Prejuízos nutricionais e distúrbios no padrão de sono de trabalhadores da
Enfermagem
INTRODUÇÃO
O trabalho em turnos surgiu após a organização das sociedades e se intensificou
durante a Revolução Industrial e também com o advento da luz artificial, o que
permitiu prolongar as atividades cotidianas, inclusive para o período noturno
(1). Com o desenvolvimento dos processos tecnológicos, mudanças econômicas e
demográficas, bem como com o estreitamento e globalização das relações entre
países, o trabalho em turnos se tornou imprescindível numa sociedade com ritmo
de trabalho de 24 horas(2).
Existem diferentes tipos de trabalhadores que exercem suas atividades
profissionais no esquema de turnos. Entre esses, destacam-se os trabalhadores
envolvidos na prestação de serviços de saúde, como os profissionais da área de
Enfermagem(1). Nesse caso, o trabalho em horários não convencionais e as longas
jornadas são fonte de desgaste físico e emocional, que repercutem negativamente
no estilo de vida, comprometendo, entre outros fatores, a qualidade do sono e o
comportamento alimentar(3).
Evidências atuais têm postulado que o número, a duração e a irregularidade de
horários dos turnos de trabalho afetam de forma importante o padrão de sono
(2,4-6). Além disso, esse esquema laboral pode comprometer horários e
frequência das refeições e as preferências alimentares destes profissionais(7),
deteriorando os hábitos alimentares(8-10). Esses prejuízos no padrão de sono e
nos hábitos alimentares, os quais podem estar intimamente interligados(10-11),
têm se mostrado capazes de predispor a obesidade e suas comorbidades associadas
(10,12). Estudos apontam que estado nutricional dos profissionais da Enfermagem
pode sofrer alterações negativas, o que é demonstrado pela elevada prevalência
de sobrepeso e obesidade nessa população(2-3,13).
Deste modo, esse artigo tem como objetivo elaborar uma revisão integrativa da
literatura, abordando a influência do trabalho em turnos sobre o perfil
nutricional e o padrão de sono dos profissionais da área da Enfermagem que
atuam no esquema de turnos, com especial ênfase na relação entre a privação do
sono e os hábitos alimentares.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo do tipo revisão integrativa, um método de pesquisa que
possibilita a síntese de estudos publicados e geram conclusões gerais a
respeito de uma determinada área de pesquisa. Estudos de revisão integrativa
têm como objetivo obter um entendimento relevante sobre um determinado fenômeno
com base em estudos realizados anteriormente(14). Esse método consiste em uma
ampla análise da literatura o que contribui para discussões acerca de métodos e
resultados de pesquisas, além de apontar lacunas do conhecimento que podem ser
preenchidas com a realização de novos estudos(14-15).
Este estudo foi baseado no método de Beyae e Nicoll(16)incluindo as seguintes
etapas: seleção do tema e da questão da pesquisa; estabelecimento de critérios
para inclusão e exclusão de estudos; definição das informações gerais a serem
extraídas dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa;
interpretação dos resultados e apresentação da revisão.
Nesta revisão, formulou-se a seguinte questão norteadora: "O turno de trabalho
pode influenciar a ingestão alimentar e/ ou o estado nutricional e/ou os
hábitos de sono de profissionais da área da Enfermagem"?
O levantamento bibliográfico foi realizado por meio de consultas nas bases de
dados PubMed / MEDLINE (USA National Library of Medicine), Lilacs / SciELO
(Scientific Eletronic Library Online) e Google Acadêmico, no período de 2002 a
2014. Na base Pubmed / MEDLINE foi utilizada a associação dos descritores
"nursing professional" e "shift work" com o descritor "sleep" e foram
encontradas 12 publicações. Ao associar os descritores "nursing professional" e
"shift work" com "food intake", "body weight" e "obesity", foi registrada uma
ocorrência de publicação indexada. Assim, foi utilizado uma ocorrência de
publicação indexada. Assim, foi utilizado o descritor "shift work" associado
aos descritores "food intake" e/ou "body weight" e/ou "obesity" e foram
selecionadas apenas as publicações relacionadas aos profissionais da área de
enfermagem. Nas bases Lilacs / SciELO e Google Acadêmico a busca foi realizada
utilizando o descritor "enfermeiro" associado ao descritor "sono", pelo método
integrado e foram encontradas seis publicações. Utilizou-se também o descritor
"enfermeiro" associado aos descritores "ingestão alimentar" e/ou "peso
corporal" e/ou "obesidade" e foram encontradas duas publicações.
