A distribuição física como recurso estratégico de fabricantes de bens de
consumo para a obtenção da vantagem competitiva
1. INTRODUÇÃO
A visão baseada em recursos (VBR) tem fundamentado pesquisas nas áreas de
supply chain management (Hitt,_2011; Hunt & Davis,_2012) e da logística
empresarial (Liu,_Grant,_McKinnon & Feng,_2010), mas sem particularizar a
distribuição física que tem sido tratada na literatura com foco essencialmente
operacional e não conectada com questões estratégicas dos negócios (Georgi,
Darkow & Kotzab,_2010).
Segundo Novaes_(2007), na prática, a distribuição física de produtos é tratada
sob duas perspectivas, pelos técnicos de logística, de um lado, e pelo pessoal
de marketing e de vendas, de outro. O autor referencia que os especialistas em
logística entendem por distribuição física de produtos ou, resumidamente,
distribuição física, os processos operacionais e de controle que permitem
transferir os produtos desde o ponto de fabricação até aquele em que a
mercadoria é finalmente entregue ao consumidor.
Kotler_(2000) defende que a distribuição física relaciona-se diretamente com o
conceito de canal de marketing ou canal de distribuição, constituídos por
organizações interdependentes envolvidas no processo de disponibilização de um
produto ou serviço para uso ou consumo. O canal de distribuição de bens de
consumo pode ser operado em quatro níveis diferentes, sendo o mais simples
aquele cujo fluxo vai do fabricante diretamente ao consumidor final, até aquele
do fabricante ao atacadista e deste a um varejista que vende os produtos
diretamente aos consumidores finais, para uso pessoal e não comercial, cujo
faturamento provenha principalmente da venda em pequenos lotes (Kotler,_2000).
Para Churchill_e_Peter_(2013), os varejistas criam valor para os fabricantes
colocando os produtos deles à disposição dos consumidores, transferindo dados
sobre o comportamento dos consumidores em relação ao produto, assumindo riscos
com produtos perecíveis, promovendo os produtos dos fabricantes e oferecendo
serviços aos consumidores associados aos produtos.
Diante das considerações iniciais, que indicam uma lacuna no estudo da
distribuição física com foco estratégico, foi formulada a questão de pesquisa
que norteia este artigo: Em que condições a distribuição física pode
constituir-se em fonte de vantagem competitiva para o fabricante em relação a
seu cliente imediato, ou seja, o varejista que coloca seus produtos no mercado?
De acordo com a VBR, a vantagem competitiva é suportada pelos recursos e pelas
capacidades da empresa capazes de gerar valor econômico superior àquele dos
concorrentes (Peteraf & Barney,_2003). O valor econômico vem a ser a
diferença entre os benefícios percebidos como ganhos por um cliente que compra
produtos ou serviços de uma empresa e o custo econômico desses produtos ou
serviços.
Hitt,_Ireland_e_Hoskisson_(2008) acrescentam que a vantagem competitiva ocorre
quando uma empresa implementa uma estratégia com recursos e capacidades que os
concorrentes não conseguem copiar ou é onerosa demais para ser imitada. Para
Wernerfelt_(1984), a escolha de estratégias deve considerar a disponibilidade
de recursos e capacidades da empresa.
Barney_(2011) define recursos como ativos tangíveis e intangíveis que a empresa
controla e que podem ser usados para criar e implementar estratégias. As
capacidades são as habilidades de uma empresa que lhe permitem aproveitar
produtivamente seus recursos.
Nesse âmbito, a distribuição física foi tratada como um conjunto de recursos e
capacidades específico e único disponibilizado pela empresa e capaz de gerar
vantagem competitiva.
Diante das justificativas anteriores, definiu-se como objetivo geral da
pesquisa identificar os diversos aspectos envolvidos na distribuição física que
podem torná-la uma fonte de vantagem competitiva para fabricantes de bens de
consumo. Como objetivos específicos foram estabelecidos: identificar padrões e
valores atribuídos pelos varejistas aos serviços de distribuição física de
fabricantes de bens de consumo, seus fornecedores; conhecer, da parte dos
fabricantes, seu entendimento quanto à geração de valor econômico de seus
serviços de distribuição física oferecida aos varejistas; caracterizar os
recursos e as capacidades, inerentes à distribuição física, estratégicos para
os fabricantes; identificar as estratégias adotadas pelos fabricantes visando à
obtenção de vantagem competitiva. Em síntese, para identificar os aspectos
relevantes da distribuição física, buscou-se partir dos valores considerados
importantes para os varejistas, compradores imediatos dos produtos, fazer um
contraponto com a percepção dos fabricantes, para ser possível caracterizar os
aspectos relevantes da distribuição, objeto das estratégias dos fabricantes
visando à vantagem competitiva.
Na seção seguinte, apresenta-se a fundamentação teórica referente aos conceitos
da visão baseada em recursos e aos de distribuição física e logística. Na seção
subsequente, apresentam-se as justificativas da opção por uma pesquisa
exploratória descritiva e pela metodologia qualitativa, a escolha de empresas
fabricantes de produtos de consumo de massa, o tratamento dos dados por
intermédio da análise de conteúdo e a elaboração das categorias de análise. Em
seguida, descrevem-se a análise e a interpretação dos dados obtidos nas
entrevistas, encerrando-se com as considerações finais, com a indicação das
limitações do estudo e as recomendações para novos estudos relacionados ao
tema.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Esta seção está dedicada à apresentação da fundamentação teórica básica do
estudo.
2.1. Fundamentos básicos da visão baseada em recursos (VBR)
No conceito central da VBR, parte-se do princípio de que os recursos da empresa
são geradores de vantagem competitiva sustentável na medida em que são
heterogêneos em relação a outras empresas e de difícil imitação (Wernerfelt,
1984; Barney,_1991; 2011; Peteraf,_1993).
Cool,_Costa_e_Dierickx_(2002) seguem nessa linha, defendendo que recursos
únicos e mercado imperfeito são condições necessárias para os recursos
estabelecerem vantagem competitiva e retornos acima do normal. Os autores
também salientam que os ganhos superiores dependem não somente da habilidade de
obter vantagem competitiva, mas também do tempo que essa vantagem pode ser
sustentada.
2.1.1. Conceituação de recursos
Segundo Wernerfelt_(1984), recursos significam qualquer coisa que possa ser
pensada como forças ou fraquezas de uma organização. O autor acrescenta que
eles podem ser identificados como ativos tangíveis ou intangíveis,
exemplificando esses ativos como: marcas, conhecimento interno à empresa,
habilidades das pessoas, contatos comerciais, maquinários, procedimentos
eficientes, capital, etc.
Barney_(1991), de maneira mais específica, define recursos como todos os
ativos, capacidades, processos organizacionais, informações, conhecimento,
etc., controlados pela organização que possibilitam a formulação e a
implementação de estratégias que incrementem sua eficiência e eficácia.
