Análise de teorias de enfermagem de Meleis: revisão integrativa
INTRODUÇÃO
Teoria de enfermagem pode ser definida como uma articulação organizada,
coerente e sistemática de um conjunto de afirmações relacionadas às perguntas
significativas de uma disciplina, comunicadas, compartilhadas em um conjunto,
em um todo significativo, com o objetivo de descrever os fenômenos, explicar as
relações entre eles e predizer consequências ou prescrever o cuidado de
enfermagem(1). Nesse contexto, tais teorias se desenvolvem com a finalidade de
refletir os interesses da comunidade científica e da sociedade(2).
A análise/avaliação de teorias é um processo de examinar de maneira sistemática
uma teoria, tendo para isso critérios variáveis que, em geral, incluem: origem
da teoria, significado, adequação lógica, utilidade, possibilidade de
generalização e teste, visando a determinar a contribuição potencial para o
conhecimento científico das teorias, além de investigar sua relevância e
aplicabilidade à prática, à pesquisa, ao ensino ou à administração de
enfermagem. Esse processo vem sendo desenvolvido desde o final dos anos de 1960
(3), visto que as teorias de enfermagem precisam ser refletidas, para que as
ideias que foram colocadas pelas teóricas possam ser conhecidas integralmente
e, mais ainda, que haja incorporação das teorias de enfermagem à prática dos
enfermeiros em seus diversos campos de atuação.
Para que esse aprofundamento sobre teorias de enfermagem aconteça, diversos
modelos de análise de teorias vêm sendo desenvolvidos juntamente com a evolução
profissional. Assim, diante da necessidade de aprofundamento do conhecimento
sobre a temática, surgiu o interesse dos autores em refletir como a análise das
teorias está sendo aplicada por pesquisadores brasileiros e qual a sua
contribuição para a ciência da Enfermagem.
A partir de leituras sobre os diversos modelos propostos, optou-se por
construir este estudo subsidiado no modelo de avaliação de teorias proposto por
Meleis, com o objetivo de analisar a aplicação desse modelo nas pesquisas de
enfermagem brasileiras publicadas no período de 2002 a 2012.
MÉTODO
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura referente à produção do
conhecimento sobre análise de teorias de enfermagem. Esse tipo de estudo
viabiliza a análise de pesquisas científicas de modo sistemático e amplo,
favorecendo a caracterização e divulgação do conhecimento produzido. Dessa
forma, para a construção desta revisão integrativa, trilhou-se um percurso
metodológico proposto por alguns estudiosos do método(4-6), que contempla seis
etapas: 1) identificação do tema e formulação da questão norteadora; 2) busca
na literatura e seleção criteriosa das pesquisas; 3) categorização dos estudos
encontrados; 4) análise dos estudos incluídos; 5) interpretação dos resultados
e comparações com outras pesquisas; e 6) relato da revisão e síntese do
conhecimento evidenciado nas pesquisas(5-6) (Figura_1).
Fonte: Ganong
(1987); Mendes; Silveira; Galvão (2008); Souza; Silva; Carvalho (2010).
Figura 1 Fluxograma do método: revisão integrativa da literatura
Esta revisão teve como propósito responder às seguintes questões: Pesquisadores
brasileiros realizam análise de teorias de enfermagem? A análise de teorias
proposta por Meleis é utilizada em pesquisas brasileiras de enfermagem? Qual
fase da análise de teorias proposta por Meleis é abordada em publicações
nacionais de enfermagem no período de 2002 a 2012? Quais contribuições esses
estudos podem trazer para a ciência da Enfermagem?
Para a identificação dos estudos, foi utilizada busca on-line de artigos
indexados em periódicos da Biblioteca Virtual em Saúde, consultando as bases de
dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)
e do Banco de Dados da Enfermagem (BDENF). Como critérios de inclusão,
utilizaram-se publicações que abordassem análise de teorias a partir da
perspectiva de Meleis; e que se encontrassem na íntegra sob a modalidade de
artigo científico (original ou revisão), produzidas por pesquisadores
brasileiros no período de 2002 a 2012. Justifica-se tal recorte temporal para
que pudesse haver uma boa representatividade de pesquisas que abordassem a
temática.
