Comportamentos de risco para transtornos do comportamento alimentar e fatores
associados entre estudantes de nutrição do município do Rio de Janeiro
Introdução
Na atualidade, no contexto das sociedades ocidentais, o culto à beleza está
diretamente associado à imagem de poder e mobilidade social, dentro de um
contexto fortemente contraditório e paradoxal: por um lado, movimentam-se os
lucros das indústrias de alimentos hipercalóricos, via incentivo ao consumo, e,
por outro, cobra-se sujeição a um ideal estético cada vez mais difícil de
atingir e notadamente conflitante com o consumo alimentar incentivado. Nesse
cenário, emergem os transtornos do comportamento alimentar como questão social
e de saúde pública, sobretudo junto à população feminina jovem (Cordás e
Castilho, 1994; Nunes et al., 2001; Fiates e Salles, 2001).
Embora haja discordância no que se refere ao aumento da prevalência (Hay,
2002), a literatura especializada conflui no sentido de apontar o sexo feminino
como o mais vulnerável às pressões socioeconômicas e culturais associadas aos
padrões estéticos, tendo-se em vista a ênfase crescente dada à magreza como
aspecto associado aos ideais de beleza. Ante essa situação, que acarreta forte
discriminação contra o corpo obeso, expressando o que alguns autores nomeiam de
lipofobia, as mulheres que se encontram insatisfeitas com o seu corpo utilizam,
para controle do peso corporal, uma gama de recursos como dietas fortemente
restritivas ou modismos dietéticos, exercícios excessivos, uso de laxantes,
diuréticos e drogas anorexígenas, entre outros recursos que dissociam estética
e saúde (Bosi e Andrade, 2004; Fiates e Salles, 2001; Dunker e Philippi, 2003).
Essas práticas e comportamentos, considerados síndromes parciais, são os
principais fatores de risco para o desenvolvimento dos chamados transtornos do
comportamento alimentar(TCA), que correspondem aos diagnósticos de anorexia
nervosa, bulimia nervosa e transtornos alimentares não-específicos, incluindo-
se neste, como categoria ainda em estudo, o transtorno da compulsão alimentar
periódica (TCAP) (Appolinário, 1998). Tais modalidades de comportamento,
inscrevendo-se entre os transtornos mentais, acarretam uma série de sintomas e
seqüelas, chegando mesmo, em certos casos, a comprometer a sobrevivência dos
seus portadores, tendo-se em vista sua alta letalidade, como é o caso da
anorexia.
A anorexia nervosa é caracterizada por uma restrição alimentar auto-imposta com
seqüelas graves, características obsessivo-compulsivas e simbolizações que,
freqüentemente, tornam complexo o tratamento. O episódio bulímico refere-se à
ingestão de uma quantidade exagerada de alimentos (binge), comportamento que
pode ocorrer eventualmente em indivíduos normais, sendo que a bulimia não visa
apenas a saciar uma fome exagerada, mas atende a uma série de estados
emocionais eliciados por situações estressantes, incluindo a oportunidade de
purgação (Fiates e Salles, 2001; Cordás e Claudino, 2002; Herscovici, 1997).
Já a descrição do TCAP surgiu pela necessidade de diferenciar indivíduos obesos
com compulsão daqueles sem compulsão alimentar e dos bulímicos. No diagnóstico
desse transtorno inserem-se episódios recorrentes de compulsão alimentar que
envolvem características como o excesso alimentar e a perda de controle.
Ressalta-se que os pacientes com TCAP apresentam dificuldades para
circunscrever os episódios de compulsão alimentar, em virtude de não
apresentarem, contrariamente aos bulímicos, engajamento em métodos
compensatórios subseqüentes ao mesmo (Claudino e Borges, 2002; Herscovici,
1997).
Cabe acrescentar, ainda, que a anorexia e bulimia nervosas, embora
classificadas separadamente, estão intimamente relacionadas por apresentarem
psicopatologia comum: um padrão recorrente envolvendo a preocupação excessiva
com o peso e com a forma corporal (Wiseman, 1988; Claudino e Borges, 2002). Uma
revisão sistemática de 12 estudos de incidência cumulativa realizada por
Pawluck e Gorey (1998) relatou uma incidência média anual de anorexia nervosa
na população, em geral, de 18,5 por 100 mil entre mulheres e de 2,25 por 100
mil por ano entre homens. Já a incidência estimada de bulimia nervosa foi mais
elevada, sendo de 28,8 entre mulheres e de 0,8 em homens por 100 mil a cada
ano. Uma vez instalados, esses quadros são muito resistentes a tratamento, o
que reforça a necessidade de intervenções de caráter preventivo e as realizadas
por equipe multidisciplinar formada por nutricionistas, psicólogos,
psiquiatras, endocrinologistas, entre outros profissionais.