Hitt_et_al._(2008), para tornar mais objetivo o entendimento sobre a natureza
dos recursos, defendem que são considerados tangíveis aqueles que podem ser
vistos e quantificados; intangíveis são os ativos que normalmente estão
profundamente enraizados no histórico da empresa e foram acumulados ao longo do
tempo.
Dando ênfase aos recursos intangíveis, Kristandl_e_Bontis_(2007) entendem que
eles permitem à organização criar valor sustentável, gerar benefícios
potenciais futuros que não podem ser obtidos pelos concorrentes, são muito
difíceis de serem imitados ou substituíveis, comercializáveis ou transferíveis,
e podem ser considerados como um subconjunto dos recursos estratégicos que
fazem parte de um conjunto integral de recursos estratégicos da empresa. Essa
posição converge com as de Barney_e_Hesterly_(2007) e Barney_(2011).
2.1.2. Capacidades estratégicas
As capacidades organizacionais vêm a ser as habilidades de uma empresa para
explorar seus recursos, de forma coordenada, para atingir objetivos
específicos, tais como responder prontamente às ameaças de concorrentes ou
aproveitar oportunidades de negócios, produzir bens ou serviços com alto nível
de confiança, utilizando-se de processos ágeis, previsíveis e flexíveis (Amit
&_Schoemaker,_1993). Seu propósito é promover a produtividade de outros
recursos. São ativos não comercializáveis, desenvolvidos por uma organização a
partir de outros recursos comercializáveis (Dierickx & Cool,_1989).
Corroborando essas posições, Collis_e_Montgomery_(2008) ampliam a abrangência
dos conceitos defendendo que as capacidades são fatores determinantes do nível
de eficiência com o qual uma empresa desenvolve novos produtos ou serviços e
também do grau de habilidade com que a organização concebe novas formas de
criação de valor. Para esses autores, as capacidades estão tanto embutidas nas
rotinas e nos processos organizacionais quanto na cultura e nas relações de
trabalho entre os funcionários de uma organização, e complementam o uso da
tecnologia na transformação de insumos em produtos e serviços com o
conhecimento das pessoas (experiência, know-how) para tornar a organização mais
eficiente do que seus concorrentes.
Já na visão de Popadiuk_e_Choo_(2006), as capacidades têm um caráter tácito que
diz respeito à combinação de elementos cognitivos, como crenças, paradigmas,
sentimentos e pontos de vista, com elementos técnicos, como know-how,
habilidades administrativas e operacionais.
Para efeito da pesquisa, as capacidades foram consideradas separadamente de
recursos, tendo em vista serem de natureza diferente dos ativos tangíveis e
intangíveis, contrariamente ao que defende Barney_(1991; 2011), que as
considera como um subconjunto de recursos, o que tornaria mais difícil sua
operacionalização para efeito de observação.
2.1.3. Atributos dos recursos estratégicos
Barney_(1991) propôs inicialmente que os recursos estratégicos (neles incluídas
as capacidades) deveriam possuir atributos específicos, capazes de gerar
vantagem competitiva e lucratividade superior, quais sejam: valor, raridade,
imitação imperfeita e não substituição. Esses atributos vieram a constituir um
modelo de avaliação da condição de um recurso ser considerado como estratégico,
identificado pela sigla VRIN. Os dois primeiros atributos estariam associados à
heterogeneidade; e os dois últimos, à imobilidade imperfeita dos recursos, como
as condições necessárias e suficientes para gerar a vantagem competitiva
sustentável.
Posteriormente, Barney_e_Clark_(2007)propuseram uma mudança na classificação
desses atributos, que passou a ser: valor, raridade, inimitabilidade e
organização, alterando sua referência para VRIO:
* valor – os recursos são valiosos quando, incorporados aos produtos e aos
serviços da organização, oferecerem condições superiores em relação aos
concorrentes, permitindo a implementação de estratégias que melhorem a
eficiência e a eficácia do negócio;
* raridade – se é de propriedade de uma ou de um pequeno número de
empresas, um recurso passa a deter a característica de raridade e,
portanto, é passível de ajudar na obtenção da vantagem competitiva;
* inimitabilidade– os recursos valiosos e raros só podem ser considerados
fontes de vantagem competitiva sustentável se as empresas que não os
possuem enfrentam alto custo para obtê-los ou desenvolvê-los, visando a
igualar-se aos concorrentes ou superá-los. Por essa razão, Johnson,
Scholes_e_Whittington_(2007)definem que o atributo da inimitabilidade
também pode ser chamado de robustez, por permitir que o recurso ou a
capacidade seja durável ao longo do tempo. Barney_(1991) e Barney_e_Clark
(2007) entendem como fontes de imitação custosas: as condições históricas
únicas – o pioneirismo e a dependência do caminho percorrido para
desenvolver o recurso; a ambiguidade causal, ou seja, a dificuldade para
identificar qual recurso é fonte efetiva da vantagem competitiva; e a
complexidade social, por exemplo as relações interpessoais entre
gerentes, cultura da empresa e sua reputação entre fornecedores e
clientes;
* organização– Barney_e_Clark_(2007) defendem que o atributo organização –
que inclui a estrutura, os procedimentos, a forma de reporte, os sistemas
formais e informais de controle gerencial, as políticas de remuneração da
empresa – é um fator de ajuste do modelo. Assim, para que uma empresa
detenha uma vantagem competitiva sustentável, não basta possuir recursos
ou capacidades valiosos, raros e custosos de imitar, pois é indispensável
que a organização trabalhe para que se obtenha o máximo de vantagem com
tais recursos e capacidades.
2.2. Estratégias de competição e vantagem competitiva
Novaes_(2007) argumenta que a estratégia de distribuição física é definida em
função das estratégias competitivas adotadas pela empresa como um todo.
Nesse sentido, Johnson_et_al.(2007) definem estratégia como a direção e o
escopo de uma organização no longo prazo para obter vantagem competitiva em um
ambiente em mudança, por meio de sua configuração de recursos e competências,
com o objetivo de atingir as expectativas dos stakeholders. Essa definição,
contudo, apresenta divergências de escopo em relação à definição de Barney_
(2011), que foca o nível do negócio separadamente do nível da corporação, bem
como considera as capacidades transformadoras de recursos, em lugar das
competências, que são tratadas em nível da corporação como um todo, conforme
defendem Prahalad_e_Hamel_(1998).
Com relação aos tipos de estratégias, Porter_(1980) difundiu a concepção das
estratégias genéricas – a liderança em custo, a diferenciação e o enfoque –,
sendo a última uma combinação das duas primeiras. Diferentemente, Barney_
(2011)considera apenas duas estratégias genéricas – a liderança em custo e a
diferenciação do produto –, por entender ser difícil associar ambas as
estratégias, não obstante apresentar praticamente as mesmas definições daquelas
de Porter_(1980). Para Porter_(1980) e Barney_(2011), a liderança em custo
pressupõe que a vantagem competitiva seja alcançada por meio da redução de
custos dos produtos para níveis menores que os custos dos concorrentes.
