Prevalência de transtornos mentais entre crianças e adolescentes e fatores
associados: uma revisão sistemática
INTRODUÇÃO
Há 13 anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgava um relatório sobre
os transtornos mentais e os principais fatores que contribuíam para o
surgimento desses transtornos. Esse relatório mencionava os transtornos da
infância e adolescência e ressaltava ainda o quanto eles eram comuns e o quanto
podiam ser incapacitantes1.
Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), as crianças e
adolescentes representam respectivamente cerca de 30% e 14,2% da população
mundial2. Nessas populações, são encontradas altas taxas de prevalência de
transtornos mentais. Em revisão de literatura internacional, a média global da
taxa de prevalência de transtornos mentais nessa população foi de 15,8%. A taxa
de prevalência tende a aumentar proporcionalmente com a idade, sendo que a
prevalência média entre os pré-escolares foi de 10,2% e entre os adolescentes,
de 16,5%3. No Brasil, estudos registraram taxas de prevalência de 7 a 12,7%4.
Atualmente, estimativas apontam que uma entre quatro a cinco crianças e
adolescentes no mundo apresenta algum transtorno mental5.
De acordo com a OMS, existem duas grandes categorias específicas de transtornos
mentais na infância e adolescência: transtornos do desenvolvimento psicológico
e transtornos de comportamento e emocionais. Os transtornos do desenvolvimento
psicológico têm como características o início na primeira ou na segunda
infância, com comprometimento ou retardo do desenvolvimento de funções
estreitamente ligadas à maturação biológica do sistema nervoso central e a
evolução contínua sem remissões nem recaídas. Já os transtornos de
comportamentos e emocionais incluem os transtornos hipercinéticos como
distúrbios da atividade e da atenção e distúrbios de conduta. Este grupo de
transtornos inicia precocemente, durante os primeiros cinco anos de vida, e
pode vir acompanhado de um déficit cognitivo e de um atraso específico do
desenvolvimento da motricidade e da linguagem1.
A literatura científica nos últimos anos tem contribuído para a identificação
dos possíveis fatores associados à ocorrência de transtornos mentais nessas
populações, os quais podem ser agrupados em: fatores biológicos, relacionados a
anormalidades do sistema nervoso central, causadas por lesões, infecções,
desnutrição ou exposição a toxinas; fatores genéticos, relacionados à história
familiar de transtorno mental; fatores psicossociais, relacionados a disfunções
na vida familiar e situações indutoras de estresse; e fatores ambientais, como
problemas na comunidade (violência urbana) e tipos de abuso (físico,
psicológico e sexual)6,7. O conhecimento desses potenciais fatores de risco à
saúde mental de crianças e adolescentes traz a possibilidade de desenvolvimento
de programas de intervenção focados em prevenir ou atenuar os efeitos desses
transtornos1,8. E, para sintetizar essas informações, revisões sistemáticas são
muito úteis, já que reúnem as informações de um conjunto de estudos que podem
apresentar resultados contrários e/ou coincidentes, auxiliando na orientação
para investigações futuras.
Portanto, o presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão
sistemática, reunindo os recentes estudos que avaliaram a prevalência de
transtornos mentais na infância e adolescência e possíveis fatores associados.
MÉTODOS
O método utilizado constituiu-se de uma revisão sistemática da literatura de
estudos de base populacional que investigaram a prevalência de transtornos
mentais na infância e adolescência e possíveis fatores associados.
As etapas de busca, seleção dos artigos, avaliação da qualidade e extração dos
dados foram realizadas de forma independente por dois pesquisadores e as
discordâncias entre esses foram resolvidas mediante discussão e consenso.
Estratégia de busca
Primeiramente, foram selecionados os respectivos descritores para posterior
consulta nas bases de dados. As seleções foram realizadas por meio de consulta
no Decs – Descritores de Ciências em Saúde. Os descritores selecionados em
português, inglês e espanhol, respectivamente, foram: “prevalência”,
“prevalence”, prevalencia”; “transtornos mentais”, “mental disorders”,
“trastornos mentales”; “criança”, “child”, “niño”; “adolescente”, “adolescent”,
“adolescente”; “fatores de risco”, “risk factors”, “factores de riesgo”.
As bases de dados eletrônicas utilizadas foram: Lilacs/Bireme, SciELO, PubMed/
Medline, Scopus e Web of Science, com publicações nos últimos 13 anos,
incluindo o período após a divulgação do relatório da OMS1 sobre a saúde da
infância e adolescência até os dias atuais. A identificação dos descritores
citados se concentrou no título ou resumo do artigo.
A partir dos artigos identificados e selecionados na busca eletrônica, também
foi realizada a busca manual na seção de referências destes. Os artigos de
seção de referência que apresentavam os descritores no título ou resumo também
foram selecionados a priori.
Seleção dos estudos
Na segunda etapa, foi realizada uma seleção dos artigos em que estes deveriam
preencher os seguintes critérios de inclusão: estudos epidemiológicos de base
populacional, do tipo observacional, longitudinal, seccional e caso-controle; e
estudos que utilizaram instrumentos validados para o diagnóstico ou critérios
baseados no DSM-IV ou na CID-10.
Avaliação da qualidade dos estudos
Na terceira etapa, foram aplicados os critérios de exclusão por meio da análise
da qualidade dos estudos pelo Checklist for Measuring Quality,proposto por
Downs & Black)9. É um instrumento aplicável ao delineamento dos artigos
para avaliação de sua qualidade, permitindo avaliar a informação, a validade
interna (vieses e confundimentos) e externa e a capacidade de detecção de
efeito significativo do estudo. Este artigo utilizou a versão composta por 27
itens, sendo excluídas as questões 4, 8, 13, 14, 15, 19, 21, 22, 23 e 24
relacionadas a estudos experimentais. Desse modo, ao final, foram avaliados 17
itens, em que os artigos podiam obter até 18 pontos.