Para compor a amostra foram utilizados os seguintes critérios: apresentar
desfecho relacionado ao turno de trabalho e sua influência sobre a ingestão
alimentar e/ou sobre o estado nutricional e/ou sobre os hábitos de sono de
profissionais da área de enfermagem. Para análise desses critérios foi
necessária a leitura de cada resumo das publicações encontradas visando
identificar o panorama geral da pesquisa. Definindo-se os trabalhos
selecionados, foram capturados os textos completos e sintetizados os resultados
principais acerca do foco deste estudo (ingestão alimentar, estado nutricional
e hábitos de sono de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem que
trabalham em instituições hospitalares).
Inicialmente, a amostra foi constituída de 42 publicações que atenderam aos
critérios de busca. Após a leitura dos textos completos foram excluídos 11
estudos que, apesar de mencionarem as palavras-chave "enfermeiro" associado com
"ingestão alimentar" ou "peso corporal" ou "obesidade" e suas devidas traduções
para a língua inglesa ou espanhola, não aderiram aos objetivos dessa revisão.
RESULTADOS
Foram identificados 31 artigos que preencheram os critérios estabelecidos. As
evidências foram provenientes, em sua maioria (29), de estudos de natureza
quantitativa com desenho transversal e, também, de dois estudos de coorte. A
prática clínica baseada em evidências tem como pilar o uso de resultados de
pesquisas(17). A qualidade da evidência é atribuída pela sua validade e
relevância, portanto, antes de ser utilizada, deve ser avaliada quanto à
acurácia, relevância e aplicabilidade em determinada situação(17).
A literatura tem caracterizado as evidências de forma hierárquica, assim,
quanto mais bem delineada é a pesquisa, mais fortes são as evidências(18), o
importante é que o desenho das pesquisas utilizadas seja capaz de responder a
questão nor-teadora(18-19). Estudos observacionais do tipo coorte possuem
níveis de evidencia tipo IV e do tipo transversal, possuem nível de evidência
do tipo V(19). O grau de recomendação desses estudos é classificado como B(19).
Perfil nutricional de profissionais de enfermagem
É atualmente reconhecido pela literatura que os profissionais da área da
Enfermagem constituem uma população de risco para o ganho de peso de forma
inadequada e que a prevalência de obesidade neste grupo é elevada. O Quadro_1
mostra estudos da literatura desenvolvidos em diferentes países que analisaram
o estado nutricional de profissionais da área de enfermagem.
Quadro 1 Perfil nutricional de profissionais da área de enfermagem
Autor(es), Ano, Delineamento PopulaçãPrincipais resultados
País
9.851
(sexo Entre as trabalhadoras do turno rotativo, a prevalência de sobrepeso (18,6%) e
Kim et al, 2013 Transversal feminino) de obesidade (7,4%) aumentou proporcionalmente ao tempo de trabalho em turnos
Coreia do Sul 5.149 R (p<0,001).
4.702 D
Bogossian et 4996*
al. 2012 Coorte (sexo 61,87% da amostra apresentaram sobrepeso ou obesidade de (IMC ≥ 25 kg/m2).
Austrália feminino)
Han et al. , 2103*
2011 Estados Transversal (sexo 57,3% da amostra apresentavam sobrepeso ou obesidade.
Unidos feminino)
2494
(sexo 31,8% das participantes apresentaram sobrepeso e 26,9%, obesidade.
Zhao et al. , Coorte feminino) Trabalhadores em turnos rotativos tinham 1,15 mais chance de ter excesso de
2011 Austrália 1259 D peso/obesidade que os trabalhadores do turno fixo diurno.
1235 R
378 R
(32 sexo
Wong et al. , Transversal masculino 20,1% apresentavam IMC superiores a 23kg/m2 o que, de acordo com as faixas de
2010 China e 346 peso preestabelecidas para esta população, indica obesidade.
sexo
feminino)
Tavares et al. 418*
, 2010 Brasil Transversal (ambos os 45,3% dos participantes apresentavam sobrepeso e 32,9%, obesidade (p<0,05).
sexos)
207 A média de IMC foi de 23, 17Kg/m2. 19% apresentaram sobrepeso e 4%, obesidade.
Sampedro et al. Transversal 35 F Foi encontrada uma alimentação mais saudável no turno rotatório quando
, 2010 Espanha 172 R comparada ao turno fixo.
