Indicadores clínicos de disfunção sexual em mulheres grávidas: revisão
integrativa de literatura
INTRODUÇÃO
O estudo da resposta sexual feminina permaneceu pouco estudado durante muitos
séculos e, nessa sequência, também a função sexual durante a gravidez recebeu
pouca atenção por parte dos investigadores até há alguns anos. A sexualidade é
uma função biológica humana que não se limita à genitalidade, mas, sim, à
corporalidade total, assumindo uma importância inquestionável na qualidade de
vida dos indivíduos. No entanto, a dificuldade em abordar, questionar e
responder com naturalidade a questões com ela relacionadas permanece e parece
ser um problema generalizado(1-3). Na prática de cuidados, os enfermeiros
referem dificuldades marcadas em abordar a sexualidade, uma importante
dimensão, essencial na vida humana, que deve ser valorizada, quer nos cuidados
de saúde primários, quer nos cuidados hospitalares, ao longo do ciclo de vida
(4).
A saúde sexual não é apenas a ausência de doença e disfunção, mas envolve um
equilíbrio permanente de diferentes vertentes implicadas no ato sexual e,
assim, uma multiplicidade de fatores, incluindo a dimensão física, mental,
emocional e o bem-estar social em todos os comportamentos sexuais e crenças(5).
Pode ainda ser descrita como a integração e coordenação entre mente, emoções e
corpo que dirigem o social. Qualquer perturbação resultante do desequilíbrio
devido à insatisfação com as relações sexuais pode resultar em disfunção sexual
(6).
A disfunção sexual feminina pode ser entendida como um importante problema de
saúde pública em razão da sua frequência e das inúmeras alterações na qualidade
de vida da mulher(2,7). Constitui um problema multifatorial que envolve
determinantes biológicos, psicológicos e interpessoais(8-11). As causas da
disfunção sexual são múltiplas e, entre as diversas possibilidades, podemos
encontrar aspetos relacionados com o estadio fisiológico da mulher, como é o
caso da gravidez, amamentação e menopausa(9,11). A grávida pode, assim,
apresentar algumas disfunções sexuais, tais como dificuldade em atingir o
orgasmo, dispareunia, inibição do desejo e da excitação sexual, suscitando
problemas na vivência da sexualidade do casal(3,5-6,12-20).
Na NANDA Internacional (NANDA-I), a disfunção sexual é classificada como
diagnóstico de enfermagem desde 1980, teve a sua última revisão em 2006 e é
definido como o estado em que o indivíduo passa por mudança na função sexual,
durante as fases de resposta sexual de desejo, excitação e/ ou orgasmo, que é
vista como insatisfatória, não recomendada ou inadequada(21). A NANDA-I é uma
classificação de diagnósticos de enfermagem que apresenta os indicadores
clínicos (características definidoras e fatores relacionados), que contribuem
para um diagnóstico acurado e encaminham para o planeamento de intervenções
efetivas pelos enfermeiros(21).
Em uma outra classificação da Associação Americana de Psiquiatria, a última
versão do manual diagnóstico de transtornos mentais DSM-5 refere que as
disfunções sexuais são um grupo heterogêneo de transtornos que, em geral, se
caracterizam por uma perturbação clinicamente significativa na capacidade de
uma pessoa responder sexualmente ou de experimentar prazer sexual. Fazem parte
das disfunções sexuais femininas o transtorno do orgasmo feminino, transtorno
do interesse/excitação sexual feminina e transtorno da dor gênito-pélvica/
penetração(9).
A função sexual sofre mudanças ao longo da gravidez, pode melhorar no segundo
trimestre, mas diminui notavelmente no primeiro e terceiro trimestres(12,22). A
abordagem da função sexual na gravidez ainda é cercada por inúmeros tabus
movidos por falta de conhecimento e preconceitos culturais, pessoais ou
religiosos(1,3). A sexualidade do casal ao longo da gravidez pode, assim, estar
condicionada por múltiplos fatores que contribuem de diferentes formas para a
modificação do comportamento sexual, verificando-se alguma dificuldade na
avaliação deste problema por parte dos profissionais de saúde(22).