Além dessas observações, Johnson_et_al._(2007) ampliam a concepção de
estratégias genéricas para oito tipos: sem supérfluo, preço baixo, híbrido,
diferenciação, diferenciação focada, e mais três, que seriam estratégias de
fracasso. Diferentemente de Porter_(1980) e Barney_(2011), esses autores
consideram o preço em lugar do custo como foco das estratégias, tendo em vista
que o preço é um importante componente para a consideração do benefício pelo
cliente, além da dificuldade para sua comparação entre os concorrentes.
A essência da estratégia genérica de diferenciação, de acordo com Johnson_et
al._(2007), é fornecer produtos ou serviços que ofereçam benefícios percebidos
como superiores aos dos concorrentes, ao mesmo preço ou com preço superior, de
maneira a alavancar as margens de lucro, convergindo com Barney_(2011), o qual
considera que, com essa estratégia, melhora a percepção dos clientes quanto aos
produtos ou serviços da empresa, gerando-se maior valor econômico do que os
concorrentes.
Nessa linha, Porter_(1985) defende que o valor diferenciado é proporcionado
pela redução do custo e a elevação do desempenho para o comprador, mas que a
diferenciação sempre implica maiores custos, que precisam ser avaliados em
relação aos benefícios.
A estratégia híbrida, segundo Johnson_et_al._(2007), busca atingir
simultaneamente a diferenciação e o preço mais baixo que os concorrentes, com a
entrega de mais benefícios, mas praticando custos que garantam um mínimo de
margem para sustentar a diferenciação. Porter_(1985) denominou esse tipo de
estratégia de enfoque, defendendo que ela envolve uma necessidade diferente do
cliente, por exemplo, em relação a um sistema de produção ou a um sistema de
distribuição e entrega ótimos, que tem a ver com o objeto desta pesquisa.
Lynch,_Keller_e_Ozment_(2000) argumentam que as capacidades logísticas têm um
relacionamento positivo com as estratégias de liderança de custos e
diferenciação, convergindo com Mentzer,_Mint_e_Bobbitt_(2004), para quem a
contribuição logística pode trazer vantagem competitiva por meio da redução de
custos (liderança de custos) e efetividade (serviço ao cliente), o que aponta
para a estratégia híbrida de Johnson_et_al._(2007).
Barney_(1991) considera que a vantagem competitiva sustentável decorre da
implementação de estratégias que facilitam a redução de custos, a exploração de
oportunidades de mercado e/ou a neutralização de ameaças competitivas, não
adotadas por outras empresas, posição corroborada por Hitt_et_al._(2008).
Evoluindo nesse conceito, Peteraf_e_Barney_(2003) defendem que a vantagem
competitiva sustentável é a capacidade de uma empresa gerar maior valor
econômico do que empresas concorrentes no mesmo setor. Segundo os autores,
valor econômico significa a diferença entre os benefícios percebidos como
ganhos por um cliente que compra produtos ou serviços de uma empresa e o custo
econômico total desses produtos ou serviços. Nesse sentido, Newbert_(2008)
enfatiza que a vantagem competitiva está estritamente associada com o valor
econômico que foi criado com a exploração das capacidades e dos recursos da
organização.
Segundo Porter_(1985), a vantagem competitiva advém do valor que a empresa
entrega a seus clientes em excesso ao custo que tem para criar o produto.
Assim, as empresas que mais geram valor dentro de seus setores detêm vantagens
competitivas sobre seus concorrentes, posição corroborada por Ghemawat_(2007).
De maneira mais específica, Ballou_(2006)defende haver uma relação entre os
serviços logísticos e as vendas de uma empresa, considerando que um aumento
superior do nível de serviço logístico de um fornecedor facilita a obtenção da
vantagem competitiva perante seus clientes.
2.3. Distribuição física: conceituação e criação de valor para os clientes
Para Bowersox_e_Closs_(2001), a distribuição física vem a ser a movimentação de
produtos acabados para entrega aos clientes, relacionando-se, assim, com a área
de marketing tendo em vista o cliente ser seu destino final. Já Ballou_(2006)
divide a logística empresarial entre os canais físicos imediatos de suprimentos
e a distribuição física, referindo-se a esta última como a lacuna de tempo e
espaço entre os pontos de processamento da empresa e seus clientes. Para Ballou
(2006), a distribuição física é um dos compostos da logística empresarial, que
realiza a gestão integrada das atividades de movimentação, transporte e
armazenagem.
Pires_(2011) defende que a distribuição física, antecedida pelas etapas da
logística de abastecimento e da logística interna, é a última etapa do processo
da logística, envolvendo o sistema de distribuição, transportes e estoque.
Novaes_(2007), contudo, amplia essa concepção, defendendo que um sistema de
distribuição física contempla atividades como instalações físicas (centros de
distribuição, armazéns), estoque de produtos, veículos, informações diversas,
hardware e software, custos e pessoal.
O Council of Supply Chain Management Professionals (Council,_2010), por seu
lado, define como atividades da distribuição física o transporte, a manutenção
de estoques, o processamento de pedidos, a programação de produtos, a embalagem
preventiva, o armazenamento, o controle de materiais e a manutenção de
informações.
Nas concepções de Sinchi-Levi,_Kaminsky_e_Sinchi-Levi_(2010), existem três
modalidades de distribuição que podem ser utilizadas em diferentes momentos
pelos fabricantes: remessa direta – em que os itens são enviados diretamente do
fabricante para o varejo, sem passar por um centro de distribuição; estoques no
depósito – adoção de armazéns que mantenham estoques e atendam os varejistas na
medida em que os itens são pedidos; e cross-docking – em que os itens são
distribuídos continuamente, dos fornecedores para os varejistas, por meio de
depósitos (Gümüs & Bookbinder,_2004).
Shyncon_e_Krenn_(1983) defendem que a distribuição física pode levar a um
aumento das vendas e da participação de mercado e, finalmente, a uma crescente
contribuição para os lucros.
Para Bowersox_e_Closs_(2001), contudo, a distribuição física busca gerar valor
econômico para os clientes com o tempo e o espaço do serviço. Esses autores
identificam três fatores fundamentais do serviço ao cliente – a
disponibilidade, o desempenho e a confiabilidade. A disponibilidade refere-se à
capacidade de ter o produto em estoque no momento em que ele é desejado pelo
cliente. O desempenho operacional diz respeito ao ciclo de atividades quanto a
velocidade, consistência, flexibilidade e recuperação de falhas. A
confiabilidade concerne à qualidade, isto é, determina a capacidade de manter
níveis de disponibilidade de estoque e desempenho operacional planejado.
Já para Christopher_(2003), o valor para o cliente (no caso, o varejista) é
criado quando as percepções dos benefícios recebidos em uma transação superam
os custos totais reais de sua propriedade. Ele acrescenta que, como a qualidade
no relacionamento com o cliente está relacionada a sua retenção, a distribuição
física é um fator determinante da rentabilidade no longo prazo.
