Fatores ambientais associados ao tempo de decisão para procura de atendimento
no infarto do miocárdio
INTRODUÇÃO
No Brasil, as doenças cardiovasculares, que incluem o infarto agudo do
miocárdio (IAM), permanecem como a primeira causa de mortalidade proporcional,
responsável por aproximadamente 32% dos óbitos(1). Segundo dados do DATASUS(2),
no ano de 2009, as doenças cardiovasculares corresponderam a 29% do total de
óbitos no país e, o IAM a 7% do total de óbitos no referido ano, o que
demonstra a relevância desta afecção para a saúde pública. A alta taxa de
mortalidade por IAM no Brasil representa um impacto socioeconômico para o país,
pois tem retirado indivíduos do mercado de trabalho em plena idade produtiva.
O tratamento de indivíduos com IAM já instalado baseia-se na recuperação do
fluxo sanguíneo coronariano, sendo o benefício considerado tempo-dependente(3).
Pessoas tratadas na primeira hora de evolução dos sintomas experimentam uma
redução significativa da mortalidade hospitalar(4). Assim, o prognóstico
depende fundamentalmente da agilidade desses indivíduos para alcançar um
serviço de saúde e recuperar a perfusão do miocárdio(3).
No Brasil, há ainda poucos dados disponíveis referentes ao atendimento pré-
hospitalar no IAM. E ainda, muitos estudos são inconclusos a respeito dos
motivos pelos quais os indivíduos retardam em buscar atendimento diante dos
sintomas da doença, especialmente entre os gêneros(5). Estudos nacional(6) e
internacional(7) mostraram que as mulheres com IAM retardaram mais que os
homens para decidir procurar um serviço de saúde após o início dos sintomas.
Logo, o gênero pode constituir em fator que diferencia o comportamento dos
indivíduos face ao IAM, e por isso, merece importância nas investigações.
Estudos têm apontado a influência de variáveis no tempo de decisão para a
procura de atendimento face ao IAM, incluindo, as variáveis ambientais(8-9).
Todavia, no Brasil é escassa a literatura referente à sua influência no tempo
de decisão. Conhecê-la pode orientar práticas em saúde e de enfermagem para a
otimização da busca de atendimento precoce.
Diante do exposto, este estudo objetivou estimar o tempo de decisão para
procura de um serviço de saúde (TD) para homens e mulheres que sofreram IAM;
analisar a influência de variáveis ambientais no TD; e verificar a interação
entre gênero e as variáveis para o desfecho TD.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo exploratório, de corte transversal, realizado em duas
instituições hospitalares, referência para o tratamento do IAM, localizadas no
município de Salvador-BA.
Para o cálculo do tamanho da amostra (n), tomou-se como parâmetro a prevalência
estimada para o infarto agudo do miocárdio (IAM) de 99/100.000 adultos em
Salvador/BA(10). Foram também considerados no cálculo da amostra os seguintes
parâmetros:
N - número de total da população assumida durante o período de coleta de dados
= 1.000; P - proporção dentro da população estudada = 0,099; n - tamanho da
amostra; α - nível de significância; (1 - α)100% - grau de confiança; B - erro
máximo estimado desejado; Zα/2=1,96; 1 - α=0,95; B= 0,04 ou 4%(11).
De acordo com o cálculo, o tamanho da amostra seria de 99, mas esta foi
composta por 100 indivíduos, cujos critérios de inclusão foram: diagnóstico
médico de IAM, com ou sem supradesnivelamento do segmento ST, registrado em
prontuário; internação há pelo menos 24h ou com tempo máximo de pós IAM de 30
dias, para evitar o viés recordatório; orientação no tempo e espaço; ausência
de restrições médicas para a entrevista; e aquiescência ao estudo.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética das instituições hospitalares,
protocolo 11/09, e respeitou os princípios éticos da Resolução 196/96, do
Conselho Nacional de Saúde(12).
