Lições aprendidas com o trabalho em Rede em Enfermagem e Obstetrícia
INTRODUÇÃO
As diretrizes políticas com foco no bem estar social, estruturadas no século
XX, estão diretamente relacionadas a mecanismos de incentivo à colaboração
entre diferentes organizações com a promoção de trabalho conjunto que vise
lidar com problemas complexos e de difícil resolução por uma organização
isolada(1). Considerando esta realidade, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
passou a promover a política de designação de Centros Colaboradores, com planos
de ação específicos e delimitados a sua localidade, com o propósito de
contribuir com o mandato da OMS em sua área de atuação.
Nesse cenário, com o passar do tempo, consolidou-se uma identidade de grupo
entre os Centros Colaboradores que, incentivados pela própria OMS, perceberam a
possibilidade de expansão de seu espectro de atividades por meio da valorização
da colaboração entre eles. Foi criada, então, em 1988, a Rede Global de Centros
Colaboradores da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Desenvolvimento da
Enfermagem e Obstetrícia.
A Rede Global é uma organização independente, internacional, sem fins
lucrativos, composta, atualmente, por 44 Centros Colaboradores. Dentre seus
membros estão líderes de enfermagem e obstetrícia reconhecidos
internacionalmente, o que ressalta o significado ímpar deste grupo.
A missão da Rede Global é maximizar a contribuição da Enfermagem e Obstetrícia
para o avanço dos Estados, Centros membros, Organizações Não Governamentais e
outros interessados na promoção da saúde das populações. A Rede desenvolve
atividades de advocacia e políticas baseadas em evidências no âmbito das
diretrizes da Assembleia Mundial da Saúde, resoluções regionais e o Programa de
Trabalho da OMS. Sua visão é "saúde para todos por meio da excelência da
Enfermagem e Obstetrícia"(2).
A Rede Global é administrada por uma Secretaria Geral e Comitê Executivo,
composto por um Centro Colaborador representante de cada uma das seis regiões
de trabalho da OMS. A Secretária Geral atua como Presidente do Comitê
Executivo. De 1988 a 2008, a Secretaria esteve sediada nos seguintes Centros
Colaboradores: Universidade de Illinois em Chicago nos EUA, Universidade Yonsei
na Coréia do Sul, Universidade de Manchester na Inglaterra, Universidade George
Mason nos EUA e Universidade Glasgow Caledonian na Escócia. De 2008 a 2014 está
sediada no Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em
Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo, Centro este que representa o Brasil na referida Rede desde sua fundação
(3-5)
A missão assumida por esta Secretaria é fortalecer e incrementar a estrutura e
o trabalho desenvolvido pelas Secretarias anteriores e unir os Centros
Colaboradores em atividades comuns focando os objetivos da OMS e favorecendo
sua sinergia(2).
As áreas de trabalho desta Secretaria são: visibilidade - demonstrar a
importância do que a Enfermagem e Obstetrícia fazem para melhorar as condições
de saúde das pessoas no mundo; ação - trabalho conjunto em projetos para
fortalecer as atividades de enfermagem, especialmente na área dos recursos
humanos; parcerias - construir relacionamentos com diferentes stakeholders
visando o desenvolvimento de projetos globais(2).
Este artigo descreve como o trabalho em rede pode transformar ações isoladas
com resultados pontuais em ações convergentes e sinérgicas com resultados
expandidos e impacto na academia, serviços e arena política.
REDE GLOBAL DE CENTROS COLABORADORES DA OMS PARA A ENFERMAGEM E OBSTETRÍCIA
O trabalho em rede ocorre por meio de processos sociais tendo em vista a
consecução de fins comuns, e a sua coordenação apresenta como maior desafio
facilitar o relacionamento em rede com o propósito de manter a produção
conjunta de seus membros. Sendo assim, o foco é a colaboração tanto no que se
refere a ideias, como nas interações(6).
Nessa perspectiva, apesar de um incentivo cada vez maior à criação e
implementação de redes, verificam-se lacunas relacionadas a evidências
empíricas sobre sua real efetividade e atuação, o que, muitas vezes, limita a
contribuição da academia para o desenvolvimento de teorias sobre o tema(7-8).