Por outro lado, Ballou_(2006) entende que o serviço ao cliente é parte
essencial da estratégia de marketing, entendido como o mix dos quatro Ps –
produto, preço, promoção ou propaganda e ponto de venda (este incluindo a
distribuição física). Segundo esse autor, os serviços logísticos e a
distribuição física provocam efeitos sobre as vendas e a fidelização, pois há
clientes que valorizam a distribuição física em detrimento de preço, promoção
ou mesmo do produto.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Nesta seção, apresenta-se a maneira como a pesquisa foi desenvolvida, com sua
fundamentação metodológica, ambiente do estudo, instrumentos e tratamento dos
dados.
3.1. Tipo, método e estratégia da pesquisa
Dadas as características do tema e suas justificativas, a pesquisa assumiu um
carater exploratório, tendo em vista a questão norteadora suscitar padrões de
ocorrência dos fenômenos, em vez de testar ou confirmar hipóteses (Collis_&
Hussey,_2005).
Quanto ao método, adotou-se o método qualitativo que, segundo Merriam_(2002),
busca entender os fenômenos pesquisados a partir de contextos reais em que eles
ocorrem. Para Gwephart_(2004), o método qualitativo de pesquisa é importante no
sentido de prover insights que seriam difíceis de ser obtidos por meio de uma
pesquisa quantitativa.
Como estratégia da pesquisa, adotou-se o contraponto entre organizações que
mantinham uma relação de cliente-fornecedor (B2B), tendo em vista identificar
de maneira objetiva o valor econômico da parte de varejistas, que é de grande
relevância no entendimento da vantagem competitiva buscada pelos fabricantes.
Com isso, a primeira etapa da pesquisa ocorreu junto às organizações
varejistas. A segunda etapa foi realizada junto aos fabricantes, indicados
pelos varejistas como estando entre os melhores fornecedores de produtos,
avaliados pelo critério de desempenho no processo de distribuição física. Com
isso, procurou-se garantir que os fabricantes apresentassem o potencial mínimo
de deterem uma vantagem competitiva, não obstante estivesse fora do escopo da
pesquisa fazer a avaliação dessa condição.
3.2. Ambiente da pesquisa
A pesquisa foi delimitada à relação entre três varejistas do grupo de
supermercadistas e hipermercadistas e três fabricantes de produtos de bens de
consumo de massa, no caso, de limpeza e afins, por envolverem intensa e
constante movimentação e armazenagem. Aescolha ocorreu pelos critérios de:
elevada participação no mercado, existência da relação cliente-fornecedor entre
eles e facilidade de acesso. Nos próximos parágrafos, estão indicados alguns
dados demonstrativos de sua relevância econômica, mas sem a identificação das
empresas dada a condição de sigilo exigida por todos os entrevistados.
De acordo com os dados fornecidos pela Associação Brasileira de Supermercados –
Abras (Abras,_2011), as três organizações varejistas de vínculo dos
participantes da pesquisa faturaram em conjunto cerca de R$ 104,7 bilhões, em
2011, posicionando-se no ranking entre as cinco maiores do País.
Os três fabricantes de produtos de consumo não duráveis, indicados pelos
varejistas, são empresas multinacionais com presença marcante no Brasil.
Segundo a publicação Melhores & Maiores – Exame 2011 (Editora_Abril,_2011),
dois dos fabricantes faturaram, em conjunto, R$ 15,7 bilhões, em 2010. O
faturamento do fabricante C não foi disponibilizado por não ser uma empresa de
capital aberto, porém, de acordo com as informações dos entrevistados desse
fabricante, estima-se que o faturamento de 2010 tenha sido por volta de R$ 1
bilhão.
Para efeito da pesquisa, considerou-se a distribuição física tradicional,
aquela que ocorre diretamente entre fabricante e varejista, não obstante serem
praticadas também a venda direta e a franquia, mas de maneira pouco relevante.
O mercado de produtos de limpeza e afins caracteriza-se por itens de baixo
valor agregado, baixa fidelidade por parte dos consumidores, grande número de
produtos e marcas disponíveis no mercado, e necessidade de manutenção de uma
estrutura de distribuição capaz de atender à alta demanda com elevada
movimentação de itens. Apesar de grandes empresas atuantes no segmento, como
Unilever Procter & Gamble, Reckitt Benckiser e SC Johnson, que estão entre
as de maior porte, concentradas na região sudeste, no Brasil existem 1.659
micros, pequenas e médias empresas (Abipla,_2010).
3.3. Entrevistados
Foram entrevistados oito executivos da alta gerência, sendo três das
organizações de varejo e cinco dos fabricantes. Quanto a seu perfil, no caso
dos varejistas, o tempo de empresa variou de cinco a dez anos e a experiência
na área, de 15 a 24 anos. Da parte dos fabricantes, o tempo de empresa variou
de cinco a 15 anos e a experiência na área, de dez a 24 anos.
A definição do número de entrevistados ocorreu a priori e deveu-se à
disponibilidade de acesso e ao prazo para a conclusão da pesquisa. Vale
ressaltar, contudo, que, após a realização de dois terços das entrevistas, os
dados obtidos apresentaram razoável redundância, demonstrando a produtividade
na escolha dos entrevistados, conforme apontam Godoi_e_Mattos_(2010).
3.4. Procedimentos de coleta de dados
As entrevistas foram realizadas com o apoio de dois roteiros padronizados
distintos, com perguntas abertas, específicos para cada grupo de executivos
(Aaker,_Kumar & Day,_2001; Patton,_2002): aquele aplicado ao dos varejistas
continha seis questões e, ao dos fabricantes, 14 questões, conforme consta do
Apêndice. As perguntas foram agrupadas em blocos conectados aos objetivos da
pesquisa, elaboradas com a ajuda de uma matriz para garantir a consistência em
relação ao tratamento e à análise dos dados nas etapas posteriores.
Nos procedimentos de coleta de dados, foram adotadas as orientações de Godoi_e
Mattos_(2010) quanto ao entrevistado se expressar a seu modo em face do
estímulo do entrevistador, a ordem das perguntas não prejudicar a livre
expressão dos entrevistados e o entrevistador ter a possibilidade de inserir
outras perguntas no diálogo, tendo sempre em vista o objetivo de captar os
depoimentos de maneira clara e dentro do tema da entrevista. Tendo em vista
esses cuidados, as respostas dos entrevistados mantiveram-se aderentes às
perguntas do roteiro.
