Qualidade de vida e adesão ao tratamento farmacológico entre idosos hipertensos
INTRODUÇÃO
A literatura científica tem destacado que a hipertensão arterial sistêmica
(HAS) é a morbidade mais prevalente entre idosos, superior a 50%, sendo uma das
principais causas de óbito(1).
O diagnóstico correto e a persistência no acompanhamento são fatores relevantes
para atingir a meta no tratamento e reduzir a morbimortalidade cardiovascular.
Nesse contexto, ressalta-se que a não adesão ao tratamento tem sido
identificada como a causa principal da pressão arterial sistêmica não
controlada(2).
Estudo realizado entre idosos hipertensos em Fortaleza-CE evidenciou que 96,5%
informaram seguir o tratamento, necessitando, no entanto, de orientações(3).
Inquérito realizado entre idosos hipertensos em uma Unidade Básica de Saúde no
Maranhão evidenciou que 60,6% eram aderentes à terapêutica medicamentosa, 31,8%
fracamente aderentes e 7,6% não aderentes(4).
Apesar de muitos avanços no tratamento da HAS, o sucesso no controle da doença,
na prática, é limitado. Inquérito realizado em Nova Iorque evidenciou que os
indivíduos com fortes preocupações sobre os seus medicamentos tendem a ter
menor adesão à medicação(5).
Salienta-se que diversos fatores têm sido associados à baixa adesão ao
tratamento medicamentoso. Estudo de revisão evidenciou que cinco grupos de
fatores interferem na adesão ao tratamento entre idosos hipertensos, sendo:
regime terapêutico; aspectos socioeconômicos e demográficos; relação com os
serviços e profissionais de saúde; aspectos psicossociais e culturais; e apoio
familiar e social. Destaca-se que o sexo masculino e idosos com baixa renda
constituem as populações mais vulneráveis(6).
Entre os idosos hipertensos em pesquisa realizada no Maranhão, a menor adesão
esteve relacionada à baixa escolaridade(4). Já em pesquisa realizada em Santa
Catarina, os autores não observaram relação entre adesão à medicação e sexo,
renda, estado civil e ocupação, entre idosos com HAS(7).
Somam-se, ainda, aspectos psicológicos negativos relativos à HAS, ocasionados
pelo uso regular da medicação anti-hipertensiva que pode contribuir para
tristeza e descontentamento com a dificuldade do controle da pressão arterial
em inquérito realizado em Minas Gerais(8), sugerindo sua relação com quadros
depressivos.
Além disso, sabe-se que a HAS, frequentemente silenciosa, pode interferir
negativamente na qualidade de vida (QV) de seus acometidos(9). Inquérito entre
idosos com HAS nos EUA observou baixos escores de QV associados a menores
níveis de adesão à medicação anti-hipertensiva(10). Com base no exposto,
evidencia-se uma lacuna referente à relação entre adesão à medicação e QV de
idosos, sendo esta mensurada por meio de instrumento específico. Soma-se ainda
a divergência da influência dos fatores socioeconômicos na adesão ao tratamento
entre idosos com HAS. Assim, o objetivo deste estudo foi comparar os idosos
aderentes e não aderentes ao tratamento farmacológico para HAS, segundo
variáveis socioeconômicas, tempo de diagnóstico da HAS, morbidades
autorreferidas, indicativo de depressão e QV.
MÉTODO
Este estudo foi precedido da aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa Com Seres
Humanos da Universidade Federal do Triângulo. Os idosos foram abordados em seus
domicílios, sendo apresentados os objetivos da pesquisa e o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Refere-se a um inquérito domiciliar, com delineamento transversal,
observacional e analítico, desenvolvido no município de Uberaba-MG, e faz parte
de um projeto de pesquisa intitulado "Morbidades, qualidade de vida e
capacidade funcional de idosos", realizado pelo Grupo de Pesquisa em Saúde
Coletiva da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Para compor a amostra utilizou-se uma lista contendo o nome e o endereço de
idosos que participaram dos dois estudos anteriores, em 2005 e 2008, realizados
pelo Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva/UFTM. Nos projetos anteriores, para o
cálculo da amostra considerou-se 95% de confiança, 80% de poder de teste,
margem de erro de 4% para as estimativas intervalares e uma proporção de n=0,5
para as proporções de interesse. A amostra inicial foi composta por 3.034
idosos; porém, com as perdas obtidas em 2012, resultou em 2.116 idosos. Dentre
estes foram entrevistados 1.691 idosos, sendo cancelados 265 devido a óbito e
160 por declínio cognitivo.