A busca foi realizada nos meses de fevereiro e março de 2013 por meio de
descritores combinados pelo conector booleano AND. Inicialmente foram
utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) "teoria de enfermagem" e
"modelos de enfermagem" nas bases de dados LILACS e BDENF, sendo identificados
75 e 66 trabalhos científicos, respectivamente, dentre os quais foram
selecionados quatro artigos após a leitura dos resumos e observância dos
critérios de inclusão. Entretanto, ao usar os descritores "teoria de
enfermagem" e "enfermagem" foram encontradas 528 referências na base de dados
LILACS e 454 na base de dados BDENF, que após uma análise dinâmica e
refinamento da pesquisa a partir dos critérios de inclusão, da leitura dos
títulos e resumos disponibilizados, selecionaram-se 12 artigos científicos.
Vale ressaltar que todos esses artigos encontrados estavam disponibilizados
concomitantemente nas duas bases de dados pesquisadas, evidenciando um total de
16 produções.
Após essa seleção dos artigos, realizou-se uma coleta de dados de interesse:
ano de publicação; qual a fase da análise de teorias de Meleis utilizada;
periódico de publicação; método; objetivos e principais resultados. A análise
dos dados foi realizada em duas etapas, com a colaboração de duas autoras
avaliadoras com experiência docente e que ministraram a disciplina “Análise
crítica das teorias de enfermagem” no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem,
nível Doutorado, da Universidade Federal da Paraíba. Na primeira etapa, foram
identificados os dados do artigo: ano, título e fase da análise de teorias de
Meleis utilizada (Quadro_1). Na segunda etapa, ocorreu a análise dos artigos a
partir de seus objetivos, método empregado e resultados encontrados,
sintetizando os resultados por similaridade do conteúdo, os quais estarão
oportunamente apresentados na discussão.
Quadro 1 Descrição das publicações nacionais de enfermagem segundo a etapa do
Modelo de Avaliação de Teorias de Meleis, no período de 2002 a 2012
Ano Título Etapa do modelo
2010 A teoria do cuidado transpessoal na enfermagem: análise segundo Meleis(7) Descrição da teoria: componentes funcionais
2010 Utilidade da teoria de autocuidado na assistência ao portador do Vírus da Crítica da teoria: utilidade
Imunodeficiência Humana/Síndrome da Imunodeficiência adquirida(8)
2008 Diálogo como pressuposto na teoria humanística de enfermagem: relação mãe- Descrição da teoria: componentes estruturais (pressupostos)
enfermeira-recém-nascido(9)
2007 Análise do círculo de contágio da teoria da ação racional e sua adequação à Crítica da teoria: Círculo de contágio
enfermagem(10)
2007 Sunrise Model: análise a partir da perspectiva da Afaf Meleis(11) Crítica da teoria: Diagrama
2007 Clareza na utilização dos sistemas sociais da teoria de alcance de metas(12) Crítica da teoria: clareza
2006 Modo fisiológico do modelo de adaptação de Sister Callista Roy: análise reflexivCrítica da teoria: Consistência e clareza
segundo Meleis(13)
2006 Componentes funcionais da teoria de Peplau e sua confluência com o referencial de Descrição da teoria: componentes funcionais
grupo(14)
2005 Análise do diagrama do modelo de promoção da saúde de Nola J. Pender(15) Crítica da teoria: Diagrama
2005 Análise da teoria humanística e a relação interpessoal do enfermeiro no cuidado Crítica da teoria: Utilidade
recém-nascido(16)
2005 Compreensão do Modelo de King sobre o paradigma do interacionismo simbólico(17) Análise da teoria: origem paradigmática
2004 Modelo de Roy na enfermagem obstétrica: análise sob a óptica de Meleis(18) Descrição da teoria: componentes estruturais
2004 Aplicando o modelo de avaliação de Meleis à teoria de Travelbee(19) Descrição da teoria: componentes funcionais
2004 A Teoria de King e sua interface com o programa "Saúde da Família"(20) Análise da teoria: A Teorista, origem paradigmática e dimensões
internas
2003 Análise descritiva da teoria dos sistemas de enfermagem de Orem: aplicabilidade no Descrição da teoria: componentes funcionais e componentes
ensino do autoexame ocular dos portadores do HIV/Aids(21) estruturais
2003 Teoria Humanística: análise semântica do conceito de Community(22) Crítica da teoria: Clareza
Modelo de Análise de Teorias
O modelo de avaliação de teorias proposto por Meleis (Figura_2) compõe-se de 5
etapas: descrição, análise, crítica, teste e suporte, sendo ele muito detalhado
para ser apresentado na sua totalidade. Tendo em vista que não exista uma
teoria que preencha todos os critérios propostos, esse modelo pode ser aplicado
na sua íntegra ou em partes, não sendo preciso seguir a ordem das etapas(1).