O instrumento para a coleta de dados foi constituído por duas partes, com
questões estruturadas. A parte I, denominada Dados de caracterização
sociodemográfica, constou de: local de internamento, idade, sexo, raça/cor
autodeclarada, escolaridade, estado civil, condição laboral, renda familiar,
moradores do domicílio, número de dependentes, local de residência e posse de
convênio de saúde. A parte II, denominada Componente ambiental do IAM,
compreendeu questões referentes ao local de início dos sintomas; dia e hora da
decisão pela procura do serviço de saúde; pessoas no entorno ao início dos
sintomas; pessoas a quem pediram ajuda, suas ações e o acompanhamento até o
serviço de saúde.
A técnica de coleta de dados foi a entrevista, realizada no período de abril a
novembro de 2009. Apenas o diagnóstico médico foi confirmado em prontuário.
Após a identificação dos indivíduos, no livro de registro e no prontuário,
foram selecionados, nas unidades de internação, aqueles que atendiam aos
critérios de inclusão, e que estavam livres de exames e/ou possíveis
procedimentos por uma hora. Cada participante foi entrevistado uma única vez.
Os dados compuseram uma base de dados do programa SPSS, versão 17.0 for
Windows, e foram analisados em percentuais e médias. Para analisar a associação
entre as variáveis sociodemográficas e clínicas segundo o gênero empregou-se o
teste Qui-quadrado ou o Teste Exato de Fisher na ocorrência de valores
esperados abaixo de 5, em tabelas 2x2. Nas análises bivariadas e multivariadas,
mediante o modelo de Regressão Linear Robusto, verificou-se a associação entre
TD e as variáveis ambientais, bem como se testou o termo de interação entre o
gênero e as variáveis de interesses. Com a finalidade de corrigir a
distribuição da assimetria dos tempos (TD), em decorrência de valores extremos,
relatados pelos participantes do estudo, foi aplicada a média geométrica para
interpretação do TD ao invés da média aritmética, que tem a propriedade de ser
influenciada por valores extremos.
Para a identificação das potenciais variáveis independentes associadas com o
desfecho em estudo, considerou-se aquelas que diferiram de zero, sendo
estatisticamente significativa (p≤0,05, teste bilateral) e no limiar da
significância 0,05<p≤0,10, teste bilateral. Esta adoção visou valorizar aquelas
associações que seriam descartadas apesar de sua plausibilidade ou importância
epidemiológica.
RESULTADOS
Caracterização sociodemográfica A amostra foi constituída por 100 indivíduos,
predominando homens (71,0%). A média de idade para os homens (H) foi de 58,70
(S=11,08) anos e para as mulheres (M) de 58,97 (S=12,10).
Na Tabela_1, verifica-se que a raça/cor autodeclarada mais frequente foi a
negra (71%), também para H e M. A maioria da amostra era casada ou tinha união
estável (75,0%) e essa condição prevaleceu para H=58(81,7%) e M=17(58,6%). A
baixa escolaridade foi característica, pois 69,0% dos indivíduos eram
analfabetos, sabiam apenas assinar o nome ou cursaram até o 1º grau, sendo
também prevalente para o grupo de H=50(70,3%) e de M=19(65,5%).