Botolli, Moraes 80
& (11 sexo O sobrepeso e a obesidade estavam presentes em 56,3% da amostra, além disso,
Goldmeier; 2009 Transversal masculino 75% da amostra apresentou a circunferência da cintura acima dos valores
Brasil e 69 sexo limítrofes (≥ 94cm para homens e ≥ 80cm para mulheres).
feminino)
760*
Miller et al. , (61 sexo
2007 Estados Transversal masculino A média de IMC foi 27,2kg/m2. 54% estavam com sobrepeso ou obesos.
Unidos e 699
sexo
feminino)
996D e N
(118 sexo
Fischer et al. Transversal masculino Prevalência de 21,5% de sobrepeso (25 Kg/m2 ≥ IMC ≤ 29,9 Kg/m2) e de 35,8% de
, 2006 e 878 obesidade (IMC ≥ 30 Kg/m2) nos profissionais da área de enfermagem.
sexo
feminino)
360 N
(134 sexo
Ha & Park, Transversal masculino A RCQ crescia proporcionalmente ao número de anos trabalhados a noite
2005 Coreia e 226 (p<0,05).
sexo
feminino)
204*
(20 sexo
Reiners et al. Transversal masculino 36,6% foram classificados com sobrepeso, 25,6%, com obesidade e 2,3%, com
, 2004 Brasil e 152 obesidade mórbida.
sexo
feminino)
85 (ambos
Geliebter et os sexos) Foi verificado que o grupo noturno teve um ganho de peso maior que o grupo
al. , 2000 Transversal 36 D diurno (p = 0,02). No entanto, não foram encontradas diferenças significantes
Estados Unidos 49 N entre ao valores de IMC de ambos os grupos.
D= Turno diurno; N= Turno noturno; F= Turno fixo; R= Turno rotativo; M= Manhã;
T= Tarde; *turno não especificado
Fonte: ScieELO e PubMed, 2014.
Em face destes números, algumas discussões são pertinentes, como a comparação
da prevalência de sobrepeso e obesidade de profissionais da área da Enfermagem
versus prevalência da população em geral, tendo em vista que os números
populacionais se mostram muito elevados em todo o mundo. Neste sentido, um
estudo de coorte conduzido na Austrália(19)investigou o peso corporal de
profissionais de enfermagem e encontrou prevalência de 61,87% de sobrepeso e
obesidade (Índice de Massa Corporal (IMC) ≥ 25kg/m2). Esse achado representou
uma prevalência de sobrepeso e de obesidade até 3,74% maior do que da população
australiana.
No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE)(20), a prevalência de excesso de peso na população adulta é de,
aproximadamente, 60%. Alguns estudos brasileiros identificaram elevadas taxas
do excesso de peso corporal nos profissionais da área de enfermagem. Em estudo
transversal com profissionais de enfermagem(21)encontrou-se prevalência de
sobrepeso e de obesidade (IMC ≥ 25kg/m2) em 56,3% da amostra. Outras pesquisas
brasileiras (1,22-24) também verificaram a ocorrência de sobrepeso de obesidade
em profissionais da área da Enfermagem (p<0,05). Dessa maneira, podemos
observar que as taxas verificadas entre profissionais da área da Enfermagem
são, muitas vezes, superiores às apresentadas na população, o que sugere que o
ganho de peso pode, ao menos em parte, ser influenciado pelas condições
impostas pela atividade profissional.
Outro aspecto importante nessa questão é a presença de outros fatores de risco
associados à obesidade entre profissionais da Enfermagem. Uma pesquisa
conduzida na Coréia do Sul(25) identificou que a relação cintura-quadril (RCQ),
um importante preditor das doenças cardiovasculares, crescia proporcionalmente
ao aumento do número de anos trabalhados em turnos noturnos entre enfermeiros
(p<0,05). Entretanto, nesse estudo, o IMC não foi significativamente
relacionado à duração do trabalho em turnos. No Brasil, identificou-se que a
circunferência da cintura, que também prevê riscos de doenças cardiovasculares,
estava acima dos valores limítrofes em 75% da amostra de profissionais de
enfermagem(21). Isso demonstra que esta modalidade laboral pode se relacionar
com fatores de risco para outras patologias, como as doenças cardiovasculares.