[/img/revistas/reben/v69n1//0034-7167-reben-69-01-0174-gf02.jpg]Fonte: Meleis
(2012).Nota: Tradução livre dos autores.
Figura 2 Modelo de Avaliação de Teorias(1)
A fase de descrição compreende os componentes estruturais, tendo como unidade
de análise os pressupostos, conceitos e proposições; e os componentes
funcionais, em que são analisados foco, cliente, enfermagem, saúde, ambiente,
interação enfermeira–cliente, problemas de enfermagem e terapêutica de
enfermagem(1).
A fase de análise da teoria é um processo de identificação de partes e
componentes que inclui a análise dos conceitos e análise da teoria. A análise
dos conceitos é um processo útil para o desenvolvimento e avaliação da teoria,
compreendendo as análises da semântica, da derivação lógica e contextual, além
da descrição de antecedentes e consequentes do conceito; e a análise da teoria
envolve importantes fatores que puderam influenciar no desenvolvimento da
teoria e na sua estrutura atual, abrangendo a teórica, as origens
paradigmáticas e as dimensões internas(1).
A fase de crítica de uma teoria tem por objetivo estabelecer a relação entre
estrutura e função, bem como analisar clareza, consistência, simplicidade,
complexidade, tautologia, teleologia, diagrama da teoria, círculo de contágio
(origem geográfica da teoria, sua expansão geográfica e influência da teoria),
utilidade (na prática, pesquisa, educação/formação e administração) e
componentes externos, tais como valores pessoais, congruência com valores de
outros profissionais, congruência com valores sociais e significado social(1).
A fase de teste significa colocar em prática, submeter ao uso, realizar uma
revisão. Trata-se, na verdade, de uma verificação, de um processo sistemático
no qual as proposições teóricas são submetidas ao rigor de pesquisa em todas as
suas formas e aproximações. Como consequência da testagem da teoria é que os
resultados dos estudos podem sugerir mudanças e aperfeiçoamentos para a mesma.
Esta fase é um processo dinâmico de verificação e proporciona o desenvolvimento
da teoria(1).
O suporte, por sua vez, é a fase na qual se avaliam o grau de extensão e a
aceitação da teoria proposta, se identifica a existência de uma comunidade
científica que aplica essa teoria no próprio local de trabalho ou em diferentes
situações. Avaliar o suporte de uma teoria inclui aceitação de declarações,
adaptação de problemas centrais da disciplina e reconhecimento de novos
fenômenos de Enfermagem(1).
RESULTADOS
As fontes pesquisadas foram consideradas diversificadas, haja vista a temática
abordada pelo estudo evidenciar 16 artigos científicos publicados em 10
periódicos diferentes, com boa expressividade no cenário científico segundo
avaliação do Qualis da Capes 2012.
A distribuição dos artigos por ano de publicação compreendeu 2 publicações
(12,50%) em 2010; 1 (6,25%) em 2008; 3 (18,75%) em 2007; 2 (12,50%) em 2006; 3
(18,75%) em 2005; 3 (18,75%) em 2004; e 2 (12,50%) em 2003, de acordo com o
disposto a seguir:
Quanto ao tipo de estudo, 7 (43,75%) utilizaram a análise interpretativa com
base no modelo de avaliação de teorias proposto por Meleis; 3 (18,75%)
evidenciaram estudos teóri-co-reflexivos baseados no modelo de avaliação de
teorias de Meleis; 2 (12,50%) foram estudos descritivo-reflexivos baseados no
modelo de análise de teorias de Meleis; e 4 (25,00%) caracterizaram estudos de
revisão bibliográfica.