Tabela1 Caracterização sociodemográfica segundo amostra e gênero, Salvador-BA,
2010
FATORES SOCIODEMOGRÁFICOS AMOSTRA HOMENS MULHERES
N= 100 % n=71 % n=29 %
Idade
Menor que 60 anos 56 56,0 37 52,1 19 65,5
Maior ou igual a 60 anos 44 44,0 34 47,9 10 34,5
Raça/cor autodeclarada
Branca 29 29,0 19 26,8 10 34,5
Negros 71 71,0 52 73,2 19 65,5
Estado civil
Casado(a) 58 58,0 46 64,8 12 41,4
Com companheiro(a) 17 17,0 12 16,9 5 17,2
Separado(a)/divorciado(a) 9 9,0 4 5,6 5 17,2
Solteiro(a) 9 9,0 6 8,4 3 10,3
Viúvo(a) 7 7,0 3 4,2 4 13,8
Escolaridade
Analfabeto(a) 6 6,0 5 7,0 1 3,4
Assina o nome 7 7,0 5 7,0 2 6,9
Até o 1º grau 56 56,0 40 56,3 16 55,2
Até o 2º grau 18 18,0 14 19,7 4 13,8
Até o 3º grau 13 13,0 7 9,9 6 20,7
Condição laboral
Desempregado(a) 7 7,0 4 5,6 3 10,3
Empregado(a) 14 14,0 10 14,1 4 13,8
Autônomo(a) 34 34,0 22 31,0 12 41,4
Aposentado(a) com atividade 19 19,0 17 23,9 2 6,9
Aposentado(a) sem atividade 26 26,0 18 23,3 8 27,6
Renda familiar
Até 3 salários * 63 63,0 44 62,0 19 65,5
Acima de 3 salários * 37 37,0 27 38,0 10 34,5
Nº de dependentes
0-3 58 58,0 37 52,1 21 72,4
3 a 6 37 37,0 31 43,7 6 20,7
> 6 5 5,0 3 4,2 2 6,9
Com quem mora
Sozinho(a) 11 11,0 8 11,3 3 10,3
Com companheiro(a) 69 69,0 54 76,1 15 51,7
Filhos(as) 63 63,0 46 64,8 17 58,6
Neto(a) 23 23,0 13 18,3 10 34,5
Genro/nora 15 15,0 10 14,1 5 17,2
Irmão(a) 4 4,0 4 5,6 - -
Outros familiares 3 3,0 2 2,8 1 3,4
Amigos(as) 2 2,0 2 2,8 - -
Enteado(a) 2 2,0 2 2,8 - -
Convênio
Sim 1 1,0 - - 1 3,4
Não 99 99,0 71 100 28 96,6
Local de residência
Salvador 70 70,0 51 72,2 19 65,5
Região Metropolitana 2 2,0 1 1,4 1 3,4
Outras cidades da Bahia 28 28,0 18 25,4 10 31,1
Local de internamento
Hospital I - HAN 80 80,0 57 80,2 23 32,3
Hospital II - HSI 20 20,0 14 19,8 6 67,6
*Salário mínimo no período de coleta de dados: R$465,00.
No que tange à atividade laboral, 67,0%, H=49(69,0%) e M=18(62,1%), eram
profissionalmente ativos, ou seja, empregados(as), autônomos(as) ou aposentados
(as) com atividade; 33,0%, H=22(28,9%) e M=11(37,9%), não tinham atividade
profissional por estarem desempregados ou aposentados sem atividade. A renda
familiar predominante foi de até três salários mínimos tanto para os H=44
(62,0%) quanto para as M=19(65,5%).
O número de dependentes prevalente foi de até três (58%), o mesmo sendo
observado para os H=37(52,1%) e as M=21(72,4%). Com relação ao número de
pessoas com quem dividiam a residência, 11% moravam sozinhos e, os demais 89%,
com outros familiares ou amigos, sobressaindo-se entre eles o(a) companheiro(a)
(69%) e filhos(as) (63%), perfazendo uma média de duas pessoas por moradia. Os
H em relação às M viviam mais com a companheira (p=0,017) e as M com suas netas
(p=0,081).
Os participantes foram predominantemente procedentes de Salvador e Região
Metropolitana (72,0%). Com relação ao hospital de internamento, 80,0% foram
internados no Hospital I e 20% no Hospital II. A amostra foi atendida pelo
Sistema Único de Saúde (SUS), apesar de uma participante (1,0%) ter referido
posse de convênio de saúde.
