Perfil demográfico, socioeconômico e de saúde de crianças e adolescentes
trabalhadores e não trabalhadores, Brasil: análise das desigualdades
Introdução
O trabalho é elemento central na vida das pessoas nas sociedades, auxiliando na
determinação do acesso a bens e serviços, condições de saúde e bem-estar.
Entretanto, a persistência da exploração do trabalho infantil 1 distancia o
trabalho de seu papel estruturante, impede a consolidação dos direitos das
crianças e adolescentes, perpetua uma estrutura social provedora de
desigualdades, além de configurar violação dos direitos humanos. A fragilidade
do mercado de trabalho, atribuída às políticas econômicas de precarização das
relações de emprego 2, mantém persistentes as desigualdades sociais entre
famílias brasileiras.
Segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 168 milhões
de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhavam em 2012 no mundo 3. No
Brasil, o trabalho infantil representa uma realidade para aproximadamente 3,7
milhões de crianças e adolescentes4. Apesar de o trabalho infantil ter reduzido
13,4% na última década 5, houve aumento de 1,5% na faixa etária de 10 a 13
anos6, idades em que o trabalho não é legalmente aceito no país. O Estatuto da
Criança e do Adolescente(ECA; Lei no 8.069/1990) 7 determina a proibição do
trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14
anos.
Parte do progresso realizado na redução do trabalho infantil pode ser atribuída
a programas sociais como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI/
2011-2015) 8. Como meta, o Brasil pretende alcançar a erradicação do trabalho
infantil até 2020, mas a ausência de articulação entre as diversas políticas de
combate ao trabalho de crianças e adolescentes, o pouco diálogo entre as
esferas do governo e a concessão de autorizações judiciais para o trabalho
dificultam o alcance desse objetivo 6,9.
É preciso considerar que tal objetivo está inserido em uma perspectiva mundial,
considerando o conjunto de metas de desenvolvimento sustentável propostas pela
Organização das Nações Unidas (ONU) a serem alcançadas até 2030 10. Dentre as
17 metas da agenda de desenvolvimento pós-2015, a oitava proposta estabelece a
necessidade de crescimento econômico sustentável e a promoção de trabalho
decente, incluindo a urgência de adoção de ações de combate ao trabalho
infantil com meta de erradicação até 2025.
Ainda que a experiência brasileira na redução do trabalho infantil seja
reconhecida internacionalmente 11, a persistência do trabalho de crianças e
adolescentes em atividades que comprometam a educação formal e a saúde é fonte
de preocupação, principalmente pela vulnerabilidade desse grupo à violação de
seus direitos. Trata-se de um tema prioritário nas agendas de políticas
públicas nacionais. Para a Nova Agenda Global para a Equidade em Saúde,
elaborada pela Comissão de Determinantes Sociais da Saúde da Organização
Mundial da Saúde (CDSS/OMS), o trabalho de crianças e adolescentes é
influenciado por arranjos políticos e econômicos e considerado um determinante
social da saúde 12.
Causas estruturais como o nível de concentração de renda, precarização das
relações de trabalho, desemprego e falta de política educacional integral são
fatores associados à inserção da criança no mercado de trabalho. No entanto,
devem ser considerados fatores culturais que influenciam a forma pela qual o
trabalho infantil é visto, aceito, e, até mesmo, desejável 13.
O trabalho infantil apresenta múltiplas abordagens sobre seu conceito e origem
14, sendo um tema de preocupação legítimo em Saúde Pública, principalmente
pelos danos imediatos e em longo prazo, tais como: perda da infância;
exploração econômica pelos baixos pagamentos (quando remunerados); riscos à
saúde física e mental (principalmente por substituírem o trabalho de adultos);
perpetuação da pobreza e aumento da probabilidade de se tornarem adultos com
menores rendimentos e baixa qualificação profissional devido à entrada precoce
no mercado de trabalho 15.
Estudo de revisão 16 identificou maior vulnerabilidade das crianças em relação
aos adultos frente aos fatores de risco presentes no ambiente de trabalho. Os
autores relatam que foi identificado déficit de crescimento entre crianças que
trabalham em áreas rurais e que não frequentavam escola. Outro estudo aponta
que a entrada precoce no mercado de trabalho pode aumentar o risco de relatar
problemas de saúde na fase adulta 17.
Além de estarem mais propensas a serem exploradas por longas jornadas de
trabalho18, que por si já é um fator que pode predispor a agravos e
adoecimentos, crianças e adolescentes encontram-se em uma etapa de
desenvolvimento físico e psicológico que as tornam mais vulneráveis a acidentes
e doenças. Deve-se considerar que as consequências do trabalho infantil não são
apenas imediatas, uma vez que a exposição a determinados fatores de risco podem
gerar doenças que se manifestam apenas na idade adulta.
No Brasil, os dados nacionais sobre trabalho infantil são, em geral,
provenientes de inquéritos de abrangência nacional como a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD). Em anos específicos, a pesquisa conduz um
suplemento de saúde concomitante à pesquisa sobre trabalho e rendimentos. No
entanto, até onde se sabe, apenas estudos utilizando modelos econométricos têm
buscado fazer associações entre trabalho infantil e condições de saúde a partir
dos dados provenientes da PNAD 19,20.
Ante o exposto, os objetivos do estudo foram descrever, segundo faixa etária,
as características do trabalho principal de crianças e adolescentes e comparar
o perfil demográfico, socioeconômico e de saúde dos que trabalhavam ou estavam
em busca de emprego com os não trabalhadores.
Metodologia
Trata-se de estudo de análise de dados secundários que utilizou, como fonte, a
pesquisa básica e o suplemento de saúde da PNAD de 2008. A PNAD é uma pesquisa
conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
realizada por meio de uma amostra probabilística de domicílios obtida em três
estágios de seleção: unidades primárias – municípios; unidades secundárias –
setores censitários e unidades terciárias – unidades domiciliares 21. As
informações são coletadas mediante entrevistas, sendo utilizado um questionário
com questões sobre características gerais da população, educação, trabalho,
rendimentos e habitação.
