Distribuição de combustível no estado de São Paulo: estruturas de governança e
mecanismos complementares de coordenação
1. INTRODUÇÃO
Até o ano de 1997, a distribuição de combustíveis no Brasil era fortemente
conduzida pelo governo, de maneira que operavam no mercado apenas cinco grandes
empresas distribuidoras autorizadas, juntamente com a manutenção do monopólio
estatal da Petrobras na produção e na distribuição, além do controle de preço
exercido pelo governo em todos os elos da cadeia.
Com a desregulamentação do setor, visando ao aumento da competitividade, houve
o fim do monopólio estatal, o fim do tabelamento de preços e a permissão da
entrada de novas firmas no mercado nacional, bem como a possibilidade de
importação de combustíveis. A partir de então, os postos revendedores também
foram desobrigados de manter contratos com as distribuidoras, podendo optar
pela manutenção de contratos de longo prazo com suas fornecedoras e manterem-se
postos bandeirados/franqueados exclusivos delas, ou manterem-se desvinculados
da distribuidora e atuarem como bandeira branca, podendo alternar seus
fornecedores. Às firmas distribuidoras, são permitidos dois canais de
distribuição: para seus postos franqueados (caso tenham marcas próprias) e para
postos de bandeira branca.
Nos primeiros três anos após a desregulamentação, já em 2000, o total de
distribuidores em atuação no mercado nacional saltou de cinco para mais de 200,
patamar no qual se mantém cerca de 15 anos depois. No mercado varejista,
verificou-se o crescimento de postos de bandeira branca, que representavam em
2011 cerca de 40% do total de postos no País (ANP,_2011). Do lado da
distribuição, as cinco empresas distribuidoras em atuação antes de 1997
fundiram-se em três grandes grupos, num processo que se estendeu até 2010, e
atualmente mantêm suas marcas já consolidadas no mercado nacional, são as
distribuidoras referidas aqui como dominantes. Cerca de 30% das distribuidoras
que entraram no mercado desenvolveram marcas regionais, que ainda buscam
aumentar sua credibilidade junto ao mercado consumidor, estas serão referidas
no estudo como regionais e o restante das firmas distribuidoras não
desenvolveram marcas próprias, atuando apenas com vendas para postos de
bandeira branca, as quais serão tratadas como independentes.
Essas recentes transformações têm possibilitado multiplicidade de transações,
diferenciando as estruturas de governança adotadas pelas distribuidoras com
seus parceiros comerciais. De um lado há a manutenção dos contratos de longo
prazo com postos franqueados, o que requer investimentos em ativos específicos
e resulta em fortalecimento das marcas próprias; de outro, a manutenção de
vendas via mercado com os postos de bandeira branca, os quais desfrutam de
vantagem de preços frente aos primeiros, haja vista a inexistência de
investimentos com a franquia.
Sob o ponto de vista das firmas distribuidoras, cabe ainda a adequação da
governança como mecanismo de controle de incerteza, na medida em que o risco de
comportamento oportunista no setor é alto, dada a facilidade de adulteração de
combustíveis e de infidelidade ao arranjo exclusivo, práticas ainda verificadas
no setor (Soares,_Paulillo_& Candolo,_2013).
Dessa forma, neste trabalho, mostra-se de que maneira as firmas distribuidoras
têm coordenado suas transações com postos revendedores varejistas e que tipo de
mecanismos, além dos contratos, têm sido utilizado com sucesso. A direção de
análise do trabalho parte das transações estabelecidas pelas firmas
distribuidoras com os postos de combustíveis e não o contrário. Tal definição é
importante na medida em que à firma distribuidora é permitida uma
multiplicidade de estruturas de governança para relacionar-se com o mercado,
enquanto para o posto, uma vez definida sua estrutura de governança, esta não
se altera em curto prazo.
Em outras palavras, no estudo destacam-se as opções de estruturas de governança
permitidas pela legislação atual e de que forma as firmas distribuidoras têm se
posicionado em termos de formação de governanças, dada as características das
transações com os postos de combustíveis.
A análise restringe-se a empresas atuantes em São Paulo, estado que concentra
quase 25% dos postos revendedores de combustíveis do país, os quais são
responsáveis pela venda de 30% da gasolina e 60% do etanol automotivos
consumidos nacionalmente (ANP, 2009). Foram entrevistados presencialmente 25
diretores de empresas distribuidoras, perfazendo 40% do total de empresas em
atuação no estado, as quais respondem por aproximadamente 80% das vendas
nacionais de gasolina e etanol.
Sob o ponto de vista teórico, concentrar-se-á o estudo nas estruturas de
governança utilizadas pelas distribuidoras, segundo a perspectiva da economia
dos custos de transação, tendo como objetivo a análise das transações segundo
os atributos definidos por Williamson_(1996). Adicionalmente, será utilizada a
abordagem de Ménard_(2004) para identificação de mecanismos de coordenação além
dos contratos, presentes nas estruturas de governança identificadas no mercado
de distribuição de combustíveis, os quais, por sua vez, podem funcionar como
mecanismos de prevenção e redução da incerteza.
2. ABORDAGEM TEÓRICA
A firma é considerada pela economia neoclássica como uma caixa preta, sobre
cuja estrutura organizacional não se sabe muito, apenas que é uma estrutura
maximizadora de lucros. Para abrir essa caixa preta e observar os processos
complexos que ocorrem na firma, é necessário lançar mão de ferramental teórico
que possa abranger as decisões da firma, mais precisamente em seu ambiente
microeconômico, em que seja priorizada a interação da firma com seu ambiente
institucional dinâmico.