Caracterização do contexto ambiental no início do infarto agudo do miocárdio
Na Tabela_2, verifica-se que mais da metade da amostra (76,0%) estava em casa
quando os sintomas do IAM começaram, o mesmo sendo observado para os gêneros
(p=0,580).
Tabela 2 Caracterização do contexto ambiental segundo amostra e gênero,
Salvador-BA, 2010
AMOSTRA HOMENS MULHERES Valor
CARACTERÍSTICAS AMBIENTAIS n % n % n % de p
Local do início dos sintomas (n = 100) 100 71 29
Casa 76 76,0 52 73,2 24 86,2 0,580
Via pública 18 18,0 14 18,3 4 10,3
Trabalho 6 6,0 5 7,0 1 3,4
Pessoas no entorno no início dos sintomas 68 45 23
Companheiro(a) 38 55,9 30 66,7 8 34,8 0,170
Filhos(as) 23 33,8 12 26,7 11 47,8 0,024
Outros familiares 17 25,0 12 26,7 5 21,7 0,971
Colegas de trabalho/vizinhos 8 11,8 5 11,1 3 13,0 0,573
Pessoas solicitadas para ajuda 90 63 27
Companheiro(a) 39 43,3 31 49,2 8 29,6 0,134
Filhos(as) 31 34,4 20 31,7 11 40,7 0,341
Outros familiares 18 20,0 14 22,2 4 14,8 0,485
Vizinhos 16 17,8 12 19,0 4 14,8 0,701
Colegas de trabalho 4 4,4 2 3,1 2 7,4 0,341
Ações das pessoas do entorno 41 25 16
Disseram para buscar um serviço de saúde/ajuda/realizar 25 60,1 15 60,0 10 62,5 0,956
exames
Ofereceram alguma coisa para tomar 11 26,8 7 28,0 4 25,0 0,571
Não deram importância/Disseram para não de preocupar / 5 12,2 3 12,0 2 12,5 0,342
Orientaram a descansar
Acompanhante até o 1º local de atendimento 86 60 26
Vizinhos(as) 40 46,5 25 41,7 15 57,7 0,126
Filhos(as) 33 38,3 26 43,3 7 26,9 0,228
Outros familiares 19 22,1 13 21,7 6 23,0 0,781
Companheiro(a) 10 11,6 8 13,3 2 7,7 0,506
Colegas de trabalho/amigos 5 5,8 4 6,7 1 3,8 0,873
A maioria da amostra (68,0%) estava em companhia de alguém no início do evento
cardiovascular. A média de acompanhantes por participantes foi de 2,2. Dentre
as pessoas no entorno predominaram o(a) companheiro(a) (55,9%) e os(as) filhos
(as) (33,8%). Na análise por gênero, verificou-se que os H estavam em maior
proporção sozinhos (36,6%), em relação às mulheres (21,7%), (p= 0,486). Quando
acompanhados, os H estavam em maior proporção com a companheira, do que as
mulheres (p= 0,170). As M estavam em maior proporção acompanhadas pelos filhos
do que os homens e essa associação foi estatisticamente significante (p=
0,024).
Dos 100 participantes, 90 pediram ajuda a alguém face aos sintomas do IAM
predominando a figura do(a) companheiro(a) (44,3%) seguida dos filhos(as)
(34,3%). As M clamaram com maior frequência por seus filhos(as), em seguida por
seus companheiros, e os H por suas companheiras, seguido dos(as) filhos(as). No
entanto, não houve associação entre pessoas evocadas para ajuda e o gênero.
Dos 90 participantes que estavam acompanhados, 41 foram alvo de suas ações.
Predominaram para a amostra, e para H e M, as ações de "dizer para procurar
atendimento médico/pedir ajuda/realizar exames" (60,1%; H=60,0% e M=62,5%),
seguidas de "oferecer algo para tomar" (26,8%; H=28,0% e M=25,0%). Menor
proporção de participantes não tiveram suas queixas valorizadas pelas pessoas
no entorno em razão de ações como "não dar importância", "dizer para não se
preocupar e orientar a descansar" (12,2%; H=12,0% e M=12,5%).