Na literatura sobre o tema, baseada em diferentes culturas, parece consensual a
existência de uma diminuição da frequência da atividade sexual na medida em que
a gestação progride, bem como a ocorrência de disfunção sexual neste período
(6,12-13,15,22-25).
A gravidez é caracterizada por modificações bioquímicas, funcionais, anatômicas
e emocionais que se iniciam em uma fase muito precoce e permanecem no seu
decurso. Todas essas alterações acabam por interferir, direta ou indiretamente,
no comportamento sexual da maioria das grávidas, em graus e formas diferentes
(1,10,26-28). Assim, a transição para a parentalidade pode ser entendida como
uma fase de potencial crise psicossocial e um período crítico em que a maioria
dos casais vivencia alterações no seu padrão habitual de comportamento sexual
(29).Trata-se de um período propício para o surgimento ou agravamento de
problemas sexuais preexistentes que podem afetar negativamente o relacionamento
conjugal(30).
Esta revisão tem como objetivo identificar os indicadores clínicos de disfunção
sexual (características definidoras e fatores relacionados) na literatura, nos
últimos 5 anos, e sistematizar o conhecimento sobre a caracterização da
disfunção sexual durante a gravidez, de modo que, na prática de cuidados,
enfermeiros e outros profissionais de saúde integrem esta temática nos cuidados
que prestam, esclarecendo as grávidas e respetivos companheiros durante a
vigilância da gravidez. Assim, estarão certamente contribuindo para uma
vivência da sexualidade saudável e harmoniosa durante esta fase da vida do
casal, promovendo também o seu bem-estar e a sua qualidade de vida.
Trata-se de um tema importante na prática de cuidados dos enfermeiros,
particularmente nos cuidados especializados às grávidas, pois a evidência
científica não é profícua. Este estudo poderá ser útil na sensibilização dos
profissionais para a importância do tema e para a integração deste fenômeno na
prática, oferecendo indicadores clínicos para um diagnóstico de enfermagem
preciso, de modo a favorecer intervenções eficientes à grávida e ao casal.
MÉTODO
Realizou-se uma revisão integrativa da literatura, que tem como finalidade
reunir e sintetizar os resultados de pesquisas sobre um determinado tema ou
questão, de uma forma sistemática e organizada, contribuindo para o
aprofundamento da problemática. Consiste em uma abordagem metodológica ampla
que inclui diferentes tipos de estudos, experimentais e observacionais,
teóricos e empíricos, e permite uma compreensão global do fenômeno investigado
(31-34). Este método de pesquisa inclui seis fases: identificação do tema ou
questão norteadora; amostragem ou procura na literatura; categorização dos
estudos; avaliação dos estudos incluídos; interpretação dos resultados e
síntese do conhecimento evidenciado nos artigos analisados também denominado
por apresentação da revisão(32).
A revisão partiu da questão: Quais os indicadores clínicos (características
definidoras e fatores relacionados) da disfunção sexual feminina na grávida?
Diante da natureza da questão, atendeu-se ao PEOS da Cochrane para definir os
critérios de inclusão e seleção de estudos: Population (População) - mulheres
grávidas com idade igual ou superior a 18 anos, sem patologia associada;
Exposure (Exposição) - disfunção sexual; Outcomes (Resultados) -
características definidoras e fatores relacionados; e Study type (Tipo de
estudo) - todos os estudos com resumo disponível, publicados entre 2010 e 2014,
nos idiomas português, francês, espanhol e inglês. A pesquisa foi realizada nas
bases de dados da EBSCHOhost (CINAHL, MEDLINE, Nursing & Allied Health
Collection: Comprehensive Edition, Cochrane Plus Collection Database of
Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled
Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Mediclatina), SCOPUS, ISI WEB
SCIENCE, Wiley Online Library e RCAAP (Repositório Científico de Acesso Aberto
de Portugal). Pesquisa realizada em setembro de 2014, com a estratégia de
pesquisa "sexual" (título) AND"pregnan" (título) AND"function" (no campo all
text). Para as plataformas em português, como o RCAAP, os termos de pesquisa
foram"sexual" (título) AND "gravid"(título). Seguiu-se as guidelines PRISMA
para a identificação, avaliação, seleção e inclusão dos estudos na revisão.