Os que apresentaram classificação acima de 70% (acima de 12 pontos) foram
incluídos no estudo por serem considerados pelos autores de maior rigor
metodológico. Os mesmos critérios foram utilizados por outros autores em
artigos de revisão nacional10,11. Nessa fase, o checklist foi aplicado de forma
independente por dois pesquisadores e as discordâncias entre eles também foram
resolvidas mediante discussão e consenso.
Extração dos dados
Os estudos que obtiveram maior pontuação foram utilizados na presente revisão e
suas informações foram extraídas para comparação. Os dados foram digitados em
planilha Excel, que continha as seguintes informações: autores, país e ano de
publicação, tipo de estudo, local de realização do estudo, tamanho da amostra,
população de interesse, entrevista diagnóstica realizada com ou sem familiar,
escore de análise de qualidade dos estudos, diagnóstico, prevalência do
transtorno, instrumento utilizado para identificação do transtorno, outras
variáveis investigadas pelos estudos e principais resultados. Os estudos foram
distribuídos de forma decrescente, segundo ano de publicação.
RESULTADOS
Resultados da busca e seleção
A princípio a busca bibliográfica resultou em 7.040 artigos, dos quais 6.986
foram identificados por busca nas bases de dados e 54 foram identificados por
busca manual na seção de referências dos artigos encontrados nas bases de
dados. A partir da busca dos descritores no título ou resumo, foram
identificados apenas 1.043 estudos. Desses, 558 foram excluídos por serem
revisões de literatura, como capítulos de livros, e também estudos repetidos
nas bases de dados. Dos 485 restantes, 389 foram excluídos por não preencherem
os critérios de inclusão (226 foram excluídos por não serem de base
populacional e 163 foram excluídos por não serem observacionais). Para a
análise final, 96 estudos foram avaliados qualitativamente, sendo 69 excluídos
por não alcançarem o escore de qualidade desejado. Com isso, 27 artigos foram
analisados na presente revisão (Figura_1).
Figura 1 Fluxograma da presente revisão sistemática
Características dos estudos
A maior parte dos estudos foi realizada em países desenvolvidos (n = 15), sendo
a maioria concentrada nos Estados Unidos (n = 10). Entre os países em
desenvolvimento, dois estudos foram realizados no Brasil15,28.
O desenho de estudo mais frequente também foi o seccional (n = 19), seguido
pelo desenho de seguimento (n = 6). Um estudo foi realizado de forma
retrospectiva21. A residência foi o principal local de realização dos estudos
(n = 20), porém um estudo foi realizado com entrevistas nas escolas e, na
ausência dos participantes, estes foram também procurados em suas
residências23.
O número de participantes variou entre 94 e 14.322. Apenas um estudo utilizou
uma amostra menor que 100 participantes31. Grande parte dos estudos foi
realizada com adolescentes (n = 12) ou apenas com crianças e também
adolescentes (n = 11). Em sua grande maioria, os estudos entrevistaram as
próprias crianças ou adolescentes (n = 18), seis estudos entrevistaram também
os familiares e dois estudos identificaram o diagnóstico das crianças apenas
com relatos dos familiares13,24. Na impossibilidade de resposta pela criança ou
pelo adolescente, o estudo de Kinyanda et al.14 utilizou também o relato dos
familiares.
Em relação à qualidade metodológica dos artigos, a pontuação mínima de 13
pontos foi obtida pela maior parte dos estudos (n = 16) e o valor máximo de 15
pontos, obtidos por dois estudos12,30 em que os viéses de seleção foram
controlados por meio da randomização. Os estudos que obtiveram menor pontuação
não reportaram os valores reais de probabilidade (valor p ou seu nível de
significância) ou não relataram os principais fatores confundidores (Tabela_1).