Dentre os estudos selecionados na presente revisão, apenas um não relacionou o
turno de trabalho ao aumento do peso corporal. Na Espanha, investigaram-se 207
profissionais de enfermagem do turno rotativo e fixo em hospitais(26). Ao
contrário dos demais estudos com profissionais dessa área(7,27-29), observou-se
que apenas 19% dos participantes apresentavam sobrepeso e 4%, obesidade. A
média de IMC observada foi de 23,17kg/m2. De acordo com os autores, os
resultados encontrados nos profissionais do turno rotativo noturno estão dentro
da faixa recomendada para a população daquele país(26).
Esses resultados sugerem que o trabalho em turnos pode alterar o peso corporal
de profissionais da área de enfermagem. Estudos de seguimento, como os de
modelo coorte, são fundamentais para avaliar os agentes causadores do excesso
de peso entre estes profissionais e isolar possíveis fatores relacionados ao
trabalho que levem ao excesso de peso.
Consumo alimentar de profissionais de enfermagem
O padrão de consumo alimentar dos trabalhadores em turnos demonstra
características peculiares quando se compara trabalhadores dos turnos fixos
diurno com turnos fixos noturnos e, de forma geral, pode-se dizer que ambos os
turnos apresentam hábitos alimentares inadequados(30). Porém, essa afirmação
decorre de evidências limitadas na literatura, já que poucos estudos
correlacionam o trabalho em turnos com a ingestão alimentar em profissionais de
enfermagem(9,31-32). O Quadro_2 mostra estudos da literatura que analisaram o
con-sumo alimentar de profissionais da área de enfermagem.
Quadro 2 Consumo alimentar de profissionais da área de enfermagem
Autor(es), Delineamento PopulaçãPrincipais resultados
Ano, País
1932
(186
Flo et al. masculino Foi observada uma alta ingestão de alimentos ou bebidas com cafeína no turno da
, 2012 Transversal e 1738 noite.
Noruega feminino)
619 D
1313 N
Geiger- 80 N
Brown et Consumo frequente e em grandes quantidades de cafeína para manter o estado de
al. 2012 Transversal Ambos os alerta.
Estados sexos
Unidos
75 Profissionais de enfermagem que trabalhavam a noite fizeram um número menor de
Sahu & (sexo refeições quentes, apresentaram menor apetite, menor satisfação em comer e
Dey, 2011 Transversal feminino) fizeram maior número de lanches do que as trabalhadoras do turno diurno (p<
India 40 R 0,0005).
35 D
Celik et 110 N Profissionais de enfermagem que trabalhavam muitas horas a noite possuíam
al. , 2008 Transversal (sexo hábitos alimentares inadequados.
Turquia feminino)
Zererev et 24 R
al. , 2005 Transversal 22 D Grupo rotativo relatou fazer mais refeições (p<0,001) além de ter os padrões de
Malawi (sexo apetite e satisfação reduzidos (p<0,01) quando comparados ao grupo diurno.
feminino)
204*
Reiners et (20 sexo 70,3% dos participantes afirmaram ingerir café, 77,9% alegou preocupar-se com a
al. , 2004 Transversal masculino quantidade de gordura na alimentação e 61% afirmou preocupar-se com o sal na
Brasil e 152 alimentação regularmente.
sexo
feminino)
Waterhouse 50 D
et al. , Transversal 43 N Os trabalhadores da noite relataram aumento no consumo de refeições frias
2003 Reino (ambos os (p<0,001) e maior consumo de salgadinhos (p = 0,01).
Unido sexos)
D= Turno diurno; N= Turno noturno; F= Turno fixo; R= Turno rotativo; M= Manhã;
T= Tarde; *turno não especificado.
Fonte: ScieELO e PubMed, 2014.
As mudanças do consumo alimentar parecem se associar fortemente com a prática
do trabalho em turnos. Ao estudar 1932 profissionais de enfermagem dos turnos
diurno e noturno na Noruega(33), observou-se uma grande ingestão de alimentos
ou bebidas com cafeína, com o intuito de manter o estado de alerta. A odds
ratio para esse padrão de consumo foi de 1,01 (IC de 95% = 0,97 - 1,04). Foi
encontrado um elevado consumo de cafeína entre 80 profissionais de enfermagem
do turno noturno nos Estados Unidos(5). No Brasil(23), também se identificou
alto consumo de cafeína em amostra de profissionais de enfermagem (70,3% dos
participantes bebiam café regularmente).