As teorias analisadas nos referidos estudos foram: Teoria do Cuidado
Transpessoal, de Jean Watson; Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado
Cultural, de Madeleine Leninger; Teoria das Relações Interpessoais em
Enfermagem, de Hildegard Peplau; e Teoria da Relação Interpessoal, de Joyce
Travelbee; cada uma delas analisada em estudos distintos. A Teoria de Alcance
de Metas, de Imógene King; a Teoria de Adaptação, de Sister Callista Roy; a
Teoria Humanística, de Paterson e Zderad; e a Teoria do Autocuidado, de Orem,
foram estudadas em outros dois artigos, cada uma. Além disso, duas teorias que
foram analisadas e que são aplicáveis na área da saúde, não especificamente
apenas na Enfermagem, foram também analisadas pelo método proposto por Meleis,
são elas: Teoria da Ação Racional (teoria da área da Psicologia e aplicável à
Enfermagem) e Modelo de Promoção da Saúde de Nola Pender (modelo de promoção da
saúde aplicado à Enfermagem).
Das cinco fases propostas para a análise de Teorias de Meleis, os estudos
ratificaram a utilização de apenas três delas (crítica, análise e descrição da
teoria), havendo predomínio de uma única unidade de análise em cada uma delas.
Porém, três artigos(13,20-21) utilizaram mais de uma unidade de análise, que
foram Crítica da Teoria: consistência e clareza(13); Análise da Teoria: a
teórica, origem paradigmática e dimensões internas(20); Descrição da Teoria:
componentes funcionais e componentes estruturais(21).
A Crítica da teoria foi a fase mais abordada, com oito estudos (50,0%); seguida
da Descrição da teoria, com seis estudos (37,5%); e, por último, a Análise da
teoria abordada, em dois estudos (12,5%).
Conforme pode se observar na Figura_2, a fase Crítica da Teoria possui oito
componentes de análise, e, dentre as pesquisas que a utilizaram, duas delas
abordaram o componente utilidade(8,16); duas analisaram o diagrama(11,15); uma
investigou o círculo de contágio(10); duas estudaram a clareza(12-22); e outra
pesquisa utilizou, ainda, os componentes consistência e clareza conjuntamente
(13).
Na fase Descrição da Teoria houve destaque para seis pesquisas: três
publicações analisaram as unidades dos componentes funcionais da teoria (foco,
cliente, enfermagem, saúde, interação enfermeira-cliente, ambiente, problema de
enfermagem e terapêutica de enfermagem)(7,13,19); duas analisaram os
componentes estruturais(9,18); e uma outra utilizou conjuntamente para análise
os componentes funcionais e estruturais(21). A fase Análise da Teoria foi
abordada em duas pesquisas, estando uma delas enfaticamente voltada para a
unidade específica da origem paradigmática(17), e a outra encontrava-se
centrada na análise das unidades correspondentes à teórica, à origem
paradigmática e às dimensões internas(20).
Os resultados descritos nas publicações estão apresentados por categorias:
Descrição da Teoria, Crítica da Teoria e Análise da Teoria.
DISCUSSÃO
Descrição da Teoria
É a etapa em que podem ser identificados elementos conceituais pertinentes às
ideias centrais de uma teoria. Nesse contexto, três teorias de Enfermagem foram
analisadas nesta fase em sua unidade "componentes funcionais": Teoria do
Cuidado Transpessoal(7), Teoria das Relações Interpessoais de Peplau(14) e
Teoria da Relação Interpessoal de Travelbee(19). Esses estudos(7,14,19)
conseguiram identificar definições dos componentes funcionais das teorias
analisadas, oferecendo aos estudiosos que aplicaram o método de Meleis uma
visão mais apurada dessas teorias ao avaliarem a sua aplicabilidade na prática
acadêmica e assistencial, reavaliando a clientela que pode ser por elas
beneficiada, assim como percebendo a necessidade de aperfeiçoar a prática da
Enfermagem a partir de sua utilização.
No tocante aos componentes estruturais da fase descrição, a Teoria Humanística,
de Paterson e Zderad, foi analisada na óptica da unidade "pressupostos da
teoria", sendo o pressuposto (o diálogo) visto na teoria explicitamente, e
respaldado nas bases filosóficas do existencialismo, humanismo e fenomenologia.