Em 2008, o tamanho da amostra da PNAD foi de 391.868 pessoas selecionadas
aleatoriamente em 150.591 unidades domiciliares de áreas urbanas e rurais das
26 Unidades da Federação e do Distrito Federal. Além das questões
rotineiramente levantadas, foi introduzido um suplemento de saúde que
investigou, dentre outras variáveis, aspectos de morbidade da população 21.
Sujeitos da pesquisa e variável independente principal
Selecionamos crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de ambos os sexos (n =
91.377). Foram consideradas crianças todas as pessoas de até 12 anos de idade
incompletos, sendo os adolescentes aqueles entre 12 e 18 anos de idade,
conforme o ECA 7.
A variável independente principal foi o status ocupacional das crianças e
adolescentes, dividido em duas categorias de análise:
1. Trabalhadores: corresponderam à soma das crianças de 5 a 9 anos que
exerceram atividades na semana de referência da pesquisa (n = 289); das
crianças de 5 a 9 anos que exerciam trabalho remunerado na semana de
referência mas estavam temporariamente afastadas de suas atividades no
período (n = 2) e das crianças e adolescentes de 10 a 17 anos
economicamente ativos que na semana de referência da pesquisa eram
ocupados (n = 8.813) ou desocupados (n = 1.898). São consideradas pessoas
economicamente ativas desocupadas aquelas de 10 anos ou mais de idade que
não tinham trabalho na semana de referência da pesquisa, mas que estavam
em busca de emprego 21.
2. Não trabalhadores: aquelas que não exerceram qualquer atividade e não
foram consideradas pertencentes à população economicamente ativa (n =
80.375).
Variáveis independentes
1. Demográficas e socioeconômicas: sexo; faixa etária (5 a 9 anos; 10 a 13
anos; 14 a 17 anos); cor ou raça autorreferida (branca; preta e parda;
amarela; indígena); macrorregião de residência (Sudeste; Sul; Centro-
oeste; Norte; Nordeste); faixa de rendimento mensal domiciliarper capita
em salários mínimos (sem rendimentos; até 1/4; > 1/4 a 1/2; > 1/2 a 1; >
1 a 2; > 2); “frequenta escola ou creche?” (sim; não).
2. Características da unidade domiciliar: “domicílio possui água
canalizada?” (sim; não); “presença de banheiro ou sanitário no
domicílio?” (sim; não); destino do lixo domiciliar (coletado diretamente
ou indiretamente; outro – queimado ou enterrado na propriedade, jogado em
terreno baldio ou logradouro, jogado em rio, lago ou mar, outro destino);
“possui geladeira?” (sim; não); “domicílio cadastrado na unidade de saúde
da família?” (sim; não).
3. Características do trabalho principal de crianças entre 5-9 anos de
idade: situação de residência (urbana; rural); atividade principal do
empreendimento do trabalho (não agrícola; agrícola); grupamentos de
atividade principal do empreendimento (agricultura e pecuária; indústria
de transformação; construção; comércio e reparação; alojamento,
alimentação; outros – transporte; outras atividades; serviços domésticos;
atividades mal definidas); posição na ocupação no trabalho (empregado;
trabalhador doméstico; conta própria; não remunerado membro da unidade
domiciliar; outro trabalhador não remunerado; trabalhador na produção
para o próprio consumo ou na construção para o próprio uso); horas
habitualmente trabalhadas por semana no(s) trabalho(s); “cuidava dos
afazeres domésticos?” (sim; não); horas dedicadas por semana aos afazeres
domésticos.
4. Características do trabalho principal de crianças e adolescentes de 10 a
17 anos de idade: situação de residência; atividade principal do
empreendimento do trabalho (não agrícola; agrícola); posição na ocupação
no trabalho agrícola (empregador; empregado permanente; empregado
temporário; conta própria; não remunerado membro da unidade domiciliar e
outro trabalhador não remunerado; trabalhador na produção para o próprio
consumo); posição na ocupação no trabalho não agrícola (empregado;
trabalhador doméstico; conta própria; empregador; não remunerado membro
da unidade domiciliar e outro trabalhador não remunerado; trabalhador na
construção para o próprio uso); grupamentos de atividade principal do
empreendimento (educação, saúde e serviços sociais; agrícola; outras
atividades industriais; indústria de transformação; construção; comércio
e reparação; alojamento, alimentação; transporte, armazenagem e
comunicação; administração pública; serviços domésticos; outros serviços;
outras atividades; atividades mal definidas); rendimento mensal de todos
os trabalhos em salários mínimos (sem rendimentos até 1/4; > 1/4 a 1/2; >
1/2 a 1; > 1 a 2; > 2); horas trabalhadas por semana em todos os
trabalhos (até 14; 15 a 39; 40 a 44; 45 a 48; 49 ou mais); tempo de
locomoção da residência até o trabalho (até 30 minutos; > 30 minutos a 1
hora; > 1 hora a 2; > 2 horas); tempo no trabalho (até 1 ano; > 1 ano);
“tinha carteira de trabalho assinada no trabalho?” (sim; não);
contribuição previdenciária no trabalho? (sim; não); “realizava esforço
físico intenso no trabalho?” (sim; não; não sabe); “cuidava dos afazeres
domésticos?” (sim; não); número de horas dedicadas por semana aos
afazeres domésticos.