Neste estudo considerou-se como critérios de inclusão: pessoas com 60 anos ou
mais de idade, residentes na zona urbana do município de Uberaba-MG, que não
apresentaram declínio cognitivo e que autorreferiram HAS. Foram excluídos
aqueles que não referiram HAS (n = 640) ou não responderam ao teste de Morisky
e Green (n=22). Assim, participaram 1.029 idosos.
Foram selecionados entrevistadores, com experiência prévia em coleta de dados e
que foram capacitados pelo pesquisador responsável sobre a forma de abordar os
idosos, a aplicação dos instrumentos e os preceitos éticos que envolvem a
pesquisa. A coleta de dados ocorreu no domicílio do idoso e o entrevistador
teve como referencial a lista contendo o nome e endereço, proveniente do
projeto anterior. As entrevistas foram revisadas por supervisores de campo e,
quando houve dados inconsistentes, a entrevista foi retornada ao entrevistador
para que pudesse entrar novamente em contato com o idoso e completá-la
adequadamente.
Antes de iniciar a entrevista aplicou-se o Miniexame do Estado Mental para
avaliar a capacidade cognitiva. Foi utilizada a versão traduzida e validada no
Brasil(11).
Para avaliar o perfil socioeconômico e as morbidades autorreferidas utilizou-se
instrumento construído pelo Grupo de Pesquisa em Saúde Coletiva/UFTM utilizado
em pesquisas prévias desde 2005.
Para verificar a adesão ao tratamento farmacológico para HAS aplicou-se o Teste
de Morisky e Green. O resultado varia de 0 a 4, no qual o valor 4 significa o
mais aderente e, o não aderente, aqueles com 3 pontos ou menos(12).
Aplicou-se a Escala de Depressão Geriátrica Abreviada para mensurar a presença
de indicativo de depressão. Utilizou-se a versão validada no Brasil(13). Essa
escala é constituída por 15 questões fechadas, com respostas objetivas (sim ou
não). Considera-se rastreio positivo para depressão quando o escore for
superior a cinco pontos(13).
A avaliação da qualidade de vida foi realizada por meio de dois instrumentos:
oWorld Health Organization Quality of Life Bref (WHOQOL-BREF), versão
abreviada, o qual possui 26 questões; duas são gerais e 24 compõem os quatros
domínios de QV: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente(14).
OWorld Health Organization Quality of Life Old (WHOQOL-OLD) consiste em 24
itens da escala de Likert atribuídos a seis facetas: funcionamento dos
sentidos; autonomia; atividades passadas, presentes e futuras; participação
social; morte e morrer; e intimidade(15).
Embora os questionários possam ser autoaplicáveis, optou-se pela entrevista em
virtude da possível dificuldade de leitura ou compreensão dos itens descritos
no questionário, além de potenciais problemas de visão apresentados pelos
idosos.
As variáveis consideradas neste estudo foram: socioeconômicas - sexo; faixa
etária, em anos; estado conjugal; escolaridade, em anos de estudo; renda
individual, em salários mínimos; tempo de diagnóstico de HAS, em anos;
morbidade autorreferida; adesão ao tratamento farmacológico para HAS;
interrupção do tratamento e motivo; indicativo de depressão; domínios e facetas
da QV do WHOQOL-BREF e WHOQOL-OLD.
A partir dos dados coletados foram constituídos dois grupos: Grupo 1 (idosos
aderentes ao tratamento farmacológico para HAS, n = 524) e Grupo 2 (idosos que
não aderem ao tratamento farmacológico para HAS, n = 505).
Foi construída uma planilha eletrônica, no programa Excel(r). Os dados
coletados foram processados em microcomputador, por dois pesquisadores, em
dupla entrada, para posterior verificação da existência de registros
inconsistentes. Procedeu-se, então, à verificação da consistência entre os
bancos de dados. Quando identificados dados inconsistentes foram revisadas as
entrevistas originais e realizada a correção. O banco de dados foi transportado
para o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão
17.0, procedendo-se à análise dos dados.