No que se refere aos profissionais de nutrição, focalizados neste estudo,
assinalamos que, até anos recentes, a temática dos transtornos alimentares não
constituía um campo sistematicamente trabalhado pela categoria, porém esse
profissional representa uma parte importante na assistência interdisciplinar e
multidimensional recomendada para a assistência aos transtornos alimentares,
conforme a American Dietetic Association (ADA) (Alvarenga, Larino, 2002;
Cordás, 2001). Por um lado, pouco se sabe acerca de comportamentos alimentares
e práticas de controle de peso nessa categoria, sendo escassos os estudos na
literatura consultada, embora já se localizem iniciativas, algumas delas ainda
em desenvolvimento. A literatura aponta indícios de uma prevalência aumentada
em certos grupos profissionais que lidam com aspectos relacionados a nutrição e
saúde (Nunes et al., 2001; Fiates e Salles, 2001). Sendo assim, esta
investigação visa a contribuir para o dimensionamento do problema nesse
segmento específico através da caracterização das práticas alimentares e outros
fatores associados a TCA entre estudantes de Nutrição no município do Rio de
Janeiro.
Métodos
O presente estudo integra o projeto de pesquisa Comportamentos Alimentares
Anormais e Práticas Inadequadas de Controle de Peso entre Estudantes
Universitários, de delineamento transversal, em desenvolvimento no âmbito de
uma universidade pública situada no município do Rio de Janeiro, abrangendo
seis cursos de graduação: medicina, educação física, psicologia, nutrição,
letras e engenharia. A escolha desses cursos deveu-se ao fato de serem os
quatro primeiros aqueles que formam profissionais inseridos nas especialidades
que seriam mais procuradas pelos portadores de TCA e de síndromes parciais,
sendo, portanto, categorias diretamente envolvidas no manejo clínico dos
referidos agravos. Quanto às duas últimas carreiras, sua inclusão se deu para
que se pudesse contemplar um contrasteno que se refere às variáveis sexoe
inserção na área da saúde, aspectos que poderiam se expressar nos resultados
obtidos.
Para calcular o tamanho da amostra no curso de nutrição, na ausência de estudos
que definissem a prevalência do problema nesse segmento específico, estimou-se
em 10% a chance de alguma das alunas apresentar comportamentos alimentares
anormais ou práticas inadequadas de controle de peso, como proposto por Nunes
(1997) em estudo realizado em Porto Alegre, incluindo essa faixa, considerando-
se de 4% a margem de erro aceitável. Para populações grandes e estabelecendo-se
uma confiança de 95%, obtém-se uma estimativa do tamanho amostral de 189
indivíduos por segmento. Entretanto o total de alunos do curso de nutrição foi
de, aproximadamente, 300, o que nos levou a adotar como estratégia investigar
todo o curso.
A amostra efetivamente pesquisada foi de 220 universitários, porém optou-se por
excluir os homens da análise aqui desenvolvida, uma vez que representavam um
número pequeno no curso (n= 27), além de caracterizar uma dimensão
aparentemente não-resgatável pelo instrumento, dado o viés de sexodos
instrumentos utilizados (Melin e Araújo, 2002), que compromete suas
sensibilidade e especificidade, exigindo algumas mediações ao se comparar esses
resultados com os achados relativos ao grupo feminino. A análise dos dados
referentes aos informantes do sexo masculino dos cursos investigados encontra-
se ainda em desenvolvimento e será efetuada com base na estratégia de
triangulação metodológica, de modo a conferir maior rigor (Bosi e Mercado,
2004). Assim, com base na opção de considerar, primeiramente, os resultados
referentes ao grupo feminino, finalizamos com uma amostra de 193 alunas, junto
à qual se aplicaram os inventários comentados a seguir, além de um instrumento
por meio do qual foram levantadas características pessoais e sociais do grupo.