A questão sobre esforço físico no trabalho incluiu pessoas a partir de 14 anos,
sendo a pergunta: “no seu trabalho, anda a maior parte do tempo, carrega peso
ou faz outra atividade que requer esforço físico intenso?”. Os dados sobre as
características de trabalho e rendimento consideraram o trabalho principal
exercido na semana de referência de 21 a 27 de setembro de 2008, sendo de R$
415,00 (quatrocentos e quinze reais) o valor do salário mínimo no mês de
referência da pesquisa (setembro).
Variáveis dependentes
1. Condições de saúde e morbidade referidas: estado de saúde autorreferido
(muito bom/bom; regular/ruim/muito ruim); “deixou de realizar atividades
habituais nas duas últimas semanas por motivo de saúde?” (sim; não);
“esteve internado nos últimos 12 meses?” (sim; não).
2. Doença crônica: doença de coluna ou costas; hipertensão; tendinite ou
tenossinovite; depressão; artrite ou reumatismo. As doenças crônicas
foram investigadas mediante a pergunta: “algum médico ou profissional de
saúde disse que tinha alguma das seguintes doenças?”, tendo resposta “sim
ou não”.
A variável que corresponde ao informante das características de saúde e
morbidade referidas apresentou a seguinte codificação (0 = própria pessoa, 1 =
não morador; 2 = outro morador; 3 = ignorado).
Análise dos dados
Foi realizada análise das características do trabalho principal de crianças e
adolescentes segundo faixa etária, utilizando distribuição proporcional e
intervalo de 95% de confiança (IC95%). Também foi realizada análise comparativa
das variáveis demográficas, socioeconômicas, saúde e morbidade referida entre
as categorias de análise: “trabalhadores e não trabalhadores”, mediante
distribuição proporcional e IC95%. Foram estimadas razões de prevalência brutas
e ajustadas por sexo, idade, macrorregião de residência e informante das
questões de saúde entre as categorias de análise que compõem a variável
independente principal e as características de saúde por meio de regressão de
Poisson, sendo os “não trabalhadores” a categoria de referência (IC95% e nível
de significância de 5%).
A escolha das faixas etárias de 5 a 9 e 10 a 17 anos para análise das
características do trabalho seguiu a própria metodologia da PNAD, uma vez que
ela apresenta um módulo específico de perguntas sobre trabalho e rendimentos
para o grupo de crianças de 5 a 9 anos e outro para pessoas a partir de 10
anos, quando se pesquisa a participação na população economicamente ativa
(composta por pessoas ocupadas ou desocupadas) 21.
Por se tratar de amostra complexa, todas as análises foram realizadas no
módulosurvey do software estatístico Stata 9.2 (StataCorp., College Station,
Estados Unidos), utilizando as ponderações necessárias. Cabe ressaltar que
informações não declaradas foram consideradasmissing, e seus valores não foram
utilizados nas estimações realizadas.
O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (parecer no 252.058).
Resultados
Características demográficas e socioeconômicas
Das 91.377 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos analisados do banco de dados
da PNAD/2008, 11.002 (12,34%) trabalhavam ou estavam em busca de emprego na
semana de referência da pesquisa (IC95%: 12,11-12,58).
Comparados aos “não trabalhadores”, os “trabalhadores” apresentaram maior
proporção de meninos; faixa etária de 14 a 17 anos; pretos e pardos; residência
na Região Nordeste; rendimentos domiciliares acima de 1/2 a 2 salários mínimos
e proporção 3,6 vezes maior de ausência de frequência escolar. Não há
sobreposição dos intervalos de confiança das categorias de cada variável
segundo condição de ocupação (Tabela_1).
Tabela 1 Distribuição proporcional das variáveis demográficas, socioeconômicas
e características da unidade domiciliar entre crianças e adolescentes de 5 a 17
anos, segundo condição de ocupação (n = 91.377). Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios, Brasil, 2008 *.
Variáveis Não trabalhadores Trabalhadores
n % IC95% n % IC95%
Características demográficas e socioeconômicas
Sexo
Feminino 40.556 50,55 50,17- 4.063 37,30 36,32-
50,93 38,30
Masculino 39.819 49,45 49,07- 6.939 62,70 61,70-
49,83 63,68
Faixa etária (anos)
5-9 32.839 40,87 40,50- 291 2,62 2,32-
41,25 2,96
10-13 27.374 34,22 33,86- 1.924 17,08 16,35-
34,58 17,85
14-17 20.162 24,91 24,58- 8.787 80,29 79,48-
25,24 81,08
Cor ou raça autorreferida **
Branca 32.875 44,22 43,83- 3.964 39,06 38,06-
44,60 40,07
Pretos e pardos 46.972 55,12 54,74- 6.900 60,20 59,18-
55,51 61,2
Amarela 299 0,43 0,38- 29 0,26 0,17-
0,49 0,39
Indígena 201 0,22 0,19- 54 0,47 0,35-
0,26 0,63
Macrorregião de residência
Sudeste 21.146 38,49 38,10- 2.518 32,53 31,51-
38,88 33,56
Sul 10.627 13,26 13,01- 1.603 15,59 14,87-
13,51 16,34
Centro-oeste 8.859 7,36 7,21- 1.246 7,74 7,32-
7,51 8,18
Norte 12.739 10,09 9,90- 1.676 9,35 8,87-
10,28 9,86
Nordeste 27.004 30,80 30,46- 3.959 34,78 33,84-
31,14 35,74
Faixa de rendimento mensal domiciliar per capita (salários mínimos)
***
> 2 7.207 9,29 9,06- 590 6,09 5,59-
9,52 6,64
> 1 a 2 11.876 16,26 15,97- 1.834 18,55 17,73-
16,56 19,39
> 1/2 a 1 22.146 28,62 28,27- 3.305 30,80 29,85-
28,97 31,77
> 1/4 a 1/2 21.883 27,1 26,76- 2.776 25,31 24,44-
27,44 26,21
Até 1/4 14.516 17,77 17,49- 2.083 18,71 17,94-
18,06 19,50
Sem rendimentos 758 0,95 0,87- 56 0,53 0,39-
1,02 0,71
Frequenta escola ou creche?