Tabela 1 Características dos estudos que investigaram a prevalência de
transtornos mentais entre crianças e adolescentes nos últimos 13 anos
País/Ano de Tipo de Local de Tamanho Entrevista diagnóstica realizada com Escore de análise da qualidade dos
Autores publicação estudo estudo da População de interesse familiares estudos
amostra
Nock et al.12 EUA/2013 Seccional Residência 6.483 Adolescentes M = NI Não 15
Lehaman et al.13 Noruega/2013 Seccional Residência 279 Crianças M = 8,9 Somente familiares 13
Kinyanda et al.14 Uganda/2013 Seccional Residência 1.587 Crianças e adolescentes M = No caso de impossibilidade da criança, 13
NI sim
Madruga et al.15 Brasil/2013 Seccional Residência 761 Adolescentes M = 16,5 Não 13
Lewis et al.16 Reino Unido/ Seguimento Residência 337 Crianças M = NI Também 14
2012
Benjet et al.17 México/2012 Seccional Residência 3.005 Adolescentes M = 15,4 Não 13
Vicente et al.18 Chile/2012 Seccional Residência 1.558 Crianças e adolescentes M = Não 13
NI
Ma et al.19 China/2011 Seccional Escola 3.208 Adolescentes M = 13,8 Não 14
969 Casos Crianças e adolescentes M =
Siddique et al.20 Índia/2011 Caso-controle Residência 850 14 Não 14
Controles
Peng et al.21 China/2011 Retrospectivo Residência 7.038 Crianças e adolescentes M = Não 14
NI
Vicente et al.22 Chile/2010 Seccional Residência 254 Crianças e adolescentes M = Não 14
NI
Merikangas et al.23 EUA/2010 Seccional Residência e 10.123 Adolescentes M = 15,2 Não 13
Escola
Johnson et al.24 Reino Unido/ Seguimento Escola 371 Crianças M = 10,11 Somente familiares 14
2010
Zinzow et al.25 EUA/2009 Seccional Residência 1.380 Adolescentes M = NI Não 13
Allen et al.26 Austrália/ Seguimento Residência 1.597 Adolescentes M = NI Também 13
2009
Ouyang et al.27 EUA/2008 Seguimento Residência 14.322 Crianças MI = NI Também 14
Cruzeiro et al.28 Brasil/2008 Seccional Residência 1.145 Adolescentes M = NI Não 13
Shanahan et al.29 EUA/2008 Seccional Residência 6.674 Crianças e adolescentes M = Também 13
NI
Bohon et al.30 EUA/2008 Seguimento Escola 496 Adolescentes M = 16,5 Não 15
Piyavhatkul et al.31 Tailândia/ Seccional Residência 94 Crianças e adolescentes M = Não 13
2008 NI
Costello et al.32 EUA/2007 Seguimento NI 1.420 Crianças e adolescentes MI = Não 13
NI
Roberts et al.33 EUA/2007 Seccional Residência 4.175 Crianças e adolescentes M = Não 13
NI
Latimer et al.34 México/2004 Seccional Escola 1.023 Adolescentes M = 15 Não 13
Canino et al.35 Porto Rico/ Seccional Residência 1.886 Crianças e adolescentes M = Também 13
2004 NI
Glowinski et al.36 EUA/2003 Seccional Residência 3.416 Adolescentes MI = 15,5 Não 13
Martínez-González et Espanha/2003 Seccional Escola 2.862 Adolescentes MI = NI Não 14
al.37
Foley et al.38 EUA/2001 Seccional Residência 850 Crianças e adolescentes Também 14
NI: não informado; M: média de idade.
Resultados propriamente ditos
Os transtornos mais frequentes encontrados pelos estudos, respectivamente,
foram: depressão, transtornos de ansiedade, transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade (TDAH), transtorno por uso de substâncias, e transtorno de
conduta. Entre esses, os valores de prevalências variaram entre os estudos:
depressão – 0,6% e 30%; transtornos de ansiedade – 3,3% e 32,3%; TDAH – 0,9% e
19%, transtorno por uso de substâncias – 1,7% e 32,1%; e transtorno de conduta
– 1,8% e 29,2%.
Os instrumentos utilizados foram os mais diversos, sendo os mais utilizados os
critérios do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – 4° Review
(DSM-IV), o Child and Adolescent Psychiatric Assessment (CAPA) e o Composite
International Diagnóstic Interview (CIDI)39, o qual fornece o diagnóstico em
concordância com critérios do DSM-IV e da CID-10.
Diversos fatores que poderiam estar relacionados aos transtornos foram
investigados pelos estudos. Os fatores mais investigados pelos estudos foram as
características sociodemográficas. Fatores genéticos como histórico familiar e
fatores ambientais como violência e eventos de vida estressantes também foram
muito investigados.
Porém, os fatores que mais se mostraram associados aos diferentes transtornos
foram: fatores biológicos, como sexo; fatores genéticos, como histórico
familiar de transtorno mental; e fatores ambientais, como presença de violência
familiar e comunitária e configuração familiar (morar somente com um dois pais
ou nenhum). Fatores psicossociais como baixa autoestima e baixa resiliência
foram associados aos transtornos mentais em apenas dois estudos19,30 (Tabela
2).
Tabela 2 Características dos estudos que investigaram a prevalência de
transtornos mentais entre crianças e adolescentes e principais resultados
Autores Diagnóstico Prevalência Instrumento Diagnóstico/CritérioOutras variáveis estudadas Principais resultados
diagnóstico
Transtornos de ansiedade Transtorno de estresse pós-traumático Depressão A grande maioria dos adolescentes com histórico de ideação suicida (89,3%) e
Nock et al.12 Transtorno bipolar TDAH Transtorno opositivo-desafiador Transtorno de 18,6% 3,3% 10,6% 1,7% 2,9% 6,5% 3,8% 2,7% 8,3% Composite International Características sociodemográficas, comorbidades e ideação suicida tentativas (96,1%) preencheu os critérios para pelo menos uma das 15
conduta Transtorno alimentar Transtorno por uso de álcool e outras Diagnostic Interview (CIDI) comorbidades
substâncias