Dessa forma, a escola institucionalista surge fundamentalmente como uma crítica
ao tratamento dado aos fenômenos econômicos pela economia neoclássica. As
maiores contribuições se concentram nos trabalhos de Oliver Williamson, Douglas
North, Claude Ménard seguidos por outros (Ménard_& Shirley,_2005).
A análise de Coase_(1937) parte de uma pergunta simples, porém fundamental na
ruptura com a economia neoclássica: Por que uma empresa internaliza atividades
que poderia obter (ao menos no plano teórico) a um custo inferior no mercado,
supondo os ganhos de eficiência provenientes da divisão do trabalho? A raiz da
resposta introduz conceito fundamental da nova economia institucional (NEI),
que são os custos de transação (Silva_Filho,_2006).
Autores, como North_(1990), enfatizam o surgimento dos custos de transação como
resultado dos custos de informação, uma vez que a informação é assimétrica
entre as partes envolvidas na transação, e também porque, qualquer que seja a
forma desenvolvida pelos atores na criação de instituições que estruturem as
interações humanas, resultará sempre em algum grau de imperfeição dos mercados.
A partir da inserção dos custos de transação pela NEI, entendendo-se que as
transações entre os agentes não se dão de forma instantânea, torna-se
importante considerar quais elementos serão decisivos na definição da melhor
estrutura para governar as transações. Na economia dos custos de transação
(ECT) estuda-se, de forma comparativa, as decisões das empresas quanto ao
estabelecimento de estruturas de governança que compreendam da melhor forma
seus objetivos em reduzir custos de produção e transação (Zylbersztajn,_2005).
Os custos de transação podem ser definidos como aqueles responsáveis por mover
o sistema econômico, incluindo tanto os custos de achar quais os preços
relevantes, como outros de desenho, estruturação, monitoramento e garantia da
implementação dos contratos (Farina,_Azevedo_& Saes,_1997; Zylbersztajn
& Neves,_2000). A noção de custos de transação engloba os custos
informacionais ex ante e os custos ex post da relação contratual associados à
incompletude dos contratos firmados.
Para Williamson_(1979), vista como uma estrutura de governança das transações,
a firma poderá definir se tratará determinada transação a partir de uma pura
relação de mercado; se preferirá uma forma mista contratual; ou se definirá a
necessidade de integração vertical, a partir dos princípios de minimização dos
custos de produção somados aos custos de transação.
Entre a completa hierarquia (integração vertical) e as transações realizadas
sem a utilização de qualquer vínculo entre as firmas, ou seja, puramente via
mercado, há um continuum de possibilidades de governança, que assumem algumas
características de hierarquia e mercado, portanto, denominadas governanças
híbridas.
Williamson_(1991) esclarece que a hierarquia, mercado e a forma híbrida
resultante da combinação dos dois primeiros são formas genéricas de organização
econômica. Elas podem ser diferenciadas por seus mecanismos de coordenação e
controle e por suas habilidades para responder às mudanças no ambiente. Segundo
Williamson_(1985), a definição, por parte da firma, da estrutura de governança
utilizada será feita com base nas características da transação: especificidade
de ativos, frequência e incerteza.
A especificidade dos ativos refere-se a quanto o ativo é específico para
determinada atividade e quão custosa é sua realocação para outro uso (Neves,
1999, p. 74). Williamson_(1985) define a especificidade de ativos como a perda
de valor dos ativos envolvidos em determinada transação, no caso de esta não se
concretizar ou no caso de rompimento contratual. Alta especificidade de ativos
significa que ambas as partes envolvidas na transação perderão caso a transação
não se concretize, por não encontrarem uso alternativo que mantenha o valor do
ativo desenvolvido para a realização da transação, em outras palavras, quanto
mais específico é um ativo, maior a dependência dos agentes em relação à
concretização da negociação.
A frequência refere-se ao número de transações estabelecidas entre os agentes
num determinado espaço de tempo. A relação contratual entre duas partes é
diretamente influenciada por esse atributo, já que as formas contratuais
alternativas surgem a partir de diferentes frequências de transação. Segundo
Williamson_(1985), repetidas transações efetuadas no mercado implicam um
elevado nível de negociação, monitoramento e reformulações de contrato,
tornando-se menos onerosa a organização via hierarquia.
A incerteza está intimamente associada a eventos não previsíveis e não
probabilísticos. É diferente da noção de risco, uma vez que o risco supõe o
conhecimento das contingências futuras e as probabilidades associadas aos
resultados de uma decisão, já a incerteza está relacionada a um desconhecimento
fundamental dos resultados possíveis. O interesse das firmas é reduzir a
incerteza, aumentando progressivamente seu conhecimento sobre estados futuros,
preferências, planos e decisões.
A partir das características das transações (especificidade de ativo, incerteza
e frequência), somadas aos pressupostos comportamentais da teoria institucional
(racionalidade limitada e oportunismo), em meio a um ambiente institucional
dinâmico e não estabilizado, a firma decide que estrutura de governança
utilizar para gerenciar suas transações.