Sim 76.096 94,97 94,08- 8.968 81,51 80,70-
95,13 82,29
Não 4.279 5,03 4,87- 2.034 18,49 17,71-
5,19 19,30
Características da unidade domiciliar
Domicílio possui água canalizada?
Sim 71.940 89,81 89,59- 8.915 81,95 81,17-
90,04 82,70
Não 8.255 10,19 9,96- 2.057 18,05 17,30-
10,41 18,83
Presença de banheiro ou sanitário no domicílio?
Sim 76.006 94,60 94,42- 9.833 89,62 88,99-
94,77 90,22
Não 4.189 5,40 5,23- 1.139 10,38 9,78-
5,57 11,01
Destino do lixo domiciliar
Coletado diretamente ou indiretamente 68.747 85,41 85,14- 7.813 71,52 70,60-
85,67 72,41
Outro 11.448 14,59 14,33- 3.159 28,48 27,59-
14,86 29,40
Possui geladeira?
Sim 72.381 90,56 90,34- 9.119 84,13 83,40-
90,77 84,94
Não 7.814 9,43 9,22- 1.853 15,87 15,16-
9,65 16,60
Domicílio cadastrado no programa de saúde da família?
Sim 43.944 54,87 54,49- 6.800 62,32 61,32-
55,26 63,31
Não 36.251 45,13 44,74- 4.172 37,68 36,69-
45,51 38,68
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
* Valor de p < 0,01 no teste qui-quadrado de Pearson;
** Sem declaração (n = 83);
*** Sem declaração e missing (n = 2.347);
Não aplicável (n = 210).
Apesar do predomínio de melhores condições de moradia e saneamento, crianças e
adolescentes que trabalhavam ou buscavam por emprego apresentaram maior
proporção de domicílios sem água canalizada; sem banheiro; sem coleta adequada
de lixo; com menor posse de bens essenciais, como geladeira, e com maior
proporção de domicílios cadastrados no Programa Saúde da Família (PSF) quando
comparados àqueles que não trabalhavam, sem sobreposição dos intervalos de
confiança (Tabela_1).
Características do trabalho principal (crianças de 5 a 9 anos)
A maioria das crianças de 5 a 9 anos que possuíam trabalho residiam na zona
rural e se encontravam majoritariamente em atividades agrícolas. Os segmentos
de comércio e reparação e indústria de transformação foram os que mais
concentraram crianças nos empreendimentos não agrícolas. O trabalho não
remunerado em auxílio a membro da unidade domiciliar também foi predominante, e
mais da metade auxiliava nos afazeres domésticos (Tabela_2), com cargas
horárias que variaram de 1 a 42 horas semanais (média = 7,16; mediana = 7). O
número de horas habitualmente trabalhadas na semana em todos os trabalhos
variou de 1 hora a 44 horas (média = 12,05; mediana = 10).
Tabela 2 Distribuição proporcional das crianças de 5 a 9 anos trabalhadoras,
segundo características do trabalho principal da semana de referência da
pesquisa (n = 291). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Brasil, 2008.
Variáveis n % IC95%
Situação de residência
Urbana 87 28,78 23,54-
34,65
Rural 204 71,22 65,35-
76,46
Atividade principal do empreendimento
Não agrícola 91 26,80 21,84-
32,43
Agrícola 200 73,20 67,57-
78,16
Grupamentos de atividade principal do empreendimento
Agricultura e pecuária 200 73,20 67,57-
78,16
Indústria de transformação 29 7,25 4,92-
10,54
Construção 4 1,03 0,34-
3,02
Comércio e reparação 38 11,81 8,44-
16,28
Alojamento, alimentação 10 3,58 1,82-
6,90
Outros 10 3,15 1,55-
6,24
Posição na ocupação no trabalho principal
Empregado 9 3,86 1,92-
7,59
Trabalhador doméstico 3 0,78 0,21-
2,80
Conta própria 10 3,71 1,91-
7,10
Não remunerado membro da unidade domiciliar 208 71,49 65,56-
76,76
Outro trabalhador não remunerado 8 2,75 1,35-
5,50
Trabalhador na produção para próprio consumo ou na construção para próprio 53o 17,40 13,23-
22,55
Cuidava dos afazeres domésticos?
Não 118 39,34 33,52-
45,49
Sim 173 60,66 54,51-
66,48
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
Características do trabalho principal (crianças e adolescentes de 10 a 17 anos)
A maioria das crianças e adolescentes de 10 a 17 anos ocupados vivia em zonas
urbanas (Tabela_3). Estratificando por idade, verifica-se que 56,55% na faixa
de 10 a 13 anos (n = 995; IC95%: 54,07-59,01) residiam em zona rural, sendo
esse percentual menor (30,37%) entre os adolescentes de 14 a 17 anos (n =
2.135; IC95%: 29,23-31,53).
Tabela 3 Distribuição proporcional das crianças e adolescentes de 10 a 17 anos
ocupados, segundo características do trabalho principal da semana de referência
da pesquisa (n = 8.813). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Brasil,
2008.