A partir de resultados de pesquisas utilizando esta teoria, percebeu-se que ela
é aplicável quando se prioriza a relação humana efetiva, especificamente
abordada no estudo ao se investigar a relação mãe-enfermeiro-recém-nascido(9).
A Teoria da Adaptação de Roy foi também analisada quanto à unidade "componente
estrutural" (pressupostos, conceitos e proposições) e sua aplicação na
Enfermagem Obstétrica. Foi considerada relevante para a compreensão das
situações vivenciadas pela mulher durante o trabalho de parto, parturição e
puerpério. Os pressupostos e proposições propostos por Roy se encontram
adaptáveis a essa clientela, bem como seus conceitos, mesmo que implícitos em
determinados momentos(18).
Uma única pesquisa abordou os componentes funcionais e estruturais
conjuntamente, para analisar o modelo teórico proposto por Orem, e aplicado ao
autoexame ocular para portadores de HIV/Aids, temática abordada no estudo
devido pesquisas comprovarem que 75% desses indivíduos apresentam alguma lesão
oftálmica no curso da doença(21). Nos componentes estruturais, foi realizada
uma reflexão centrada nos conceitos de autocuidado, na demanda terapêutica e no
sistema de enfermagem. Quanto aos componentes funcionais, foram analisados o
autoexame ocular, o indivíduo portador de HIV/Aids, o enfermeiro, o exame
ocular e a interação enfermeiro-cliente. A partir da avaliação desses
componentes, o estudo desenvolveu algumas proposições e suposições que refletem
que o indivíduo é agente de autocuidado e que as ações propostas pelo
enfermeiro devem ser implementadas levando-se em consideração o contexto
biopsicossocial do cliente, ratificando, assim, a aplicabilidade deste modelo
teórico para o autoexame ocular de portadores de HIV/Aids(21).
Crítica da Teoria
Vários critérios podem ser observados para se proceder à crítica de uma teoria:
estabelecer uma relação entre a estrutura e a função de seus componentes
(clareza, consistência, grau de simplicidade e complexidade, tautologia/
teleologia); diagrama da teoria; círculo de contágio; utilidade e componentes
externos(1).
Dois artigos(8,16) obtidos analisaram a utilidade de teorias, componente que
analisa o potencial de uma teoria para seu uso na prática, na pesquisa, na
educação e na administração(1). A teoria de Orem foi analisada quanto a sua
utilidade, e os resultados confirmaram que esta teoria forneceu direção e
organização para a prática, já que funcionou como guia para a sistematização da
assistência de enfermagem ao portador de HIV/Aids e criação de instrumentos de
avaliação desses pacientes. Permitiu testar um modelo de ensino de autoexame
ocular para esta clientela, podendo este modelo ser incluído no currículo de
enfermagem, propiciando informações importantes tanto para guiar a pesquisa
quanto a educação em enfermagem. Quanto à administração, ao ser analisado
estudo com pacientes portadores de HIV/Aids, percebeu-se que as descobertas são
aplicáveis à administração de enfermagem em serviços que atendam esta clientela
(8).
Outra teoria que foi analisada criticamente quanto a sua utilidade foi a Teoria
Humanística de Paterson e Zderad em relação aos conceitos de relação
interpessoal e do diálogo no cuidar de recém-nascido de risco. A utilidade
desses conceitos foi notória e pode ser praticada no cotidiano da Unidade de
Terapia Intensiva, ou seja, na prática, valorizando a relação humana afetiva,
considerada como essencial no ato de cuidar do enfermeiro(16).
O componente "círculo de contágio" foi utilizado em apenas um artigo
pesquisado. Ele apresenta como unidade de análise a origem geográfica da teoria
e a influência da teórica versus teoria, investigando o campo onde inicialmente
a teoria foi introduzida, a influência da teorista na sua implementação, onde
tem se dado o seu desenvolvimento e qual a sua finalidade de uso na pesquisa,
na educação, na administração ou na prática clínica(1). Após a avaliação da
Teoria da Ação Racional (TAR) quanto a sua adequação na Enfermagem em relação a
esse componente, pode-se perceber que ela se mostra adequada sobretudo ao
desempenho de comportamentos para a saúde. Porém, como seus objetivos finais
são entender e predizer o comportamento humano, sua finalidade de uso pode se
dar em qualquer campo do saber: educação, sociologia, saúde, entre outros. Os
resultados deste estudo retrataram a sua aplicabilidade predominantemente nas
áreas de enfermagem, psicologia e nutrição como possível instrumento para
identificação de fatores que funcionem como determinantes positivos ou
negativos de influência na realização de um dado comportamento(10).