Os instrumentos utilizados para avaliação dos comportamentos alimentares
anormais e das práticas inadequadas de controle de peso foram o Teste de
Atitudes Alimentares (EAT-26) (Garner e Garfinkel, 1979), em sua versão em
português (Nunes et al., 1994), e o Teste de Investigação Bulímica de Edimburgo
(BITE) (Henderson e Freeman, 1987), também em sua versão para o português
(Cordás e Hochgraf, 1993). O instrumento EAT-26 mede, principalmente,
comportamentos alimentares restritivos, como dieta e jejum, e comportamentos
bulímicos, como ingestão excessiva de alimentos e vômitos provocados.
Dependendo do tipo de resposta às 26 questões do teste, um escore é calculado,
e pessoas com mais de 20 pontos são classificadas como apresentando
comportamentos alimentares sugestivos de anormalidade. O BITE avalia,
predominantemente, comportamentos bulímicos, sendo um instrumento composto por
33 questões, com duas subescalas: de sintomas e de gravidade. A escala de
sintomas classifica em três grupos de escores: elevado (maior ou igual a 20
pontos), médio (10 a 19 pontos) e normal (abaixo de 10 pontos). A escala de
gravidade é utilizada quando o escore de sintomas é superior a 10 pontos e
classifica os sintomas em três grupos, segundo a importância: intensa (escore
de 10 ou mais), significativa (escore de 5 a 9) e sem gravidade (escore menor
que 5).
Adotando-se a associação proposta por Nunes et al.(2001), foi construída uma
variável que considera os dois instrumentos, EAT-26 e BITE, que se complementam
na avaliação dos comportamentos alimentares, categorizando a amostra em três
grandes grupos, conforme os critérios a seguir:
comportamento alimentar anormal: mulheres com escores do BITE elevados para
sintomas e escores intensos para gravidade;
comportamento alimentar de risco: mulheres com escore do BITE médio para
sintomas ou maior que 20 para o EAT-26;
comportamento alimentar normal: mulheres com escore do BITE normal para
sintomas e escore menor ou igual a 20 pontos para o EAT-26.
Utilizou-se, ainda, como indicador antropométrico o índice de massa corporal
(IMC), calculado a partir das variáveis peso e altura, informados (atual) e
desejados (ideal). A classificação foi feita a partir da Organização Mundial da
Saúde (OMS) (WHO, 1995).
A descrição geral dos dados será apresentada por meio de freqüências simples e
relativas, adotando-se para a análise a inter-relação das variáveis
selecionadas para a realização do teste qui-quadrado, utilizando-se para
armazenamento e análise dos dados o programa SPSS 11.0.
Resultados
Das 193 estudantes de nutrição, a distribuição da faixa etária variou dos 17
aos 32 anos, sendo a média de idade 20,9 anos ± 2. A maioria das estudantes
(92,2%) é natural do estado do Rio de Janeiro, sendo que 51,3% dos seus pais
possuem nível superior completo.
A prática de atividades físicas, caracterizada pela resposta positiva quanto à
freqüência, prevaleceu, na amostra, com 54,4% das estudantes pertencendo a esse
grupo. Entre as que praticam alguma atividade física, 19,7% exercitam-se
durante duas horas por dia.
Em relação à presença de algum familiar obeso, 69,4% das universitárias
responderam negativamente. A realização de algum tratamento estético ou
cirurgia plástica devido a motivos estéticos foi constatada em 15,6% das
estudantes. O estudo antropométrico baseou-se nos dados referidos pelas alunas,
não tendo sido possível efetuar a avaliação antropométrica direta. A média de
altura correspondeu a 1,64m ± 0,07 e a de peso informado a 55,8kg ± 8,6. A
média do IMC foi 20,8kg/m2± 2,5, sendo considerado adequado pela classificação
da OMS (WHO, 1995), cabendo assinalar que esse valor tende para o limite
inferior. Para explorar a satisfação com o peso, solicitou-se que fosse
respondido qual o peso desejado, tendo sido constatada uma insatisfação com o
mesmo, pois a diferença entre o peso informado e o desejado foi de 2kg ± 4,5.
Quando calculado o IMC com o peso desejado, seu valor foi 20,1kg/m2, o que
reforça o desejo de atingir o padrão de beleza magro.
A análise dos instrumentos utilizados para detectar práticas de controle de
peso inadequadas mostrou que 14% das universitárias tiveram EAT-26 positivo,
5,7% apresentaram sintomas elevados no BITE e 3,2% possuíam gravidade intensa
no BITE (Tabela_1).