Uma pesquisa que avaliou os efeitos do turno rotativo sobre o padrão alimentar
de enfermeiros no Malawi(6) encontrou, na comparação com enfermeiros do turno
diurno, que profissionais do turno rotativo apresentaram menor consumo de
grandes refeições por dia (2,06 grandes refeições por dia para o grupo diurno
versus 1,13 para o grupo rotativo noturno, com p<0,001), menor apetite e menor
satisfação em comer. Todos os profissionais do turno rotativo apresentaram
padrões de alimentação irregulares. Foi encontrada também uma associação
significante entre a auto avaliação da saúde e o apetite, a quantidade de
refeições completas e o padrão de saciedade (p<0,05).
O consumo alimentar em trabalhadores noturnos também foi verificado em estudo
(29) em que os trabalhadores noturnos relataram ter um número menor de
refeições diárias (p=0,002), as quais eram consumidas mais tarde entre os
trabalhadores, quando comparados àqueles em turnos diurnos (p<0,00005).
Com o objetivo de investigar a relação entre o trabalho noturno e os hábitos de
dieta, conduziu-se um estudo(7) com 27 profissionais de enfermagem do turno da
noite na Suécia. Os participantes relataram que a fadiga e o estresse causados
pelo turno de trabalho influenciaram o abandono da dieta saudável. Os
indivíduos que tinham uma dieta pouco saudável à noite declararam que comiam
estes alimentos ou para ficarem acordados ou porque apresentavam um desejo
particular durante o turno noturno. Os voluntários também relataram um desejo
por alimentos doces e por carboidratos no dia seguinte ao trabalho em um turno
noturno, e descreveram também que se sentiam especialmente cansados nesse dia
e, por isso, frequentemente escolhiam refeições que demandavam um preparo mais
fácil e rápido.
Estudo semelhante(8) identificou que trabalhadores do turno noturno preferiam
consumir refeições frias em vez de refeições quentes (0,76 versus 0,23,
respectivamente com p<0,001). Além disso, o tipo e a frequência das refeições
foram influenciados mais significativamente (p<0,005) pelo hábito e pela
disponibilidade de tempo do que pelo apetite. Outro achado foi que os
trabalhadores do turno diurno consumiam menos salgadinhos que os trabalhadores
da noite (0,21 versus 0,42 respectivamente, com p<0,05).
Entre os fatores postulados pela literatura como capazes de influenciar o
consumo alimentar desses trabalhadores, destacam-se os fatores ambientais, o
débito de sono e a dessincronização do ciclo claro-escuro, aos quais os
profissionais da área de enfermagem estão submetidos(8,10,30). Apesar de pouco
explorada pela literatura, a relação da modificação dos hábitos alimentares com
o trabalho em turnos parece sofrer importante influência do padrão de sono(34-
35).
Sabe-se que a diminuição do tempo de sono modula o ciclo sono-vigília e pode
alterar o comportamento alimentar de diferentes maneiras(30). Uma hipótese
sugere que um maior tempo acordado implica em mais tempo disponível para comer,
teoricamente facilitando as oportunidades para o consumo de lanches ou de
refeições adicionais ao longo do dia(11,36). Nesta mesma linha, estudos indicam
que a restrição do sono é muito associada a irregularidades da ingestão
alimentar, com grande frequência, em individuos privados de sono, de
comportamentos como "beliscar" em excesso ao longo do dia e maior consumo de
alimentos de alta densidade calórica(10,37-40). Tais alterações podem ser
atribuídas à resposta metabólica do organismo à privação do sono, que envolve
principalmente os hormônios leptina e grelina – hormônios relacionais ao
controle central da alimentação. A leptina fornece informações sobre o
equilíbrio energético para o centro regulatório do cérebro e a sua liberação
está associada com a promoção da saciedade(41-42). Já a grelina tem seus níveis
aumentados em períodos de jejum e atua diretamente na sensação de fome e
aumento do apetite(43-44).
De acordo com recentes investigações - em maioria realizada em ambientes
laboratoriais controlados - indivíduos submetidos à privação ou restrição do
sono podem apresentar dimunição nos níveis de leptina e aumento das
concentrações de grelina, o que consequentemente afetaria a ingestão de
alimentos(10,12,45-48). Recentemente, encontrou-se que trabalhadores em turnos
apresentaram um padrão circadiano diferenciado na liberação desses hormônios,
com importante impacto na ingestão alimentar(34). No entanto, ainda são
necessários novos estudos para melhor entendimento da ação destes hormônios em
situações de déficit de sono e entre profissionais da área da Enfermagem.