Por se tratar de uma revisão integrativa, foi realizada pesquisa adicional nas
referências dos artigos previamente selecionados e todos os resultados foram
integrados, de modo a ter uma revisão mais ampla. A inclusão dos estudos foi
realizada atendendo à concordância de dois investigadores de modo independente.
Os dados dos estudos foram analisados após preenchimento de um instrumento de
colheita de dados com dados acerca da identificação do estudo e objetivos
(título, autores, país, ano e dados do periódico), características
metodológicas (tipo de estudo, instrumentos e amostra) e resultados em análise
(indicadores clínicos e fatores relacionados).
RESULTADOS
Identificou-se um total de 671 resultados nas bases de dados. Após seleção pelo
critério de inclusão referente ao limite temporal (2010-2014), resultaram 266
estudos. Após a leitura dos títulos, obteve-se um total de 141 estudos (Figura
1) distribuídos pelas bases de dados da seguinte forma: EBSCO (35); SCOPUS
(47); ISI WEB SCIENCE (39); Wiley Online Library (15) e RCAAP (5). Foi efetuada
a análise do título, a junção dos artigos e removidos todos os que se
encontravam em duplicado. Resultaram 68 estudos, dos quais 7 foram retirados
porque não cumpriam o critério de inclusão referente ao idioma e 3 estudos que
não se relacionavam diretamente com o tema. Após a leitura dos resumos, a
amostra final ficou constituída por 58 estudos. Destes, foi possível obter 47
estudos com texto completo (81%) e os restantes foram analisados apenas a
partir do resumo, uma vez que faziam parte de atas de eventos.
Figura 1 Fluxograma da amostra dos artigos selecionados para a revisão, com
base no PRISMA
Em uma avaliação temporal da pesquisa inicial, e sem qualquer limite temporal,
identificou-se 671 artigos, que quando delimitamos aos últimos 5 anos ficaram
reduzidos a 266 artigos. Este fato sublinha a atualidade da temática, uma vez
que cerca de 40% da produção sobre este tema foi publicada nos últimos 5 anos.
Quanto à distribuição dos estudos neste período, 24,1% foram publicados em
2012, seguindo-se 2014 com 22,4%, 2011 e 2013 com 19% de publicações e 15,5% de
publicações em 2010.
Com relação à distribuição geográfica, nenhum país se destaca especificamente,
mas verifica-se uma maior produção no Brasil com cerca de 20% dos estudos,
Turquia com 17,1%, Irão com 12,1%, Tailândia com 10,3%, Portugal com 9%,
Estados Unidos da América com 5,1% e Espanha e Israel com 3,5%. Ainda foram
identificados estudos oriundos de países como Canadá, Polônia, Austrália,
Croácia, Malásia, Alemanha, Egito, Arábia Saudita e Tunísia.
Da análise metodológica, observou-se que 43 estudos (74,1%) têm abordagem
quantitativa, seis (10,3%) têm abordagem qualitativa, cinco (8,6%) são revisões
da literatura, dois (3,5%) artigos de opinião e dois (3,5%) editoriais.
