Proposta de indicadores e padrões para a avaliação de qualidade da atenção
hospitalar: o caso da asma brônquica
Introdução
A asma brônquica é uma doença pulmonar crônica geralmente não progressiva,
caracterizada por crises potencialmente reversíveis de redução do calibre
brônquico, devido à hiper-reatividade e à inflamação das vias aéreas, como
resposta a uma variedade de estímulos físicos, químicos e nervosos. O
tratamento atual prescrito para a doença é descrito em diversos protocolos
elaborados por sociedades de especialistas. A doença pode ocorrer em todas as
faixas etárias, apresentando um espectro de sinais e sintomas cuja gravidade
varia de paciente para paciente e também ao longo da vida de cada um. Em
circunstâncias raras, episódios agudos podem ser fatais (ATS, 1987; McFadden
& Gilbert, 1992; SBAI/SBP/SBPT, 1994; Campos, 1994; DHHS, 1991; CRPHF,
1993; BTS, 1990; Smith, 1995).
Apesar de a asma raramente evoluir para o óbito, foi observado um aumento da
mortalidade pela doença a partir da década de 60 em diversos países, como Reino
Unido, Irlanda, Nova Zelândia, Austrália e Noruega (Burr, 1987; Speizer et al.,
1968; Speizer, 1987; Beasley et al., 1990; Jackson et al., 1982; Mitchell et
al., 1990). Outros países, como os EUA, Canadá e França, não apresentaram essa
"epidemia de óbitos" nos anos 60, mas mostraram elevação na
mortalidade por asma nas décadas subseqüentes (Weiss & Wagener, 1990;
Buist, 1990; Sly, 1992; CDC, 1992; Mao et al., 1987; Bousquet et al., 1987).
O aumento da mortalidade por asma suscitou uma profunda discussão acerca dos
possíveis fatores envolvidos. Dentre as diversas hipóteses levantadas para
explicar esta tendência, podemos citar:
Alterações na prevalência ou na gravidade da doença.
Variação dos critérios de codificação ou de diagnóstico.
Tratamento inadequado e fatores nocivos relacionados à terapêutica.
A partir de revisão bibliográfica, verificou-se que a hipótese explicativa mais
importante refere-se à possibilidade de fatores relacionados ao tratamento
terem levado a uma maior freqüência de óbitos, seja pelo manejo inadequado da
doença, seja em conseqüência da adoção de práticas terapêuticas inadequadas
(Burr, 1987; Serafini, 1992; Benatar, 1986; McFadden & Gilbert, 1992;
Sears, 1988; Higenbottam & Hay, 1990). Portanto, mesmo considerando que o
aumento da mortalidade por asma em vários países seja multifatorial, torna-se
essencial rediscutir o papel da atenção médica e os possíveis "fatores
evitáveis" relacionados com os óbitos pela doença.
No Brasil, é marcante a carência de publicações acerca da epidemiologia da
asma. Um dos poucos trabalhos foi realizado por Oliveira (1988), que descreveu
a evolução da mortalidade por asma da população de cinco a 34 anos do Município
e Estado de São Paulo, de 1975 a 1983. O estudo mostrou que as taxas de
mortalidade no período mantiveram-se em níveis "aceitáveis", nunca
ultrapassando o coeficiente de 0,9/100.000 habitantes, apesar de apresentarem
uma tendência ascendente.
Dados trabalhados pelos autores mostram que, no período de 1980 a 1990, foi
registrada uma média de 2.000 óbitos por ano, cuja causa básica foi asma
brônquica, e aproximadamente 70% destes ocorreram dentro de hospitais (Tabela
1). Houve uma redução de 26% na taxa de mortalidade, passando de 1,9 para 1,4/
100.000 habitantes entre 1980 e 1990. As regiões brasileiras onde ocorreram as
maiores taxas de mortalidade em 1990 foram as Sul e Sudeste (1,8 e 1,5/100.000
habitantes), mas as regiões que apresentaram o maior número absoluto de óbitos
foram a Sudeste e Nordeste, com 969 e 492 óbitos respectivamente. De 1980 a
1986, houve um aumento discreto nas taxas de mortalidade por asma na faixa de
cinco a 34 anos (0,19/100.000 habitantes em 1980 e 0,23/100.000 habitantes em
1986), estando em níveis abaixo daqueles de diversos países citados neste
artigo. Já nas faixas etárias de menores de um ano e maiores de 70, as taxas
mantiveram-se elevadas de 1980 a 1990, embora com tendência decrescente.
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Comparando com outros países, chama a atenção o excesso de óbitos por asma no
Brasil nas faixas etárias mais jovens. A sobremortalidade deste em relação ao
Canadá foi de 5,8 vezes na faixa de zero a 15 anos em 1987. Em relação à
França, na faixa de zero a quatro anos, a sobremortalidade no Brasil, masculina
e feminina, foi de respectivamente 28,8 e 32,3 vezes no ano de 1984
(Wilkings,1993; Bousquet,1987; Estatística de mortalidade, Ministério da Saúde,
estimativa populacional Dr. Kaisô Iwakami Beltrão).
Vale ainda ressaltar que a asma foi a quarta principal causa de internação,
enquanto diagnóstico principal, nos hospitais conveniados ao SUS do Estado do
Rio de Janeiro em 1993, totalizando 24.962 internações com 2,4% do total de
internações (1,9 hospitalizações/1.000 habitantes). Os hospitais privados
contratados foram responsáveis por 61% de todas essas internações. Mais da
metade das internações (56%) ocorreram na faixa etária de menores de cinco anos
(Tabela_2). Nesse mesmo ano, ocorreram 81 óbitos nos hospitais do SUS,
distribuídos em 51 hospitais da rede, perfazendo uma letalidade hospitalar de
0,33%.
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Em 1993, foram pagos US$4.214.377,45, referentes a internações com o
diagnóstico de asma, aos hospitais do Estado do Rio de Janeiro credenciados ao
SUS, perfazendo uma média de US$168,83 por cada internação. Esse valor
representou 16,8% dos gastos incorridos com as internações por doenças
respiratórias e 2,3% dos gastos totais com internações nesse estado (Noronha
apudKrauss et al., 1994.
A partir de extensa revisão bibliográfica acerca do processo de tratamento da
asma brônquica e do levantamento de dados concernentes a esse problema de saúde
no Brasil, verificou-se a pertinência em se avaliar a atenção prestada no País
a essa doença, tanto em nível ambulatorial como em nível hospitalar. Este
trabalho visa contribuir com uma proposta de indicadores e padrões de
qualidade, construídos a partir de critérios explícitos, para auxiliar na
avaliação do processo de atenção hospitalar a pacientes com asma brônquica.
Inicialmente foram apresentadas algumas informações sobre a doença no Brasil e
em outros países. Em seguida, fez-se uma revisão da atenção prestada à asma,
com algumas informações, também, da atenção no Estado do Rio de Janeiro,
finalizando com os indicadores propostos.