Variáveis n % IC95%
Situação de residência
Urbana 5.683 64,46 63,38-
65,53
Rural 3.130 35,54 34,47-
36,62
Atividade principal do empreendimento
Não agrícola 5.864 65,75 64,67-
66,81
Agrícola 2.949 34,25 33,19-
35,33
Posição na ocupação (trabalhador agrícola)
Empregador nos serviços auxiliares 1 0,03 0,003-
0,18
Empregado permanente 167 5,72 4,89-
6,68
Empregado temporário 280 10,10 8,99-
11,33
Conta própria 63 2,09 1,60-
2,72
Não remunerado membro da unidade domiciliar e outro (não 1.649 56,60 54,70-
remunerado) 58,48
Trabalhador na produção para o próprio consumo 789 25,46 23,83-
27,15
Posição na ocupação (trabalhador não agrícola)
Empregado 3.464 61,12 59,75-
62,47
Trabalhador doméstico 695 11,42 10,58-
12,32
Conta própria 576 9,20 8,45-
10,02
Empregador 7 0,09 0,04-
0,21
Não remunerado membro da unidade domiciliar e outro (não 1.086 17,53 16,51-
remunerado) 18,61
Trabalhador na construção para o próprio uso 36 0,62 0,43-
0,89
Grupamentos de atividade principal
Educação, saúde e serviços sociais 240 2,72 2,36-
3,11
Agrícola 2.949 34,25 33,19-
35,33
Outras atividades industriais 33 0,35 0,23-
0,51
Indústria de transformação 907 10,23 9,56-
10,94
Construção 467 5,42 4,92-
5,96
Comércio e reparação 1.925 21,54 20,63-
22,49
Alojamento, alimentação 514 5,87 5,34-
6,43
Transporte, armazenagem e comunicação 192 2,25 1,92-
2,61
Administração pública 108 1,05 0,85-
1,30
Serviços domésticos 695 7,51 6,94-
8,11
Outros serviços coletivos, sociais ou pessoais 346 3,90 3,48-
4,36
Outras atividades 384 4,47 4,01-
4,98
Atividades mal definidas 53 0,44 0,32-
0,59
Rendimento mensal de todos os trabalhos em salários mínimos *
> 2 46 0,48 0,35-
0,66
> 1 a 2 711 9,20 8,52-
9,92
> 1/2 a 1 1.790 20,61 19,70-
21,56
> 1/4 a 1/2 1.299 14,32 13,55-
15,13
Sem rendimentos a 1/4 4.923 55,38 54,24-
56,51
Horas habitualmente trabalhadas por semana
Até 14 1.975 21,54 20,64-
22,46
15 a 39 4.196 47,39 46,26-
48,52
40 a 44 1.503 17,75 16,89-
18,65
45 a 48 557 6,64 6,08-
7,24
49 ou mais 582 6,68 6,13-
7,28
Tempo de locomoção da residência até o local de trabalho **
Até 30 minutos 4.188 79,76 78,53-
80,94
> 30 minutos a 1 hora 729 14,16 13,15-
15,23
> 1 hora a 2 horas 256 5,06 4,43-
5,79
> 2 horas 52 1,00 0,74-
1,36
Tempo no trabalho principal
Até um ano 5.417 61,56 60,46-
62,65
Mais de 1 ano 3.396 38,44 37,35-
39,54
Tinha carteira de trabalho assinada?
Sim 370 8,98 8,08-
9,97
Não 4.236 91,01 90,02-
91,91
Contribuição previdenciária no trabalho
Sim 718 9,14 8,47-
9,86
Não 8.095 90,86 90,14-
91,53
Esforço físico intenso no trabalho ***
Sim 2.676 38,46 37,23-
39,70
Não 4.281 60,69 59,45-
61,93
Não sabe 60 0,94 0,64-
1,10
Cuidava dos afazeres domésticos?
Não 3.724 42,97 41,85-
44,09
Sim 5.089 57,03 55,91-
58,15
* Missing (n = 44);
** Questionado aos 5.225 que não moravam em domicílio que estava no mesmo
terreno ou área do estabelecimento que trabalhava. Não inclui trabalhadores na
produção para o próprio consumo e uso;
*** Das 7.031 crianças maiores de 14 anos ocupadas, houve resposta para 7.017
delas.
Apesar de o trabalho exercido por eles ser majoritariamente em atividades não
agrícolas (Tabela_3), verifica-se novamente distinção por idade: pessoas de 10
a 13 anos concentravam-se em atividades agrícolas (n = 998; 58,47%; IC95%:
55,99-60,90), já as de 14 a 17 anos em atividades não agrícolas (n = 5.080;
71,71%; IC95%: 70,56-72,83).
Entre os trabalhadores agrícolas, os não remunerados e trabalhadores para o
próprio consumo eram a maioria. Para aqueles que exerciam suas atividades em
empreendimentos não agrícolas, a maioria era empregada, sendo o comércio e
reparação e indústria de transformação os grupamentos de atividades em que mais
se concentraram (Tabela_3).
Mais de 80% das crianças e adolescentes recebiam até 1 salário por seu
trabalho, e mais da metade trabalhava de 15 a 44 horas. A maioria gastava até
30 minutos para chegar ao trabalho, sendo que 20% referiram um intervalo de
deslocamento maior. Ainda que aproximadamente 40% delas estivessem há mais de
um ano no trabalho atual, a maioria estava alheia às legislações trabalhistas e
aos benefícios sociais, uma vez que a maioria não possuía carteira de trabalho
assinada ou não contribuía para a previdência social. Além disso, 40% dos
adolescentes consideraram seu trabalho fisicamente pesado (Tabela_3). Mais da
metade cuidava também dos afazeres domésticos (Tabela_3), dedicando de 1 a 40
horas semanais (média = 10,78; mediana = 8).
Saúde e morbidade referidas
Comparados aos que não trabalhavam, crianças e adolescentes que trabalhavam ou
buscavam emprego tiveram prevalência maior de pior estado de saúde referido;
internações nos 12 últimos meses e apresentaram maior relato de doença de
coluna ou costas; hipertensão; tendinite ou tenossinovite; depressão e artrite
ou reumatismo (Tabela_4).
Tabela 4 Prevalência das características de saúde e morbidade referida entre
crianças e adolescentes de 5 a 17 anos (n = 91.377).Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios, Brasil, 2008.