Predominaram como acompanhantes dos participantes até o serviço de saúde, tanto
para a amostra como para os gêneros, os vizinhos (46,5%) seguidos dos(as)
filhos(as) (38,3%), outros familiares (22,1%) e companheiro(a) (11,6%). Não
houve associação entre gênero e tipo de acompanhante ao local de atendimento
médico.
Comparação dos tempos de decisão segundo fatores ambientais e o gênero
A média geométrica (MG) e a mediana do TD foram, respectivamente, 1,1h e 1,0h.
Para as M, a MG para TD foi de 1,4h e a mediana de 1,5h e, para os H, a MG foi
de 0,9h e a mediana de 1,0h. As mulheres apresentaram tempos médios de decisão
maiores do que os H, no entanto não houve diferença estatisticamente
significante.
Na Tabela_3 observa-se que as pessoas que estavam em casa no início dos
sintomas tiveram maior TD em relação às que estavam em via pública e menor TD
dos que estavam no trabalho (p= 0,047). Não houve interação entre gênero e
estar em casa no início dos sintomas para o desfecho TD.
Tabela 3 Características do contexto ambiental associados ao TD e o gênero,
Salvador-BA, 2010
CARACTERÍSTICAS DO CONTEXTO MG TD * p† MG TD * p‡
AMBIENTAL AMOSTRA n = 100 H n=71 M n = 29
Local do início dos sintomas
Casa (76) 1,3 1,2 1,6
Trabalho (6) 1,4 1,17 4,0 0,977
Via pública (18) 0,4 0,4 0,5
Pessoas do entorno no início dos
sintomas
Sim (68) 0,7 0,119 0,7 0,6 0,486
Não (32) 1,3 1,1 1,8
Companheiro(a)
Sim (38) 1,5 0,165 1,1 6,1 0,012
Não (62) 0,9 0,9 0,8
Filhos (as)
Sim (23) 0,8 0,373 0,4 1,8 0,106
Não (77) 1,2 1,2 1,2
Vizinhos (as)
Sim (3) 1,3 0,791 2,6 0,3 0,985
Não (97) 1,1 0,9 2,5
Colegas de trabalho
Sim (5) 1,6 0,474 1,6 1,7 0,762
Não (95) 1,0 0,9 1,4
O que as pessoas no entorno
disseram para fazer
Ofereceram algo para tomar
Sim (11) 1,9 0,100 2,0 1,9 0,440
Não (89) 0,9 0,8 1,3
Não deram importância
Sim (5) 4,2 0,117 5,6 2,8 0,116
Não (95) 1,0 0,9 1,3
Disseram para buscar atendimento
médico
Sim (25) 1,9 0,680 0,8 1,7 0,571
Não (75) 0,9 0,7 1,3
*MG - Média Geométrica, em horas, do TD;
p†- mostra a diferença entre as categorias das variáveis específicas;
p‡- mostra a heterogeneidade entre homens e mulheres (a interação).
Todos os valores de p foram obtidos pelo modelo de regressão linear robusto.
Não se observou associação significante entre haver ou não pessoas no entorno
no início dos sintomas e TD. Verificou-se interação entre gênero e ter o
companheiro como pessoa no entorno para o desfecho TD (p=0,012) e ter filhos
(as) no entorno para o desfecho TD (p=0,106). As M que estavam com companheiros
e filhos(as), em relação aos H com as companheiras e filhos(as) tiveram maior
TD (6,1h e 1,8h).
Os participantes que sofreram a ação das pessoas no entorno não apresentaram
maior TD. Não constatou-se também interação entre gênero e ação das pessoas no
entorno para o desfecho TD.