Avaliação_do_tratamento_da_asma_brônquica
O aumento da mortalidade por asma a partir da década de 60 observado em
diversos países impulsionou a discussão acerca de quais fatores relacionados à
atenção médica poderiam ter contribuído para a maior freqüência de óbitos pela
doença. É de certa forma consensual que os pacientes com crise grave que são
prontamente atendidos em unidades hospitalares especializadas raramente morrem
se submetidos à avaliação e tratamentos apropriados (Serafini, 1992). Nesse
contexto, foram realizados estudos de avaliação da atenção aos casos que
evoluíram para o óbito ocorrido dentro ou fora do hospital, assim como dos
casos que foram internados em hospitais e que não tiveram esse desenlace,
visando identificar possíveis falhas na atenção (fatores evitáveis).
Um ponto a ser considerado na análise desses estudos é o caráter crônico e
flutuante da asma, o que torna difícil precisar qual parcela da mortalidade
pela doença pode ser atribuída às falhas relacionadas ao manejo crônico ou à
conduta frente à crise aguda.
Sabe-se que parte significativa dos óbitos conseqüentes à crise asmática aguda
ocorre sem que o paciente tenha recebido atendimento médico hospitalar. Em
estudos realizados em regiões da Inglaterra com dados do final das décadas de
60 e de 70, o percentual de óbitos ocorridos fora do hospital variou entre 73%
na faixa etária de cinco a 34 anos e de 86% na faixa de 15 a 64 anos (Fraser et
al., 1971; Ormerod & Stableforth, 1980; BTA, 1982) e foi de 85% na Nova
Zelândia (Sears, 1988). Já no Estado de Oregon, nos EUA, o percentual de óbitos
ocorridos fora do hospital foi de 31% no ano de 1982 (Barger et al., 1988).
Dados brasileiros sobre a mortalidade no período de 1980 a 1990 demonstram que
cerca de 30% dos óbitos por asma ocorrem fora do hospital (variando de 487 a
663 óbitos/ano) (Tabela_1). Analisando separadamente os Estados do Rio de
Janeiro e São Paulo, em ambos , esse percentual foi cerca de 25% no ano de
1990, destacando a importância da avaliação de qualidade da assistência, uma
vez que no Brasil a maior parte dos pacientes que evoluem para o óbito chegam a
receber algum atendimento médico hospitalar.
Segundo a literatura, em algumas situações a evolução da crise aguda é muito
rápida e fulminante, impedindo que medidas sejam tomadas em tempo hábil. Esses
casos, entretanto, correspondem a uma minoria. Muitos dos pacientes com essa
evolução, apresentavam história prévia de episódio de gravidade semelhante ao
que levou ao óbito e a ocorrência de sinais de alarme precedendo ao óbito, como
instabilidade marcante com variação diurna ou piora gradativa da obstrução
brônquica (BTA, 1982; Stableforth, 1983; Hetzel et al., 1977; Westerman et al.,
1979), o que deveria implicar um controle mais rigoroso da doença no nível
ambulatorial e domiciliar. Mesmo assim, Johnson et al. (1984), avaliando
noventa óbitos por asma ocorridos na faixa etária de 15 a 64 anos, nas regiões
inglesas de West Midlands e Mersey, no ano de 1979, consideraram dez óbitos
como provavelmente inevitáveis. Em cinco desses casos, o paciente morava só e
foi encontrado já morto; nos demais, o óbito ocorreu no espaço de trinta
minutos do início da crise. MacDonald et al. (1976), em Cardiff (Inglaterra), e
pesquisadores de países como os EUA e Canadá também encontraram um percentual
de óbitos com evolução muito rápida da crise fatal (Barger et al., 1988;
Collins-Williams et al., 1981).
Avaliação_do_tratamento_ambulatorial_domiciliar
A asma, enquanto doença crônica, pressupõe acompanhamento a longo prazo e
implica necessariamente anotações e realização de exames no decorrer da
enfermidade, para que se possa avaliar corretamente a gravidade desta,
permitindo um planejamento adequado tanto do tratamento medicamentoso, como da
educação do paciente e/ou familiares para o seu manejo a longo prazo (Speizer
et al., 1968). Sheffer & Taggart (1993) relatam que os cuidados da asma
pressupõem um manejo gradativo, durante o qual o número de medicações e a
freqüência de administração são aumentados quando a gravidade da doença aumenta
ou vice-versa, até que o controle da asma seja mantido. As medidas de função
respiratória são parâmetros de avaliação objetivos, importantes para se definir
quais os passos a seguir no tratamento da doença. Todos os pacientes com asma
que requerem terapia diária, devem ser monitorados utilizando parâmetros
objetivos, como o uso de medidor de fluxo expiratório.
A avaliação inadequada, tanto por parte dos médicos, como pelos pacientes, tem
resultado em complacência e atraso no reconhecimento de uma crise grave e na
implementação de terapia apropriada.
O estudo de MacDonald et al. (1976) ilustra bem as falhas mais comuns
verificadas no atendimento ambulatorial, e também aquelas ocorridas no
atendimento hospitalar. Esses autores, utilizando informações de 1963 a 1974,
verificaram que, de 83 pacientes que foram a óbito, 60% tiveram história de
internação hospitalar prévia, internações essas muitas vezes recentes,
sugerindo a instalação de doença grave. Na ocasião do ataque fatal, 47% dos
pacientes estavam em uso de corticóide por via oral, embora freqüentemente em
doses inferiores às preconizadas para a asma classificada como grave, e 70% em
uso de broncodilatador. Os autores sugerem que os pacientes que já haviam sido
previamente internados não receberam orientação adequada e medicação suficiente
para o controle de sua doença, apontando para falhas na avaliação da gravidade
da doença. Esse mesmo estudo também mostra falhas na avaliação da gravidade no
momento da crise fatal quando, dos 21 pacientes que foram avaliados por
médicos, 43% (nove) não foram encaminhados para internação hospitalar. Também
foram verificadas falhas na avaliação da gravidade do episódio fatal pelo
doente e/ou familiares, resultando em demora na solicitação de atendimento
médico. Outros estudos realizados no Reino Unido com informações da década de
70 encontraram resultados similares aos do estudo de MacDonald et al. (BTA,
1982; Johnson et al., 1984; Ormerod & Stableforth, 1980).
Fraser et al. (1971), avaliando óbitos ocorridos na Inglaterra em 1968-1969,
encontraram evidências de que a inalação excessiva de broncodilatadores pode
ter contribuído para a ocorrência de óbitos, o mesmo encontrando Collins-
Williams et al. (1981) no Canadá. Esses autores concluem que a razão principal
para o excesso de uso de broncodilatadores parece estar relacionada à falha do
paciente em apreciar que, quando tal medicamento não é eficaz em reverter os
sintomas, é sinal de necessidade de introdução de outro tratamento e não de
aumento da dose, apontando, portanto, para falhas na orientação de pacientes e/
ou familiares.