De acordo com a categorização criada, foi observado que 67,4% das estudantes
apresentavam comportamento alimentar normal, 21,2% o apresentavam de risco e
11,4% possuíam comportamento alimentar anormal. Constata-se, portanto, que os
comportamentos alimentares anormais apresentaram uma freqüência de 32,6% nessas
universitárias (Tabela_2).
Quando associado o EAT-26 com as variáveis IMC, insatisfação com o peso e
idade, observou-se que 88,5% das graduandas que apresentavam EAT-26 positivo
tinham IMC adequado. Com relação ao IMC de sobrepeso/obesidade, 11,5% tinham
EAT-26 positivo e 2,4% o tinham normal (p= 0,031). Na associação entre a
insatisfação com o peso e o EAT-26 foi encontrada uma diferença
estatisticamente significativa (p= 0,001) entre as alunas que apresentaram o
resultado do teste positivo e as que queriam perder até dois quilos ou mais
(96%), se comparadas com as que apresentavam o teste normal e que também
queriam perder peso (60,1%). A associação entre EAT-26 e idade não apresentou
diferença estatisticamente significativa (p< 0,452) (Tabela_3).
Na Tabela_4descreve-se a freqüência percentual de alguns itens do questionário
EAT-26, material aqui categorizado em duas dimensões: subjetiva (preocupação) e
prática (ações), ou seja, respectivamente, aspectos que ainda se mantinham no
plano da subjetividade e aqueles efetivamente já praticados pelo grupo.
Constatou-se, assim, que, entre os aspectos analisados, há uma preocupação
constante das alunas com o desejo de serem mais magras (17,1%), além de 10,4%
terem respondido que sempretêm o costume de fazer dieta. Já a preocupação de
fazer exercício pensando em queimar caloriasatinge sempre26,8% das estudantes.
Discussão
Os achados referentes à prática de atividade física mostraram que quase metade
da amostra foi inativa (45,6%), o que corrobora outros resultados da
literatura. Silva e Malina (2000) desenvolveram um estudo no sistema público de
ensino de Niterói-RJ com adolescentes de 14 e 15 anos e encontraram que 41,6%
das meninas foram consideradas sedentárias. Oehlschlaeger et al.(2004), em um
estudo na cidade de Pelotas-RS com adolescentes entre 15 e 18 anos, encontraram
uma prevalência de sedentarismo no sexo feminino de 54,5%. Podemos dizer que a
inatividade física é resultante do estilo de vida moderno de trabalho e de
lazer, caracterizado por atividades inertes, que se contrapõem ao desejo de
ficar ou permanecer com o corpo magro ou mesmo se manter na faixa considerada
normal, predispondo aos quadros de sobrepeso e obesidade, cuja importância como
questão sociossanitária é cada vez mais preocupante, não só nos países
industrializados, mas também em países periféricos como o Brasil.
Ao lado do aumento da inatividade física e do avanço da obesidade como problema
de saúde pública, dados publicados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia
Plástica (SBCP), em 1999, já apontavam o aumento do número de adolescentes e
jovens submetendo-se a operações plásticas por motivos estéticos, tendo o
número duplicado entre os anos de 1997 e 1998 (Andrade, Bosi, 2003). A
prevalência de estudantes que realizaram tratamento estético ou cirurgia
plástica nesse estudo (15,6%) pode expressar a influência exercida pela
sociedade contemporânea nos padrões estéticos e no avanço da tecnologia da
beleza, o que contribui também para alterações no comportamento alimentar.
Contudo o método empregado não autoriza conclusões em relação a esse aspecto,
uma vez que são necessários estudos fundamentados na abordagem qualitativa que
possam aprofundar a compreensão dessas, entre outras dimensões aqui indicadas.
Conforme já assinalado, ainda são escassos os estudos com estudantes
universitários a fim de estimar a prevalência de alterações no comportamento
alimentar. Neste estudo, os resultados dos instrumentos utilizados mostraram
que 14% das universitárias de nutrição tiveram EAT-26 positivo. Quando esse
resultado é comparado com o estudo de Fiates e Salles (2001), com estudantes de
nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 22,2% foram
classificadas com EAT-26 positivo. Um estudo semelhante a esse (Castro e
Goldstein, 1995) encontrou percentual de 20%, enquanto Pastore et al.(1996)
encontraram 15% e Nunes et al.(2001), 16,6% para o EAT-26 positivo, resultados
similares aos desse estudo.