DISCUSSÃO
Neste estudo predominaram homens com IAM o que corresponde aos achados na
literatura internacional(8) e nacional(6). As mulheres desenvolveram IAM mais
precocemente considerando-se as idades limites de 55 anos para os homens e 65
anos para as mulheres, tomadas como ponto de corte para a prematuridade de IAM
em relação aos gêneros(13). A amostra apresentou também características
sociodemográficas homogêneas, pois era usuária do SUS, oriunda basicamente da
cidade de Salvador e Região Metropolitana, declarando-se majoritariamente de
raça/cor negra e vivendo em condição de desigualdade social evidenciada pela
baixa escolaridade e renda familiar. Estes achados confirmam as descrições na
literatura nacional(14)e internacional(15)dessas características como
potencializadoras do risco de doença cardiovascular.
Tanto os homens como as mulheres retardaram para decidir procurar um serviço de
saúde, as mulheres apresentando tempo superior (1,4h vs 0,9h), o que expôs os
gêneros a elevado risco de mortalidade, pois cerca de 50% das pessoas com IAM
morrem na primeira hora de evolução do evento cardiovascular(4). Há que se
considerar que após a tomada de decisão os participantes ainda despenderam
tempo deslocando-se para um serviço de saúde até obter o diagnóstico e
tratamento.
Outras investigações também(6-7) verificaram que as mulheres com IAM,
comparadas aos homens, retardaram mais para procurar um serviço de saúde após o
início dos sintomas. Desta forma, o gênero pode ser um fator que diferencia o
comportamento de indivíduos quanto a doença e o uso dos serviços de saúde.
Muitas vezes, as mulheres não querem incomodar com seus problemas de saúde e
demoram em procurar atendimento(16). A possibilidade de afastamento pela doença
pode provocar o medo da desorganização familiar, do desamparo da família ao
deixar seus membros sem o cuidado costumeiramente dispensado e, ainda, o medo
da dependência econômica ou física(17). Assim, a resistência em buscar por
atendimento configura-se como uma tentativa de preservar a vida cotidiana para
desempenhar, principalmente, o papel de organizadora do espaço doméstico(18).
Nesse sentido, percebe-se a importância dos trabalhos de educação em saúde
envolvendo as questões de gênero, no intuito de minimizar os comportamentos
individuais que são prejudiciais a saúde.
Apesar de não ter ocorrido interação entre o local de início dos sintomas do
IAM e gênero para o desfecho TD, observou-se que as mulheres estavam
majoritariamente em casa. Já os homens estavam em maior proporção em via
pública e no trabalho. Tais achados parecem refletir ainda os papéis sociais
dos homens como provedores da família e das mulheres como mães e organizadoras
do espaço doméstico. Vale destacar que homens e mulheres inserem-se na vida
familiar segundo referenciais de gênero, apreendidos ao longo da vida e que
determinam funções socialmente legitimadas(19).
Ainda no tocante ao local de início dos sintomas do evento cardiovascular,
observou-se que a maioria dos participantes estava em casa. Esses tiveram maior
TD em relação aos que estavam em via pública e menor TD em relação aos que
estavam no trabalho no início dos sintomas. Parece que o mundo do trabalho
ofereceu maior resistência a tomada de decisão e que os locais de trabalho dos
participantes do estudo não estavam preparados para ajudá-los a decidir pela
procura imediata de atendimento. As pessoas em via pública chegaram mais
rápido, e isso talvez se deva a sensibilidade para ajuda daqueles em seu
entorno no espaço público. Esses achados contrastam com os resultados de outras
pesquisas, que apontaram o estar no domicílio como fator contribuinte para
maior TD em relação a outros locais(9). Tal estudo ressaltou que os indivíduos
que estavam em casa resistiram mais aos sintomas ou entraram em contato com o
próprio médico ao invés de procurar o serviço de emergência e, portanto, foram
susceptíveis a maior tempo de decisão para a procura do atendimento médico(9).
