometendo o atendimento do
usuário do serviço de modo integral e humanizado.
É premente que as instituições formadoras adequem o ensino da Enfermagem
Psiquiátrica e de Saúde mental ao modelo proposto pela PNSM, inserindo estágios
e aulas práticas nos serviços que compõem a rede especializada em Saúde Mental,
em especial os CAPS.
Como forma de agregar conhecimentos, a educação permanente é importante, visto
a necessidade de formar e manter os recursos humanos qualificados e cientes das
diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental.
Por fim, os processos avaliativos têm que ser reforçados com o intuito de
conhecer a situação dos serviços, suas fragilidades e potencialidades e, desta
forma, discutir ações para a melhoria da formação e práticas dos enfermeiros no
contexto da saúde mental.