Barger et al. (1988), analisando óbitos ocorridos em 1982 nos EUA, verificaram
que, no acompanhamento da doença, 78% dos pacientes estavam fazendo uso de
teofilina e somente 50% haviam realizado dosagem de teofilina sérica em algum
momento do manejo crônico. Somente 41% dos pacientes haviam realizado estudos
de função pulmonar ao longo do tratamento. Verificaram também que pacientes
mais idosos tiveram um tratamento medicamentoso menos agressivo tanto no manejo
crônico, como na crise fatal.
Os dados acima enfatizam que os problemas referentes ao manejo crônico da asma
e à abordagem da crise aguda estão intimamente relacionados. Falhas no manejo
ambulatorial da asma podem repercutir negativamente nos resultados da atenção
hospitalar, já que pacientes mal controlados tendem a ser considerados como de
maior risco. Além disso, o manejo crônico inadequado da asma pode acarretar um
aumento no número de internações.
Avaliação_das_internações_por_asma
Cochrane & Clark (1975), avaliando o tratamento hospitalar dispensado a 19
pacientes na faixa de 35 a 64 anos que foram a óbito no ano de 1971 em
hospitais da Grande Londres, concluíram que, embora os óbitos em sua maior
parte tenham sido considerados repentinos e inesperados, não se poderia excluir
possíveis falhas na avaliação da gravidade da crise. Isso poderia ter levado a
falhas no tratamento efetivo dos pacientes. Os autores verificaram que, no
momento da admissão, somente dois pacientes tiveram anotadas informações
suficientes para se avaliar a gravidade e somente 26% (cinco) tiveram medidas
de função pulmonar anotadas, havendo dois outros casos no decorrer da
internação. Ainda na admissão, foram realizados quatro exames de gasometria e,
posteriormente, mais dois, tendo sido feito Raio X de tórax na maioria dos
pacientes (17). No momento do óbito, havia uma subprescrição de medicamentos,
sendo que 42% dos pacientes não estavam fazendo uso de corticóide, e somente
52% estavam usando broncodilatador oral e/ou na forma inalante. Quinze
pacientes fizeram uso de sedativos, embora somente um caso tenha sido
encaminhado a CTI. O uso de sedativos foi avaliado como causa de depressão
respiratória em dois casos e razão do início da deterioração das condições
clínicas em quatro casos. Os autores levantam a hipótese de que as falhas na
avaliação dos pacientes com asma, possam dever-se à baixa letalidade hospitalar
e à experiência comum de se assistir à maior parte dos casos se recuperarem de
uma crise grave, levando os profissionais a subestimarem a possibilidade de
morte por asma. Sugerem que, na Inglaterra, os óbitos por asma sejam tratados
com a mesma atenção e publicidade dispensada aos óbitos maternos e também que
sejam transformadas em rotina as avaliações de pico de fluxo expiratório e
gasométricas.
Ormerod & Stableforth (1980), avaliando 53 óbitos por asma em Birmingham
(Reino Unido) no período de 1975 a 1977, detectaram fatores evitáveis em 15
casos ocorridos dentro do hospital, os principais fatores foram: avaliação
inicial inadequada, considerando-se a subutilização de espirometria e
gasometria (50%), subutilização de corticóides (93%) e de broncodilatadores por
via intravenosa e respiratória (100%) e falhas na monitorização objetiva da
eficácia do tratamento (100%).
Eason & Markowe (1987) realizaram estudo de caso-controle avaliando 35
óbitos hospitalares na faixa de cinco-45 anos, ocorridos na região de North
East Thames (Inglaterra), durante um ano, entre 1982 e 1983. Consideraram 46%
dos óbitos potencialmente evitáveis, encontrando falhas no manejo da crise de
asma em 83% dos casos. As principais falhas segundo a equipe revisora foram: a)
investigação inicial da crise inadequada, uma vez que 71% dos casos que foram a
óbito não tiveram avaliação da função pulmonar (34% dos controles) e 66% não
realizaram exame de gasometria (34% dos controles); b) inadequado monitoramento
da função pulmonar ao longo da internação (71% dos casos e 23% dos controles) e
da gasometria (63% dos casos e 89% dos controles); c) inadequado tratamento com
broncodilatadores, já que 49% dos casos não receberam tratamento com
broncodilatador inalatório, contra 11% dos controles; d) inadequado tratamento
com corticosteróide, pois 28% dos casos (17% dos controles) não receberam essa
medicação nas vias oral ou parenteral, embora houvesse indicação; e) dosagem
excessiva de aminofilina (40% dos casos e 20% dos controles); f) não-
instituição de ventilação mecânica em nove casos, o que pode ter contribuído
para o óbito.
Spevetz et al. (1992), avaliando 130 internações de pacientes em Status
Asthmaticus, de 1989 a 1990, em um hospital universitário de New Jersey (EUA),
verificaram que apenas 68% dos casos tiveram registro de avaliação do pico de
fluxo expiratório em algum momento da internação. Nenhum paciente teve registro
de espirometria no primeiro dia de internação, 22% o tiveram em dias
subseqüentes e somente um paciente teve estudo espirométrico seqüencial. Foram
anotadas informações sobre sibilos em 100% das internações, mas informações
muito mais importantes para uma avaliação adequada da gravidade tiveram sub-
registro, como o uso ou não de musculatura acessória registrado em somente 65%
dos casos (65%), presença ou não de pulso paradoxal (26%) e diaforese (19%).
Daley et al. (1991), na avaliação retrospectiva da atenção hospitalar a 127
pacientes com o diagnóstico de asma aguda, em três hospitais universitários de
Boston (EUA), observaram diferenças significativas na abordagem diagnóstica e
na freqüência de utilização de exames. Os autores enfatizaram que a
espirometria, embora sendo o teste mais diretamente relacionado à gravidade da
crise asmática, não foi utilizada rotineiramente pelos hospitais. A freqüência
de sua utilização nas primeiras 12 horas de admissão foi de: 47% x 23% x 26%
dos casos em cada hospital. A medida do volume expiratório realizada na
emergência ocorreu em 29%, 23% e 23% dos casos respectivamente.
Oliveira (1988), em avaliação retrospectiva de prontuários, descreve o
tratamento de 12 casos que foram a óbito em um hospital do Estado de São Paulo
entre 1970 e 1973. Verificou que mais da metade dos casos (sete) faleceram nas
primeiras 24 horas de internação. Quanto à avaliação da gravidade da crise,
somente dois casos tiveram avaliação da função pulmonar anotada, não foi feita
qualquer anotação sobre pulso paradoxal, uma anotação sobre uso de musculatura
acessória, e em oito casos anotou-se a alteração de consciência. Em seis
pacientes realizou-se gasometria; em quatro, Raio X de tórax. Todos os casos
receberam broncodilatador, mas somente na forma inalatória; nove receberam
corticosteróide e seis receberam sedativo. Quatro pacientes fizeram uso de
ventilação mecânica. Pode-se verificar que as falhas no tratamento hospitalar
são semelhantes às encontradas nos estudos já descritos acima.