A grande diferença entre mercados, hierarquia e governanças híbridas são seus
modelos contratuais, ou em melhor medida, os acordos que se estabelecem entre
partes, que podem ser formais ou não. As estruturas de governança diferem em
sua adaptabilidade e no uso de instrumentos de incentivo e controle das partes.
As transações via mercado são eficientes sempre que o preço for o melhor
instrumento de coordenação. Nessas situações, os ativos específicos são poucos
e a frequência das transações é relativamente baixa, o que torna reduz a
incerteza da transação. O controle é exercido ex ante à transação.
No extremo oposto, nas estruturas de governança hierárquicas, a alta
especificidade dos ativos aumenta o grau de incerteza da transação e os
instrumentos de controle são fundamentais para alinhar interesses e
salvaguardar as partes. Segundo Peterson,_Wysocki_e_Harsh_(2001), nessas
estruturas os controles ex post são responsáveis pelo monitoramento das
relações e pelo desempenho das transações.
Entre mercado e hierarquia há um continuum de possibilidades de arranjos
organizacionais aos quais uma firma pode recorrer. Segundo Ménard_(2004), os
arranjos híbridos são criados para organizar atividades por meio da coordenação
e da cooperação entre firmas e tendem a ter um menor custo de transação quando
comparados com o mercado e também a ter maior flexibilidade produtiva quando
comparados com hierarquias. Nesse sentido, o autor argumenta que a análise dos
atributos das transações permite discorrer sobre os motivos que levam
determinados mercados a operar com uma governança híbrida, a qual conta com
mecanismos de coordenação além dos contratos.
As estruturas específicas criadas nas governanças híbridas formam uma classe de
coordenação, que, segundo Ménard_(2004), combinam os contratos e as decisões
administrativas de organizações que podem ganhar com a dependência mútua, mas
que necessitam controlar os riscos de oportunismo. Essas escolhas obedecem à
lógica dos custos de transação, na qual os arranjos adotados tendem a ser
alinhados com as propriedades das transações de que eles estão tratando
(Bouroullec_& Paulillo,_2010). O atributo principal desse processo é o grau
de especificidades dos ativos da transação. A incerteza reforça esse efeito, de
forma que os problemas de coordenação se combinam com o risco de oportunismo,
gerando maior centralização. Assim, o modelo proposto por Williamson_(1991),
que correlaciona a economia de custos de transação para definir a melhor
estrutura de governança (mercado, híbrida e hierarquia), pode ser estendido,
ajudando o tomador de decisões a ordenar diferentes formas de autoridade da
governança híbrida.
A Figura_1 expõe proposições de Ménard_(2004) congruentes com as de Williamson_
(1985), mostrando o efeito da especificidade do ativo na escolha do arranjo.
Para as transações realizadas a partir de ativos de especificidade
intermediária, arranjos híbridos, de diversos tipos, serão selecionados. De
forma que, quanto mais específico o ativo, mais mecanismos de proteção serão
necessários para garantir que não ocorra perda de valor econômico na transação.
Quanto menor a especificidade dos ativos, menor a necessidade de salvaguardas.
Fonte: Ménard_
(2004,_p._369).
Figura 1 Tipologia das Governanças Híbridas
Esses mecanismos de coordenação, além dos contratos, são incorporados de
maneira mais ou menos formal e diferem em suas características de interferência
na coordenação das transações. Numa extremidade, o mais próximo de um regime de
mercado, estão formas híbridas que dependem principalmente da confiança. Nesses
arranjos, as decisões são descentralizadas, e uma estrutura de coordenação mais
fraca é implementada por meio da influência mútua e da reciprocidade.
Na outra extremidade, os arranjos híbridos monitorados por uma estrutura formal
são bastante próximos aos de uma empresa integrada (hierarquia). Nesses
arranjos, apesar de os parceiros permanecerem independentes, um subconjunto
significativo de suas decisões é coordenado por uma entidade quase autônoma,
funcionando como uma agência privada com alguns atributos de uma hierarquia,
denominada instituição ad hoc.
Entre esses casos polares, há duas formas de autoridade com base em
relacionamentos que contam com mecanismos de influência ou de liderança. Nos
arranjos que contam com exercício de influência, aceita-se uma coordenação mais
estreita do que a confiança, com regras formais e convenções que emolduram as
relações entre os agentes e diminuem o risco de comportamentos oportunistas. Em
tais situações, as funções de coordenação assemelham-se a um clube, com
controle sobre parceiros com base na história do acordo, em complementaridade
de competência reconhecida e conivência social (Powell,_Koput_& Smith-
Doerr,_1996; Ménard,_2006).
Por último, arranjos híbridos coordenados por um líder são aqueles mais
estritamente controlados. A liderança emerge como um modo de coordenação entre
os parceiros quando uma empresa estabelece autoridade sobre seus parceiros
comerciais. A origem do exercício de liderança, segundo Ménard_(2006), pode
derivar do fato de o líder deter competências específicas ou de ocupar uma
posição-chave na sequência de operações. Esse tipo de arranjo mantem certa
simetria entre os detentores de direitos de propriedade e conserva, pelo menos
formalmente, alguma independência em seu poder de decisão.
3. BREVE HISTÓRICO DO SETOR
Na década de 1990, os modelos de condução da política econômica brasileira
apresentaram inclinação evidente à mudança do papel do Estado de produtor para
regulador. Nesse contexto, o setor de distribuição de combustíveis também foi
alcançado por leis que derrubaram a exclusividade estatal na produção e na
distribuição e permitiu a entrada de novas concorrentes no setor (Marjotta-
Maistro,_2002).