Transtornos de ansiedade Transtorno de estresse pós-traumático Depressão Developmental and Well-Being Exposição à violência e grave negligência aumentaram o risco para transtornos
Lehaman et al.13 TDAH Transtorno opositivo-desafiador Transtorno de conduta Transtorno 17,9% 5% 1,1% 19% 14% 6,5% 4,3% 0,4% Assessment (DAWBA) Características sociodemográficas, comorbidades e exposição à violênc mentais
invasivo Transtorno obsessivo-compulsivo
Crianças e adolescentes expostos à violência doméstica têm 94% de chances de
Kinyanda et al.14 Depressão 8,6% Mini International Características sociodemográficas, violência familiar e comunitária ter depressão (OR = 1,94; P < 0,03) Bairro violento (OR = 3,84; p < 0,00),
Neuropsychiatric Interview (MINI) não morar com os pais (OR = 5,39; p < 0,00) também se mostraram associados à
depressão
Composite International Sexo masculino (OR = 3,64; p < 0,05), violência doméstica (OR = 2,93; p <
Madruga et al.15 Transtorno por uso de substâncias 14,1% Diagnostic Interview (CIDI) Características sociodemográficas e violência doméstica 0,05) e maior idade (OR = 0,71; p < 0,05) foram associados ao uso de drogas
ilícitas
Lewis et al.16 Depressão 12,5% Child and Adolescent Psychiatric História familiar de depressão Pai ou mãe deprimido tem 2,9 vezes mais chance de terem filhos menores de 12
Assesment (CAPA) anos com depressão (OR = 2,9; p = 0,00)
Adolescentes que trabalham exclusivamente tem 1,9 vez mais chances de
Benjet et al.17 Transtornos de ansiedade Depressão Transtornos por uso de álcool e outras 32,3% 10% 32,1% Composite International Características sociodemográficas e ideação suicida apresentarem algum transtorno mental (OR = 1,9; p < 0,00) Aqueles que não
substâncias Diagnostic Interview (CIDI) trabalham ou estudam têm 1,8 vez mais chance de ideação suicida (OR = 1,8; p
< 0,05)
Transtornos de Ansiedade Depressão Transtorno alimentar TDAHa Transtorno Crianças e adolescentes com histórico de transtorno mental na família têm 2,4
Vicente et al.18 opositivo-desafiador Transtorno de conduta Transtornos por uso de álcool e 18,5% 5,9% 0,3% 15,1% 8,7% 3,7% 4,8% Diagnostic Interview Schedule for Histórico de transtorno mental na família e envolvimento familiar vezes mais chances de terem qualquer transtorno mental (OR = 2,4; p < 0,00)
outras substâncias Children (DISC-IV) Viver com apenas um dos pais aumenta em 2,1 vezes a chance de ter qualquer
transtorno mental (OR = 2,1; p < 0,00)
Schedule for Affective Disorders Quanto menor a resiliência, maior a probabilidade de ter transtorno do
Ma et al.19 Transtorno do estresse pós-traumático 2,5% and Schizophrenia for School-Age Eventos de vida estressante (catástrofes climáticas) e resiliência estresse pós-traumático (t = -15,09; p < 0,00)
Children (KSADS-PL)
Siddique et al.20 TDAHa Grupo que residia em área urbana: 11,0% Grupo de área rural: DSM-IVb Poluição Jovens expostos a altos níveis de poluição têm 2,06 mais chances de terem
2,7% TDAHa (p < 0,00)
Jovens com problemas de comportamento, diante de um evento estressante, têm 5
Peng et al.21 Transtorno do estresse pós-traumático 2,05% DSM-IVb Eventos de vida estressante (catástrofes climáticas) vezes mais risco de sofrer com estresse pós-traumático (RRaj= 5,26; p = 0,00)
e aqueles com problemas de saúde têm 3 vezes mais risco de sofrer com
estresse pós- -traumático (RRaj= 3,58; p = 0,00)
Transtornos ansiosos, Transtornos afetivos, TDAHa Transtorno por uso de Diagnostic Inteview for Children O sexo feminino esteve menos propenso a ter transtornos por uso de álcool e
Vicente et al.22 álcool e outras substâncias Esquizofrenia 18,9% 4.1% 5,0% 3,6% 0,9% (DISC-IV) Características sociodemográficas substâncias (OR = 0,16; p < 0,01) Ser adolescente esteve menos propenso a
apresentar transtorno do comportamento (OR = 0,20; p < 0,05)
Transtornos de ansiedade Depressão Transtorno bipolar TDAHa Transtorno O sexo masculino teve maior probabilidade de ter transtornos de comportamento
Merikangas et al.23 opositivo-desafiador Transtorno de conduta Transtorno alimentar Transtorno 31,9% 11,7% 2,9% 8,7% 12,6% 6,8% 2,7% 11,4% Composite International Características sociodemográficas (OR = 24,8; P < 0,00) Adolescentes com familiares com baixo nível educacional
por uso de álcool e outras substâncias Diagnostic Interview (CIDI) tiveram maior probabilidade de apresentar qualquer transtorno mental (OR =
19,7; p < 0,00)
Transtorno de ansiedade Depressão TDAHa Transtorno opositivo-desafiador Development And Well Being Crianças prematuras são 3 vezes mais propensas a apresentar qualquer
Johnson et al.24 Transtorno de conduta Transtorno obsessivo-compulsivo Transtorno do 9,1% 2,2% 14,4% 10,3% 1,8% 2,4% 0,5% 8% Assessment (DAWBA) Prematuridade e baixo peso ao nascer transtorno psiquiátrico (OR = 3,2; p = 0,00)
estresse pós-traumático Autismo
Crianças e adolescentes que viviam em comunidades muito violentas têm 2,71
vezes mais chance de terem transtorno do estresse pós- -traumático (p <
Zinzow et al.25 Depressão; Transtorno de estresse pós-traumático 10,9%; 7,1% DSM-IVb Violência familiar e comunitária 0,00). E quando do sexo masculino, 2,58 vezes mais chances (p < 0,01)
Crianças e adolescentes que sofrem violência familiar têm 3,07 vezes mais
chance de terem depressão (p < 0,05). E quando do sexo masculino, 3,8 vezes
mais chances (p < 0,00)