A internação hospitalar é considerada um momento propício à educação dos
pacientes, à reavaliação da medicação utilizada e ao planejamento da conduta a
longo prazo. Bucknall et al. (1988), através de entrevistas realizadas com
pacientes asmáticos duas semanas após a alta de um hospital da Escócia,
observaram falhas significativas na educação dos pacientes, acerca da
compreensão e gerência da asma. Verificaram que pouquíssimos pacientes possuíam
o medidor de fluxo expiratório para uso em sua moradia, embora 32% tivessem
história de ataques repentinos e crises graves. Somente 13% dos pacientes
relataram terem sido instruídos a iniciar com corticóide oral na ocorrência de
um novo ataque grave. Verificaram também que 34% dos entrevistados não tinham
um plano apropriado no caso de uma crise. A maioria dos pacientes não tinha
idéia de como os seus medicamentos agiam e poderiam auxiliá-los.
Atenção_à_asma_no_Estado_do_Rio_de_Janeiro
Foram utilizadas informações contidas nos formulários de Autorização de
Internação Hospitalar - AIH - do SIH-SUS, apresentados no ano de 1993,
referentes a internações ocorridas em hospitais conveniados ao SUS no Estado do
Rio de Janeiro. O banco de dados foi composto das AIHs reduzidas (não contêm
todas as informações), tendo sido selecionados os dados das AIHs-1 (normais ou
de identificação) e utilizado o programa computacional SGT (Sistema Gerador de
Tabelas) da empresa A/B Consultoria e Software, para manuseio desses dados.
Foram analisadas todas as internações que tinham anotadas como diagnóstico
principal um dos três códigos da CID-9 referentes à asma brônquica (CID 493.0,
493.1 e 493.9) e as análises referem-se aos três códigos agrupados. Neste
artigo, serão apresentadas somente algumas informações sobre a atenção prestada
aos casos que evoluíram para o óbito.
Ocorreram 81 óbitos com o diagnóstico de asma brônquica. Para saber se os
pacientes que foram a óbito chegaram ao hospital já em estado grave, foi
verificado inicialmente o tempo médio que estes permaneceram hospitalizados até
a ocorrência do óbito. Observou-se que o tempo médio de permanência - TMP -
geral foi de 3,5 dias, sendo que, na faixa etária de 40-49 anos, o TMP foi de
5,7 dias, ao passo que, na de menores de um ano, foi de 5,3 dias; já na faixa
de um a quatro anos, na qual ocorreram 12 óbitos, o TMP foi de 1,2 dia,
sugerindo uma maior gravidade na admissão hospitalar.
Verificou-se que, dos 81 óbitos, 33 aconteceram dentro das primeiras 48 horas
de internação; destes, 16 foram referentes a pacientes que deram entrada no
hospital em estado agônico e 17 em estado não agônico. A maior parte dos óbitos
(48) ocorreu acima de 48 horas da internação. Portanto, pode-se supor que
somente 20% dos casos que foram a óbito deram entrada no hospital em estado
grave, embora não seja possível afirmar que o restante também não tenha sido
internado em estado grave, pois faltam informações mais precisas do que se
tenha considerado como agônico. Enfim, embora com limites, essas informações
mostram que 80% dos pacientes que foram a óbito tiveram seu estado agravado
dentro do hospital, abrindo a hipótese da possibilidade de ocorrência de um
desenlace diferente.
Somente 12% (dez) dos pacientes que foram a óbito utilizaram a unidade de
terapia intensiva - UTI . Dos dez casos que fizeram uso de UTI, seis pertenciam
à faixa etária de menores de cinco anos. Vale destacar que nenhum dos 16
pacientes que chegaram agônicos ao hospital e faleceram dentro das primeiras 48
horas recebeu atendimento em unidade de terapia intensiva; dos 17 que não
internaram em estado agônico mas faleceram nas primeiras 48 horas, somente dois
utilizaram UTI. Considerou-se esta taxa baixa, na medida em que se espera que
esses pacientes que foram a óbito tenham tido necessidade de utilização de
tecnologias mais complexas como a oferecida em unidades de terapia intensiva.
Sugere-se que esta baixa taxa de utilização seja, em parte, explicada pela
inexistência desse cuidado especializado na grande maioria dos hospitais
financiados pelo SUS no Estado do Rio de Janeiro, embora este devesse ser um
dos requisitos para o credenciamento de hospitais ao atendimento de pacientes
com asma em estado grave.
As informações apresentadas acima sugerem que pode estar havendo problemas de
qualidade na atenção hospitalar a pacientes com asma brônquica no Estado do Rio
de Janeiro, necessitando, portanto, que seja feita uma averiguação mais
detalhada dessa atenção.
Além desses resultados, os vários estudos citados nos tópicos anteriores,
apontaram para a ocorrência de falhas em todo o espectro da atenção ao paciente
asmático, tanto em décadas distantes, como em mais recentes. Foi verificado que
diversos óbitos poderiam ter sido evitados, tendo sido identificados alguns
fatores da atenção que contribuíram para tal. Foram verificadas falhas dos
profissionais, tanto no atendimento ambulatorial, como no hospitalar e nas
avaliações da gravidade tanto da doença, quanto da crise. Essas falhas
repercutiram, principalmente, na utilização de instrumentos para avaliação da
gravidade da obstrução brônquica, na prescrição medicamentosa, no
encaminhamento dos pacientes e na educação de pacientes e/ou familiares. Foram
também verificadas falhas dos pacientes e/ou familiares na avaliação da crise
de asma.
Indicadores para monitorar a qualidade da atenção hospitalar aos pacientes com
asma
Avaliar a qualidade implica mensurar um evento e emitir um juízo acerca deste.
Para tal, há necessidade de se estabelecer critérios relevantes em termos de
qualidade desse evento e padrões indicando os limites aceitáveis e inaceitáveis
de qualidade. Os critérios são caracterizados como explícitos e implícitos. O
primeiro tipo implica o estabelecimento, anteriormente à avaliação, de regras
claras dos componentes a serem avaliados e os limites de aceitabilidade; quanto
ao segundo tipo, fica a cargo do avaliador, geralmente um especialista, o
estabelecimento dos critérios (Donabedian, 1980; Vuori, 1989).
A partir da revisão bibliográfica e de análise de informações sobre a
mortalidade por asma no Brasil e da atenção ao paciente asmático nos hospitais
do SUS no Rio de Janeiro, descritas anteriormente, propõem-se alguns
indicadores para monitorar a qualidade da atenção hospitalar aos pacientes com
asma. Decidiu-se por sugerir critérios genéricos para a avaliação do processo
de atenção à asma, priorizando aspectos críticos do tratamento, identificados
pelos estudos consultados, sem descer a detalhes considerados mais adequados de
ser abordados, seja por especialistas na área, utilizando critérios implícitos,
seja tendo como referência os protocolos de atenção.