O mercado de combustíveis no Brasil passou a ser regulamentado pela Lei 9.478/
97, que flexibilizou o monopólio do setor de petróleo e gás natural, até então
exercido pela empresa Petrobras, e liberou as importações de gasolina e o preço
do produtor rural em janeiro de 2002, bem como interrompeu a política de
tabelamento de preços dos combustíveis.
O processo de desregulamentação tinha como objetivo principal o aumento da
competição no setor a partir de duas alterações fundamentais: o fim do
fornecimento exclusivo aos postos, com o advento do posto de bandeira branca, e
a permissão de novas distribuidoras e importadoras no mercado.
A lei que hoje regulamenta o setor estabeleceu que o mercado atacadista
(upstream) ficaria restrito às distribuidoras, enquanto o varejista
(downstream), aos postos revendedores. Em outras palavras, a lei vetou aos
postos a aquisição direta de usinas, refinarias, formuladores, petroquímicas ou
importadores, e também vetou ao distribuidor de combustíveis líquidos, de
petróleo, etanol e outros combustíveis automotivos o exercício da atividade de
revenda varejista.
Adicionalmente, a portaria ANP nº 116/2000 instituiu que os postos de
combustíveis somente podem comprar combustíveis das distribuidoras com as quais
mantêm contratos de fornecimento e bandeiramento, exceto os postos de bandeira
branca, que podem comprar de qualquer distribuidora.
Ao proibir a integração vertical e instituir a obrigatoriedade da exclusividade
de negociação dado o bandeiramento do posto, o aparato legal vigente definiu a
existência de formas organizacionais com e sem contratos, criando arranjos de
negociação exclusivos.
Nesse contexto, as mudanças no ambiente legal, tornaram cada vez mais complexas
as relações entre postos varejistas e distribuidoras. Uma vez que a integração
vertical (hierarquia) deixa de ser permitida, os contratos de longo prazo
passaram a ser seus substitutos (Lal,_1990; Mahoney,_1992)
Por meio de arranjos com contratos, as distribuidoras mantêm canal exclusivo de
vendas, fazem a cessão de suas marcas e, em regime de comodato, de ativos
físicos específicos como adequação de layout, tanques e bombas. Segundo Hart_e
Moore_(1990), cedendo esses ativos em comodato, as distribuidoras obtêm o
direito residual de decisão ou controle, que são direitos para decidir sobre
contingências futuras não previstas nos contratos.
Já nos arranjos sem contrato, o investimento para montagem do negócio passa ser
exclusivo do posto revendedor, contanto, de um lado, com a total liberdade de
negociação com diferentes fornecedores e condução dos negócios; e, de outro,
deixa de contar com o apelo de marca junto a seus clientes.
De modo geral, quer nos arranjos com contratos, quer naqueles sem contrato,
todas essas modificações na configuração da indústria resultaram em desgaste da
relação entre as empresas distribuidoras e os postos revendedores de
combustíveis. Segundo Moraes_(2004), a turbulência provocada pela
desregulamentação pôde ser percebida por ambos os atores. Para as empresas
distribuidoras, a desregulamentação significou o fim do oligopólio, enquanto
para os postos revendedores significou o acirramento da competição com a queda
do regime de concessão para abertura de postos e a queda das margens de revenda
em função da proliferação dos produtos adulterados e sonegados.
De um lado, as empresas distribuidoras culparam seus postos pela queda nas
vendas, pela infidelidade ao adquirir produtos de outras distribuidoras, pela
ineficiência em fazer o consumidor final perceber o valor de suas bandeiras
(que deveria ser suficiente para compensar a diferença de preço praticada pelos
postos de bandeira branca) e pela ineficiência em gerir os postos com uma
margem menor e, assim, serem mesmo capazes de otimizar seus custos. Do outro
lado, os postos culparam as empresas distribuidoras pela falta de
competitividade em relação ao mercado irregular, pela diferença de preços
praticada para sua rede de postos, pela falta de influência junto aos órgãos
competentes pela fiscalização do setor e pela falta de flexibilidade para
atender a situações emergenciais de crédito.
Como resultado, o fato é que a desregulamentação redefiniu as bases
competitivas do setor, sendo percebida uma queda no desempenho tanto das
distribuidoras quanto dos postos que somente tem sido compensada pelo aumento
nas vendas. Para isso, novas estratégias e modelos de negócios têm sido
adotados (Moraes,_2004; Nunes_& Gomes,_2005; Medeiros_2007; Soares_&
Paulillo,_2011).
4. MÉTODO DE PESQUISA
Neste trabalho foram realizadas entrevistas presenciais com diretores de
empresas distribuidoras de combustíveis automotivos. Os resultados apresentados
neste artigo fazem parte de pesquisa de campo realizada por Soares_(2012). Para
definição do instrumento de pesquisa, foi realizada pesquisa piloto com 15% da
amostra proposta entre setembro de 2010 e fevereiro de 2011. Entre outubro e
dezembro de 2011, foram realizadas as entrevistas com o restante da amostra.