Hábitos de sono de profissionais de enfermagem
Estudos recentes correlacionaram o trabalho em turnos às alterações nos hábitos
de sono em profissionais da área de enfermagem, indicando que o esquema de
trabalho noturno prejudica o padrão de sono(4,33,49). O Quadro_3 mostra estudos
da literatura que analisaram os hábitos de sono dos profissionais da área de
enfermagem.
Quadro 3 Hábitos de sono de profissionais da área de enfermagem
Autor(es), Ano, Delineamento PopulaçãoPrincipais resultados
País
2035 N Profissionais de enfermagem com menor tempo de trabalho no turno noturno
Øyane et al, 2013 apresentaram maiores chances de insônia (OR = 1.48, 95% CI = 1.10-1.99) e
Noruega Transversal (sexo fadiga crônica (OR = 1.78, 95% CI = 1.02-3.11) do que as trabalhadoras que
feminino) já tinham uma longa experiência de trabalho noturno.
932 (186
sexo
masculino
Flo et al. , 2012 Transversal e 1738 Alta prevalência (37,6%) de sonolência diurna excessiva e insônia nos
Noruega sexo profissionais dos turnos rotativos.
feminino)
619 D
11313 N
Geiger-Browm et 80 N 45% apresentaram alto nível de sonolência (KSS>7), fadiga e estavam mais
al. 2012 Estados Transversal (ambos os vulneráveis à perda de sono.
Unidos sexos)
1360 (sexo
Lin et al. , 2012 Transversal feminino) Os profissionais d enfermagem do turno rotativo noturno apresentaram má
Taiwan 769 R qualidade do sono comparado aos profissionais do turno diurno (p<0,001).
591 D
483
Zencirci, AD; (sexo Enfermeiros que trabalhavam nos turnos da manhã ou da noite tiveram melhor
Arslan S. , 2011 Transversal feminino) qualidade do sono que aqueles que trabalhavam no turno rotativo e diurno
Turquia 107 D (p<0,001).
19 N
256 R
661 R
Hsieh et al. , (31 sexo
2011 Taiwan Transversal masculino 59% apesentaram sono de má qualidade (PSQI>5) e insônia.
e 630 sexo
feminino)
Hasson, D. ; 2103* Os resultados sugerem uma redução contínua na qualidade do sono dos
Gustavsson, P. Transversal (sexo profissionais de enfermagem ao longo dos anos do estudo.
2010 Suécia feminino)
435 F 57% apresentaram sono de má qualidade (PSQI >5). Esses escores foram
Shao et al. , 2010 Transversal (sexo associados à piora na qualidade de vida (distrofia pré-menstrual, acidentes
Taiwan feminino) de trabalho, doenças e uso de medicação).
166
Garde et al. , 27 D Foi observada pior qualidade de sono (p<0,001) nos enfermeiros do turno
2009 Dinamarca Transversal 12 T rotativo noturno comparados à qualidade de sono dos profissionais de
47 N enfermagem dos turnos fixos.
80 R
Geliebter et al. , 85 (ambos
2005 Estados Transversal os sexos) Trabalhadores noturnos relataram maior número (p = 0,01) e duração (p =
Unidos 36 D 0,05) de cochilos que os trabalhadores do dia.
49 N
59
(25 sexo
Martino, 2002 feminino e A duração do sono noturno dos enfermeiros que trabalham a noite foi, em
Brasil Transversal 34 sexo media, 2 horas a mais que a dos enfermeiros que trabalham durante o dia
masculino) (p<0,004). O sono fracionado foi encontrado apenas no grupo noturno.
45 D
14 N
45 Foram detectadas diferenças significativas entre sono diurno e noturno (p <
Fischer et al. , Ambos os 0,001). Foi observada uma pior qualidade de sono diurno após noites de
2002 Brasil Transversal sexos trabalho (p < 0,007). Foram encontradas diferenças significantes na
26 R percepção dos estados de alerta no turno da noite (p <0,001).
19 D
D= Turno diurno; N= Turno noturno; F= Turno fixo; R= Turno rotativo; M= manhã;
T= Tarde; *turno não especificado.