A coleta de dados compreendeu dois momentos distintos, conforme mencionado
anteriormente. Inicialmente, buscou-se identificar os padrões de desempenho e o
valor econômico atribuídos aos fabricantes quanto aos serviços de distribuição
física de produtos de limpeza por parte dos varejistas. Ao final das
entrevistas, foram solicitadas indicações de fabricantes destacados como
geradores de valor econômico superior em relação aos demais fornecedores. Em
seguida, de posse dos nomes dos fabricantes apontados como os melhores
fornecedores, foram feitas as entrevistas com os executivos dessas empresas,
mas sem que fosse revelado qualquer assunto tratado com os varejistas. Logo no
início dessas entrevistas, cada um deles foi informado de que a sua empresa
havia sido apontada pelos varejistas (revelados os nomes nas entrevistas) como
um dos melhores fornecedores, particularmente em relação aos serviços de
distribuição física, e perguntadas as razões para esse desempenho. Com isso,
buscou-se conhecer o entendimento dos fabricantes em relação à geração de valor
para os varejistas. A intenção foi captar o quanto os fabricantes estavam
alinhados com os varejistas para entender com mais clareza os fundamentos da
possível vantagem competitiva que detêm perante os varejistas.
As entrevistas foram gravadas com o consentimento prévio de todos os
entrevistados, as respostas transcritas ipsis litteris e revistas para a
certificação de sua integridade.
3.5. Tratamento dos dados
Para o tratamento dos dados, foi adotada a análise de conteúdo, que utiliza
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
segundo Bardin_(2002) e Gibbs_(2009). Sua aplicação foi desenvolvida em três
etapas: pré-análise, análise e tratamento dos dados para sua análise e
interpretação subsequentes, com a utilização de uma planilha para facilitar o
processo de maneira a garantir um mínimo de consistência ao produto final, ou
seja, as categorias de análise.
Na etapa da pré-análise, os depoimentos foram tratados buscando-se a maior
aderência com as perguntas que provocaram as respostas, obedecendo-se aos
critérios de homogeneidade, exaustividade, exclusividade e pertinência. Para
isso, os depoimentos foram fragmentados em unidades semânticas (palavras-chave,
trechos de depoimentos e frases curtas) (Bardin,_2002). Na segunda etapa, de
análise do material, foram feitas as leituras das unidades semânticas
destacadas de cada entrevistado (em sentido horizontal na planilha), que
passaram por um processo de redução e, em seguida, transformaram-se nos temas
básicos (conectados a cada objetivo específico). Esses procedimentos foram
concluídos com a elaboração das categorias que, por sua vez, resultaram da
redução dos temas básicos do procedimento anterior. O objetivo das categorias
foi fornecer uma representação simplificada dos depoimentos para poder realizar
as análises e interpretações pertinentes (Bardin,_2002; Gibbs,_2009).
Na Figura_1, apresenta-se o produto final do tratamento dos dados, decorrente
do processo descrito, para mostrar as categorias conectadas aos objetivos
específicos que estruturam as análises e interpretações da próxima seção.
Figura 1 Categorias e Respectivos Objetivos
Objetivos Específicos Categorias
Identificar padrões e valores atribuídos pelos varejistas aos serviços de Nível de serviço
distribuição física de seus fornecedores. Ruptura de estoque
Conhecer o entendimento dos fabricantes quanto à geração de valor econômico doDesempenho do processo de
seus serviços de distribuição física. distribuição
Recursos tangíveis não
Caracterizar os recursos e as capacidades inerentes à distribuição física estratégicos
considerados como estratégicos. Recursos intangíveis não
imitáveis
Capacidade estratégica
Identificar as estratégias adotadas pelos fabricantes com vistas à obtenção d Estratégias híbridas
vantagem competitiva.
4. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Tendo em vista a impossibilidade de identificação das empresas, os trechos dos
depoimentos dos entrevistados estão indicados conforme segue: varejistas – V1,
V2, V3 –; e fabricantes – F1, F2, F3, F4, F5.
4.1. Padrões e valores atribuídos pelos varejistas aos fabricantes
Aqui estão consideradas apenas as observações dos executivos dos varejistas
sobre a prestação de serviços de distribuição física por fornecedores, de
maneira geral. Seguem as análises referentes às categorias que sintetizam os
padrões e os valores esperados dos fabricantes.
4.1.1. Nível de serviço
Os varejistas esperam que os fabricantes atendam aos requisitos básicos de
entrega de produtos, na quantidade e prazo corretos, sem avarias, utilizando os
procedimentos de entrega requeridos e respeitando as exigências fiscais
(Bowersox & Closs,_2001; Ballou,_2006), conforme ilustrado pelo depoimento
a seguir:
Basicamente, exigem-se os seguintes padrões: atendimento de 100% dos
pedidos solicitados ao fabricante, cumprimento do prazo de entrega,
cumprimento das janelas de entrega, disponibilidade de estoque de
segurança para garantir o produto na gôndola, cumprimento da
programação de entrega no mês e recebimento sem erros de quantidade e
tributários. (V1)
4.1.2. Ruptura de estoques
Na avaliação do desempenho da distribuição física pelos fabricantes, prioriza-
se a minimização das rupturas de estoques, por meio da cobertura de inventários
e da qualidade das entregas. De maneira geral, os varejistas fazem essa
avaliação por meio do On Time in Full (OTIF), pelo qual se procura medir se os
produtos foram entregues no prazo solicitado, na quantidade correta e sem
problemas de avarias ou erros (Bowersox & Closs,_2001; Christopher,_2003).
O depoimento a seguir detalha as medições:
As métricas utilizadas têm sido o OTIF (On time in full), a
acuracidade (quantidade versus pedido), a pontualidade nas agendas e
janelas de entrega, a baixa ruptura nos centros de distribuição e nas
lojas, e cobertura de inventários por categoria. (V1)
Diante desse risco, os fabricantes que propiciam níveis de estoques suficientes
para evitar rupturas agregam valor aos varejistas.
4.2. Entendimento dos fabricantes quanto à geração de valor econômico com a
distribuição física
Neste objetivo, assim como nos subsequentes, levaram-se em conta exclusivamente
os depoimentos dos executivos dos fabricantes apontados pelos varejistas como
seus melhores fornecedores. A intenção foi verificar o entendimento deles em
relação ao valor econômico que geram aos varejistas. Aqui foi possível elaborar
apenas uma categoria, tendo em vista as convergências manifestadas nos
depoimentos.
4.2.1. Desempenho do processo de distribuição física
Ficou evidente que há grande preocupação dos fabricantes em relação à
disponibilização de estoques para evitar as rupturas, com a adoção de processos
com esse objetivo, conforme ilustrado nos depoimentos a seguir:
A gente monitora não só a entrega do produto até a porta do
varejista, mas a entrega efetiva do produto é na gôndola. Há um
programa de monitoramento de ruptura, aonde se faz esse monitoramento
em conjunto com o cliente para identificar por que existe a ruptura,
se foi um problema de indisponibilidade de estoque. (F3)
O trabalho que tem sido feito pelo time comercial é trabalhar a
acuracidade de estoques para oferecer um bom serviço, um bom
atendimento. (F4)
Diante do risco da ruptura de estoques, apresenta-se sempre o dilema para os
fabricantes entre manter estoque para evitar sua falta ou utilizar um esquema
de entregas diretas em lojas ou cross-docking, que é a entrega do produto
diretamente na prateleira dos varejistas (Gümüs & Bookbinder,_2004). Nessa
situação, são utilizadas métricas de desempenho para avaliar a qualidade dos
serviços, incluindo também o nível de comprometimento do capital intelectual.