A maioria dos participantes estava acompanhada no início dos sintomas,
especialmente por familiares, e esses apresentaram menor TD em relação aos que
estavam sozinhos, embora sem associação estatisticamente significante. De modo
semelhante, em outro estudo(9), os indivíduos cujos sintomas começaram na
presença de alguém tiveram menor TD. Já foi constatado(20) que familiares e
vizinhos julgaram a gravidade dos sintomas do evento cardiovascular em curso e
decidiram pela procura de ajuda. Portanto, aqueles presentes no contexto
ambiental do IAM podem influenciar e auxiliar na busca de atendimento,
combatendo as ações de resistência por parte das mesmas. É preciso salientar
que as vítimas de IAM podem resistir à procura de um serviço de saúde,
alimentando a esperança de melhora e de que nada mais grave estaria acontecendo
ou, mesmo, podem se sentir dominadas pelos sintomas e, portanto, sem condições
para acionar um serviço médico de emergência.
Estes achados revelam a importância de familiares e da rede de vizinhança, de
pessoas em risco potencial para IAM, serem alvos de programas educativos nos
serviços de saúde que frequentam, visando à redução dos tempos de retardo pré-
hospitalar e a implementação de ações de suporte básico de vida face ao IAM. A
capacitação desses grupos para o reconhecimento dos sintomas e estar à frente
na decisão e no acionamento de um serviço de emergência, pode evitar ações
equivocadas como a de relativizar a gravidade da situação e de oferecer
líquidos, a exemplo de chá, água entre outros, tal como constatado no presente
estudo. As ações equivocadas das pessoas no entorno determinaram maior TD.
Depreende-se, portanto, que ter uma pessoa no entorno contribuiu para menor TD,
todavia algumas ações realizadas por essas pessoas podem contribuir para o
aumento ou diminuição do TD, a depender da sua adequação ao IAM.
Embora os participantes acompanhados no início dos sintomas tenham apresentado
menor TD em relação aos que estavam sozinhos, verificou-se interação entre
gênero e pessoas no entorno para o desfecho TD. As mulheres na presença de
companheiros e filhos(as), em relação aos homens com companheiras e filhos(as),
apresentaram maior TD. Tais achados sugerem a forte representação materna no
grupo estudado. É possível que as queixas das mulheres sejam menos valorizadas
no contexto familiar e o fato de naturalmente estarem imbuídas das
responsabilidades do lar e da preocupação com cuidados de seus familiares pode
fazer com que sejam relativizadas as suas próprias necessidades por atendimento
em saúde. Constatou-se também que as pessoas mais frequentemente no entorno de
vítimas de IAM foram solicitadas para ajuda, sendo que as mulheres clamaram com
maior frequência por seus filhos(as) e os homens por suas companheiras.
Corroborando com esses achados outro estudo(21) mostrou que os homens com IAM
foram mais encorajados pelas esposas a ir ao hospital ou acionar uma
ambulância, já as esposas foram mais encorajadas por seus filhos do que pelos
maridos.
Com relação ao acompanhante até o primeiro local procurado para atendimento,
houve predominância de vizinhos, seguidos de filhos(as), outros familiares,
companheiro(a) e colegas de trabalho. Apesar de não ter ocorrido associação
entre o gênero e o tipo de acompanhante, predominaram os vizinhos para as
mulheres e os(as) filhos(as) para os homens, provavelmente em virtude de
fatores como disponibilidade de tempo, proximidade geográfica, rede de suporte
social ou posse de transporte particular para a condução da vítima.
Programas de educação comunitária precisam abranger diferentes grupos,
incluindo empresas, escolas, bases militares, complexos habitacionais, prédios
públicos, grupos religiosos, centros de saúde e instituições hospitalares,
programas de saúde da família, etc. Devem visar aumentar a porcentagem de
pessoas que chamam o serviço de emergência e obtêm ajuda rapidamente. Públicos
alvo e enfermeira(o)s devem trabalhar juntos para ajudar a reduzir o intervalo
de tomada de decisão entre o início dos sintomas e a iniciativa de procurar
socorro.