Sendo assim, o presente artigo apresenta duas motivações: além de divulgar o
trabalho em rede realizado na enfermagem, contribuir, também, com base na
experiência prática das autoras, com elementos que agreguem ao debate sobre
benefícios e desafios vivenciados com o trabalho em rede, especialmente em um
contexto multicultural como é o da Rede Global.
A Rede Global é formada atualmente por 44 Centros Colaboradores, distribuídos
nas seis regiões de trabalho da OMS: 19 na região das Américas (AMRO), 3 na
região africana (AFRO); 5 na região da Europa (EURO), 2 na região leste do
Mediterrâneo (EMRO), 6 na região do Sudeste Asiático (SEARO) e 9 na região
ocidental do Pacífico (WPRO), como melhor se visualiza no mapa abaixo.
A Rede Global apresenta, portanto, uma grande diversidade de abrangência
geográfica e de culturas. Nesse sentido, um dos grandes desafios enfrentados é
a aderência da estrutura institucional interna dos membros com a estrutura da
rede(9-10).
Como uma das estratégias criadas para lidar com esta grande variedade interna e
considerando a missão desta Secretaria da Rede Global, foi desenvolvido um
plano de ação com os seguintes objetivos: fortalecer e intensificar a
comunicação entre os membros; rever a estrutura organizacional da Rede e
revisar o seu Planejamento Estratégico. Visando concretizar estes objetivos, a
Rede implementa, monitora e avalia continuamente uma série de atividades, de
acordo com um cronograma de trabalho pré-estabelecido e aprovado por seus
membros(2).
Dessa forma, esta Secretaria busca fortalecer o relacionamento entre os membros
da rede, enfatizando a interdependência entre suas ações internas e as
oportunidades de colaboração com a OMS e os outros Centros Colaboradores. Nesse
contexto, a ideia dos Centros Colaboradores de trabalharem em conjunto por meio
da implementação de uma rede representou uma alternativa viável para fortalecer
nossa liderança em diferentes atividades e esferas de decisão. Em décadas
recentes, as redes continuamente aparecem como uma das inovações humanas mais
significativas no campo das organizações sociais. No mundo científico,
tradicionalmente intensivo em redes colaborativas, que operam localmente,
regionalmente, nacionalmente e internacionalmente, esta estratégia tem sido
utilizada como meio de troca e compartilhamento de informações, articulação
política, implementação de ações conjuntas, estabelecimento de estratégias de
cooperação e colaboração em pesquisa, dentre outros objetivos.
Figura_1
A proposta de trabalho em rede se apresenta como uma alternativa viável de
fortalecimento da liderança da enfermagem e obstetrícia em diferentes esferas
de atuação e decisão. Desse modo, o plano de ação desta Secretaria busca o
equilíbrio entre as ligações de coesão e dispersão entre seus membros,
valorizando a unificação e o fortalecimento de laços, bem como a
descentralização no processo de tomada de decisão(11), por meio do Comitê
Executivo da Rede.
As estratégias delineadas e desenvolvidas pela Secretaria da Rede Global no
período de 2008 a 2012, suas potencialidades e barreiras são descritas a
seguir.
Formação e Desenvolvimento de Recursos Humanos em Enfermagem e Obstetrícia
A Secretaria da Rede Global realizou um mapeamento das áreas comuns de trabalho
dos Centros Colaboradores com o propósito de conhecer o que efetivamente é
desenvolvido pelos Centros e aproximar Centros que atuam em áreas comuns(12).
Considerando ser a estrutura e eficiência da Rede predominantemente endógena,
os resultados de seu movimento de evolução serão mais efetivos à medida que sua
atuação consiga valorizar a diversidade existente entre seus membros, bem como
sua conexão contínua e sistemática(13).
Desse modo, o mapeamento levou à clara percepção de que a formação de recursos
humanos em Enfermagem e Obstetrícia representa ponto focal do trabalho
desenvolvido pelos Centros, uma vez que a maioria destas organizações (88%) são
Escolas ou Faculdades de Enfermagem.
Os Centros Colaboradores são referência no ensino de graduação e pós-graduação
(lato sensu e stricto sensu) em enfermagem e obstetrícia, e como tal,
desempenham um papel catalizador de futuras lideranças internas e estrangeiras,
que buscam nestes Centros formação sólida e exemplos de liderança para que
possam atuar como agentes de mudanças de suas realidades nacionais e regionais.