Destacamos que 45 (77,5%) são estudos originais, um (1,7%) estudo de validação
de escala, uma (1,7%) dissertação de mestrado e duas (3,5%) monografias de
licenciatura em enfermagem. Verificou-se que 56% dos estudos de abordagem
quantitativa utilizaram o índice de funcionamento sexual feminino (FSFI),
demonstrando assim ser um instrumento muito aplicado na mensuração deste
fenômeno. Verifica-se, ainda, que 11 estudos (19%) se referem a uma definição
da disfunção sexual feminina. Entre os atributos identificados na definição dos
conceitos, salienta-se a consistência de que se trata de uma alteração no ciclo
da resposta sexual feminina(5-6,13-15,35-41), embora existam autores que
mencionam alterações apenas em algumas fases (Tabela_1).
Tabela 1 Frequência dos indicadores clínicos da disfunção sexual feminina na
gravidez nos estudos selecionados
Características definidoras n %
Alteração no desejo sexual(1-6,10,12-17,19,22-23,27-28,36-39,41-63) 45 78
Alteração na satisfação sexual(2,6,10,13,15-16,19,22-23,25,27-30,35,37-39,42- 37 64
43,45-49,51,53-60,62-64)
Alteração no orgasmo(2,6,10,12-16,19,22-23,27-30,35-39,41-42,45-49,51,53-54,56- 34 59
58,63)
Dispareunia(2,6,10,13-16,19,22-23,27-28,30,35,37-39,41-42,45-51,53-54,56-58,64- 33 57
65)
Alteração na atividade/frequência sexual(5-6,10,12,14,17,22,24-25,28-29,35,37- 31 54
38,41,43,45-46,48,50,54-55,57,61-63,65-69)
Alteração na excitação sexual(2,6,10,12-16,23,25,27,30,36-39,42,45- 29 50
47,49,51,53,56-58,63-65)
Diminuição no desejo sexual(3,5,10,13-14,16-17,19,22,28,36-37,41,44-45,48,50- 27 47
52,54-55,60-64,69)
Alteração na lubrificação vaginal(2,6,10,13,15-16,19,23,27-28,30,37-39,41-42,425 43
47,49,51,53,56-58,64)
Alteração no interesse sexual(3,14,16,22,29,36-37,55,60-61,63,69) 12 21
É possível constatar, com maior relevância, as alterações no desejo sexual como
indicador de disfunção sexual em 78% dos estudos, mas em 47% é salientada a
diminuição do desejo sexual durante a gravidez. A alteração na satisfação
sexual é também uma das características mais significativas referida em 64% dos
estudos, a seguir a alteração do desejo, seguindo-se as alterações no orgasmo
(59%), dor na relação sexual (57%), alteração na frequência da atividade sexual
(54%) e as alterações na excitação sexual, em cerca de metade dos estudos.
Ligeiramente menos relevantes, identificou-se as alterações específicas na
lubrificação vaginal (43%) e as alterações no interesse sexual (21%) (Tabela
1). Da análise comparativa com dos indicadores clínicos já existentes na NANDA-
I, verificamos que cinco características definidoras já estão classificadas
(alteração na atividade sexual, alteração na excitação sexual, alteração na
satisfação sexual diminuição do desejo e alterações no interesse) e que esta
revisão acrescenta a outras características já existentes na NANDA-I as
alterações no orgasmo, presença de dor, alteração na lubrificação e alteração
no desejo.
Quanto aos fatores relacionados com a disfunção sexual durante a gravidez,
verificou-se que são diversificados (Tabela_2). Da análise, é possível
constatar que as alterações físicas e psicológicas associadas à alteração da
estrutura e função corporal, bem como à presença de desconfortos, são os
fatores mais evidenciados.