Fonte: ScieELO e PubMed, 2014.
Um estudo transversal conduzido na Noruega(33) encontrou que os profissionais
do turno rotativo noturno apresentaram uma elevada prevalência (37,6%) de
sonolência diurna excessiva e de insônia quando comparados aos profissionais do
turno diurno. Os autores ainda encontraram que a cada 50 noites trabalhadas,
aumentavam em 50% as chances de se desenvolver problemas relacionados ao sono.
Estes achados também foram revelados por Hadsson & Gustavsson(50)que
demonstraram que a qualidade do sono de indivíduos suecos reduzia à medida que
os anos de trabalho noturno aumentavam. Além disso, Geiger-Brow et al.(5)
identificaram alto nível de sonolência diurna (Karolinska Sleepiness Scale
(KSS) >7), escores indicando alto nível de sonolência), em 47% da amostra de 80
profissionais da área de enfermagem do turno noturno nos Estados Unidos. Um
terço destes profissionais também apresentou fadiga e insônia.
Lin et al.(49), ao avaliarem a qualidade do sono de profissionais da área de
enfermagem dos turnos diurno e noturno, verificaram que os profissionais do
turno noturno apresentaram uma qualidade de sono pior que a dos trabalhadores
diurnos (p<0,001). Os resultados deste e de outros estudos semelhantes sugerem
que o trabalho noturno promove uma piora na qualidade do sono de profissionais
da área de enfermagem (Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI) >5, com
escores indicando uma má qualidade do sono)(51-53).
Uma investigação brasileira(4)verificou que a duração do sono dos trabalhadores
de enfermagem do turno noturno era, em média, 2 horas inferior à duração do
sono dos enfermeiros do turno diurno (p<0,004). Neste estudo foi também
encontrado que o sono fracionado foi encontrado apenas nos profissionais do
turno da noite. Um estudo semelhante(54) também detectou diferenças
significativas na duração do sono de profissionais de enfermagem dos turnos
noturno e diurno (p<0,001). Foi observado que, após uma noite de trabalho, a
qualidade do sono ruim (p<0,007), além de diferenças significantes na percepção
dos estados de alerta no grupo noturno (p<0,001).
Uma pesquisa realizada com profissionais de enfermagem do turno fixo noturno em
Taiwan(55)revelou que 57% da amostra apresentou qualidade do sono ruim (PSQI>5)
e que este resultado pode ser associado a uma piora na qualidade de vida destes
profissionais como a ocorrência de distrofia pré-menstrual, acidentes de
trabalho, doenças e uso de medicamentos. Analisando o nível de sonolência entre
trabalhadores de enfermagem dos turnos diurno e noturno(29), identificou-se que
os trabalhadores noturnos cochilavam mais vezes (p=0,01) e durante mais tempo
(p=0,05) durante a semana de trabalho que os trabalhadores diurnos. Outro
estudo(56)também verificou que as profissionais da área da Enfermagem que
trabalhavam no turno noturno apresentaram maiores chances de insônia (OR =
1.48, 95% CI = 1.10–1.99 e fadiga crônica (OR = 1.78, 95% CI = 1.02–3.11).
Relação entre sobrepeso, obesidade e hábitos de sono
Atualmente, é amplamente postulado pela literatura que a alteração no tempo de
sono está relacionada a um descontrole no consumo alimentar e à obesidade(30).
Simultaneamente ao aumento da obesidade divulgada em inquéritos epidemiológicos
(20,57) tem sido observado em uma redução do tempo total de sono,
principalmente entre a população dos países industrializados. A duração média
do sono nos Estados Unidos passou de 8-9 horas por noite em 1960(58), para sete
horas em 1995(59). No Japão, no mesmo período a média passou de 8 horas e 13
minutos para sete horas e 32 minutos(38). No Brasil, um estudo realizado com
uma amostra representativa populacional, identificou uma redução no tempo de
sono entre os anos de 1987 e 1995, de 7.82 horas para 7,60 horas,
respectivamente durante a semana; e de 9 para 8.39 horas, respectivamente nos
fins de semana(60).
Uma série de estudos transversais e prospectivos tem revelado uma correlação
negativa entre a duração do sono e o índice de massa corporal (IMC)(24,57).
Esta correlação foi estabelecida em estudos com populações em diferentes
estágios de vida e em diversos países da Europa, Ásia e nos Estados Unidos
(46,57,61-72).