Foi realizada a análise estatística por meio da distribuição de frequências
absolutas e percentuais para as variáveis categóricas e medidas de centralidade
(média) e de dispersão (desvio padrão) para as variáveis numéricas. Para a
comparação das variáveis aplicou-se o teste Qui-quadrado para as variáveis
categóricas e teste t-Student para as numéricas (p<0,05).
RESULTADOS
Entre os 1.029 idosos entrevistados, 50,9% aderiam ao tratamento farmacológico
para HAS e 49,1% não aderiam ao tratamento.
Em ambos os grupos predominou o sexo feminino (χ2 = 0,170; p = 0,680), casados
ou que moravam com companheiro (χ2 = 3,550;p = 0,314), quatro a sete anos de
estudo (χ2= 3,796; p = 0,434) e renda individual mensal de um salário mínimo
(χ2 = 6,015; p = 0,305). Prevaleceram aqueles com 70 ├80 anos; porém, houve
maior proporção de idosos mais velhos entre os aderentes ao tratamento
farmacológico (22,3%) quando comparados aos não aderentes (16,8%) (p = 0,031).
A média de tempo de diagnóstico da HAS foi semelhante em ambos os grupos,
correspondendo a 14,95 anos (DP=11,50) entre os aderentes e 15,52 (DP=12,1)
entre os não aderentes ao tratamento (t = 0,246; p = 0,437).
Os idosos não aderentes ao tratamento farmacológico apresentaram maior número
de morbidades (µ=6,58; DP = 3,0) do que os aderentes (µ=5,86; DP = 3,14) (t = -
3,724;p<0,001).
Entre os que não aderiram ao tratamento farmacológico, comparados aos que
aderiram, houve maior proporção daqueles que autorreferiram: reumatismo
(22,2%vs 15,6%; p = 0,007); má circulação (48,1%vs 40,6%; p = 0,016); prisão de
ventre (28,7%vs 19,5%; p = 0,001), problemas renais (17,0%vs 9,0%; p<0,001),
tumores benignos (3,2%vs 1,1%; p = 0,025), problemas de visão (54,3%vs 46,5%; p
= 0,012) e indicativo de depressão (35,8% vs 23,9%; p<0,001), respectivamente.
Entre os aderentes, 6,9% referiram já terem interrompido o tratamento alguma
vez e, não aderentes, 25,5%. Os motivos mais frequentes entre os aderentes
foram: achar que estava curado (16,7%), não sentir nada (8,3%), não sentir
necessidade de se tratar (8,3%); para os não aderentes: não sentir nada
(16,3%), acreditar que deveria tomar o medicamento apenas quando se sentia mal
(14%) e esquecimento (10,9%).
Em ambos os grupos o maior percentual avaliou sua QV como boa (50,4% dos
aderentes e 48,3% entre os não aderentes). Prevaleceram aqueles satisfeitos com
sua saúde, sendo 48,9% dos aderentes e 36,6% dos não aderentes.
Na aplicação do WHOQOL-BREF, em ambos os grupos o menor escore encontrado foi
no domínio físico e o maior nas relações sociais; os idosos não aderentes
obtiveram escores significativamente inferiores nos domínios físico,
psicológico, relações sociais e meio ambiente (Tabela_1).
Tabela 1 Distribuição da média e desvio padrão dos escores nos domínios e
facetas de qualidade de vida dos idosos conforme adesão ao tratamento, Uberaba,
Minas Gerais, Brasil, 2012
Sim Não
Média DP Média DP t Valor de p
WHOQOL-BREF
Físico 60,99 17,31 55,88 17,46 4,708 <0,001*
Psicológico 66,58 15,60 62,46 15,94 4,191 <0,001*
Relações sociais 72,72 13,02 68,72 14,84 4,586 <0,001*
Meio ambiente 62,02 14,54 57,34 13,47 5,348 <0,001*
WHOQOL-OLD
Funcionamento dos sentidos 73,04 23,30 66,13 23,28 4,763 <0,001*
Autonomia 68,06 31,06 62,05 31,42 3,080 0,002*
Ativividades passsadas, presentes e 70,0 29,49 65,27 29,82 2,558 0,011*
futuras
Participação social 65,17 16,62 60,44 31,23 3,048 0,002*
Morte e morrer 73,88 37,30 72,50 25,36 0,691 0,490
Intimidade 72,58 33,44 67,38 19,81 3,022 0,003*
Nota: *p<0,05
Os menores escores, WHOQOL-OLD, foram encontrados na faceta participação social
e os maiores em morte e morrer, em ambos os grupos; os idosos não aderentes
apresentaram menores escores nas facetas funcionamento dos sentidos, autonomia,
atividades passadas, presentes e futuras, participação social e intimidade
(Tabela_1).