Selecionaram-se assim indicadores que podem ser utilizados tanto por
profissionais que estão envolvidos com o atendimento a pacientes asmáticos,
como pelas chefias de unidades de atenção a doenças respiratórias ou pelas
comissões de avaliação da qualidade da atenção hospitalar. Alguns desses
indicadores são úteis não apenas ao gerente hospitalar, mas também aos gerentes
dos níveis regional e central, que dispõem de Sistemas de Informações para a
aplicação de alguns desses indicadores, como o Sistema de Informação de
Mortalidade (SIM) e das Internações Hospitalares (AIHs).
Optou-se por sugerir duas abordagens para a avaliação da qualidade da atenção
hospitalar a esses pacientes:
I. Revisão dos casos de óbito na perspectiva de eventos-sentinela.
II. Revisão esporádica das internações.
I. Primeira abordagem: óbitos por asma como eventos-sentinela
Eventos-sentinela são aqueles desnecessários e indesejáveis do ponto de vista
da saúde, cuja ocorrência representa um alerta da provável existência de
problemas na qualidade da assistência, justificando a sua avaliação para a
identificação de fatores que devam ser corrigidos. Rutstein et al. (1976)
propuseram a utilização de mortes evitáveis enquanto eventos-sentinela em
meados da década de 70, sendo seguidos por outros autores (Holland, 1988;
Westerling & Smedby, 1992; Westerling, 1992).
Segundo Rutstein et al. (1976), considerar um óbito como evitável significa
assumir que ele poderia ter sido prevenido se tudo tivesse transcorrido
adequadamente, havendo responsabilidade, ao menos parcial, do serviço de saúde
sobre esse desdobramento. Esses autores não apenas selecionaram algumas doenças
cujas mortes seriam possivelmente evitáveis, como procuraram apontar em que
circunstâncias estas seriam julgadas preveníveis. Já naquela época, a morte por
asma foi considerada como evitável em pessoas abaixo de cinqüenta anos que
evoluíram para o óbito após automedicação de broncodilatador por via
inalatória. É importante destacar que, na ocasião, havia grande preocupação com
o uso excessivo de broncodilatadores, o que poderia ter sido parcialmente
responsável pelo aumento da mortalidade por asma registrado na década
precedente em diversos países, como Reino Unido, Nova Zelândia, etc.
Apesar de Rutstein et al. (1976) terem sido restritivos na aplicação do
conceito de morte evitável para a asma, os diversos estudos já descritos acerca
das circunstâncias de ocorrência dos óbitos em asmáticos sugerem a ampliação
das condições a serem monitoradas. Nesse contexto, optou-se por utilizar a
concepção de morte evitável num sentido mais abrangente, assumindo que todos os
óbitos por asma sejam potencialmente preveníveis e sugerindo a revisão
minuciosa de todos os casos de óbito por asma em busca de quaisquer falhas da
atenção, passíveis de correção. Procurou-se então enumerar alguns critérios
explícitos para essa revisão, conforme o quadro a seguir. Cabe ressaltar que a
aplicação desses critérios deve ser feita por especialistas experientes, os
quais estariam habilitados para avaliar as peculiaridades de cada caso. Deve-se
também observar que os dois primeiros critérios são de exclusão, isto é,
excluem a possibilidade de se evitar a ocorrência do óbito.
Critérios_propostos_para_revisão dos_casos_de_óbito
1) Intervalo de tempo entre o início da crise e a ocorrência do óbito.
2) Gravidade da crise no momento da internação.
3) Avaliação da gravidade da crise:
Critérios clínicos: uso de musculatura acessória, presença de pulso paradoxal,
diaforese.Critérios objetivos: avaliação espirométrica e/ou medição do pico de
fluxo expiratório.
4) Avaliação da terapia medicamentosa prescrita: uso de broncodilatadoresb2-
agonistas, uso de corticosteróide.
Intervalo_de_tempo_entre_o_início_da_crise e_a_ocorrência_do_óbito
Quando se analisam as causas que levaram pessoas ao óbito por alguma doença, há
necessidade de se estabelecerem critérios para avaliar se esses seriam ou não
inevitáveis. Segundo a literatura já apresentada em item anterior deste artigo,
em algumas situações, a evolução da crise aguda de asma é fulminante, impedindo
que medidas sejam tomadas em tempo hábil.
Johnson et al. (1984) apontaram como óbitos inevitáveis aqueles ocorridos no
intervalo menor ou igual a trinta minutos a partir do início dos sintomas,
assumindo que pouco poderia se fazer nos casos de ataques fulminantes, mesmo
que estes tenham conseguido chegar ao hospital. Vale ressaltar que esses casos
de evolução fulminante podem estar relacionados a falhas anteriores no
acompanhamento, sendo comum entre esses pacientes a história de internações
prévias pela doença. Entretanto, para efeito da avaliação da internação em
questão, optou-se por assumir como óbitos inevitáveis aqueles decorrentes de
ataques fulminantes conforme definido por Johnson et al. (1984).
Gravidade_da_crise_no_momento da_internação
Pacientes que, independentemente da duração da crise, chegam ao hospital
agônicos (com insuficiência respiratória, distúrbios da consciência ou com
doenças graves associadas ao estado de descompensação) e evoluem para o óbito
em menos de trinta minutos da entrada no hospital, mesmo tendo recebido
assistência imediata e adequada, podem ser considerados como mortes inevitáveis
na perspectiva da avaliação desta internação.
Avaliação_da_gravidade_da_crise
Depois de confirmado o diagnóstico de asma brônquica, a avaliação da gravidade
da crise vem sendo considerada como um dos aspectos mais importantes para a
escolha da conduta terapêutica e controle da resposta ao tratamento. A
avaliação inadequada da gravidade e, conseqüentemente, a não-instituição do
tratamento adequado podem gerar transtornos à vida do paciente, aos familiares,
à sociedade em geral, gastos financeiros desnecessários, sobrecarga nas
instituições de prestação de serviços de saúde e resultar em óbitos
potencialmente evitáveis.
Um instrumento que possivelmente auxilia no tratamento e acompanhamento do
paciente, além de permitir fazer comparações, é a utilização de uma forma
padronizada de avaliação da intensidade da crise de asma. Há na bibliografia
diversas formas de se classificar a gravidade tanto da doença,como da crise de
asma brônquica. Essas classificações variam de acordo com os critérios
utilizados, tendo como referência o grau de dependência do paciente para
desenvolver as suas atividades diárias (Jones, 1971 apudCochrane & Clark,
1975); os resultados de exames espirométricos (Westerman et al., 1979); o
histórico de utilização de medicamentos e da morbidade (Janson-Bjerklie et al.,
1992) e classificações que mesclam critérios objetivos e clínicos, considerando
o desenvolvimento anterior da doença, o seu estado atual e fatores de risco de
morte, apresentadas pelos diversos protocolos de atenção à asma brônquica
(DHHS, 1991; SBAI/SBP/SBPT, 1994; Campos, 1994; CRPHF, 1993; BTS, 1990). Vale
ressaltar que muitas das classificações correntes na bibliografia necessitam de
validação.