Os mecanismos pelos quais a restrição de sono pode afetar o balanço energético
e levar ao excesso de peso não estão totalmente esclarecidos. No entanto,
algumas hipóteses são propostas na literatura científica. Estes aspectos tratam
do nível de atividade física, homeostase energética e ingestão alimentar
(10,30,73-74).
O sono está diretamente relacionado com a conservação e restauração da energia
(75). Desta forma, a diminuição do tempo de sono pode resultar na diminuição do
nível de atividade física, provavelmente devido ao cansaço, em consequência do
sono insuficente em termos quantitativos e qualitativos(61,76). Assim,
individuos privados do sono podem apresentar um estilo de vida mais sedentário
quando comparados àqueles que possuem padrão de sono adequado(11,77). A
diminuição dos níveis de atividade física somados as alterações no controle da
ingestão alimentar, como o aumento do apetipe e diminuição da saciedade (fato
anteriormente apresentado) podem favorecer o balanço energético positivo e
favorecer o ganho de peso de forma inadequada, aumentando a prevalência de
sobrepeso e obesidade(34).
Os profissionais da Enfermagem são constantemente submetidos a rotinas de
trabalho que podem prejudicar a dinâmica de sono(33,49-54). Nesse sentido, a
privação do sono, como comumente ocorre nos profissionais do turno noturno,
pode ter efeitos importantes sobre o estado nutricional e a ingestão alimentar
desta população(72,78).
Apesar de algumas evidências apontando os prejuízos ao padrão de sono causado
pelo trabalho noturno em profissionais da área de enfermagem, não foi
localizado nesta revisão nenhum estudo que relacionasse o trabalho noturno ou a
privação do sono à prevalência de sobrepeso e de obesidade observada nesta
população. No entanto, foram encontradas algumas evidências que sugeriram que a
privação do sono parece aumentar não somente o apetite, mas também as
preferências por determinados alimentos(30). Investigação previamente citada(7)
mostrou que o apetite por alimentos ricos em gorduras e carboidratos,
principalmente doces, era maior nestes profissionais após uma noite de
trabalho. De forma semelhante, foi verificada uma preferência por alimentos
frios e salgadinhos no horário de trabalho dos profissionais do turno noturno
(8).
Alguns estudos também observaram um elevado consumo de cafeína durante o turno
de trabalho da noite(5,23,33). Estas evidências são bastante preocupantes, pois
além dos profissionais de enfermagem com sono privado apresentarem um padrão
hormonal predisponente para consumo calórico aumentado(30,45-48), o
preenchimento destas calorias tende a ser feito com alimentos de baixa
qualidade nutricional(7-8,30).
Estudos investigando a relação entre o sono e o estado nutricional, bem como o
sono e o consumo alimentar destes profissionais são escassos. E, além disso,
não foi encontrada nenhuma investigação que abrangesse simultaneamente a
provável relação entre o sono, o consumo alimentar e o estado nutricional de
profissionais da área de enfermagem.
DISCUSSÃO
A análise realizada constatou que a prevalência de sobrepeso e obesidade
encontra-se elevada entre os profissionais da área da Enfermagem, o que
provavelmente ocorre devido a exposição destes indivíduos a diversos fatores de
risco para desordens nutricionais, como uma pior qualidade do sono. Além disso,
os estudos relacionados aos hábitos de ingestão alimentar dos profissionais da
Enfermagem mostraram, em geral, que este tópico merece atenção especial, pois o
trabalho noturno faz com que os hábitos alimentares dos profissionais em
questão sejam modificados de forma negativa com a finalidade de uma adaptação a
esta rotina de trabalho.
De acordo com os estudos recentes que investigaram o padrão de sono das equipes
de enfermagem, é possível julgar que os prejuízos na dinâmica do sono podem
estar relacionados com a alta prevalência de sobrepeso e obesidade. Por meio
destas pesquisas é possível supor que a interrupção ou diminuição do padrão de
sono noturno pode influenciar de modo negativo a ingestão alimentar e,
consequentemente, estado nutricional destes indivíduos.
Sugere-se, portanto, estudos futuros que possam investigar melhor a amplitude
da influência dos hábitos de sono sobre a ingestão alimentar e o estado
nutricional nos profissionais da área de enfermagem, assim como suas causas e
consequências na saúde em curto e em longo prazo.