Na Tabela_1 encontram-se as médias e desvio padrão dos escores de QV, segundo
domínios e facetas.
DISCUSSÃO
A presente pesquisa corrobora com estudo desenvolvido com idosos com HAS,
cadastrados em uma unidade de saúde da família de São Luís-MA, e verificou que
o maior percentual aderia ao tratamento medicamentoso (60,6%)(4), corroborando
a presente pesquisa.
Assim como neste estudo, pesquisa realizada com adultos e idosos com HAS de uma
Estratégia Saúde da Família (ESF) de Londrina-PR também não evidenciou
associação entre o sexoe a adesão ao tratamento farmacológico (p = 0,060), no
qual prevaleceram as mulheres em ambos os grupos(16).
Referente ao estado conjugal, inquérito conduzido com idosos em Tubarão-SC
identificou maior percentual de casados em ambos os grupos, não ocorrendo
associação significativa com a adesão ao tratamento farmacológico para HAS (p =
0,068)(7), assim como nesta pesquisa. Mesmo diante desses resultados, cabe
ressaltar que a literatura científica aponta que a família, muitas vezes
representada pela figura do cônjuge, tem papel fundamental na adesão ao
tratamento farmacológico para a HAS, bem como na adaptação às modificações no
estilo de vida, impostas pela doença(17).
No estudo de Londrina-PR a escolaridade também não estava associada à adesão ao
tratamento farmacológico (p = 0,167)(16). Contudo, estudo de revisão
integrativa identificou nas literaturas nacional e internacional que a baixa
escolaridade pode estar relacionada à menor adesão ao tratamento farmacológico
para HAS(6). Idosos com poucos anos de escolaridade ou analfabetos podem ter
dificuldade em compreender as prescrições escritas, afetando assim a adesão ao
tratamento(17). Desse modo, os profissionais de saúde devem orientar a respeito
das prescrições de forma clara e simplificada, considerando o nível de
escolaridade do idoso.
Condizente com o resultado desta pesquisa, no estudo realizado em Tubarão-SC, a
renda não estava associada à adesão ao tratamento farmacológico para HAS entre
idosos (p = 0,800)(7). É possível, embora não investigado, que o fornecimento
gratuito de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde possa ter favorecido esse
resultado. Por outro lado, estudos nacionais realizados com idosos apontam que,
quanto menores as condições socio-econômicas, menor o conhecimento sobre a
doença e mais difícil o acesso aos serviços de saúde, o que poderia repercutir
na menor adesão ao tratamento farmacológico(6,17).
Pesquisa realizada em Londrina-PR também evidenciou associação da adesão ao
tratamento farmacológico para HAS com o aumento da idade (p<0,001)(16). Com o
envelhecimento o indivíduo torna-se mais suscetível às doenças crônicas não
transmissíveis, o que pode ocasionar maior preocupação com sua situação de
saúde e influenciar na melhor/maior adesão ao tratamento farmacológico para HAS
(16), justificando os dados encontrados nesta pesquisa.
Quanto ao tempo de HAS, condizente com a presente pesquisa, estudo desenvolvido
em Tubarão-SC, com idosos com HAS, identificou que a média de tempo de
diagnóstico da HAS foi semelhante entre aqueles aderentes (11,5±9,8 anos) e não
aderentes (10,5±8,3 anos) ao tratamento para HAS(7).
Corroborando os resultados deste estudo, pesquisa desenvolvida com adultos e
idosos a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD)
evidenciou proporção inferior de não aderentes ao tratamento farmacológico para
HAS entre aquele que possuíam maior número de comorbidades (p<0,0001)(18).
Contudo, a presença de comorbidades pode implicar no maior uso de fármacos pelo
idoso e maior número de doses de medicamentos, o que, aliado ao conhecimento
inadequado sobre a terapêutica, pode dificultar a adesão ao tratamento.