Não trabalhadores Trabalhadores Valor
Variáveis de p
n % IC95% n % IC95% *
Estado de saúde autorreferido
Muito bom/Bom 73.261 91,47 91,26- 9.794 89,58 88,96- <
91,68 90,17 0,01
Regular/Ruim e Muito ruim 7.114 8,52 8,32- 1.208 10,42 9,82-
8,74 11,04
Afastou das atividades habituais por motivo de saúde nas duas últimas
semanas?
Não 75.282 93,69 93,5- 10.338 94,03 93,53- 0,20
93,87 94,49
Sim 5.093 6,31 6,12- 664 5,96 5,50-
6,49 6,46
Esteve internado nos últimos 12 meses?
Não 77.391 96,33 96,19- 10.527 95,69 95,26- <
96,47 96,08 0,01
Sim 2.984 3,66 3,52- 475 4,31 3,92-
3,81 4,74
Doença crônica referida
Doença de coluna ou costas
Não 79.313 98,71 98,62- 10.685 97,05 96,68- <
98,79 97,38 0,01
Sim 1.062 1,29 1,21- 317 2,94 2,61-
1,38 3,13
Hipertensão
Não 80.157 99,74 99,69- 10.930 99,34 99,15- <
99,77 99,49 0,01
Sim 218 0,26 0,22- 72 0,66 0,51-
0,30 0,84
Tendinite ou tenossinovite
Não 80.255 99,84 99,80- 10.966 99,58 99,41- <
99,87 99,71 0,01
Sim 120 0,16 0,13- 36 0,41 0,29-
0,19 0,59
Depressão
Não 80.084 99,64 99,59- 10.912 99,14 98,93- <
99,68 99,32 0,01
Sim 291 0,36 0,31- 90 0,85 0,68-
0,41 1,07
Artrite ou reumatismo
Não 80.049 99,62 99,57- 10.901 99,14 98,94- <
99,66 99,31 0,01
Sim 326 0,38 0,33- 101 0,85 0,69-
0,43 1,05
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
* Teste qui-quadrado de Pearson.
Na análise das razões de prevalência ajustadas, estiveram associados ao
trabalho infantil: pior estado de saúde referido; afastamento das atividades
habituais por motivo de saúde; doença de coluna ou costas; depressão; atrite ou
reumatismo (Tabela_5). O informante das características de saúde e morbidade
foi, em sua maioria, outra pessoa moradora do domicílio (73,9%).
Tabela 5 Razões de prevalência das características de saúde e morbidade
referida entre crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhadores (n =
91.377). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Brasil, 2008.
RP RP
Variáveis bruta IC95% ajustada IC95%
*
Estado de saúde autorreferido
Muito bom/Bom 1,00 1,00
Regular/Ruim e Muito ruim 1,24 1,17- 1,18 1,11-
1,31 1,26
Afastou das atividades habituais por motivo de saúde nas duas últimas
semanas?
Não 1,00 1,00
Sim 0,95 0,88- 1,17 1,07-
1,03 1,27
Esteve internado nos últimos 12 meses?
Não 1,00 1,00
Sim 1,16 1,05- 1,10 0,99-
1,27 1,22
Doença crônica referida
Doença de coluna ou costas
Não 1,00 1,00
Sim 2,18 1,92- 1,19 1,04-
2,46 1,36
Hipertensão
Não 1,00 1,00
Sim 2,41 1,84- 1,36 0,98-
3,14 1,88
Tendinite ou tenossinovite
Não 1,00 1,00
Sim 2,19 1,51- 1,14 0,76-
3,17 1,72
Depressão
Não 1,00 1,00
Sim 2,25 1,78- 1,37 1,06-
2,85 1,77
Artrite ou reumatismo
Não 1,00 1,00
Sim 2,26 1,81- 1,46 1,14-
2,82 1,87
IC95%: intervalo de 95% de confiança; RP: razão de prevalência.
* Ajustada por sexo, idade, região de residência e informante.
Nota: crianças não trabalhadoras foram categoria de referência.
Discussão
Crianças e adolescentes em situação de trabalho ou em busca de emprego
apresentaram piores condições de vida do que crianças não trabalhadoras,
destacando-se a menor frequência escolar.
Estatísticas nacionais e internacionais também mostram maior proporção de
meninos e adolescentes entre 14 e 17 anos trabalhando 15. De um modo geral,
meninos estão mais sujeitos a trabalhos pesados e perigosos, sendo mais
vulneráveis a doenças e acidentes relacionados ao trabalho 3. Entretanto,
meninas também executam tarefas de elevado risco de acidente e adoecimento,
sendo as mais expostas ao trabalho infantil doméstico e à exploração sexual 22.
A maior proporção de crianças e adolescentes negros e pardos entre aqueles em
situação laboral é o reflexo das desigualdades raciais ainda presentes 23. Eles
também apresentam maior vulnerabilidade aos diversos tipos de desigualdades
quando comparados às crianças brancas, como menor frequência escolar 24.
A Região Nordeste foi a macrorregião de maior proporção entre as crianças que
trabalhavam ou estavam em busca de emprego, como já referido em análises
nacionais9. Menor distribuição de renda, maior concentração de pobreza e
questões culturais podem ser responsáveis por essa estatística na região, além
do descaso das autoridades estatais e ausência de políticas públicas de apoio
às famílias mais vulneráveis 25.
Famílias com crianças e adolescentes que trabalhavam ou buscavam por emprego
tiveram menor proporção de rendimentos per capita superiores a dois salários
mínimos e maior proporção na faixa da pobreza e indigência. Análise das PNADs
(1992 a 2003) identificou influência do aumento na renda domiciliar na
diminuição do trabalho de crianças de 5 a 9 anos, entretanto, na faixa etária
de 10 a 17 anos, essa redução só foi vista com rendimentos acima de R$ 1.800,00
23. Apesar da influência das desigualdades econômicas sobre o trabalho
infantil, a pobreza, medida pela renda familiar, não pode ser considerada o
único fator para sua ocorrência nem o único foco de políticas sociais de
combate ao trabalho infantil 26.