Neste ponto é fundamental que se focalize a atenção ao tratamento da crise de
asma grave, já que é esta a que necessita de internação mais freqüentemente e,
portanto, a escolhida como objeto desse estudo. Alguns critérios são
considerados fundamentais para definição dos pacientes com crise de asma grave.
Esses critérios devem ser utilizados durante o atendimento de emergência para
que possam ser adotadas as medidas e condutas pertinentes ao caso. O DHHS
(1991), no "Protocolo para o diagnóstico e gerência da asma", aponta
para diversos fatores que favorecem a hospitalização.
Todos os protocolos utilizam, no geral, critérios semelhantes para
caracterização de uma crise grave de asma. Vale ressaltar o da British Thoracic
Society (BTS, 1990), que dividiu os sinais de crise de asma grave em sinais de
morte potencial e sinais de morte iminente.
A anormalidade funcional na asma é a obstrução geralmente reversível das vias
aéreas; portanto, os sinais e sintomas decorrentes do desenvolvimento de
obstrução das vias aéreas necessitam ser identificados e esta deve ser tratada
adequadamente, antes que evolua e complique a ponto de colocar em risco a vida
do paciente. Este é um indicador fundamental para se avaliar a gravidade de uma
crise asmática, ressaltando que mesmo pacientes assintomáticos podem ter
obstrução significativa.
Um dos sinais de obstrução das vias aéreas é a redução do volume expiratório
forçado no primeiro minuto (VEF1) e a redução do pico de fluxo expiratório
(PFE), que podem ser verificados através de medidas de espirometria ou através
de medidor de pico de fluxo expiratório que avalia o PFE, sendo estas duas
avaliações referidas como "objetivas" pelos diversos autores. O
aparelho de medida do fluxo expiratório foi desenvolvido entre as décadas de 40
e 50. Em fins da década de 50, Wright & McKerrow (1959) apresentaram uma
forma portátil para utilização hospitalar e ambulatorial. Em 1978, Wright
apresentou o minimedidor de pico de fluxo expiratório possibilitando o seu uso
individual na moradia do paciente (Wright, 1978 apudEichenhorn et al., 1982). O
medidor de pico de fluxo expiratório é volume e esforço dependentes, mas,
apesar dessas limitações, é uma medida útil do índice de obstrução das vias
aéreas, correlacionando razoavelmente bem com o VEF1(Van As, 1982). Eichenhorn
et al. (1982) encontraram variação na acurácia e confiabilidade entre três
modelos de medidores de PFE. Mesmo assim, um desses aparelhos cumpriu todos os
critérios estabelecidos pela British Thoracic Society. Ao longo desses anos,
tem havido uma atenção maior no aprimoramento desses aparelhos.
Uma grande discussão na bibliografia é a capacidade dos médicos de avaliarem
clinicamente o grau de obstrução das vias aéreas, como dito anteriormente,
aspecto importante da avaliação da gravidade da crise asmática. Um dos sinais
clínicos de obstrução brônquica é a presença de sibilos, embora a sua ausência
não signifique que não esteja havendo obstrução. Shim & Williams (1983)
avaliaram a relação entre os sibilos e a gravidade da obstrução brônquica.
Verificaram que a presença de sibilos expiratórios e inspiratórios está
associada a um valor mais reduzido do pico de fluxo expiratório do que a
presença somente de sibilos expiratórios.
Neste mesmo estudo, os autores buscaram verificar a variação da observação da
intensidade dos sibilos entre uma equipe de médicos especialistas experientes,
pois, para que a avaliação clínica dos sibilos tenha utilidade na
caracterização da obstrução brônquica, o resultado dessa avaliação teria que
ser homogêneo entre os clínicos. Ao testar a variação da observação clínica,
verificaram grande variabilidade entre os observadores, comprometendo portanto,
a sua utilidade. Os autores concluíram que, na avaliação do paciente, há
necessidade de utilização de métodos objetivos (PFE e /ou VEF1) de mensuração
da obstrução brônquica.
Esses mesmos autores desenharam outro estudo buscando testar a acurácia de
clínicos e pacientes em estimar os valores de pico de fluxo expiratório.
Selecionaram para tal exercício especialistas experientes em doenças
respiratórias e pacientes portando asma crônica. Somente 44% das estimativas do
valor de PFE realizadas pelos especialistas chegaram a um resultado próximo de
20% do valor obtido pela mensuração do PFE. Quanto à avaliação dos pacientes do
seu próprio valor de PFE, foi encontrada uma correlação positiva entre a
percepção destes e o valor obtido pela mensuração do PFE. Os autores concluíram
que pacientes experientes foram muito mais acurados em avaliar o seu valor de
PFE do que clínicos especialistas, mostrando-se acurados também em julgar se a
obstrução estava melhor, pior ou sem alteração no seu dia-a-dia (Shim &
Williams, 1980).
O estudo supracitado utilizou pacientes que já tinham prática no uso do medidor
de pico de fluxo expiratório e provavelmente estes pacientes foram bem
instruídos ao longo de sua doença, aprendendo a reconhecer melhor seus
sintomas. Os resultados de estudos das circunstâncias dos óbitos citados
anteriormente neste artigo verificaram um resultado diferente quanto à
avaliação de pacientes da gravidade de sua crise, mostrando falhas nessa
avaliação que, juntamente com outros fatores, podem ter contribuído para o seu
óbito. Esses mesmos estudos confirmaram a dificuldade de clínicos em avaliar a
gravidade do paciente.
Um dos estudos mais importantes acerca da importância de parâmetros objetivos
para a avaliação da gravidade foi o de McFadden et al. (1973). Os autores,
comparando o grau de obstrução das vias respiratórias com as manifestações
clínicas em 22 pacientes em crise aguda de asma, verificaram que, quando estes
ficaram assintomáticos, a função mecânica pulmonar variou de 40% a 50% dos
valores normais esperados para tais pacientes, demonstrando assim uma obstrução
persistente, embora assintomática, das vias respiratórias. Os autores concluem
que a ausência de dispnéia e sibilos não garantem a normalidade e que, se a
suspensão do tratamento for baseada somente nesses sinais, pode-se subestimar
seriamente uma grande extensão de doença residual. Neste sentido, torna-se
essencial a utilização não só de critérios clínicos, como de parâmetros
objetivos na avaliação inicial e seqüencial do paciente internado. Rubinfeld
& Pain (1976) e Murray et al. (1977) reforçam essas conclusões com seus
estudos, e Morris et al. (1971) desenvolvem padrões espirométricos.
Critérios clínicos
Os critérios para a avaliação da gravidade propostos abaixo são mais indicados
para pacientes na faixa etária acima de cinco anos.
Os principais sinais de gravidade da crise comumente citados na literatura são:
pulso paradoxal, uso de musculatura acessória e diaforese. A presença ou
ausência destes sinais deve estar registrada em todos os prontuários, pelo
menos no momento da admissão hospitalar.