A educação em saúde pode ser uma ferramenta útil para minimizar ou evitar o
impacto desses fatores sobre a adesão aos fármacos para HAS(6). Assim, torna-se
relevante que o enfermeiro realize ações de acompanhamento e monitoramento da
saúde desses idosos, visando contribuir na identificação de dificuldades acerca
da adesão, bem como no fornecimento de orientações.
Referente à associação entre comorbidades, ressalta-se que a HAS é frequente
entre indivíduos com doenças reumáticas. Destaca-se que as doenças autoimunes,
como a artrite reumatoide, caracterizam-se pela inflamação crônica de várias
partes do corpo, podendo atingir o sistema cardiovascular. Assim, infere-se que
o resultado deste estudo possa estar relacionado a esse fato; ou seja, os não
aderentes teriam menor controle da doença, contribuindo para a presença de
artrite. É relevante que idosos que apresentem outra doença crônica, como o
reumatismo, e que façam uso de múltiplos medicamentos sejam acompanhados pela
equipe de saúde e orientados sobre a relação entre doenças reumáticas e HAS,
enfatizando a necessidade de seguimento ao tratamento proposto.
A relação entre HAS e problemas de circulação, como as varizes, é descrita na
literatura científica. Em estudo desenvolvido com idosos, identificou-se que
aqueles que apresentavam outros problemas de saúde, como os problemas de
circulação (varizes), tendiam a valorizar menos o tratamento medicamentoso para
HAS(19), podendo justificar o resultado obtido na presente pesquisa. Ressalta-
se, ainda, que a investigação das comorbidades e da polifarmácia deve ser
realizada pela equipe de saúde, a fim de favorecer o acompanhamento do plano
terapêutico a ser seguido pelo idoso.
Quanto à prisão de ventre, estudo nacional verificou que há um menor consumo de
frutas, verduras e legumes entre aqueles que não aderem ao tratamento
farmacológico para HAS(20), podendo justificar esse resultado. No entanto,
evidencia-se a necessidade de estudos visando esclarecer essa relação. Destaca-
se que a baixa ingestão de fibras, presentes nos alimentos, pode ocasionar
problemas de saúde, como a constipação intestinal(21). É possível, embora não
investigado, que a menor ingestão desses alimentos, ricos em fibras, entre os
idosos não aderentes ao tratamento para HAS possa ter contribuído para a maior
proporção de casos de prisão de ventre.
Destaca-se a importância do seguimento apropriado da terapêutica para HAS como
fator favorável à redução de complicações, como os problemas renais(3). Nessa
perspectiva o enfermeiro deve orientar e realizar acompanhamento do idoso com
HAS, no que se refere à adequada adesão ao uso de medicamentos. Em indivíduos
com doença renal crônica em estágios iniciais, o controle rigoroso da PA pode
ser bastante eficaz para a não progressão dos danos renais. Contudo, naqueles
que já apresentam perda proteica, é necessário o estabelecimento rigoroso e
adequado da medicação anti-hipertensiva(1). Considerando esses fatores,
pressupõe-se que os sujeitos desta pesquisa que relataram a presença de
problemas renais não estivessem aderindo apropriadamente ao tratamento
medicamentoso para HAS.
Ressalta-se ainda que a HAS é uma morbidade de alta prevalência e que muitas
vezes essa doença é tratada sem investigação mais específica dos fatores
causais. Nesse caso destaca-se a presença de tumores, normalmente benignos,
como o feocromocitoma, sendo causa de HAS secundária. Nessa conjuntura, é
possível, embora não investigado, que idosos não aderentes ao tratamento para
HAS possam ter menor acesso ou ser menos frequentes aos serviços de saúde,
fazendo com que a relação entre a HAS e a presença de tumores benignos não
tenha sido investigada ou que o próprio tratamento para os tumores ainda não
tivesse sido estabelecido. Sugere-se a investigação entre as duas morbidades
com vistas a prevenir complicações.
Nesta pesquisa identificou-se maior proporção de idosos com problemas de visão
entre os que não aderiram ao tratamento para HAS. Sugere-se que o déficit
visual possa favorecer a descontinuidade do tratamento, por dificultar a
visualização do horário para uso da medicação e identificação do medicamento e
dose adequados. Desse modo, é relevante que o problema de visão seja
identificado e corrigido ou amenizado precocemente. O apoio de familiares faz-
se também importante para auxiliar o idoso e supervisioná-lo(22), especialmente
entre aqueles que apresentem problemas visuais no uso adequado dos medicamentos
para HAS, sempre que for necessário.