Na escala de sintomas do BITE, os resultados encontrados neste estudo foram
5,7% das estudantes com sintomas elevados e 3,2% com gravidade intensa,
enquanto em Nunes et al.(2001), 3,3% apresentaram padrão alimentar severamente
perturbado e presença de comer compulsivo. Esses achados sugerem que as
estudantes de nutrição apresentaram percentual de EAT-26 positivo e BITE de
sintomas elevados e gravidade intensa, de acordo com os resultados observados
por outros autores, o que não deixa de ser preocupante.
Ao compararmos os resultados da categorização criada para avaliar os
comportamentos alimentares deste estudo com os de Nunes et al.(2001), vimos que
a presença de comportamento alimentar anormal foi igual nos dois, sendo 11,4% e
11,3%, respectivamente; enquanto o comportamento alimentar de risco foi menor
no nosso estudo (21,2%) e o comportamento alimentar normal foi maior (67,4%),
em comparação também com Nunes et al.(2001), que tiveram resultados de 30,2% e
58,5%, respectivamente. Vale destacar que o estudo desenvolvido por Nunes et
al.(2001) inclui adolescentes. Entretanto considerando o comportamento
alimentar fora do normal, temos 32,6% das estudantes, o que se revela um achado
significativo para futuras nutricionistas.
O IMC médio das estudantes foi 20,8kg/m2± 2,5. Na associação entre o EAT-26
positivo e o IMC, vimos que entre as estudantes que apresentavam EAT positivo,
88,5% eram eutróficas e 11,5%, obesas. Quando o EAT-26 positivo foi associado à
insatisfação com o peso, verificou-se que 96% gostariam de perder dois ou mais
quilos. A representação desses resultados num curso de graduação de nutrição
aponta para um perfil de mulheres jovens que apresentam alterações do
comportamento alimentar sem fecharem diagnóstico para anorexia nervosa,
principalmente pelo elevado percentual de adequação de peso e pela presença de
pessoas com peso elevado, além da grande insatisfação com o peso/corpo pelo
desejo de emagrecer, o que leva as mulheres a adotarem práticas de redução de
peso muitas vezes inadequadas.
O estilo de vida contemporâneo evidencia uma necessidade crescente de os
indivíduos procurarem formas de se manterem nos padrões estéticos exigidos pela
cultura em que, no que se refere ao corpo, prevalecem processos simbólicos
funcionais a um mercado controlado por setores hegemônicos que ditama maneira
de ser aceito. Poucos estudos têm sido desenvolvidos focalizando mulheres
jovens que são cobradas a permanecerem nos padrões impostos para profissionais
de passarela, modelos e manequins, quando sua realidade material é bastante
distante, o que, não raro, impõe doença e sofrimento.
Conclusão
O estudo em questão aponta que quase metade da população estudada não pratica
atividade física ' embora supere a prática de atividades em outros segmentos ',
ainda se aproxima do estilo de vida da sociedade moderna e se contrapõe à
necessidade de cultivar os padrões estéticos exigidos. Além disso, podese
observar que uma grande parcela das universitárias apresenta comportamento
alimentar fora do normal e deseja perder peso. Esse é um achado de grande
relevância, uma vez que a análise do IMC associado ao comportamento alimentar
mostra que esse desejo não corresponde ao corpo em suas dimensões objetivas,
visto que as informantes situam-se na faixa de peso adequada para sua estatura.
Os resultados sinalizam a necessidade de um olhar mais atento, pois a tendência
parece acentuar cada vez mais as práticas errôneas de controle de peso.
A banalização dessas práticas é um problema atual referido por profissionais e
educadores que trabalham para identificar os transtornos alimentares. Os
achados deste estudo devem servir de alerta para a questão dos transtornos
alimentares na formação de profissionais da saúde, no caso nutricionistas, pois
essas sofrem influências socioculturais que podem ser um importante fator
motivador da escolha profissional.
Outra questão importante refere-se à formação, uma vez que se constata a
necessidade de um olhar diferenciado das instituições formadoras sobre os
próprios alunos. O fato de um cuidador apresentar comportamento alimentar
anormal pode dificultar sua capacidade de identificar esses casos nas outras
pessoas, sobretudo quando se associa a falta de preparo e o desconhecimento
quanto a gênese, diagnóstico e manejo dos transtornos alimentares. Esses
aspectos devem constituir objeto de outros estudos, já que evidenciam a
necessidade ao mesmo tempo em que podem subsidiar uma revisão no processo de
formação dos universitários, em especial na área da saúde.