Tabela 2 Frequência dos fatores relacionados com a disfunção sexual feminina na
gravidez nos estudos identificados
Fatores relacionados n %
Alterações físicas(1,3,5-6,12-13,15-17,19,22,26-29,36-41,43-50,52,54,56- 40 76
57,60,62-65,67,69)
Alterações psicológicas(1,5-6,10,12-13,15-19,22,26-29,37-41,43,45-48,50,54,56-38 66
57,60-65,67,69)
Alteração na estrutura e função do corpo, nomeadamente relacionadas com a
presença de desconfortos ao longo da gravidez(3,6,10,12-17,19,22-23,25-26,28,37-37 64
41,43-45,48-52,55-56,59-61,65-66,68-69)
Fatores sociodemográficos (idade, escolaridade, estado socioeconômico,...)(5- 35 60
6,10,12-13,17,19,22-23,25-30,35,37-38,40-41,43,45,47,49,51,54-57,59,62,64-65,67)
Medos(1,3,5-6,13-15,17-18,22,28-29,37,39-41,45,47-48,50,52,54-56,60,65-69) 30 52
Fatores culturais(3,5-6,10,12-13,16-17,19,23,26,37-39,41,44-45,47-48,50- 28 48
51,57,59,62,64-65,67,69)
Conhecimento insuficiente(1-3,5,14,17-19,22-24,26,28-29,38,40-41,43-44,46- 26 45
47,50,55,61,68-69)
Mitos tabus e crenças(1,3,5,10,12,16,19,22,26-27,29,37- 23 40
39,41,45,47,50,52,56,61,67,69)
História obstétrica (número de filhos, número de gravidezes, tipos de parto, 20 35
abortos,...)(1,6,10,17-19,22-23,27,29,30,37-39,42,45,48,54,62,69)
Alterações relacionais(6,26,35,37-38,41,44-46,48,50,54-56,60-61,63-64) 18 31
Alterações na autoimagem(3,10,12,14-16,19,27-28,37,39-40,50,52,55) 15 26
Fatores religiosos(6,17,22,25-26,39,45,48,50,67,69) 11 19
Idade gestacional (2,6,10,16,18-19,23,37-38) 9 16
Alteração na autoestima (12,16,23,37-38,46,55,61) 8 14
Vulnerabilidades (problemas na gravidez, doenças,...)(13,30,38,50,56) 5 9
Conflito de valores(6,38,40,50) 4 7
Os fatores sociodemográficos são frequentemente referidos na literatura (60%),
como também os medos e os fatores culturais, que emergem em cerca de metade dos
estudos. Evidencia-se em 40% dos estudos um inadequado conhecimento por parte
das grávidas sobre a função sexual feminina neste período. Salienta-se ainda
como influente a história obstétrica da grávida (35%), bem como as alterações
relacionais e na autoimagem (30%). Um pouco menos prevalentes foram
identificados fatores religiosos, alterações na autoestima, presença de algumas
vulnerabilidades (doenças) e os conflitos de valores.
De referir que, coincidente com os fatores relacionados já classificados na
NANDA-I, apenas se identificou o conhecimento deficiente. Os resultados desta
revisão vêm acrescentar aos fatores já classificados fatores sóciodemográficos,
alterações físicas, psicológicas e relacionais, a idade gestacional, a história
obstétrica, mitos, tabus, preconceitos e crenças, medos, autoestima e
autoimagem, fatores religiosos e culturais.
DISCUSSÃO
A função sexual está associada à qualidade de vida e à satisfação sexual da
mulher ao longo da gravidez(23). A disfunção sexual é um fenômeno frequente
durante a gravidez e atinge níveis mais significativos no terceiro trimestre.