Condizente com esta pesquisa, estudo internacional realizado com idosos com HAS
nos EUA verificou que a presença de indicativo de depressão esteve associada à
baixa adesão ao tratamento farmacológico (p<0,01)(23). No mesmo estudo, os
autores referem que o baixo suporte social pode ter influenciado negativamente
a adesão ao tratamento farmacológico(23). Ademais, embora não tenha sido foco
desta pesquisa, é possível que a presença de sintomas depressivos interfira no
estímulo ao autocuidado, causando impacto na adesão ao tratamento
farmacológico. Nesse sentido, a equipe de saúde deve investigar a presença de
sintomas depressivos entre idosos com HAS, precocemente, a fim de minimizar
agravos à saúde, além de identificar redes de apoio ao idoso portador de doença
crônica, de forma a incentivá-los a aderir ao uso adequado da medicação.
Referente à interrupção do tratamento da HAS, pesquisa desenvolvida em serviço
público de Ribeirão Preto-SP identificou que 58% apresentaram efeitos adversos
e 48% referiram esquecer-se de tomar o medicamento anti-hipertensivo dentre os
aderentes e não aderentes ao tratamento da HAS(2), divergindo do presente
estudo.
Ainda que não tenha sido alvo da presente investigação, sugere-se a
simplificação do tratamento como estratégia para propiciar maior adesão, porém
o número de morbidades associadas e diferentes medicamentos utilizados podem
influenciar na adesão ao tratamento da HAS, devido à complexidade terapêutica
(2). Na presente pesquisa houve maior número de morbidades associadas para
aqueles que não aderiram ao tratamento medicamentoso.
No que concerne à autoavaliação de QV e satisfação com a saúde, tal resultado
pode ser explicado devido ao fato de a QV ser influenciada por múltiplos
fatores, não tendo relação apenas com a adesão. Já a autoavaliação da saúde
entre os idosos não impossibilita a satisfação com a QV(24).
Nos domínios avaliados pelo WHOQOL-BREF, o menor escore para o domínio físico
pode estar associado a efeitos da medicação anti-hipertensiva, que entre outros
sintomas pode causar dor, cansaço e alteração do sono(9). O enfermeiro pode
incentivar a participação em grupos, bem como estimular a prática de atividade
fisica que reflete no melhor controle pressórico, favorece a diminuição de
dores e desconforto(24), podendo refletir na melhoria desses aspectos.
O maior escore no domínio relações sociais para ambos os grupos pode ser
justificado devido à possível relação satisfatória estabelecida e construída
com familiares, amigos e profissionais de saúde ao longo da vida e valorizada
nessa fase(25). Os idosos demonstraram possuir conhecimento próprio,
expectativas, valores e experiências individuais, devido a condições de vida e
saúde distintas. Esses fatores podem influenciar na adesão ou não ao tratamento
medicamentoso da HAS. De tal maneira, a equipe de saúde deve considerar e
valorizar tais aspectos(22), o que pode refletir positivamente nas relações
sociais.
Na comparação dos grupos, o menor escore no domínio físico entre aqueles não
aderentes foi semelhante a estudo internacional que identificou entre os idosos
com HAS o menor nível de adesão à medicação associado à menor pontuação no
componente físico(10). O maior controle da doença, ainda que não tenha sido
alvo deste estudo, por meio do tratamento medicamentoso pode impactar a QV
favoravelmente(24). Acredita-se que esse dado pode ser explicado pelo menor
acometimento dos idosos que aderem ao tratamento da HAS por outras doenças
crônicas, que podem influenciar no domínio físico, uma vez que múltiplas
morbidades associadas podem limitar a funcionalidade do idoso(26). Nesse
contexto, reforça-se a necessidade de investigação dos aspectos comprometidos
nesse domínio, no intuito de elaborar estratégias para minimizar o seu impacto.
Referente ao domínio psicológico, pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos
identificou que os idosos que possuíam menor adesão à medicação anti-
hipertensiva obtiveram menor pontuação no componente mental(10), condizente com
esta investigação. Considerando a maior prevalência de indicativo de depressão
entre os idosos não aderentes nessa investigação, infere-se que esse fato possa
ocasionar um menor comprometimento com o tratamento, devido a alteração do
estado emocional. O enfermeiro pode criar estratégias que vislumbrem a
identificação dos componentes envolvidos nesse domínio no intuito de
desenvolver ações de apoio e acompanhemento psicológico junto à equipe
interdisciplinar, com vistas à melhor adesão ao tratamento medicamentoso.