A redução na frequência escolar é um efeito conhecido do trabalho infantil que
pode gerar menor renda na fase adulta, pois reduz o nível de escolarização e,
consequentemente, a qualificação profissional 11,27,28. Neste estudo, a menor
proporção de frequência escolar entre crianças e adolescentes trabalhadores
comparados aos não trabalhadores apontam para desigualdades socioeconômicas no
trabalho infantil. Analisando dados do suplemento da PNAD/2006, Carvalho 28
identificou que a frequência escolar de pessoas de 5 a 17 anos ocupadas era
inferior à registrada para a população na mesma faixa etária em áreas urbanas e
rurais, além de maior atraso escolar. Estudo incluindo adolescentes encontrou
associação entre trabalho infantil e repetição de, pelo menos, uma série
escolar 29.
A maior parte dos domicílios com crianças e adolescentes trabalhadores possuía
cadastro no PSF do Governo Federal. A proximidade com as famílias e a
facilidade em realizar o diagnóstico situacional das áreas de abrangência são
tarefas das equipes que compõem esse programa. Cabe a elas investigar a
ocorrência desse evento e, juntamente com programas de prevenção e erradicação
do trabalho infantil, auxiliar crianças, adolescentes e suas famílias,
investigando problemas de saúde que possam estar associados ao trabalho
infantil.
Analisando de uma forma geral as características do trabalho das crianças de 5
a 9 anos, as atividades no setor agrícola são as que mais utilizam esse grupo
etário, principalmente como trabalhadores não remunerados membros das unidades
domiciliares, que, por definição do IBGE, são aqueles que executam tarefas de,
ao menos, 1 hora por semana em ajuda a outros membros da família 21,30.
Kassouf & Santos 31identificaram aumento da probabilidade de crianças
trabalharem em atividades agrícolas e pecuárias com o incremento do tamanho da
propriedade agrícola até atingir um ponto de 76 hectares, ressaltando a
necessidade de se aprofundar a investigação da relação entre riqueza familiar e
trabalho infantil agrícola.
Fatores culturais influenciam para que o trabalho infantil rural seja visto de
forma naturalizada ou desejada pelos membros da família, existindo aceitação
generalizada de que seria parte da formação profissional das crianças desde a
tenra idade. Entretanto, esse fato deve ser observado com cautela, pois, além
de algumas condições de trabalho no meio rural serem perigosas e proibidas para
menores de 18 anos, como a manipulação de agrotóxicos, não é raro encontrar
casos de exploração sexual, violência física e até trabalho em cultivo ilícito
32.
O predomínio de cargas horárias superiores a uma hora por semana em todos os
trabalhos e nos afazeres domésticos aponta para a dupla jornada de trabalho dos
menores de 10 anos, levando a crer que suas atividades vão além do simples
auxílio aos demais trabalhadores, contribuindo possivelmente para a
subsistência das famílias 23.
Conforme identificado em séries históricas, com aumento da idade, há uma
redução da ocupação das crianças e adolescentes no trabalho em áreas agrícolas
e aumento nos setores urbanos 33. Não diferente, encontramos maior proporção de
adolescentes a partir de 14 anos de idade em atividades não agrícolas.
Entre os ocupados de 10 a 17 anos em atividades não agrícolas, a condição de
“empregado” foi a mais frequente, sendo os setores de comércio e reparação e
indústria de transformação os de maior proporção. Em análise de suplemento
especial sobre trabalho infantil da PNAD/2001, Kassouf 34 mostrou que esses
setores estão entre os de maior proporção de lesões e acidentes entre crianças
e adolescentes, sendo cortes, dores musculares e fraturas as principais
ocorrências relatadas nos setores industriais e comércio.
As remunerações eram muito baixas, sendo que a carga horária em sua maioria era
acima de 14 horas semanais. É de se supor que o valor pago pelas atividades não
seja condizente com o tempo ou com as atividades realizadas, uma vez que
crianças são, conhecidamente, mão de obra fácil, barata e dócil, sendo
facilmente reprimidas e tolhidas a aceitar o trabalho e a remuneração 15.
O tempo de deslocamento até o trabalho é uma característica adicional das
condições de trabalho e qualidade de vida do trabalhador 11, sendo também
relevante para analisar outro aspecto prejudicial do trabalho infantil. Apesar
de ter sido encontrada maior proporção de crianças e adolescentes com
deslocamentos inferiores a 30 minutos (indicando possivelmente que a maioria
residia próxima ao local de trabalho), deve-se considerar que a variável se
refere apenas ao tempo de ida, e que tempos superiores a 1 hora foram
encontrados. Longos períodos de locomoção geram mais cansaço, reduzem o tempo
de lazer e de convivência familiar 11, além de prejudicarem a frequência
escolar.
A baixa proporção de carteira de trabalho assinada e de não contribuição
previdenciária na maioria dos trabalhos mostra a falta de vínculos
regulamentados, a ausência de direitos sociais e o aspecto de invisibilidade do
trabalho infantil, caracterizando uma situação de abandono e exploração
alimentada pela precariedade do trabalho e a absorção das crianças no universo
do trabalho informal em que se encontram famílias brasileiras alheias à
cobertura de direitos trabalhistas e previdenciários 35.
O tempo de permanência no trabalho é uma variável que reflete a estabilidade
dos vínculos empregatícios 11. Entretanto, no que se refere ao trabalho de
crianças e adolescentes, a ampliação desse tempo pode sugerir dificuldades em
se sair da condição de trabalho. Neste estudo, quase 40% de crianças e
adolescentes estavam ocupadas há mais de um ano na atividade principal, o que
pode indicar a dependência da família em mantê-los em situação de trabalho 15.