O custo dos serviços de distribuição física foi apontado pelos fabricantes como
relevante, por estar embutido nos preços dos produtos vendidos aos varejistas,
apesar de não integrar seu custo direto de produção. Assim, a redução dos
custos nos serviços de distribuição é um dos diferenciais que os fabricantes
entendem gerar valor para os varejistas, de acordo com os depoimentos que
seguem:
Busca-se reduzir custos e melhorar as suas margens, para poder
reduzir preços, para o produto ter mais vantagem competitiva para a
venda. (F1)
A gente está em busca da eficiência para entregar bem com o menor
custo, para haver margem, poder reinvestir no próprio negócio. (F5)
Apesar da não revelação dos padrões e dos valores declarados como relevantes
para os varejistas, na ocasião das entrevistas com os fabricantes houve uma
elevada convergência nas manifestações entre esses dois grupos de
entrevistados. Contudo, enquanto os varejistas foram mais detalhistas em
relação ao que valorizam nos serviços de distribuição física, os fabricantes
foram mais focados, como se verifica pelas categorias resultantes do tratamento
dos dados. Isso ocorreu possivelmente por conta da indicação dos fabricantes
como sendo efetivamente os melhores, para efeito da pesquisa. A divergência
mais explícita ficou apenas quanto aos meios para gerar valor econômico nessa
relação. Para os varejistas, a questão do custo está relacionada diretamente à
manutenção de estoques de segurança em lojas e em centros de distribuição. Já
para os fabricantes, isso se obtém pela otimização dos processos de
distribuição com a racionalização de custos de armazenagem e transportes, que
estão embutidos nos preços dos produtos.
4.3. Recursos e capacidades estratégicos inerentes à distribuição física
Os fabricantes consideram os recursos e as capacidades inerentes aos serviços
de distribuição física como a orquestração de distintos componentes tangíveis e
intangíveis (Wernerfelt,_1984), apresentados na Figura_2.
Figura 2 Recursos e Capacidades Inerentes aos Serviços de Distribuição Física
Recursos e Capacidades Ativos Tangíveis e Intangíveis
Centros de distribuição
Redes de transportes
Recursos tangíveis não estratégicPessoal
Parceiros logísticos
Sistemas de TI
Recursos intangíveis não imitáveiCapital intelectual
Cultura de serviços ao cliente
Capacidade estratégica Colaboração entre participantes da cadeia
de distribuição
4.3.1. Recursos tangíveis não estratégicos
De maneira geral, redes de centros de distribuição, redes de transportes,
pessoal, sistemas apoiados por Tecnologia de Informação (TI) são recursos
tangíveis indispensáveis para o fabricante criar valor para os varejistas.
Contudo, não podem ser considerados estratégicos, pois são passíveis de
imitação e não são raros (Barney,_1991; Barney & Clark,_2007), como
argumentou um fabricante:
[os recursos tangíveis] podem ser imitados, com certeza. É sempre uma
questão de tempo. (F2)
Quanto a recursos tangíveis, não há nenhum diferencial em relação aos
competidores. (F3)
4.3.2. Recursos intangíveis não imitáveis
Efetivamente, o diferencial para criação de valor econômico apoia-se nos
recursos intangíveis (Kristandl & Bontis,_2007), como o capital intelectual
e a cultura de serviço ao cliente, voltados às soluções de distribuição para
atender a demandas específicas dos varejistas, considerados como criadores de
valor, raros e de difícil imitação pelos concorrentes. Os depoimentos a seguir
são ilustrativos desses intangíveis:
O tipo de problema que eles pedem ajuda: “Olha, eu estou com um
problema de distribuição no Nordeste, o que vocês estão fazendo lá?
Que região é boa para investir? Qual o seu plano estratégico de
crescimento para eu abrir minhas lojas?”. (F2)
O diferencial, de fato, está no know-how e na própria composição da
equipe. (F4)
É a integração das pessoas alinhada com as metas [...] é a paixão de
fazer o certo pela primeira vez. Fazer o certo e ser autêntico. (F5)
O conceito de capital intelectual expresso pelos fabricantes, de maneira geral,
é bem próximo daquele de Edvinsson_e_Malone_(1998), ou seja, toda capacidade,
conhecimento, habilidades e experiências individuais aplicadas pelas pessoas
por meio de relacionamentos com clientes e desenvolvimento de novas
tecnologias, com a finalidade de trazer vantagem competitiva (Stewart,_1998;
Antunes & Martins,_2005).
A cultura de serviços, outro intangível, é considerada essencial para geração
de valor aos varejistas, dado o entendimento de que a implementação de um
processo operacional em nível de excelência somente pode ser conseguido por
meio do envolvimento e do comprometimento dos colaboradores da empresa.
Sua relevância é objeto de convergência de opiniões no grupo dos fabricantes,
conforme demonstram os depoimentos:
A cultura é um recurso intangível que está no DNAda empresa, tem que
estar na veia a gana de buscar ser o prefered supplier. [...] ter key
accounts específicas gera valor para os clientes, principalmente para
esses três clientes principais que nos destacaram. (F1)
Há uma área de customer service que está voltada 100% para a geração
de valor. Operacionalmente, existe o time de order management, focado
em controle de inventário, out of stock e projeto, que gerencia
pedidos, que resolve problemas de crédito e cobrança, de fluxo nas
cadeias. (F2)
De 2007 para cá, esse aumento do nível de serviço só foi possível
porque se conseguiu espalhar na organização inteira uma cultura de
serviços. (F3)
Em relação a esses dois recursos intangíveis, observou-se que as condições
históricas e a ambiguidade causal são condições atuantes na preservação de sua
inimitabilidade, além de seu valor e de sua raridade (Barney & Clark,
2007).
4.3.3. Capacidade estratégica
A capacidade estratégica mais relevante é a da colaboração entre participantes
da cadeia dos serviços de distribuição, conforme ilustram os depoimentos a
seguir:
O trabalho colaborativo é feito ombro a ombro com os varejistas. Há
vários projetos em que trabalhamos juntos. [...] está sendo
desenvolvido o sistema de interfaces de informações. (F1)
A gente compartilha conhecimentos com os varejistas. (F2)
Dentro da medição do nível de serviço, existe um sistema de revisão
mensal conjunta em que se identificam onde estão as perdas. (F3)
A colaboração é estar junto lá no centro de distribuição do cliente,
entender qual é a dificuldade dele. É fazer com que a transportadora
entenda qual é a necessidade (do varejista) para que chegue a carga
de forma adequada. (F4)
Isso revela que os ativos tangíveis inerentes ao armazenamento e ao transporte
de produtos, por si só, não são suficientes para os fabricantes oferecerem um
desempenho superior; há necessidade de articulação entre eles. Daí a realização
de reuniões entre os executivos dos varejistas e dos fornecedores nas quais são
discutidos os indicadores de desempenho e analisados os gaps com o propósito de
implementar planos de ação para a mitigação de eventuais problemas
operacionais. Sua característica estratégica está no fato de gerar valor para o
serviço de distribuição ao varejista, ser rara e de difícil imitação (Barney
&_Clark,_2007).