Para composição da amostra de empresas de distribuição, foram escolhidas 25
empresas distribuidoras, perfazendo 40% do total das firmas em atuação no
estado de São Paulo. A seleção de empresas a serem entrevistadas seguiu como
critério principal as respectivas participações de mercado. Foram contatadas
todas as empresas que detinham mais de 5% de participação no mercado nacional,
as demais o foram de forma aleatória, tendo como critério secundário a
existência de escritório da empresa nos polos petroquímicos visitados:
Paulínia, São José dos Campos e Guarulhos.
Às empresas que se dispuseram a participar da pesquisa, foi enviada carta de
apresentação do trabalho com uma breve descrição dos objetivos da entrevista e
o tipo de informação que deveria ser de conhecimento do entrevistado. A
indicação dos diretores que concederiam entrevista foi feita pelas empresas e,
de forma geral, os indicados foram diretores das gerências de rede de postos.
As entrevistas seguiram uma sequência de perguntas, subdivididas em quatro
grandes grupos, quais sejam: tópicos relativos às relações com postos de
gasolina; atributos das transações; mecanismos de coordenação; incerteza e
comportamentos oportunistas. A definição das perguntas foi feita buscando
alinhamento teórico com os principais trabalhos da escola institucionalista
utilizados no referencial teórico, a saber: Williamson_(1979, 1985 e 1991) e
Ménard_(2004 e 2006). As informações coletadas em campo estão descritas no
tópico 5 com o uso do ferramental mais simples da estatística, como frequências
e médias.
5. RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO
Considerando as diferenças de porte existentes entre as empresas
distribuidoras, os dados pesquisados foram tabulados enquadrando as firmas
distribuidoras segundo a classificação adotada no trabalho:
* distribuidores dominantes – distribuidoras tradicionais, já em atuação no
mercado antes do processo de desregulamentação do setor, as quais detêm
bandeiras de abrangência nacional, ou seja, possuem pelo menos um posto
bandeirado em todos os estados brasileiros e alta participação no mercado
nacional, acima de 15%;
* distribuidores regionais – distribuidoras que ingressaram no mercado
nacional a partir da desregulamentação do setor em 1997, as quais detêm
bandeiras de abrangência regional, ou seja, bandeiras concentradas em
algumas regiões do país, e possuem baixa participação no mercado
nacional, abaixo de 7%;
* distribuidores independentes – distribuidoras que ingressaram no mercado
nacional a partir da desregulamentação do setor em 1997, não possuem
postos bandeirados e apresentam participação muito baixa no mercado
nacional, abaixo de 2%.
5.1. Atributos das transações
5.1.1. Frequência
Para efeito de consideração teórica, considera-se a frequência com que se
negociam as transações. Nas transações sem contrato (com postos de bandeira
branca), cada negociação é uma transação e se dá em média diariamente ou a cada
dois dias. Já para as transações com contrato (postos bandeirados), a
negociação é feita nos termos dos contratos, dessa forma, a frequência das
transações se refere aos prazos com que estes são renovados, em média de 5 a 10
anos.
5.1.2. Incerteza
Considerando-se o conceito utilizado no trabalho, a incerteza refere-se a
eventos não previsíveis e não probabilísticos*, que podem interferir nos
negócios, notadamente quando o posto de combustível adota comportamentos que
venha a interferir negativamente nas transações com os distribuidores. Por
definição, embora não se possa mensurar exatamente o potencial de ocorrência
dessas contingências, para os distribuidores entrevistados, há um horizonte
conhecido no que se relaciona a esses possíveis comportamentos oportunistas aos
quais as transações com os postos revendedores estão expostas.
Os diretores entrevistados foram questionados sobre esse tipo de incerteza
comportamental nos negócios e relataram quais questões são críticas no
gerenciamento desses comportamentos oportunistas, os quais são, portanto, a
principal incerteza nessas transações.
Para os entrevistados, a questão da incerteza foi relatada como algo de extrema
importância para o negócio. Todos os distribuidores entrevistados foram
unânimes em afirmar que há preocupações muito grandes com respeito ao
comportamento futuro do posto de combustível e suas consequências.
Para os independentes, a única incerteza com que convivem é a possibilidade de
adulteração do combustível durante o transporte ou na revenda. Já para os
regionais e os dominantes, a questão da incerteza foi relatada de forma mais
complexa, pois, além da incerteza pela possibilidade de adulteração de
combustíveis, outras foram relatadas nas relações com postos bandeirados,
especificamente as relacionadas à proteção dos ativos de marca e a outras
especificidades.
Quanto à questão da adulteração, a incerteza mais importante relatada pelos
entrevistados, medida de prevenção ao comportamento oportunista, é a manutenção
de amostras-testemunha para comprovar a conformidade dos combustíveis vendidos.
É válido ressaltar que esse procedimento de precaução não se aplica apenas aos
postos revendedores, mas também quando há prevenção quanto a um possível
comportamento oportunista do agente que realiza o transporte do combustível.
As respostas dos entrevistados acerca das incertezas (ex post) seguiram certo
padrão e resultaram na identificação de seis grupos diferentes de incerteza e
dos mecanismos de controle utilizados por cada distribuidora (Figura_2). As que
mais impactam as governanças das transações são as incertezas por qualidade e
fidelidade, as demais são de baixa importância para os negócios.