Para o domínio relações sociais, semelhante a este resultado, pesquisa com
idosos com HAS nos Estados Unidos identificou que sujeitos não aderentes ao
tratamento apresentaram menor apoio social(24). As mudanças emocionais e
nervosismo de alguns idosos comprometem as relações sociais e levam a menor
adesão ao tratamento da HAS(10). Tais mudanças podem ser amparadas por relações
de confiança, desenvolvidas pelo papel educador e motivador do profissional de
saúde.
Cabe enfatizar que a rede de apoio representada pelas relações sociais pode
promover melhoria da saúde e maior adesão à terapêutica medicamentosa(22). A
educação em saúde se destaca nesse contexto, fortalecendo vínculos entre
profissionais de saúde, família e idosos, favorecendo as relações pessoais e
confiança, com vistas a esclarecer sobre a HAS, orientar sobre os riscos da não
adesão ao tratamento medicamentoso, assim como possíveis complicações oriundas
do não controle da HAS.
O menor escore no meio ambiente dentre os não aderentes pode indicar maior
dificuldade nas modificações de hábitos de vida que exigem adaptação do
cotidiano(24), tais como mudanças alimentares e prática de atividade física.
Soma-se a terapia complexa e de alto custo, que pode não ser compatível com a
realidade econômica dos indivíduos, em especial para aqueles com múltiplas
morbidades crônicas(1), considerando o maior número de doenças dentre os não
aderentes no presente estudo. Assim, podem ser indicados medicamentos
compostos, em geral não disponíveis gratuitamente nos serviços públicos,
refletindo de forma negativa nos recursos financeiros, item avaliado neste
domínio(14).
O menor escore na participação social em ambos os grupos pode ser decorrente da
modificação na rotina alimentar, autocuidado e tratamento medicamentoso, os
quais podem influenciar na participação de eventos sociais, no intuito de
evitar alimentos que influenciam no controle pressórico(27), impactando
negativamente na participação em atividades do cotidiano, especialmente na
comunidade, aspecto avaliado nessa faceta(15). De tal maneira, a participação
de grupos de saúde e o compartilhar de receios e inseguranças podem
possibilitar trocas de experiências e estratégias de enfrentamento das
situações vivenciadas.
Os maiores escores na faceta morte e morrer para ambos os grupos podem ser
justificados devido ao maior percentual de idosos com 70 a 79 anos. Acredita-se
que nessa faixa etária eles tenham maior reflexão acerca da finitude da vida.
Inquérito realizado com idosos de 75 anos e mais em Tocantins evidenciou que a
maioria dos entrevistados não se amedrontava com essa possibilidade, mas com
outras questões, como doenças graves causadoras de dependência física e
psíquica(26).
O menor escore na faceta funcionamento dos sentidos entre os idosos não
aderentes ao tratamento, embora não investigado, pode estar relacionado à maior
perda visual identificada pelo autorrelato dos idosos, fato esse que pode
interferir no autocuidado e tratamento medicamentoso. Os problemas visuais
podem interferir tanto na compreensão do tratamento como na correta utilização
do medicamento quanto ao horário e nome das medicações(17). Dessa maneira, o
enfermeiro pode utilizar estratégias educativas no intuito de esclarecer
alterações dos sentidos, seja proveniente das mudanças fisiológicas, seja das
medicações anti-hipertensivas, possibilitando adaptações às perdas e
constituindo-se em rede de apoio a esses idosos. No entanto, salienta-se a
necessidade de se investigar esse aspecto da terapêutica anti-hipertensiva.
Referente à faceta autonomia enfatiza-se que a doença crônica e outras
morbidades associadas requerem maior atenção à saúde do idoso, o que pode levar
a família a interferir na tomada de decisões do idoso e contribuir para a menor
autonomia e a não motivação para o autocuidado(28). Cabe ressaltar que dentre
os idosos que não aderem ao tratamento medicamentoso se identificou maior
número de morbidades associadas requerendo maior atenção à saúde. Assim,
investigar as ações de autocuidado e apoiá-lo na melhoria da autonomia do idoso
frente à família e a sociedade(28), torna-se prioridade da assistência de
enfermagem e equipe de saúde.