Quanto à unidade "diagrama", foram obtidos dois artigos(11,15) que analisaram
teorias para comprovar que a representação visual é um fator primordial que
melhora a clareza e o entendimento de uma teoria(1). Nesse sentido, o diagrama
visa a ilustrar a proposta central da teoria, ressalta os principais conceitos,
verifica se a representação é lógica, se promove a compreensão dos diferentes
componentes teóricos e se as ligações dos conceitos estão claras.
As teorias analisadas quanto ao diagrama foram o Modelo de Promoção da Saúde,
de Pender(15), e a Teoria do Cuidado Cultural(11), que tornaram viável a
aplicação do modelo de análise de teoria. Os estudos permitiram compreender os
principais aspectos que são destacados no diagrama de cada teoria estudada, bem
como a possibilidade de avaliação das fragilidades que são percebidas quando é
utilizado o método de avaliação de teorias, promovendo aos enfermeiros
incremento no conhecimento sobre referenciais teóricos.
A Teoria de Alcance de Metas, de Imógene King, dentro do aspecto crítica da
teoria, foi analisada quanto à clareza na organização dos sistemas sociais.
Para isso, buscou-se identificar o conceito de sistema social e seus
componentes, bem como seus pressupostos, proposições e conceitos relacionados.
Para melhor compreender o estudo, baseado em duas teses e uma dissertação,
destaca-se nesta produção a abordagem da falta de adesão ao tratamento da
hipertensão arterial com o objetivo de descrever as respostas dos pacientes não
aderentes ao tratamento, relacionando-as aos sistemas pessoal, interpessoal e
social de King. Posteriormente, foi desenvolvida e avaliada em tese de
doutorado uma tecnologia de cuidado ao paciente com dificuldade de adesão ao
tratamento, favorecendo a participação individual, interpessoal e familiar no
cuidado. Na segunda tese, procurou-se estabelecer um perfil diagnóstico das
respostas de adolescentes à sobreposição de crises vitais determinadas pela
adolescência e gravidez pré-conjugal(12). As definições operacionais mostraram-
se consistentes com os pressupostos e proposições da Teoria do Alcance de Metas
nas três pesquisas. Embora ela favoreça a sua aplicabilidade nesses diversos
contextos, os sistemas interpessoal e social apresentaram-se estritamente
relacionados, dificultando a clareza e a compreensão da forma pela qual a
teoria pode contribuir para a prática profissional(12).
O modo fisiológico do modelo de adaptação de Sister Callista Roy passou por
análise crítica da teoria quanto aos critérios de clareza e consistência. No
estudo foi constatado que esta teoria possui aspectos relevantes quanto a sua
aplicabilidade para a assistência de enfermagem para mulheres com angina
pectoris, bem como para o desenvolvimento do conhecimento de enfermagem nos
âmbitos do ensino, pesquisa e assistência(13).
Acreditando que os conceitos e suas definições são fundamentais à compreensão
de uma teoria, e que os mesmos constituem desafios à práxis da Enfermagem
quanto à clareza de suas definições teóricas e operacionais, a pesquisa buscou
refletir criticamente acerca da clareza semântica do conceito de community, um
dos alicerces da Teoria Humanística de Enfermagem. As palavras princípio EU-TU,
EU-ISSO e NÓS mostram-se importantes na prática da Enfermagem humanística
quando se quer enfocar a interação humana no mundo vivido. Enquanto a relação
NÓS caracteriza o fenômeno comunidade ou comunhão, sob a ótica das teóricas
como termos equivalentes, as pesquisadoras os veem como diametralmente
divergentes, uma vez que a comunidade caracteriza um fenômeno de enfermagem
físico, essencialmente "ligado ao solo", e não intersubjetivo como o de
comunhão, apreendido em sua plenitude como a perfeita união das palavras
princípio EU-TU originando o NÓS, resultante do diálogo, do encontro, do
relacionamento e da presença autêntica(22).