Allen et al.26 Transtornos alimentares 6% DSM-IVb Características sociodemográficas, preditores pré-natais e sintomas ansioso Sexo feminino (p < 0,001) e excesso de peso percebido pelos pais (p < 0,05)
e depressivos foram associados aos transtornos alimentares
Crianças com predominância desatenta estiveram associadas à negligência (OR =
Ouyang et al.27 TDAH 8,3% DSM-IVb Características sociodemográficas e violência 1,6; p < 0,001), abuso físico (OR = 1,6, p < 0,05) e abuso sexual (OR = 2,6;
p < 0,001) Já a predominância hiperativa esteve associada à negligência (OR =
1,5; p < 0,05) e abuso físico (OR = 1,6; p < 0,05)
Mini International Sexo masculino aumentou em 2,04 a chance de ter transtorno de conduta (p =
Cruzeiro et al.28 Transtorno de conduta 29,2% Neuropsychiatric Interview (MINI Características sociodemográficas, uso de substâncias, bullying e sintomas0,00) Uso de drogas no último mês aumentou em 3 vezes a chance de transtorno
KID) depressivos de conduta (p = 0,001) Sofrer bullying aumentou em 2,02 vezes a chance de ter
transtorno de conduta (p = 0,001)
Shanahan et al.29 Transtorno de ansiedade generalizada Depressão TDAHa Transtorno de conduta 1,7% 2,2% 0,9% 2,06% Child and Adolescent Psychiatric Abuso sexual e eventos de vida estressantes Crianças e adolescentes que sofreram abuso sexual têm 4,91 vezes mais chance
Assessment (CAPA) de apresentarem transtorno de conduta (p < 0,05)
Schedule for Affective Disorders Crianças e adolescentes com baixa autoestima apresentam 1,45 mais chances de
Bohon et al.30 Depressão Transtorno alimentar (bulimia) Transtorno por uso de substâncias 4,2% 0,4% 8,9% and Schizophrenia for School-Age Eventos de vida estressante e autoestima ter depressão na presença de eventos estressantes (p = 0,02)
Children (KSADS-PL)
Transtorno de ansiedade Transtorno do estresse pós-traumático Depressão Crianças entre 6 e 10 anos que vivenciaram uma catástrofe da natureza tinham
Piyavhatkul et al.31 TDAHa Retardo mental 3,3% 33% 9,6% 4,3% 4,3% DSM-IVb Eventos de vida estressante (catástrofes da natureza) 7 vezes mais chance de sofrerem com transtorno do estresse pós-traumático ou
qualquer outro transtorno mental (OR = 7,63; p = 0,00)
Child and Adolescent Psychiatric Baixo peso ao nascer e mãe com menos de 18 anos no momento do parto foram
Costello et al.32 Depressão 30% Assessment (CAPA) Características sociodemográficas, histórico familiar e baixo peso ao nasce associados à depressão entre os jovens (respectivamente OR = 7,6; p < 0,01;
OR = 3,6; p = 0,01)
O sexo masculino teve maior probabilidade de apresentar transtorno de
Transtornos de ansiedade Depressão TDAHa Transtorno opositivo-desafiador substância (OR = 1,98; p < 0,05) e transtorno de conduta (OR = 2,82; P <
Roberts et al.33 Transtorno de conduta Transtorno alimentar Transtorno por uso de álcool e 6,8% 1,7% 2,0% 2,7% 3,2% 0,2% 5,2% Diagnostic Interview Schedule for Características sociodemográficas 0,05) Jovens que possuíam pais com menor escolaridade e menor renda tinham
outras substâncias Children (DISC-IV) mais chances de apresentar transtornos de ansiedade (respectivamente OR =
1,50; OR = 1,57, p < 0,05 ambos) Jovens com 2 pais em casa tiveram menor
chance de apresentar quaisquer transtornos (OR = 0,80; p < 0,05)
Jovens que tinham um irmão que usou drogas apresentaram duas vezes mais
Latimer et al.34 Transtornos por uso de álcool e outras substâncias 6,1% DSM-IVb Características sociodemográficas chances de usar álcool - (OR = 2,4; p < 0,05) Jovens com amigos que usam
drogas apresentaram quatro vezes mais chances de usar drogas (OR = 4,7; p <
0,05)
Meninos tinham duas vezes mais chances de apresentar TDAH (OR = 2,0; p <
0,05), enquanto as meninas tinham cinco vezes mais chance de apresentar
Canino et al.35 Transtornos de ansiedade Depressão TDAHa Transtorno opositivo-desafiador 6,9% 3,0% 8,0% 2,0% 5,5% 1,7% DSM-IVb Características sociodemográficas e funcionalidade depressão (OR = 5,2; p < 0,05) Jovens com pais separados tinham até 40% de
Transtorno de conduta Transtornos por uso de álcool e outras substâncias chance de apresentar algum diagnóstico (OR = 1,40; p < 0,05) Aqueles que
moravam nos centros urbanos aumentavam o risco em até 90% de apresentar
qualquer transtorno mental (OR = 1,90; p < 0,05)
Glowinski et al.36 Depressão 8,9% DSM-IVb Histórico familiar O componente genético contribuiu em 40% para o risco para depressão
Martínez-González et Transtorno alimentar 3,1% DSM-IVb Características sociodemográficas Um estado civil dos pais diferente de “estar casado” foi associado com um
al.37 risco significativamente maior para transtorno alimentar (OR: 2,0; p = 0,02)
Depressão materna aumentou em 2 vezes a chance de transtorno de conduta nos
Transtorno de ansiedade de separação Depressão Transtorno opositivo- Child and Adolescent Psychiatric jovens (OR = 2,0; p = 0,03) Alcoolismo materno aumentou em 3 vezes a chance
Foley et al.38 desafiador Transtorno de conduta 4,86% 0,61% 1,51% 2,61% Assessment (CAPA) Características sociodemográficas e histórico familiar de transtorno de conduta (OR = 3,14; p = 0,02) Transtorno do pânico paterno
aumentou em 2 vezes a chance de transtorno de ansiedade de separação nos
jovens (OR = 2,37; p = 0,05)
aTranstorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
b Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM 4ª Review.