Figura 2 Incertezas
Tipo de
Incerteza com Impactos Mecanismos de Controle Adotados pelo Distribuidor Distribuidor Há Organização Setorial Responsável por EstFrequência de
nos Negócios que Relatou a Questão? Fiscalização
Incerteza
Todos os
dominantes
Posse de amostra-testemunha Todos os
regionais
Todos os
independentes
Todos os
Qualidade Visitas freqüentes dominantes Sim, ANP Alta*
Todos os
regionais
Todos os
Manutenção de laboratórios móveis de controle de qualidade dos combustíveis dominantes
(monitoramento de qualidade) Todos os
regionais
Verificação do reagente que garante procedência (monitoramento de qualidade) Todos os
dominantes
Fidelidade Monitoramento das compras do posto Todos os Sim, ANP Baixa*
dominantes
Todos os
Imagem Visitas frequentes / Certificação dominantes Não NA
Todos os
regionais
Todos os
Normas Visitas frequentes / Certificação dominantes Não NA
Todos os
regionais
Metrologia Não há NA Sim, Inmetro, Procon Baixa*
Documentação Recomposição periódica de dados cadastrais / Certificação Todos os Sim, Sefaz, ANP Média*
dominantes
Nota:
*Para esta classificação, foi considerada como frequência alta a que ocorre
mais de cinco vezes no ano; média, de duas a quatro vezes no ano; baixa, uma
vez ao ano ou bianual.
Nas entrevistas, ficam claros os diferentes graus de importância dados a cada
uma delas. Para os entrevistados, as incertezas quanto à qualidade e à
fidelidade são consideradas as mais importantes do ponto de vista comercial. A
questão da qualidade é preocupante para todos os agentes, como já comentado
anteriormente, sendo a precaução e o monitoramento seu maior mecanismo de
controle. Para os agentes detentores de marca, a preocupação gira em torno da
queda desse ativo junto aos consumidores.
A questão da incerteza quanto à fidelidade do posto nas transações também foi
levantada como questão comercial muito importante, sendo seu controle realizado
pelo acompanhamento do desempenho da unidade de revenda. Segundo os
entrevistados, a percepção de que um agente está realizando compras fora de seu
arranjo exclusivo é de fácil identificação e seu controle é feito de forma
diferenciada, buscando primeiramente os mecanismos internos de ajuste e somente
em última instância é buscada solução judicial para o conflito.
As outras incertezas relacionadas à imagem, normas e documentação foram
consideradas de importância muito baixa nas transações e seu controle é
realizado de forma esporádica, pelo acompanhamento rotineiro dos parceiros
comerciais. A incerteza quanto à metrologia não foi considerada importante para
os entrevistados, sendo sua competência de fiscalização restrita aos órgãos
públicos.
5.1.3. Especificidade de ativos
Para melhor esclarecer a unidade de análise das especificidades dos ativos nas
transações consideradas pela pesquisa, segue sua descrição:
* locacional – casos em que o posto desfruta de vantagens junto ao
distribuidor por estar em localização privilegiada quanto ao fluxo de
automóveis. É fato que a localização per se é característica intrínseca
ao negócio de venda de combustíveis. Ressalta-se, portanto, que a
existência de ativo específico locacional na transação refere-se aos
casos em que o agente revendedor dispõe de privilégio de localização tal,
em termos de vendas, que passa a ser alvo de interesse das
distribuidoras, configurando-se, nesses casos, a localização como um
ativo específico para a realização da transação;
* físico – a existência de investimentos específicos para a transação, como
adequação de equipamentos, maquinário, layout, dentre outras exigências
na transação com a distribuidora;
* humano – quando há envolvimento de capital humano específico para a
atividade, como o assessoramento dos postos por parte das distribuidoras,
revelado prioritariamente pela concessão de auxílio técnico-
administrativo, jurídico, financeiro, ambiental, normativo, etc.;
* dedicado – quando há realização de investimento específico à transação,
com tal relação de dependência que implica inviabilidade de uso futuro em
virtude do fim das transações. Estão englobados neste caso investimentos
adicionais às atividades rotineiras dos postos, como sistemas integrados
de informação, sistemas de controle de estoque integrados e outros
benefícios conjuntos que possam minimizar custos operacionais e que são
exclusivos daquela relação comercial;
* marca – ativo intangível que diferencia postos bandeirados dos postos de
bandeira branca.
A partir desses construtos, foi possivel construir uma tipologia de postos de
combustíveis segundo os ativos específicos que compõem seus acordos e/ou
contratos com as firmas distribuidoras, que constam na Figura_3. Para
caracterização de cada grupo de negócio, os entrevistados foram levados a
categorizar os postos com os quais negocia, o que levou a definir que existem
nove perfis de unidades de revenda e a criar essa taxonomia de postos para, a
partir dela, identificar o perfil de estruturas de governança presentes no
mercado revendedor varejista.
Figura 3 Tipos de Postos Segundo Especificidades dos Ativos
Tipos Especificidade do Ativo
de Locacional FísicosHumanos Dedicados Marca Caracterização
Postos
Tipo 1 Transação conta com TODOS os ativos específicos É composto por uma minoria de postos, em local privilegiado, que desfrutam de
todas as vantagens da associação à marca. São casos de quase integração.
São postos semelhantes aos do tipo 1, em que a transação não dispõe de um dos
Tipo 2 Transação conta com quatro ativos específicos ativos específicos possíveis. O mais comum é que não desfrutem dos ativos
dedicados. São também unidades muito integradas a seus distribuidores
bandeirados.
É o tipo mais comum de postos bandeirados, que, além da marca, dispõem de dois
Tipo 3 Transação conta com três ativos específicos outros ativos específicos à transação, como ativos físicos e humanos,
eventualmente, locacional.