A análise dessa variável ao longo do tempo pode ser útil para acompanhar os
resultados de intervenções e políticas públicas sobre o trabalho infantil no
âmbito geral e nas áreas urbanas e rurais, uma vez que relações de trabalho na
zona rural podem ser mais duradouras 11.
Os maiores de 10 anos também auxiliavam nos afazeres domésticos, mostrando uma
dupla carga de trabalho 30 que pode comprometer a frequência e o rendimento
escolar. Aproximadamente, 8% dos que tinham idade acima de 10 anos eram
ocupados em serviços domésticos. Trata-se de um fenômeno de difícil combate,
uma vez que ocorre às portas fechadas no interior de muitos domicílios que
empregam esse tipo de trabalho até mesmo sob o consentimento da sociedade 36.
Segundo a OIT, duas em cada três crianças que trabalham no serviço doméstico em
casa de terceiros estão abaixo da idade legal ou expostas a situações de
perigo. Em muitos casos, ficam longe de suas famílias e comunidades, chegando a
sofrer maus-tratos e sendo vítimas de tráfico de seres humanos 22.
O trabalho de adolescentes a partir de 14 anos foi considerado pesado em
aproximadamente 40% dos casos. No geral, seja em áreas urbanas ou rurais,
doméstico ou não, o trabalho infantil pode apresentar uma face desgastante e
ainda mais danosa: são inúmeros os relatos de crianças que passam o dia
andando, carregando peso acima de suas capacidades físicas, operando maquinário
perigoso e pesado 27.
Apesar da dificuldade em se identificar pelo banco de dados o envolvimento de
crianças e adolescentes nas piores formas de trabalho infantil, ou seja,
aquelas definidas na Convenção nº 182 da OIT como atividades que expõem a abuso
físico, emocional, sexual ou a riscos no ambiente de trabalho 37, é possível
dizer que, pela reduzida idade, elevada carga horária de trabalho e
envolvimento em atividades nos setores agrícolas, indústria de transformação,
comércio e reparação, essas crianças sejam vítimas da exploração do trabalho
infantil, ficando extremamente vulneráveis a adoecimentos e acidentes 28.
Houve associação entre crianças e adolescentes em situação de trabalho ou em
busca por emprego com pior saúde referida; restrição das atividades por motivo
de saúde, depressão e doenças relacionadas ao aparelho musculoesquelético.
Obter informações de crianças e familiares sobre trabalho infantil e conhecer
seus efeitos sobre a saúde é um desafio, mas algumas evidências já apontam que
tais impactos podem ser mais prejudiciais quanto menor a idade da criança,
maior interferência em atividades escolares, maior jornada de trabalho e maior
a exposição a riscos ocupacionais 38. Estudos nacionais encontraram a
associação entre trabalho infantil e dores musculoesqueléticas 39; problemas
comportamentais (que poderiam envolver agressividade, ansiedade e depressão) 40
e maior chance de sofrer agressão física e ferimentos; sentir-se só 41 e ter
problemas de sono 41,42.
Diante dos dados, algumas considerações sobre as limitações do estudo devem ser
feitas. Uma delas é a possível subestimação da população trabalhadora, uma vez
que a pesquisa não contempla a população de rua, que, nesse caso, possui grande
parte de crianças envolvidas nas piores formas de trabalho infantil 37. É
factível considerar que, em alguns casos, os informantes das questões de
trabalho sejam adultos que usufruam do trabalho infantil, não relatando o caso.
Por se tratar de um estudo transversal, a relação temporal entre as doenças e a
situação de trabalho fica prejudicada, no entanto, as associações encontradas
podem ser vistas como marcadores, sugerindo, aos profissionais de saúde, uma
investigação do trabalho infantil, ou vulnerabilidade a ele, diante de crianças
ou adolescentes com essas condições de saúde.
O uso do informante sobre as questões de saúde também merece discussão, uma vez
que mais de 70% das respostas não foram fornecidas pelos próprios sujeitos da
pesquisa. Porém, a inclusão da variável “tipo de informante” no modelo de
regressão permitiu a redução desse viés no estudo. O uso do informante tem a
vantagem de aumentar o universo amostral 43, existindo concordância das
respostas fornecidas por eles e as questões objetivas de saúde44.
Conclusão
Além das longas e duplas jornadas de trabalho em atividades que podem
prejudicar sua saúde e segurança, crianças e adolescentes que trabalhavam ou
estavam em busca de emprego estiveram expostos, de forma desigual, a piores
situações socioeconômicas e a menor frequência escolar, apresentando pior saúde
autorreferida e morbidades quando comprados aos que não trabalhavam.
O trabalho infantil representa ponto de estagnação ao desenvolvimento social e
humano, refletindo uma estrutura de desigualdades evidenciada nas piores
condições de vida das famílias. Tal estrutura é construída a partir de uma
lógica perversa em que medidas macroeconômicas privilegiam a flexibilização dos
processos de trabalho, a redução dos custos de produção, com consequente
aumento de subempregos e trabalho infantil.
Esse fato aponta para uma intervenção imediata e cautelosa focada não apenas na
eliminação de postos de trabalho perigosos que empregam crianças e
adolescentes, mas no fortalecimento da estrutura das famílias e acompanhamento
com políticas e ações de apoio ao trabalho em zonas rurais e urbanas por
equipes multiprofissionais de saúde e apoio intersetorial.
Cabe ressaltar que a PNAD/2008 não incluiu questões sobre programas de
transferência de renda, e, apesar de estudos sugerirem que tais programas
possuam impactos positivos na frequência escolar 45, estudos sobre esse efeito,
em longo prazo, bem como a melhoria da qualidade de vida e saúde dessa
população infantil são necessários.
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela
bolsa concedida à primeira autora.