Análise da Teoria
Analisar criticamente teorias de enfermagem revela um pensamento crítico de
pesquisadores quanto ao desenvolvimento de futuras pesquisas fundamentadas em
teorias de enfermagem, proporcionando subsídios para enfermeiros na prática,
pesquisa, educação e administração nas diferentes dimensões do cuidado na
Enfermagem.
O modelo conceitual de King foi analisado quanto as suas origens
paradigmáticas, segundo a abordagem da teoria do interacionismo simbólico. As
origens paradigmáticas buscam identificar o paradigma de onde a teoria foi
desenvolvida ou se houve outra teoria que possa ter influenciado o
desenvolvimento da teoria atual(1).
Ambas as teorias estão inseridas nos conceitos de interação humana e na forma
como ela se processa na elaboração da ação humana diante das experiências de
vida, elucidando o homem como um ser que reage e busca compreender o
significado das coisas ao seu redor, planejando e julgando suas ações e a dos
outros. As concepções teóricas de King estão embasadas no pressuposto
filosófico de que os seres humanos são o foco da Enfermagem por estarem em
interação entre si e com o meio ambiente, cuja finalidade seria conduzi-los a
um estado de saúde, desenvolvendo seus papéis sociais(17).
Ao explorar, em pesquisa, o componente "análise" na Teoria do Alcance de Metas,
investigou-se o perfil da teórica, a origem dos paradigmas e as dimensões
internas da teoria. O desenvolvimento da teoria de King resultou do seu vasto
conhecimento nas áreas do domínio cognitivo e experimental, atrelados, também,
ao seu network profissional e contexto sociocultural da época (década de 1970),
os quais permitiram definir os conceitos do metaparadigma de enfermagem.
Entretanto, há quem considere ausência de uma definição clara do conceito de
ambiente(20).
No âmbito das dimensões internas, as autoras destacam que a teoria de King foi
desenvolvida em torno dos conceitos de interação, percepção, comunicação,
transação, self ou ego, papel, estresse, crescimento e desenvolvimento, espaço
e tempo. Levando-se em consideração que essa teoria tenha surgido da
necessidade de controlar a interação enfermeiro-cliente, e que a sua meta
consiste em oferecer uma possibilidade de interação entre eles para o alcance
de metas pré-estabelecidas, a interligação dos seus componentes explica
exatamente essa interação enfermeiro-cliente. E por tratar o ser humano em sua
totalidade, não somente no atendimento de necessidades durante a doença, a
Teoria do Alcance de Metas é considerada uma macroteoria, muito embora ela não
se mostre generalizável a qualquer situação de enfermagem pelo fato de a
considerarem inaplicável a crianças pequenas, pacientes com nível de
consciência alterado, doentes mentais e pessoas que não têm a percepção de um
problema de saúde(20).
CONCLUSÃO
A partir dos achados do estudo em questão, comprova-se que a aplicação de uma
ou mais etapas do modelo de avaliação de teorias proposto por Meleis confere um
conhecimento mais aprofundado sobre as teorias e sobre as diversas
possibilidades de aplicabilidade em estudos que tenham como base a necessidade
de suporte teórico.
Nesse ínterim, analisar criticamente teorias de enfermagem proporciona
contribuições para enfermeiros na prática, pesquisa, educação e administração
nas diferentes dimensões do cuidado. Esse modelo de Meleis, por sua vez, impõe-
se como de grande importância por contribuir para o desenvolvimento do
conhecimento da disciplina Enfermagem, tendo em vista que a sua utilização como
método permite reflexões diversas sobre as teorias, com o propósito de que as
mesmas sejam revalidadas para subsidiar uma maior aplicabilidade teórico-
prática.
O estudo mostrou-se pertinente para ampliação do conhecimento sobre o modelo de
análise de teorias e sua importância para que enfermeiros cada vez mais se
apropriem da ciência da Enfermagem, destacando, assim, a profissão quanto à
relevância que ela verdadeiramente merece.
Como citar este artigo:
Neto JMR, Marques DKA, Fernandes MGM, Nóbrega MML. Meleis' Nursing Theories
Evaluation: integrative review. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016;69(1):162-8.