Dessa forma, por congregarem lideranças com diferentes formações e
experiências, os membros da Rede atuam como pólo dinamizador de influência e
intercâmbio entre enfermeiros e obstetrizes das diferentes regiões da OMS.
Outra estratégia de aumento da visibilidade das ações dos Centros Colaboradores
é a publicação bianual da Revista Nursing and Midwifery Links. Esta revista foi
criada pelas Secretarias anteriores com o objetivo de disseminar informações
sobre a rede e publicar artigos técnico-científicos relacionados à Enfermagem e
Obstetrícia. Até o momento, esta Secretaria publicou seis volumes da revista,
divulgando as ações dos membros da Rede e de seus parceiros.
Além da revista, esta Secretaria idealizou e implementou a publicação quinzenal
da Newsletter da Rede Global, com informações atualizadas sobre atividades
desenvolvidas na sede da OMS, em suas representações regionais, bem como sobre
temas atuais de interesse para a saúde, enfermagem e obstetrícia.
A Rede organiza e realiza, ainda a cada dois anos, logo após a Reunião
presencial do Comitê Executivo e a Reunião Geral de seus membros, uma
Conferência Científica. A estratégia de criação deste espaço representa um meio
de interação da rede com a sociedade, beneficiando os profissionais e ampliando
a visibilidade do conhecimento gerado pela enfermagem e obstetrícia e a sua
integração com áreas da saúde e afins. Em 2010, esta Secretaria organizou, em
conjunto com o Centro Colaborador para o Desenvolvimento da Pesquisa em
Enfermagem do Brasil, a 8ª Conferência, intitulada "Atenção Primária à Saúde:
muitas perspectivas, uma meta", que contou com 1195 membros efetivos de 35
países e das seis regiões de trabalho da OMS. Em 2012, foi realizada a segunda
edição do evento durante a gestão desta Secretaria em Kobe, Japão, tendo como
tema central "Mesmo com cuidados básicos, prepare-se para o inesperado",
organizada em conjunto com o Centro Colaborador da Universidade de Hyogo.
Além destas ações coordenadas, os membros da Rede Global são chamados a
participarem de grupos de trabalho e Comissões criadas pela OMS para o
desenvolvimento de materiais e publicações especialmente voltados para a
formação de recursos humanos em suas distintas áreas de especialidade.
Observa-se, portanto, que os membros da Rede possuem um papel importante na
formação direta de recursos humanos, assim como na instrumentalização desta
formação, por meio da produção e da disseminação das lições apreendidas como
uma organização que promove a busca de excelência no ensino, e valoriza a
internacionalização e a integração de seus membros, instituições e regiões.
O papel político dos Centros Colaboradores e da Rede Global no fortalecimento
das lideranças de Enfermagem e Obstetrícia
Quanto à contribuição dos Centros Colaboradores membros da Rede Global em
diferentes instâncias de decisão em saúde e suas interfaces, nas esferas
municipal, estadual e federal/nacional, o fato de serem reconhecidos como
referência por uma Organização Internacional, como a OMS, fortalece suas
possibilidades de participação.
Contudo, a participação dos Centros Colaboradores, na maioria dos casos, ocorre
predominantemente na implementação de programas e ações, ao invés de se dar
também nos processos de articulação política e tomada de decisão. Apesar de
avanços, observam-se, ainda, lacunas na valorização externa e do próprio
profissional de enfermagem e obstetrícia, de seu conhecimento, expertise e
potencial no desenho de políticas e programas para fortalecimento dos sistemas
de saúde.
A Rede realiza reuniões anuais e, através delas, alcança os objetivos de
compartilhar experiências bem sucedidas de atuação de enfermeiros e obstetrizes
nas decisões em saúde, demonstra o papel efetivo que o enfermeiro e obstetriz
podem desempenhar e cultiva a consciência interna sobre estas possibilidades
(14) Estimula-se, nesse contexto, a participação destes profissionais em
diferentes órgãos governamentais e não governamentais.
É importante destacar que a consolidação deste sentido de força da enfermagem e
obstetrícia por seus próprios profissionais se intensifica em suas relações com
os pares(15), por meio da participação em órgãos reguladores e sociedades
científicas das profissões.