RRaj: Risco relativo ajustado.
DISCUSSÃO
Prevalência dos transtornos mentais em crianças e adolescentes
Os estudos selecionados na presente revisão apresentaram taxas de prevalência
dos transtornos mentais compatíveis com outros estudos presentes na literatura
científica ao longo dos anos. Em relação aos critérios diagnósticos utilizados
pelos estudos, o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV)
pareceu vigorar entre os estudos internacionais, principalmente os estudos
americanos. Este manual fornece critérios de diagnóstico para a generalidade
dos transtornos mentais, incluindo componentes descritivos, de diagnóstico e de
tratamento, constituindo um instrumento de trabalho de referência para os
profissionais da área. Além de manuais como o DSM-IV, os estudos utilizaram
entrevistas diagnósticas, amplamente utilizadas em psiquiatria, como o Schedule
for Affective Disorders and Schizophrenia for School-Age Children(KADS-PL) e o
Composite International Diagnostic Interview (CIDI), que também se baseiam nos
critérios diagnósticos do DSM-IV e da CID-10. Ainda assim, há um contínuo
debate científico sobre a validade da construção e a confiabilidade prática das
categorias diagnósticas e critérios do DSM. Muitos pesquisadores afirmam que
esse sistema de classificação faz distinções categoricamente exageradas entre o
normal e o anormal40, ocasionando altas taxas de prevalência, porém os estudos
presentes nesta revisão, em sua maioria, não apresentaram taxas muito elevadas.
Nos últimos anos, a literatura científica tem chamado a atenção para a
ocorrência de transtornos depressivos em crianças e adolescentes. Na presente
revisão, mais da metade dos estudos encontraram prevalências entre 5,9% e
12,5%. Estimativas brasileiras apontam que 0,4% a 3% das crianças apresentam
quadros de depressão41. Já em estudos americanos, a prevalência entre crianças
e adolescentes varia de 3% a 5%42. Em um estudo alemão, Mehler-Wex e Kolch43
identificaram uma prevalência de depressão em crianças e adolescentes de 8,9%.
Essas diferenças podem ser em decorrência de vários fatores como diferentes
instrumentos diagnósticos utilizados, local do estudo (em residências ou
escolas), população estudada (amostra ou população total). Além disso, o
transtorno depressivo pode ser subdiagnosticado dado a sua similaridade com
outros transtornos assim como a presença de comorbidades, como TDAH,
transtornos de ansiedade, de conduta, agressividade, que podem persistir após
cessar o episódio depressivo44.
Já os transtornos ansiosos são os quadros psiquiátricos mais comuns tanto em
crianças quanto em adultos, com uma prevalência em crianças e adolescentes
estimada em torno de 9%45. Na presente revisão, entre os estudos que
investigaram a prevalência desse transtorno, mais da metade encontraram
prevalências entre 9,1% e 32,3%. Em crianças, o desenvolvimento emocional
influi sobre as causas e a maneira como se manifestam os medos e as
preocupações tanto normais quanto patológicos. Diferentemente dos adultos,
crianças podem não reconhecer seus medos como exagerados ou irracionais,
especialmente as menores45.
A média de prevalência de TDAH nos estudos foi de 8,3%. Apenas quatro estudos
encontraram prevalências acima de 10%. Do mesmo modo, Golfeto e Barbosa46
apresentaram estudos com prevalências que variam de 1% a 20%. Alguns estudos
epidemiológicos de base comunitária, realizados com crianças, mostraram que a
prevalência de TDAH estava entre 4% e 12%47. Um estudo brasileiro realizado
entre crianças e adolescentes de 6 a 15 anos de escolas públicas encontrou uma
prevalência de 17%48.
Essas diferenças nas prevalências dos estudos podem ser explicadas, já que os
estudos utilizaram populações com faixa etária distinta. Por exemplo, na
infância as características principais do transtorno são a desatenção, a
hiperatividade e a impulsividade49. Porém, no início da adolescência, o
transtorno é relativamente estável, atenuando-se durante o final da
adolescência, sendo essa queda mais significativa para sintomas de
hiperatividade e impulsividade, consequentemente diminuindo sua gravidade50.
Outros fatores, como baixo nível socioeconômico e entrevistas realizadas com
informantes distintos (pais, educadores ou a própria criança), podem explicar
as diferenças nas prevalências encontradas pelos estudos.
Nesta revisão, metade dos estudos encontrou prevalências de transtorno por uso
de substâncias entre 8,3% e 32,1%. Esses estudos foram realizados somente com
adolescentes. Em 1997, um monitoramento realizado no Estados Unidos com 49.500
estudantes encontrou prevalências de 11,8% entre jovens de 13 anos, 18,2% entre
jovens de 15 anos e 20,7% entre jovens de 17 anos51. Essas prevalências podem
ser explicadas já que a dependência por uso de substâncias é o transtorno
coexistente mais frequente entre portadores de transtornos mentais na
adolescência, como depressão, transtornos de ansiedade e conduta52, sendo
fundamental o correto diagnóstico das patologias envolvidas.