Nesse período, a função sexual fica comprometida e a atividade sexual diminuiu
na medida em que a gravidez progride, embora de modo variável, mas com uma
diminuição acentuada entre o período pré-gravídico e o final da gravidez(6,12-
13,15,22,24-25). A diversidade de países identificados nos resultados evidencia
que esta é uma problemática transversal para a condição de grávida em
diferentes culturas. A disfunção sexual interfere na saúde da mulher e pode
assumir-se como um importante problema de saúde devido ao seu impacto negativo,
como a diminuição da autoestima e várias alterações emocionais que podem
resultar em sofrimento significativo pessoal e no casal(5,12-13,35). Pode ser
entendida como um desequilíbrio diante da satisfação com as relações sexuais(6)
mas também pode ser caracterizada como um distúrbio psicofisiológico na
resposta sexual, que causa angústia e dificuldade no relacionamento
interpessoal(39). Na gravidez, a disfunção sexual também se caracteriza pela
alteração no funcionamento sexual feminino envolvendo uma, várias ou todas as
fases do ciclo de reposta sexual. Esta alteração provocará um transtorno na
vivência da sexualidade, interferindo nas relações interpessoais, causando
angústia e stress(5). Trata-se de uma resposta humana perante uma transição ou
processo de vida que pode originar outras respostas relacionadas com processo
de saúde/doença e, por isso, requerem atenção holística e especializada no
diagnóstico e planeamento de intervenção. A classificação de diagnósticos de
enfermagem NANDA-I integra o diagnóstico disfunção sexual, definido como uma
mudança na função sexual, observada em uma ou mais fases da resposta sexual
(21'40). Podemos verificar que, embora a definição do diagnóstico contemple as
várias fases da resposta sexual, as características definidoras não as
contemplam todas pelo que esta revisão sugere o enriquecimento com novas
características definidoras, como a alteração no orgasmo, presença de dor,
alteração na lubrificação e alteração no desejo.
A existência de disfunção sexual durante a gravidez é, de fato, referida na
literatura(6,13,16,19,23,26,37,42-43,66). Os estudos analisados evidenciam
diversas alterações para o nível das diferentes fases do ciclo da resposta
sexual traduzidas na identificação dos indicadores clínicos ao longo desta
revisão. Estes estão relacionados, de uma forma global, com as alterações na
estrutura e na função corporal, as alterações biopsicossociais, as informações
erradas ou falta de conhecimento, os conflitos de valores e a vulnerabilidade
neste período(40). As alterações corporais, hormonais e psicológicas,
características da gravidez e associadas à preocupação com o efeito da relação
sexual na maternidade ou na saúde do feto, são consistentemente relatadas na
literatura e também referidas como uma importante razão para a diminuição da
frequência de relações sexuais e para a alteração da função sexual feminina
neste período(67). A presença de desconfortos, tais como indisposição, sono e
alterações na autoimagem podem levar à diminuição do desejo e da excitação,
verificando-se uma alteração significativa nestes domínios da função sexual
(19,26,29,67). A grávida fica emocionalmente mais frágil, com necessidade de
maior apoio, carinho e atenção, mostrando, assim, um aumento das necessidades
emocionais, o que também pode influenciar a resposta sexual feminina em todos
os seus domínios(29). A ansiedade excessiva, a informação insuficiente e a
presença de crenças pessoais e culturais são algumas das razões referenciadas
para a alteração da sexualidade durante a gravidez(14,44,70). O papel da
educação para a saúde é muito importante, permite informar sobre as alterações
normais que ocorrem nas diferentes fases da gravidez e, desta forma, diminuir a
ansiedade e contribuir para melhorar a função sexual(12).
A sociedade atual exige que o enfermeiro obstetra desempenhe o processo de
cuidados no sentido de uma maior eficácia, com um maior nível de conhecimentos
e visando responder de forma mais completa às necessidades da grávida/casal. As
mulheres valorizam as competências científicas do enfermeiro, mas consideram
primordiais as qualidades relacionais, a escuta ativa e o envolvimento da
grávida nos cuidados, apreciam a enfermeira especialista como uma confidente,
uma guia e um suporte fundamental na vivência de todo o processo associado à
gravidez e ao nascimento. Esta valorização reforça a importância do papel do
enfermeiro obstetra na promoção da saúde sexual como área íntima da mulher/
casal(45).
Apesar dos medos e mitos sobre a atividade sexual durante a gravidez, as
interações sexuais de um casal durante a gravidez podem promover a sua saúde
sexual, o bem-estar e uma maior profundidade de intimidade no casal(45). A
necessidade de conhecimento, por parte das grávidas, sobre a função sexual
feminina neste período é um fator que se destaca na análise dos estudos com
potencial relação com as alterações a nível da sexualidade da grávida/casal
durante a gravidez e pelas suas implicações na prática de cuidados(46).