Além de ações voltadas para o cenário interno, esta Secretaria busca fortalecer
sua parceria com organizações-chave para a enfermagem e obstetrícia, como
oInternational Council of Nurses, International Council of Midwives, a Sigma
Theta Tau International e aGlobal Alliance for Nursing and Midwifery. Não se
pode deixar de mencionar a participação da Rede em fóruns de discussão e
tomadas de decisões globais para a enfermagem e obstetrícia organizados pela
OMS, como, por exemplo, o Global Advisory Group for Nursing and Midwifery. A
possibilidade de participar como observador demonstra o reconhecimento destas
profissões e potencial de atuação desta Rede. Por outro lado, ilustra aos
membros caminhos que podem ser buscados para esses profissionais exercitarem o
papel político que podem desempenhar, reivindicando sua inclusão em processos
decisórios, além de facilitar a seus membros o acesso a documentação
privilegiada sobre discussões atualizadas em saúde.
Nesse sentido, a contribuição da rede poderia ser mais efetiva se contasse, em
sua composição, com Centros Colaboradores representantes de instituições de
serviços de saúde, nas áreas de enfermagem e obstetrícia. Outro ponto a ser
trabalhado é o incentivo a designação pela OMS de mais Centros Colaboradores
nas diferentes regiões da OMS.
Desafios para a efetivação do trabalho em rede entre os Centros Colaboradores e
ações desenvolvidas
Considerando a heterogeneidade dos Centros Colaboradores, sua diversidade
cultural e de experiências regionais, existem muitas barreiras a serem
transpostas conjuntamente para a consolidação do trabalho em rede. Os membros
da Rede têm ciência destas dificuldades e vêm buscando alternativas para
enfrentar estes desafios.
Dessa forma, com base na avaliação positiva da experiência da Rede Global, os
membros decidiram formar redes regionais. Outra alternativa adotada pela atual
Secretaria da Rede para realizar ações consideradas chave em seu plano de ação,
foi o trabalho em Forças Tarefa. Esta ferramenta busca permitir que os membros
dediquem seu tempo, atenção e experiência para atingir objetivos específicos.
As forças tarefa incluem sete membros, seis representando cada região da OMS e
um Coordenador, membro do Comitê Executivo. As Forças Tarefa devem, com base em
sua experiência e conhecimento, entender profundamente os componentes e
diagnosticar problemas relacionadas à situações inseridas no plano de ação da
Rede. Como resultado, devem propor um plano final de atividades a ser
desenvolvido por todos os membros da Rede(2).
Em suma, o histórico de atuação da Rede Global demonstra importantes desafios
que estão sendo enfrentados gradativamente nestes 25 anos de colaboração. As
alternativas buscadas por esta Secretaria desde 2008 e relatadas neste artigo
demonstram a sua legitimidade como referencia de liderança entre seus membros e
entre a Rede e o seu ambiente externo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criação da Rede Global de Centros Colaboradores da OMS representou relevante
marco histórico para a Enfermagem e Obstetrícia, fortalecendo ainda mais a
visibilidade dessas profissões junto à OMS e de seus membros nos cenários
nacional e internacional.
Este artigo descreveu a experiência da atual Secretaria da Rede Global que,
desde 2008, desenvolve estratégias visando potencializar os resultados das
ações de seus membros por meio de um efetivo trabalho em rede.
Apesar de ausência de estudos empíricos sobre o trabalho em rede, as ações
desenvolvidas e seus resultados de curto-prazo apontam a relevância da
existência de objetivos comuns e, especialmente, do estabelecimento de relações
de confiança entre seus membros, que se refletem na legitimidade de sua
Secretaria e Comitê Executivo. Além disso, a valorização de experiências
prévias de atuação isolada e de ações conjuntas de seus membros também promovem
a comunicação aberta e o comprometimento de cada elo desta engrenagem com o
compartilhamento de informações.
As vivências relatadas, assim como as estratégias adotadas e exploradas neste
trabalho podem iluminar os caminhos de outras redes internacionais em formação.
Nesse contexto, é fundamental que a liderança da rede explore ao máximo sua
diversidade de maneira construtiva buscando, simultaneamente, consolidar uma
identidade de rede com foco na interação e colaboração entre seus membros.