O uso de substâncias psicoativas ilegais entre adolescentes tem sido um grave
problema social e de saúde no Brasil53. Em 2005, o Centro Brasileiro de
Informações sobre Drogas (CEBRID) realizou um inquérito entre jovens estudantes
de 10 a 19 anos que mostrou uma tendência ao aumento do uso dos inalantes, da
maconha, da cocaína e de crack em determinadas capitais, principalmente do
sudeste e nordeste54. Já o estudo de Madruga et al.15 realizado com 761
adolescentes em 143 municípios indicou uma prevalência do transtorno por uso de
substâncias de 14,1%, evidenciando a necessidade de políticas públicas para a
questão.
A prevalência de transtorno de conduta entre crianças e adolescentes tem
crescido nas últimas décadas, especialmente em áreas urbanas, oscilando de
menos de 1% a mais de 10%55. Na presente revisão, a média de prevalência foi de
4,17%. Em comparação, um estudo canadense encontrou uma prevalência em torno de
5,5%56. Já em países em desenvolvimento essa prevalência ficou em torno de
30%28,57. Os transtornos de conduta têm início na infância e adolescência58 e
merecem atenção, já que a persistência dos comportamentos que caracterizam o
transtorno pode conduzir a um diagnóstico de transtorno de personalidade
antissocial na idade adulta59. As diferenças nas prevalências encontradas nos
estudos podem ser decorrentes dos diferentes métodos para coleta de dados.
Também é esperado que, em amostras clínicas, a prevalência seja maior
(familiares buscam tratamento ou são encaminhados) e, em instituições
socioeducativas, mais elevada ainda. Em amostras comunitárias, como os estudos
presentes nesta revisão, a prevalência de transtornos mentais costuma ser
menor.
Mesmo que esta revisão só tenha encontrado três estudos sobre os transtornos
globais do desenvolvimento, como autismo e retardo mental, esses transtornos
merecem atenção. Em todo o mundo suas prevalências alcançam 1% da população
infantojuvenil60,61. Na presente revisão, os estudos encontraram, entre
crianças, taxas em torno de 5,3%. Desse modo, seu diagnóstico e sua
investigação de fatores associados e agravantes são de suma importância para o
prognóstico destes. Os transtornos globais do desenvolvimento e o retardo
mental estão associados a uma sobrecarga de seus familiares, o que, por sua
vez, pode interferir negativamente na adesão ao tratamento e piora do
prognóstico62,63.
Fatores associados aos transtornos mentais em crianças e adolescentes
De acordo com a literatura, fatores biológicos, genéticos e ambientais foram
associados aos transtornos mentais entre crianças e adolescentes. Na presente
revisão, vários fatores foram associados a mais de um transtorno.
Na nossa revisão, encontramos estudos que mostraram uma associação entre sexo
masculino e TDAH35, transtorno de conduta 28,33 e também por uso de
substâncias15,28.
A associação entre o sexo masculino e TDAH tem sido ressaltada por alguns
estudos populacionais devido à diferença da proporção entre os sexos masculino
e feminino. Provavelmente, essa diferença se deve ao fato de as meninas
apresentarem menos sintomas de agressividade/impulsividade e conduta, causando
menos incômodo às famílias e à escola, fazendo com que elas sejam menos
encaminhadas ao tratamento64.
Em relação ao sexo masculino e ao transtorno de conduta, é sabido na literatura
que há uma associação maior entre esses, provavelmente por algumas diferenças
que caracterizam o sexo masculino e o sexo feminino28. Uma dessas diferenças é
a expressão da agressividade, maior entre meninos65, o que justificaria em
parte a maior prevalência do transtorno de conduta.
Já em relação ao sexo masculino e os transtornos por uso de substâncias, o
estudo de Moon et al.66 verificou que o sexo masculino inicia o uso de drogas
com colegas do mesmo sexo, irmãos, primos, ou com estranhos do sexo masculino,
geralmente em locais públicos. O estudo de Latimer et al.34 também evidenciou
tal resultado. Ainda segundo Moon et al.66, os rapazes também iniciam o uso de
drogas em idade mais precoce e têm maior risco de receberem ofertas para usarem
drogas do que o sexo feminino. Para Moon et al.66, na cultura feminina,
geralmente o uso de drogas não se inicia com parceiros masculinos até que
comecem a se relacionar emocionalmente; assim, o sexo feminino teria menos
risco de se envolver com drogas em idades mais precoces. O estudo de Vicente et
al.22 encontrou no sexo feminino um fator protetivo contra a dependência de
álcool e drogas. Para o sexo masculino é dada liberdade e independência em
idade mais precoce do que para o sexo feminino, o que facilitaria o início do
uso de drogas em locais públicos e, consequentemente, aumentaria o risco do
início do uso mais precocemente67.
Também houve associação entre sexo masculino e transtorno do estresse pós-
traumático e depressão25. O estudo de Zinzow et al. 25 encontrou uma associação
entre sexo masculino e depressão em ambientes de violência. Segundo o estudo de
Costa et al.68, adolescentes do sexo masculino estão mais sujeitos a sofrer
violência no ambiente comunitário. E, como consequência, crescer em um ambiente
de tensão pode contribuir para o desenvolvimento de comportamentos agressivos
e/ou defensivos, manifestando-se em retraimento e depressão69.