Afshar e colaboradores (2012) constataram uma melhoria na função sexual das
grávidas após a aplicação de um programa de ensino em que verificaram uma
correlação positiva entre o conhecimento sexual e uma função sexual
satisfatória. A maioria dos casais não tinha informações suficientes sobre a
dimensão sexual durante a gravidez e a importância da educação sexual refletiu-
se pelo efeito positivo na vida sexual das grávidas. A aplicação de outro
programa de ensino também refere benefício na melhoria no nível de
conhecimentos e nas atitudes sexuais durante a gravidez(47). No entanto, o
acesso à informação sobre este tema é aparentemente obtido através dainternet e
pela opinião de amigos com os condicionantes que daí advém, mostrando a
necessidade de os profissionais de saúde investirem nesta temática(29,48).
Aribi e colaboradores (2012) referem que a informação e o apoio às mulheres
neste período são ainda insuficientes e verificaram que mais da metade das
mulheres confirmou a utilidade das informações sobre sexualidade, mas apenas um
terço dos casais procurou a informação. Destaca-se, assim, a importância da
iniciativa por parte dos profissionais de saúde em fornecer informação aos
casais sobre a sexualidade durante este período, mesmo que não solicitada(3).
Embora as mulheres sintam a necessidade de informação, raramente encontram
oportunidades de expor as suas questões com os profissionais de saúde(14). Os
casais necessitam de orientação referente ao impacto da gravidez sobre a função
sexual, sobre as alterações a nível psicossexual de forma a compreenderem as
alterações e as flutuações normais do interesse sexual durante a gravidez e com
o objetivo de melhorar a saúde sexual do casal, bem como a sua qualidade de
vida(42,47).
Os profissionais de saúde devem procurar desenvolver uma abordagem aberta sobre
os aspectos da sexualidade e fornecer orientação antecipatória para o casal
sobre as mudanças esperadas na saúde sexual durante a gravidez(18). Trata-se de
uma intervenção importante na avaliação e gestão de questões de sexualidade
para melhorar o relacionamento, educando e orientando sobre sexualidade durante
o tempo gestacional e reconhecendo que a variação na atividade sexual durante
este período ocorre e pode afetar as relações conjugais. As grávidas devem ser
avaliadas regularmente em relação à sua vida sexual e incentivadas a falar
sobre a dimensão da sexualidade com os profissionais de saúde(50). O
profissionalismo nesta abordagem inclui, não com uma preocupação holística, mas
deve incluir todo o cuidado ético e competências comunicacionais inerentes a
temáticas que são íntimas. Não deverão ser ignoradas, pois a disfunção sexual
feminina e as suas implicações na saúde durante a gravidez são consideradas
áreas de preocupação para profissionais de saúde no cuidado de saúde à mulher
(5). A intervenção em saúde sexual e reprodutiva deve ser uma prioridade para
os profissionais que cuidam da saúde da mulher. A gravidez pode ser um momento
de intervenção na resolução de problemas relacionados com (dis)função sexual. A
comunicação adequada sobre a saúde sexual entre as mulheres e com os
profissionais de saúde é essencial, mas é ainda muitas vezes inexistente(5). Os
enfermeiros obstetras têm nas consultas uma oportunidade para iniciar
discussões sobre a sexualidade durante a gravidez. No entanto, idealmente,
estas conversas em torno da saúde sexual deveriam acontecer de uma forma
regular durante as consultas nos cuidados de saúde primários, tanto antes como
depois da gravidez. A orientação para a saúde sexual não só deve destacar
problemas e dificuldades potenciais mas também a oportunidade de melhorar a
autoestima e as relações interpessoais. As mulheres devem ser orientadas a ter
uma conversa aberta e honesta com os seus parceiros e também com os
profissionais de saúde sobre suas necessidades sexuais, expectativas e
obstáculos(5).