Os sibilos constituem o achado mais freqüente nas crises asmáticas, devendo seu
registro ser sistemático, tanto no momento da admissão, como ao longo da
internação. Entretanto, a presença deste sinal isoladamente não constitui um
indicador que seja suficiente enquanto referencial de gravidade. Literatura
utilizada para os indicadores acima: Spevetz et al., 1992; ATS, 1987; McFadden
& Gilbert, 1992; SBAI/SBP/SBPT, 1994; Campos, 1994; DHHS, 1991; CRPHF,
1993; BTS, 1990.
Critérios objetivos
Conforme enfatizado acima, a avaliação da gravidade baseada somente em sinais
clínicos é insuficiente para a verificação do grau de obstrução brônquica,
havendo necessidade da utilização de métodos objetivos, como a medida de pico
de fluxo expiratório e/ou avaliação espirométrica. Ao menos um desses dois
exames deve ser realizado e registrado em prontuário no momento da admissão,
durante a internação para a monitorização da eficácia terapêutica e antes da
alta para garantir a adequação da medicação para uso domiciliar. Como padrão
mínimo, espera-se que 100% dos pacientes acima de cinco anos de idade e que não
apresentem problemas físicos que impeçam a realização do exame sejam submetidos
a pelo menos uma avaliação objetiva durante a internação, sendo a espirometria
o exame de preferência pela sua maior precisão. Esse indicador é importante
visto que diversos autores enfatizaram a sua subutilização (Daley et al., 1991;
Spevetz et al., 1992; BTA, 1982; Johnson et al., 1984; Bucknall et al., 1988;
Lazarus, 1989; Oliveira, 1988).
A gasometria arterial pode fornecer informações adicionais, sendo essencial nos
casos de insuficiência respiratória ou evolução desfavorável do quadro
asmático. A tele-radiografia de tórax, apesar de estar indicada para o
diagnóstico diferencial da asma e detecção de complicações respiratórias, não
constitui um exame de grande utilidade para a avaliação da gravidade da crise
asmática em si. Este fato merece ser destacado, já que a radiografia é muitas
vezes solicitada com maior freqüência que a espirometria, o pico de fluxo
expiratório e a gasometria, exames estes mais específicos para a avaliação do
quadro asmático (Daley et al., 1991). Outras referências utilizadas foram ATS,
1987; McFadden & Gilbert, 1992; SBAI/SBP/SBPT, 1994; Campos, 1994; DHHS,
1991; CRPHF, 1993 e BTS, 1990.
Embora não tendo relação direta com a avaliação da gravidade, outro indicador
importante da qualidade da atenção e adequado uso de tecnologias pode ser a
freqüência da utilização dos exames complementares discutidos acima. Sugere-se
que os serviços verifiquem e comparem a freqüência de utilização desses exames.
Avaliação_da_terapia_medicamentosa_prescrita
A partir da avaliação da gravidade da crise asmática é traçada a conduta
medicamentosa e decidida a necessidade ou não de internação hospitalar.
Uma apreciação da fisiopatologia da asma proporciona a base para a conduta
terapêutica. O marco fisiopatológico de uma crise de asma constitui-se de
redução do calibre das vias aéreas devido à contração da musculatura lisa,
desenvolvimento de edema da árvore brônquica e formação de secreções
espessadas, provocando hiperirritabilidade inespecífica da árvore
traqueobrônquica, com inflamação das vias aéreas. O aumento da resistência das
vias aéreas, por sua vez, leva a diminuição do fluxo e volume expiratório
forçados, hiperinsuflação pulmonar, alterações funcionais da musculatura
respiratória, alterações da elasticidade pulmonar, com desequilíbrio da relação
ventilação-perfusão e alterações nos gases arteriais (pO2e pCO2). Evidências
sugerem que essa hiper-reatividade inespecífica está relacionada a inflamação
das vias aéreas.
Alguns aspectos do tratamento da asma foram modificados a partir dessas
descobertas sobre sua fisiopatogenia. Por um longo tempo pensou-se que os
episódios de crise de asma fossem unicamente decorrentes da obstrução
respiratória causada pelo broncoespasmo. Baseada neste conceito, a terapia
consistia primariamente da utilização de broncodilatadores, tais como os
agentes beta agonistas e a teofilina, direcionados para o relaxamento da
musculatura lisa das vias aéreas. Mais recentemente, foi reconhecido que a asma
brônquica não está relacionada somente ao broncoespasmo. É necessária a
existência de um processo inflamatório subjacente nas vias aéreas para a
constituição de um quadro de hiper-sensibilidade e hiper-reatividade brônquica.
A implicação farmacológica dessa nova abordagem fisiopatológica da doença é que
atualmente o tratamento de grande número de pacientes asmáticos inclui agentes
antiinflamatórios que reduzem e previnem a recorrência da inflamação e desta
forma a broncoconstricção. Dados clínicos sugerem que terapia vigorosa
antiinflamatória melhora não somente a função pulmonar, como também pode
reduzir o grau de hiper-responsividade da musculatura das vias respiratórias
(McFadden, 1991; McFadden & Gilbert, 1992; Sheffer & Taggart, 1993).
Conforme citado na literatura, a base da terapêutica ao paciente em estado de
crise asmática que necessite de internação é principalmente constituída de
Broncodilatadores B2-agonistas e de Glucocorticóides
. A título de avaliação de uma internação, a prescrição desses medicamentos
pode ser utilizada como parâmetro mínimo de referência da qualidade da atenção,
embora muitas vezes haja também indicação de outros medicamentos adicionais.
Não estamos considerando aqui três fatores de extrema importância que vão
depender das características do paciente e do grau de gravidade em que se
encontra, quais sejam: dosagem desses medicamentos, vias e freqüência de
administração. Pode-se utilizar como referência da dosagem, via e freqüência de
administração o ditado pelos diversos protocolos disponíveis (SBAI/SBP/SBPT,
1994; DHHS, 1991; CRPHF, 1993; BTS, 1990; ATS, 1987; Smith, 1995). Praticamente
todos os estudos de revisão dos casos de óbito citados anteriormente neste
artigo chamam a atenção para a subutilização de corticosteróides durante o
período de internação.
II. Segunda abordagem: revisão esporádica das internações
Devido ao fato de os óbitos por asma serem raros, torna-se insuficiente a
avaliação somente através destes eventos, havendo necessidade de uma revisão
esporádica das internações para complementar o monitoramento da qualidade da
assistência. Para a revisão de prontuários de pacientes que não evoluíram para
o óbito, os indicadores propostos são alguns dos já discutidos acima, mantendo-
se os mesmos parâmetros, além de dois novos indicadores que são discutidos a
seguir.
Critérios_propostos_para_revisão_esporádica das_internações
1) Avaliação da gravidade da crise:
Critérios clínicos: uso de musculatura acessória, presença de pulso paradoxal,
diaforese.
Critérios objetivos: avaliação espirométrica e/ou medição do pico de fluxo
expiratório.
2) Avaliação da terapia medicamentosa prescrita: uso de broncodilatadores B2-
agonistas, uso de corticosteróide.
3) Educação do paciente e/ou familiares: revisão ou elaboração de um plano
terapêutico.