Junto à equipe de saúde a(o) enfermeira(o) deve enfrentar o desafio de
descobrir populações de maior risco e recrutar familiares dos pacientes para se
tornarem peritos conscientes, modelos de entusiasmo e de motivação e, também,
intervencionistas bem informados e treinados. E, considerando que o infarto
está associado a populações de baixa renda e nível de instrução, como
constatado nessa investigação, esses grupos devem receber cobertura especial
dos programas educativos, bem como de ações pedagógicas compatíveis com suas
possibilidades de aprendizagem. Além disso, programas de treinamento continuado
devem ser desenvolvidos para prevenir a deterioração das habilidades
necessárias. A(o) enfermeira(o) deve ocupar espaço importante na prevenção,
reconhecendo-se como sujeito que pode contribuir no processo educativo de
indivíduos, visando a conscientização dos sinais de eventos cardiovasculares
iminentes, a execução de condutas iniciais frente a esses e a otimização da
busca imediata por um serviço de saúde diante dos sinais e sintomas prodrômicos
do IAM(18).
Tais programas devem privilegiar uma abordagem diferenciada para homens e
mulheres, já que seus comportamentos, face aos sintomas do IAM, podem ser
influenciados pela perspectiva social de gênero. A(o) enfermeira(o) pode atuar
no plano simbólico dos indivíduos, com abordagem de gênero, visando desenvolver
a percepção de que resistir aos sintomas pode significar o risco de perder a
vida ou limitá-la permanentemente(18).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo trouxe contribuições sobre os fatores ambientais e de gênero que
interferem no TD dos indivíduos com IAM para a procura de um serviço de saúde,
na amostra estudada em Salvador/BA.
Observou-se que a maioria dos participantes estava no domicílio e com
familiares no entorno no início do IAM. A maioria pediu ajuda a companheiros,
filhos, outros familiares e vizinhos e foi alvo de várias ações equivocadas.
Observou-se TD elevados para homens e mulheres, essas apresentando tempos
superiores, mas sem diferença estatisticamente significante. Encontrou-se
associação significante para as pessoas em casa no início dos sintomas
(TD=1,3h), em relação as que estavam no trabalho (TD=1,4h) ou via pública
(TD=0,3h). Houve interação entre gênero e viver acompanhado e entre gênero e
ter companheiro e filhos como pessoas no entorno, para o desfecho TD. As
mulheres na presença de companheiros e filhos(as), em relação aos homens com
companheiras e filhos(as), apresentaram maior TD.
O conhecimento obtido oferece subsídios para práticas de cuidar em enfermagem
focalizadas nas especificidades desses fatores e dos gêneros, vislumbrando
intervenções que promovam a ação correta e a valorização da busca por
atendimento em saúde por pessoas que sofrem IAM.
Destaca-se como possível limitação do estudo o tamanho da amostra. É possível
aventar a hipótese de que, com amostras maiores, outras associações
significantes poderiam ter sido encontradas. Cabe também ser considerado que o
presente trabalho deteve-se a verificar a interação entre TD e as variáveis
ambientais, segundo o gênero e, outras variáveis, a exemplo das clínicas,
cognitivas e emocionais precisam ser avaliadas em outras pesquisas.
O campo de análise com base na categoria gênero é ainda incipiente, necessita
de aprofundamento por meio de pesquisas que poderão trazer benefícios para a
prevenção da morbidade e mortalidade pela doença. Intervenções educacionais em
campanhas públicas ou individualizadas que focalizem as diferenças específicas
de gênero, identificadas no presente estudo, precisam ser testadas em
comunidades e pessoas com maior risco para IAM.