Quanto à faceta atividades passadas, presentes e futuras, o maior impacto pode
estar relacionado ao maior percentual de idosos com múltiplas comorbidades e
indicativo de depressão, que poderiam minimizar suas perspectivas em relação ao
futuro, aspecto mensurado nessa faceta(15). Assim, os maiores gastos com saúde
entre os idosos não aderentes ao tratamento podem acarretar em menores escores
nessa faceta. Além disso, pode-se refletir sobre as dificuldades que os
hipertensos apresentam na adoção de medidas de controle, exigindo engajamento e
persistência(29), que podem ser afetados pelos aspectos psicológicos. Nesse
sentido, o cuidado da equipe de saúde da família, que inclui visitas
domiciliares, e as consultas médicas e/ou de enfermagem são estratégias que
podem favorecer o processo de adesão efetivo, minimizando os impactos, tanto
para o sistema de saúde quanto para os usuários(29).
No que concerne à faceta participação social, o menor escore dentre os idosos
que não aderiram ao tratamento também pode estar relacionado ao maior
autorrelato de problemas de saúde, que podem ser considerados limitantes para a
participação de determinadas atividades. As múltiplas morbidades e suas
consequências, como comprometimento físico, emocional e social, podem
interferir nas atividades rotineiras dos idosos(26). Ademais, as relações
adquiridas ao longo da vida podem ser fortalecidas nessa fase, tais como laços
familiares, religiosos e com serviços de saúde(26), podendo ser decisivos na
procura de atividades sociais. Nesse contexto, destaca-se que atividades
grupais contribuem para a socialização dos idosos, assim como para a interação
com pessoas que vivenciam as mesmas dificuldades. Trata-se de um meio de
superação dos problemas, podendo encorajar o enfrentamento da doença crônica, o
tratamento e a melhor adesão à medicação(25).
Referente à faceta intimidade, ressalta-se que a medicação anti-hipetensiva
pode causar efeitos colaterais que comprometem a QV(20). Essa faceta avalia a
capacidade de se terem relações pessoais e íntimas(15), com destaque para
familiares. Cabe elucidar que o apoio familiar por meio de relações de
confiança e incentivo se faz essencial para o enfrentamento da HAS, aumentando
a confiança(22) e consequentemente interferindo de forma positiva na QV.
Enfatizam-se, nesse contexto, as atividades voltadas para a saúde dos idosos
envolvendo familiares. Compartilhar dúvidas e experiências vividas pode nortear
os profissionais de saúde envolvidos no cuidado desses idosos. Assim, podem ser
identificados aqueles não aderentes e, por meio da consulta individual,
esclarecer acerca dos riscos e sensibilizar para a correta adesão ao tratamento
medicamentoso, abordando também os beneficios para a saúde e QV.
CONCLUSÃO
A partir dos resultados obtidos evidencia-se a necessidade de ações de saúde
voltadas à identificação precoce dos agravos e complicações que podem impactar
negativamente na adesão ao tratamento farmacológico para HAS, como a presença
de comorbidades. Ressalta-se a relevância do acompanhamento desses idosos de
forma individual ou por meio dos grupos oferecidos nos serviços de saúde, como
o Hiper-Dia, favorecendo o maior entendimento sobre a doença e a adesão ao
tratamento farmacológico. A família também deve ser envolvida nesse processo,
auxiliando o idoso, se necessário, e estimulando-o a utilizar corretamente os
medicamentos prescritos para a HAS, além de oferecer suporte emocional para as
adequações nos hábitos de vida.
Devido ao delineamento transversal desta pesquisa não é possível estabelecer a
relação de causa e efeito entre as variáveis associadas; porém, foi possível
ampliar o conhecimento sobre os fatores que podem contribuir para a menor
adesão ao tratamento farmacológico para HAS para os idosos investigados. Assim,
esses resultados podem oferecer subsídios para o delineamento de ações
específicas em saúde voltadas à manutenção da terapêutica farmacológica para
HAS.
Como citar este artigo:
Tavares DMS, Guimarães MO, Ferreira PCS, Dias FA, Martins NPF, Rodrigues LR.
Quality of life and accession to the pharmacological treatment among elderly
hypertensive. Rev Bras Enferm [Internet]. 2015;68(6):122-9.