4) Agendamento de consulta pós-alta hospitalar.
Os itens 1 e 2 seguem os critérios descritos na primeira abordagem.
Educação_do_paciente
A necessidade de educação do paciente asmático vem sendo bastante enfatizada
pela literatura, principalmente em artigos de revisões de óbitos (Collins-
Williams et al., 1981), nos protocolos de atenção à asma já citados, nos de
avaliação da assistência hospitalar (Fitzgerald & Hargreave, 1989; Bucknall
et al., 1988), e em artigos de revisão do tratamento realizados por
especialistas (Higenbottam & Hay, 1990; Campos, 1994; Serafini, 1992). Por
ser a asma uma doença crônica, o seu adequado controle pressupõe uma boa
compreensão da doença e de seu manejo pelo paciente e/ou familiares, pois
muitos dos desfechos trágicos têm ocorrido devido à desinformação. Todos os
protocolos de atenção a pacientes asmáticos consideram como parte integrante do
tratamento a educação dos pacientes e/ou familiares acerca da doença e a
elaboração de um plano terapêutico individualizado, sob a forma escrita,
voltado para os momentos de crise e tratamento a longo prazo, para auxiliar na
gerência da doença. Esse plano se faz imprescindível principalmente para
aqueles pacientes identificados como tendo risco de desenvolver uma crise grave
de asma.
O período de internação do paciente asmático é uma oportunidade de se avaliar
todo o seu processo de tratamento e redirecioná-lo, caso seja necessário,
visando à adoção de condutas que levem à estabilização do processo asmático e
prevenção de futuras crises que possam resultar em novas internações. Constitui
um critério de boa qualidade da atenção hospitalar todos os pacientes, no
momento da alta, terem em mãos um plano terapêutico individual construído ou
revisado durante a internação, contendo principalmente informação acerca de
como e onde obter atenção médica urgente e também informações claras sobre o
monitoramento dos sintomas, uso do medidor de fluxo expiratório (caso seja
factível) e uso de medicamentos. Vale ressaltar que os protocolos e
especialistas recomendam que principalmente pacientes com asma crônica grave e/
ou com pouca percepção da gravidade de sua crise devam ter um medidor de fluxo
expiratório próprio para uso em sua moradia e fazer uso de um diário de
sintomas, devendo ser instruídos para tal.
Agendamento_de_consulta
O tempo de internação de um paciente com crise grave muitas vezes não é
suficiente para que ocorra a total reversão do quadro de obstrução brônquica,
havendo necessidade de continuação do tratamento medicamentoso após a alta
hospitalar. Portanto, após a internação, há necessidade de monitoração até a
cura completa, para que não reste resíduo de obstrução brônquica que, com o
tempo, possa tornar-se irreversível (Barnes, 1989; Brown et al., 1984). Torna-
se, portanto, recomendável que o paciente tenha alta do hospital com uma
consulta agendada dentro da semana seguinte à alta hospitalar (BTS, 1990;
Bucknall et al., 1988).
Considerações finais
Por meio da revisão bibliográfica, pode-se observar que, a partir do aumento do
número de óbitos em alguns países da Europa e Oceania na década de 60, iniciou-
se um despertar gradual para esse problema de saúde, outrora adormecido no dia-
a-dia dos serviços. No Brasil, só recentemente foi divulgado um protocolo de
atenção ao paciente com asma, promovido por sociedades de especialistas, e
aguarda-se a divulgação das diretrizes para a educação do paciente, discutidas
em encontro recente. Poucos são os trabalhos publicados na área que permitem
ter uma visão da dimensão desse problema no País.
A asma brônquica, enquanto uma doença crônica, constitui-se num problema típico
de saúde pública nos moldes da diabetes ou da hipertensão arterial. Embora esse
problema devesse ser gerenciado primordialmente em nível ambulatorial, causa
perplexidade que, no Estado do Rio de Janeiro, esta tenha sido a quarta causa
de internação, tanto em 1993, quanto em 1994. Na falta de informações mais
precisas sobre a confiabilidade desse diagnóstico no banco de dados e de
informações sobre a gravidade desses episódios de internação que permitam
justificá-las, resta-nos questionar se não estão ocorrendo internações
evitáveis. Por outro lado, o grande número de óbitos ocorrendo no País
anualmente, em sua maioria dentro de hospitais, justificam uma revisão da
atenção a essa doença não só nos hospitais, mas em toda a rede de atenção à
saúde.
Ao utilizar-se o banco de dados das AIHs, verificou-se que algumas variáveis
podem oferecer informações sobre a qualidade do processo da atenção, como: o
cruzamento das variáveis óbito, onde está especificado se este ocorreu dentro
de 48 horas ou após esse tempo; se os pacientes estavam agônicos ou não nas
primeiras 48 horas, com a utilização de UTI. Pode-se checar a data de admissão
com o tempo de permanência em UTI para se ter uma noção do momento de
encaminhamento a esse serviço. Tanto nos casos que foram a óbito, quanto nos
que não, pode-se verificar a utilização de exames especiais, como:
espirometria, gasometria, utilização de ventilação mecânica e outros; pode-se
também checar o tempo de permanência hospitalar com o número e tipo de exames e
tipo de alta. Há possibilidade de se adicionar a informação de idade e sexo aos
cruzamentos acima, identificar os hospitais e verificar alguns de seus recursos
de estrutura. Por meio do cruzamento entre o diagnóstico e o procedimento
realizado, pode-se ter uma noção de possíveis problemas no diagnóstico de asma
ou mesmo possibilidade de fraude, necessitando, entretanto, de uma averiguação
em prontuários nos casos em que as duas variáveis não tenham nenhuma
compatibilidade. No momento de realização desta pesquisa, os dados das AIHs
dispunham de um número reduzido de informações, não sendo possível, por isso,
apresentar todos os cruzamentos acima, além de não ser este o objeto principal
deste artigo.
O banco de mortalidade foi menos explorado, mas permitiu verificar a proporção
de óbitos ocorridos dentro dos hospitais e sua distribuição no País. Como os
dados de mortalidade para o ano de 1993 ainda não estavam disponíveis, não se
pôde checar o número de óbitos apresentados nas AIHs do Estado do Rio de
Janeiro com os contidos para este Estado na estatística de mortalidade.
Buscou-se identificar indicadores que abarcassem todo o espectro da atenção
hospitalar a esse problema de saúde. São indicadores gerais que ainda não foram
validados, mas podem auxiliar numa seleção inicial de casos a serem mais
profundamente investigados. Para a avaliação dos casos selecionados é
necessário desenvolver critérios mais específicos e adequados às realidades dos
serviços ou utilizar os protocolos de atenção já validado.
Agradecimentos
Os autores agradecem a Vera Lucia Edais Pepe, Miguel Murat V., Milena Piraccini
Duchiade, Mauricio Andrade Pires, Claudia Travassos Veras, Leticia Krauss
Silva, Hisbelo Campos S. e Fábio Kushinir, pelas valiosas contribuições.