Quando a transação conta com apenas um ativo específico além da marca. São
Tipo 4 Transação conta com dois ativos específicos transações menos integradas ao distribuidor, com baixa dependência por parte do
posto.
Um tipo menos comum de postos bandeirados. São unidades revendedoras
Tipo 5 Transação conta com apenas um ativo específico: marca completamente independentes das distribuidoras no que tange à montagem e à
condução do negócio, valendo-se apenas do ativo de marca do distribuidor para
realização da transação.
Um tipo praticamente inexistente. São postos de bandeira branca, nos quais a
Tipo 6 Transação conta com três ativos específicos: à exceção da matransação dispõe das especificidades de ativos possíveis: físico, humano e
locacional. Nestes casos é esperado bandeiramento futuro.
Um tipo pouco comum. Postos de bandeira branca, nos quais a transação dispõe de
Tipo 7 Transação conta com dois ativos específicos: à exceção da maralguma especificidade de ativos como físico, humano ou locacional. Como em
postos do tipo 6, nestes casos é esperado bandeiramento futuro.
Tipo 8 Transação conta com apenas um ativo específico: à exceção da Postos de bandeira branca, nos quais a transação dispõe de alguma
especificidade de ativos como físico, humano ou locacional
Tipo 9 Transação não conta com NENHUMA especificidade de ativos Posto de bandeira branca típico que mantém apenas relações de compra e venda
com diferentes distribuidores.
No caso dos dominantes, há transações com presença de ativos específicos
locacionais, físicos, humanos, de marca e, em grau muito tímido, dedicados.
Para os regionais, foram ressaltados os ativos específicos locacionais e
físicos. Os ativos humanos têm baixa expressividade, enquanto a existência de
ativos dedicados não foram relatados pelos entrevistados. Para eles, o ativo de
marca tem progressivamente ganhado importância no negócio, mas, segundo os
entrevistados, ainda é necessário maior esforço em propaganda e divulgação para
fortalecimento das marcas. Para os independentes, segundo os critérios
definidos para este trabalho, nenhuma especificidade de ativos foi constatada.
A observação das diferentes combinações entre as especificidades dos ativos
permite a identificação de vários tipos de postos revendedores, diferenciados
pelas especificidades que compõem suas transações. Um resumo das situações
possíveis consta na Figura_3. Ressalta-se que essa figura foi construída tendo
em vista a resposta dos entrevistados e o alinhamento dessas respostas à teoria
e aos construtos adotados no trabalho.
5.2. Mecanismos de coordenação das transações
Na coordenação das transações com postos varejistas, os distribuidores
regionais e dominantes ressaltam a utilização de dois instrumentos principais:
os contratos e os mecanismos complementares aos contratos.
5.2.1. Mecanismos contratuais
Para a pesquisa, torna-se importante conhecer de que forma o mecanismo
contratual tem sido utilizado pelos distribuidores. Notadamente, os
entrevistados não se mostraram dispostos a revelar o conteúdo de seus
contratos, nem relatar de que forma se percebe a evolução desse mecanismo ao
longo dos últimos anos. As respostas obtidas sobre os contratos revelaram,
portanto, muito mais um caráter geral do funcionamento desse instrumento do que
propriamente especificidades de execução e desenvolvimento. Nas entrevistas,
ficou muito clara a importância dada a esse mecanismo e a preocupação de que
este seja o mais eficiente possível.
No que se refere à periodicidade com que se efetuam revisões de contratos,
tanto regionais quanto dominantes indicaram haver revisões permanentes e que os
contratos têm se alterado muito nos últimos anos. Os entrevistados informaram
que os contratos estabelecidos em fins dos anos 1990 são muito diferentes dos
contratos atuais, indicando que os contratos atuais são muito mais simples que
os anteriores, procuram destacar os interesses fundamentais da companhia e
adequar-se ao que a legislação permite, abrindo mão, progressivamente, de
cláusulas leoninas ou daquelas sujeitas a interpretação judicial. A
simplificação dos contratos serve ao objetivo principal de fazer valer mais
rapidamente.
Quanto à duração dos contratos, ela é muito semelhante para regionais e
dominantes, variando entre cinco e dez anos. Nesse sentido, cada contrato tem
uma formatação, pois se referem não apenas à cessão de marca e exclusividade de
fornecimento, mas costuma englobar ativos específicos, como máquinas,
equipamentos, planos de assistência ao negócio dentre outros, já tratados no
tópico de especificidades de ativos, o que pode variar muito entre os
franqueados.
5.2.2. Complementares aos contratos
Considerando-se, sob a perspectiva deste trabalho, que o contrato é uma
estrutura que pode contar com mecanismos adicionais mais ou menos formalizados,
os distribuidores foram questionados quanto à existência e à aplicação desses
mecanismos. Foram considerados aqueles que estão alinhados à abordagem teórica
adotada, consonantes com as proposições de Ménard_(2004). As respostas estão
sintetizadas na Figura_4.