4.4. Estratégias adotadas visando à obtenção da vantagem competitiva
A definição de estratégias na busca pela vantagem competitiva está intimamente
ligada à gestão dos recursos e capacidades estratégicos da organização. Nesse
sentido, observou-se que os fabricantes têm adotado a combinação do preço baixo
com a diferenciação da distribuição física, ou seja, um modelo híbrido (Johnson
et_al.,_2007), como a maneira de posicionarem-se entre os melhores fornecedores
perante os varejistas. Apesar de a diferenciação ser a estratégia de maior
visibilidade, o custo do serviço de distribuição tem um peso significativo para
os fabricantes, tendo em vista manter um percentual baixo no preço do produto
para o varejista. Por isso, a redução de custos no processo de distribuição
assume um papel importante para eles, não obstante isso representar um grande
desafio, conforme os depoimentos:
Tem sido feito um esforço muito grande nos últimos três anos para a
gente ser o prefered supplier. Isso passou a ser uma meta, um
direcionamento com vários indicadores de desempenho, pois, para os
principais clientes, o serviço tem peso. Aqui a qualidade do serviço
é fundamental. (F1)
Para esses três varejistas, a gente considera basicamente o serviço,
apesar de custar muito caro entregar para eles. (F3)
Para alavancar e melhorar a nossa imagem perante os varejistas, em um
primeiro momento, não se medem esforços, mas há um trabalho
colaborativo para reduzir os nossos custos. (F4)
Assim, com o objetivo de gerar valor econômico para os varejistas, os
fabricantes adotam diferentes modalidades de distribuição como, remessa direta
aos depósitos dos clientes, cross-docking e manutenção de estoques em depósitos
próprios (Sinchi-Levi_et_al.,_2010), mas procurando sempre os menores custos
com a oferta desse diferencial.
Também foi observada uma estratégia operacional, referida pelos fabricantes
como estratégia go to market (Cort,_1999), que estabelece como a distribuição
física pode ser feita de maneira efetiva, integrando seus diversos processos e
estruturas para chegar ao consumidor final e ilustrada nos depoimentos a
seguir:
Quando se fala em distribuição física, trata-se da maneira de chegar
ao consumidor. Para isso, é preciso estabelecer qual o melhor go to
market, ou seja, a forma com que se acaba distribuindo para os
grandes centros de distribuição para atender o grande varejo. (F1)
[...] envolve estabelecer projetos, estabelecer canais, estabelecer
como entender os principais problemas do varejista, para poder depois
chegar às melhores soluções. É preciso ter equipes trabalhando nisso
de uma maneira muito forte, dentro das estruturas de customer
logistics, dentro da estrutura de vendas, dentro da estrutura de
merchandising, para ter produto na gôndola, ter produto sendo
apresentado. (F2)
Com a estratégia de go to market, que faz parte da estratégia de diferenciação
mais ampla, os fabricantes buscam melhorar o desempenho dos serviços de
distribuição física (Ballou,_2006) e, como consequência, melhorar sua posição
competitiva perante seus concorrentes (Newbert,_2008).
Para facilitar a visão dos resultados das entrevistas, na Figura_3 apresenta-se
uma síntese do que foi considerado essencial em cada categoria.
Figura 3 Síntese dos Resultados por Categoria de Análise
Categorias Síntese dos Resultados
Nível de serviço Entrega de produtos, na quantidade e no prazo corretos, sem avarias,
respeitando as exigências fiscais.
Ruptura de estoque Cobertura permanente de inventários e de qualidade das entregas, acompanhada
por meio do OTIF (On Time in Full).
Desempenho do processo de Redução dos custos como um dos diferenciais dos fabricantes para gerar valor
distribuição para os varejistas.
Recursos tangíveis não Redes de centros de distribuição, redes de transportes, pessoal, sistemas
estratégicos apoiados por TI.
Recursos intangíveis nãoCapital intelectual e cultura de serviço ao cliente voltados às soluções de
imitáveis distribuição.
Capacidade estratégica Colaboração entre participantes da cadeia.
Estratégias híbridas Redução de custos de distribuição e go to market.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dado o objetivo geral da pesquisa de identificar os diversos aspectos
envolvidos na distribuição física que podem torná-la uma fonte de vantagem
competitiva para fabricantes de bens de consumo, no caso produtos de limpeza,
pode-se afirmar que é indispensável haver uma convergência de entendimentos
sobre a criação de valor partilhado com o varejista (cliente); contar com
capital intelectual e cultura de serviços produtivos; haver a colaboração entre
os participantes da cadeia de distribuição; e ser adotada a estratégia de
modelo híbrido. Isso é válido, pelo menos, para as empresas que participaram da
pesquisa.
Apesar de não ter feito parte da pesquisa, a verificação da efetiva vantagem
competitiva, sustentável ou não, que demandaria o levantamento dos dados dos
retornos econômicos interna e comparativamente com os concorrentes de cada
fabricante, há indícios fortes de esses deterem uma vantagem por serem
considerados como os melhores fornecedores pelos varejistas. Isso reforça as
descobertas que estão comentadas a seguir.
No que tange à criação de valor econômico para os varejistas por meio do
atendimento do nível de serviço e da prevenção da ruptura de estoques, os
custos da distribuição são uma preocupação convergente com a dos fabricantes,
pois sua redução é de alta relevância para ambos.
O capital intelectual e a cultura de serviços aos varejistas são considerados
como facilitadores da conexão entre a eficiência e a eficácia dos serviços de
distribuição, possibilitando a esses fabricantes oferecerem resultados
diferenciados e superiores em relação aos dos concorrentes.
A capacidade de colaboração com os varejistas, e com os outros participantes da
cadeia, é estratégica, pois mostra que a produtividade na distribuição depende
da articulação de ativos tangíveis e intangíveis para que o valor econômico
seja efetivamente gerado.
A estratégia híbrida adotada pelos fabricantes, que conjuga a diferenciação dos
serviços com preços baixos, não obstante ser genérica, envolve uma estratégia
de natureza operacional, a de go to market, que constitui sua essência objetiva
por buscar antecipar as possíveis rupturas na disponibilização dos produtos nas
dependências dos varejistas.