As atitudes em relação à sexualidade na gravidez são muitas vezes influenciadas
pela cultura e esta influência pode estender-se também à intervenção dos
profissionais de saúde. A abordagem da sexualidade deve fazer parte dos
cuidados no pré-natal e os profissionais devem estar atentos e rever as suas
próprias opiniões e atitudes sobre este assunto(51). Os profissionais de saúde
devem possuir formação sobre sexualidade e saúde sexual, quer por meio da
formação inicial profissional, como através de formação pós-graduada(71). A
influência negativa da gravidez na função sexual feminina é notória e,
portanto, não deve ser negligenciada. Os profissionais de saúde devem ser
capazes de investigar a incidência de disfunção sexual, minimizar a ansiedade
quanto às alterações induzidas pela gravidez, estimular a participação dos
parceiros na vigilância, esclarecer dúvidas e desmistificar tabus(39,52,72). A
falta de conhecimento das grávidas e companheiros, evidenciada nesta revisão e
já classificada na NANDA-I, causa muitas vezes medos e ansiedades que podem
levar à abstinência sexual e a consequências relacionais evitáveis. A educação
para a saúde sobre a vivência da sexualidade durante a gravidez promove
liberdade para as grávidas expressarem a sexualidade, os medos em relação ao
ato sexual e o debate sobre crenças, valores e ansiedades, contribuindo para a
promoção da saúde sexual e reprodutiva. As práticas educativas favorecem a
vivência tranquila da gravidez, a relação mãe/filho, uma melhor aceitação da
gravidez, bem como a promoção da expressão sobre sexualidade(64,68,73).
Os avanços em relação à abordagem da sexualidade no campo da saúde e da
enfermagem são notórios, no entanto, ainda se verificam dificuldades na
interseção entre o cuidado e a sexualidade no exercício profissional. Novas
abordagens de cuidados devem emergir no sentido de promover a integralidade dos
cuidados e desmistificar o cuidar do corpo e da sexualidade nos cuidados de
enfermagem.
CONCLUSÃO
A sexualidade integra a vivência humana e é influenciada por diversos fatores
que contribuem para o bem-estar da mulher/casal. A associação entre gravidez e
disfunção sexual ainda tem sido pouco estudada. No entanto, os resultados desta
associação evidenciam implicações na prática de cuidados de enfermagem durante
a gravidez. Torna-se necessário o reconhecimento das alterações na função
sexual feminina na grávida, quer pelas implicações na vivência da sexualidade
da mulher e do casal neste período, quer pela influência que estas alterações
têm em outros aspectos da vida da mulher.
Na prestação de cuidados, o enfermeiro obstetra deve identificar as alterações
na sexualidade e individualizar as respostas a cada grávida/casal, respeitando
a particularidade de cada situação. Abordar a temática da sexualidade durante a
vigilância da gravidez é essencial por parte dos profissionais de saúde
evidenciando-se o papel do enfermeiro obstetra nomeadamente na educação para a
saúde ao longo da vigilância da gravidez. A sensibilização dos profissionais
para esta abordagem contribuirá para um melhor esclarecimento das grávidas
relativamente à ausência de riscos em manter a vida sexual durante este período
e assim promover o bem-estar da mulher/casal com benefício para ambos e para o
desenvolvimento do bebê em um ambiente saudável e harmonioso. Este estudo
identificou novas características e novos fatores relacionados da disfunção
sexual fundamentados em literatura. Estes novos dados deverão ser validados em
contexto clínico visando reunir evidência e contribuir para a NANDA-I.
Como citar este artigo:
Carteiro DMH, Sousa LMR, Caldeira SMA. Clinical indicators of sexual
dysfunction in pregnant women: integrative literature review. Rev Bras Enferm
[Internet]. 2016;69(1):1 53-61.