Já em relação ao sexo feminino, os estudos mostraram uma maior associação com
transtorno depressivo35 e alimentar26. Segundo Versiani et al.70, o sexo
masculino apresenta taxas de depressão um pouco maiores do que ao sexo feminino
na infância, entretanto na adolescência ocorre uma modificação com um
predomínio do sexo feminino sobre o sexo masculino. Alguns estudos envolvendo
crianças e adolescentes demonstraram que a diferença de gênero na prevalência
de depressão se manifesta primeiramente entre os 11 e 14 anos, assim se
mantendo no decorrer da vida adulta, o que pode sugerir um papel determinante
dos hormônios sexuais71. As mudanças hormonais também têm sido a explicação
para a maior prevalência de insônia entre o sexo feminino72. Em relação aos
transtornos alimentares, diversos estudos comprovam a correlação entre
insatisfação com a imagem corporal e a prevalência de sintomas de transtorno
alimentar entre o sexo feminino. Em alguns estudos, a insatisfação corporal é a
principal justificativa dos transtornos alimentares, estando ainda associada
com a depressão73 e a baixa autoestima74.
O histórico de transtorno mental na família também se mostrou associado a
depressão, transtorno de ansiedade e, no estudo de Vicente et al.18, esse fator
esteve associado à ocorrência de qualquer transtorno mental. Diversos estudos
sugerem um modelo complexo de transmissão genética para os transtornos mentais
na infância e que perduram pela adolescência. A manifestação do transtorno
depende da presença de um conjunto de genes que interagem entre si resultando
em uma fisiopatologia complexa. Outro aspecto inerente aos transtornos mentais
na infância e adolescência é a influência do meio sobre a expressão gênica e
sobre a modulação da atividade mental75.
Em relação aos fatores ambientais, a presença de violência comunitária e
familiar esteve associada à ocorrência de diversos transtornos, como
depressão14,25, transtorno de conduta28,29, TDAH27, transtorno por uso de
substâncias psicoativas15 e transtorno do estresse pós traumático25. Flores e
Caminha76 relatam que uma maneira de explicar tal associação seria a tentativa
da criança ou adolescente de organizar o sentido da experiência violenta,
podendo ocorrer condutas prejudiciais ao desenvolvimento psíquico, gerando
sentimentos negativos e comportamentos agressivos, que poderiam levar aos
transtornos ansiosos, de conduta e afetivos.
O estudo de Malik77 realizado com 117 crianças examinou a relação entre
exposição à violência e sintomas de internalização, como sintomas de ansiedade,
depressão, retraimento, além das manifestações somáticas, e externalização,
como agressividade, impulsividade e comportamento desafiador. O estudo
demonstrou que a violência comunitária foi relacionada aos problemas de
internalização, enquanto a exposição à violência doméstica foi relacionada
apenas com problemas de externalização, afirmando ainda que os diferentes tipos
de violência ameaça o senso de segurança da criança, prejudicando o seu
crescimento e desenvolvimento. Já com adolescentes, um estudo seccional
brasileiro investigou a presença de fatores de risco e protetores para
problemas de saúde mental em adolescentes, dentre os quais a violência
intrafamiliar e urbana. Esse estudo mostrou que adolescentes expostos a essas
situações mostraram ter duas vezes mais problemas de internalização e
externalização78. A combinação entre violência e problemas de internalização e
externalização chama atenção para o fato de esses problemas possuírem maior
probabilidade de evoluírem para quadros clínicos na adolescência e também na
vida adulta79.
Outro fator ambiental associado à ocorrência de transtornos foi a configuração
familiar. Viver em um ambiente com pais separados se mostrou como fator de
risco para qualquer transtorno mental em pelo menos três estudos desta revisão.
Ainda segundo Nock et al.12, ser adotado aumentou em três vezes a chance de
suicídio entre adolescentes. Em estudo de revisão, Fu80 relata que a condição
de viver em um lar substituto parece aumentar a possibilidade de sofrimento
mental na infância. Segundo Hersov81, o fato de ser adotado pode ser um fator
de risco para transtorno mental quando o meio adotivo é inadequado (estressante
e violento). Porém, a adoção atualmente tem sido definida como um fator de
proteção para reduzir a presença de patologias psiquiátricas transmitidas
geneticamente e que podem sofrer influência do ambiente externo81.
Ainda de acordo com o estudo de Roberts et al.33, viver com ambos os pais é um
fator protetivo contra a ocorrência de qualquer transtorno mental. Do mesmo
modo, Baptista et al.82 afirmam que a estrutura e o apoio familiar atenuam os
efeitos dos eventos cotidianos estressantes, ou seja, pode prevenir o
surgimento de algum distúrbio psicológico/psiquiátrico. Segundo revisão
proposta por Souza et al.83, problemas nas relações familiares vêm sendo
pesquisados como fatores dificultadores no tratamento dos transtornos mentais e
agravamento desses em crianças e adolescentes.
CONCLUSÕES
Os transtornos mentais mais prevalentes entre crianças e adolescentes foram
depressão, transtornos de ansiedade, TDAH, por uso de substâncias e transtorno
de conduta, associados principalmente com fatores biológicos, genéticos e
ambientais, tais como sexo masculino, histórico familiar de transtorno mental,
violência familiar e comunitária e configuração familiar. Poucos estudos de
base populacional sobre transtornos mentais e fatores associados em crianças e
adolescentes foram identificados. Estudos epidemiológicos de base populacional
são importantes para que se conheçam a distribuição da exposição e do
adoecimento e também as condições que influenciam a dinâmica dos padrões de
risco em uma determinada comunidade.
Verifica-se uma carência na atenção à saúde mental infantojuvenil, não só em
países em desenvolvimento, mas também em países desenvolvidos. Assim,
identificar os transtornos mais prevalentes e seus fatores associados pode
colaborar com a melhora na atenção e aumento da oferta de serviços específicos
para população infantojuvenil5.
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Lúcia Abelha, por suas contribuições neste artigo, à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).