Outro aspecto relevante é o fato de os recursos tangíveis dos fabricantes, como
as redes de armazéns, redes de transportes, pessoas e sistemas, serem
acessíveis a um número grande de concorrentes. Assim, apesar de envolverem
grandes investimentos, são considerados como ativos não raros e de fácil
imitação por estarem disponíveis no mercado de recursos. Sua ausência ou
deficiência, contudo, inviabilizaria ou dificultaria enfrentar a competição com
os concorrentes, o que os torna necessários, mas não suficientes para serem
considerados como estratégicos na distribuição física.
Também foram identificados na pesquisa fortes indícios de os varejistas
formarem um oligopsônio, tornado evidente pela demonstração de reservas da
parte dos varejistas em relação a parecerias com fabricantes, de maneira geral,
possivelmente pela constante barganha por preços dos produtos que embutem os
custos de distribuição. A barganha do lado dos fabricantes ocorre em situações
nas quais tempo e lugar se tornam menos importantes dada a dificuldade do
varejista em ter os produtos disponíveis no caso de determinadas marcas com
forte apelo para o consumidor final. Quando isso acontece, a consequência pode
ser a redução da importância dos serviços de distribuição como recurso
estratégico.
No tocante ao desenvolvimento da pesquisa, entrevistar executivos de empresas
líderes no mercado que mantêm uma relação fornecedor-cliente, foi de grande
ajuda para a compreensão das condições em que a distribuição física pode
constituir-se em fonte de vantagem competitiva para o fabricante de bens de
consumo.
A utilização da VBR como fundamentação do estudo mostrou-se produtiva, pois a
concepção de recursos e capacidades como fontes de vantagem competitiva
possibilitou a construção do modelo da pesquisa de maneira abrangente e
integrada. Também facilitou a comunicação com os entrevistados, que entenderam
de imediato seus conceitos, resultando em respostas objetivas.
A abordagem qualitativa permitiu a descrição dos objetos do estudo e suas
conexões com boa clareza por parte daqueles que os adquirem, desenvolvem e
transformam, visando a resultados eficientes e eficazes.
Com os aprendizados obtidos com a pesquisa, espera-se contribuir para cobrir a
lacuna anunciada no início deste artigo, ou seja, o fato de a distribuição
física não ter sido ainda tratada como um recurso estratégico por meio da VBR.
Como contribuição prática estão as indicações das potenciais fontes de vantagem
competitiva, como o capital intelectual, a cultura de serviços, a colaboração
entre participantes, que compõem a estratégia de modelo híbrido,
particularmente as empresas fabricantes de produtos de consumo que buscam uma
vantagem competitiva por meio de suas atividades logísticas.
Entre as limitações do estudo, uma delas foi a delimitação da linha de produtos
a bens de consumo durável, como os de limpeza. Não obstante ser um dos itens de
maior circulação entre fabricantes e varejistas, apresenta particularidades
diferentes de outros produtos de maior valor agregado. Outra limitação foi a
não inclusão dos parceiros da cadeia de distribuição, como os operadores
logísticos e os transportadores, dados o prazo de conclusão e os custos
predefinidos para a pesquisa.
Próximos estudos poderiam ser expandidos para abranger outras combinações na
relação fornecedor-cliente, tanto quanto na relação fornecedor-consumidor
final, para verificar de que maneira a distribuição física poderia constituir
uma fonte de vantagem competitiva.
Sistema de Avaliação: Double Blind Review Editor Científico: Nicolau Reinhard
APÊNDICE
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
COM OS VAREJISTAS
Objetivo: a) Identificar padrões e valores atribuídos pelos varejistas aos
serviços de distribuição física de fabricantes de bens de consumo.
1. Quais são os desafios que o negócio varejista vem enfrentando nos últimos
tempos na conquista, na expansão e na manutenção de seus clientes?
2. Desses aspectos citados, quais deles provocam maior impacto nos serviços
de distribuição física prestados pelos fabricantes de produtos de consumo
de massa, como os de limpeza e afins? Poderia explicar como se dão os
impactos?
3. Quais os padrões de serviço exigidos de seus fornecedores tendo em vista
a geração de valor para sua organização?
4. Existem métricas utilizadas por sua empresa para avaliar o desempenho de
seus fornecedores? Quais seriam essas métricas e como elas são aplicadas?
5. Considerando a existência das seguintes modalidades de distribuição:
remessa direta, cross-docking e estoques em depósitos, qual ou quais
delas são solicitadas a seus fornecedores e quais seriam as motivações
para sua adoção?
6. Quais são seus fornecedores mais destacados em relação ao desempenho no
serviço de distribuição física?
COM OS FABRICANTES
Objetivo: b) Conhecer o entendimento dos fabricantes quanto à geração de valor
econômico dos seus serviços de distribuição física para os varejistas.
1. Sua empresa foi considerada pelos varejistas como um dos fabricantes que
oferecem os melhores serviços de distribuição física, entre um número
expressivo de fornecedores. A que pode ser atribuído esse destaque de sua
empresa?
2. Em que aspectos os serviços de distribuição física de sua empresa geram
valor econômico superior para os varejistas, resultando nesse destaque?
3. Esse destaque tem permitido à empresa cobrar por seus produtos acima ou
igual aos concorrentes, em decorrência do diferencial superior da
distribuição física?
4. Esses serviços têm contribuído para a obtenção de retornos econômicos
superiores à média dos concorrentes mais próximos, em relação a essa
linha de produtos?
Objetivo: c) Caracterizar os recursos e capacidades inerentes à
distribuição física considerados como estratégicos.
5. Que recursos tangíveis e intangíveis são os principais responsáveis pelo
destaque na distribuição física?
6. Que capacidades são as grandes responsáveis pela realização destacada
desse serviço?
7. De que maneira os recursos e capacidades que apontou contribuem para a
geração de valor superior aos dos concorrentes na distribuição física
para os varejistas?
8. Esses recursos e essas capacidades são raros ou únicos entre seus
concorrentes imediatos? Poderia explicar?
9. Poderiam ser imitados pelos concorrentes? De que maneira isso
aconteceria?
10. De que maneira a estrutura administrativa, a gestão dessa linha de
produtos e os processos organizacionais dão suporte para que tais
recursos e capacidades tenham proporcionado o destaque para sua empresa?
Objetivo: d) Identificar as estratégias adotadas pelos fabricantes
visando à obtenção da vantagem competitiva.
11. Qual o foco dado em relação às oportunidades para a linha de produtos de
consumo de massa?
12. Que ameaças ambientais foram enfrentadas e que poderiam dificultar a
geração de valor superior para os varejistas?
13. Quais têm sido as estratégias adotadas em relação à linha de produtos de
consumo de massa, com foco central nos custos, na diferenciação dos
produtos ou em uma combinação de ambas? Qual a participação da
distribuição física?
14. Essas estratégias têm ajudado a sustentar um desempenho econômico
superior aos concorrentes ou, pelo menos, igual a esses com relação a
essa linha de produtos?