Figura 4 Utilização de Mecanismos de Coordenação além dos Contratos
Mecanismo Critério Avaliado Regionais Dominantes
Confiança Alguma forma de confiança Não utiliza Não utiliza
Influência Regras formais e convenções Utiliza Utiliza
marginalmente
Liderança Exercício de alguma forma de autoridade sobre o negócio do posto: por Utilizado Utiliza
exemplo, monitoramento sem aviso prévio, assessoria direta ao negócio marginalmente
Instituições adExistência de uma entidade autônoma com princípios de hierarquia, revelada Utiliza
hoc pela associação do posto a uma marca adicional, como os programas de Não utiliza amplamente
monitoramento da qualidade dos combustíveis
Com respeito à utilização de mecanismos de coordenação além dos contratos, foi
explicado aos entrevistados o que refletiria cada uma das proposições de Ménard
(2004) sob a ótica das transações entre distribuidores e postos e pediu-se a
eles que classificassem a importância de cada um desses mecanismos em seus
negócios com postos de combustíveis entre as classificações: muito alta; alta;
média, baixa; muito baixa ou não há importância.
Considerou-se como critério para avaliação da existência de confiança a
vulnerabilidade de uma parte em relação à outra. No caso, considerou-se a
confiança reputacional como, por exemplo, ter uma relação de compra sem
contrato ou sem pagamento antecipado. Não houve indicativo de que haja
estabelecimento de relacionamentos comerciais continuados, baseados em
confiança e construtores de reputação, ao longo do tempo, que complementem a
coordenação das transações.
No caso da influência exercida pelos distribuidores nas transações com os
postos, foi considerado sempre que há regras e convenções aceitas pelo mercado,
mas que não estão declaradas nos contratos, por exemplo, quando se convenciona
o respeito entre as bandeiras de uma mesma empresa, a não guerra de preços
entre postos da mesma rede, o cumprimento às regras de outros órgãos setoriais,
a política de bandeiramento de marcas concorrentes, enfim, questões tratadas a
partir de uma sequência de procedimentos já consolidados na firma, mas que não
estão propriamente descritos nos contratos, seguidos apenas por convenção. O
uso de tal mecanismo foi relatado pelas regionais.
Quando perguntados sobre exercício de liderança, de algum grau de autoridade
sobre as atividades do posto, todos os distribuidores responderam que há
exercício de liderança sobre seus postos bandeirados. Para os regionais, essa
utilização é tímida e restrita ao monitoramento. Para os dominantes, a
utilização do instrumento foi mais efetiva, com mais ações de monitoramento
(fiscalização) e maior participação na condução do negócio, por meio de
assessoria e acompanhamento. O grau de influência da distribuidora varia entre
os agentes, mas tende a ser significativo.
A expressão maior da influência sobre as atividades do posto ocorre com o
implemento de instituição ad hoc, a qual representa um grupo de postos dentro
do grupo maior de franqueados que dispõe de, além da marca da distribuidora, a
marca dessa instituição que assegura monitoramento e controle de qualidade dos
combustíveis. Nas transações governadas com adição desse instrumento adicional
ao contrato, os postos aderem aos programas de acompanhamento da qualidade do
combustível, nos quais o monitoramento é muito mais efetivo, revelado pelo
controle não apenas da qualidade dos combustíveis – que poderia ser fornecido
por quaisquer outras distribuidoras (prática que não respeitaria o arranjo
comercial bandeirado) – mas também das marcas químicas das distribuidoras que
estão no combustível, o que comprova não só a qualidade ou não do combustível,
mas também atesta que ele saiu das bases de distribuição da empresa
distribuidora. Esse mecanismo de controle é contínuo, uma espécie de
rastreabilidade. Nesses casos, há também o acesso do distribuidor aos dados
fiscais do posto como a movimentação de produtos e controle de notas fiscais
quando se fizer necessário.
5.3. Estruturas de governança no setor
A partir da análise das especificidades de ativos, os resultados sugerem para
distribuidores dominantes a manutenção de uma maioria de transações
estruturadas por contratos, contando de dois a três ativos específicos, somadas
a essas transações uma minoria de outras estruturadas por semi-integração, com
elevada especificidade de ativos e uma parcela mínima de transações com baixo
grau de especificidades, estruturadas via mercado, com postos de bandeira
branca, conforme descrito na Figura_5.
Figura 5 Estruturas de Governança Encontradas
Distribuidores Postos Ativos Participação no Estrutura de
Específicos Negócio* Governança
Tipo 1 Todos (5) Mínima Semi-integração
Tipo 2 4 Mínima Semi-integração
Bandeirados Tipo 3 3 Maioria Contratos
Tipo 4 2 Moderada Contratos
Dominantes Tipo 5 1: Marca Mínima Contratos
Tipo 6 3 Inexpressiva Mercado
Bandeira Tipo 7 2 Inexpressiva Mercado
Branca Tipo 8 1 Mínima Mercado
Tipo 9 Nenhum Mínima Mercado
Tipo 1 Todos (5) Inexpressiva Semi-integração
Tipo 2 4 Inexpressiva Semi-integração
Bandeirados Tipo 3 3 Moderada Contratos
Tipo 4 2 Moderada Contratos
Regionais Tipo 5 1: Marca Moderada Contratos
Tipo 6 3 Inexpressiva Mercado
Bandeira Tipo 7 2 Mínima Mercado
Branca Tipo 8 1 Maioria Mercado
Tipo 9 Nenhum Mínima Mercado
Tipo 6 3 Inexistente Mercado
Independentes Bandeira Tipo 7 2 Inexistente Mercado
Branca Tipo 8 1 Inexistente Mercado
Tipo 9 Nenhum Totalidade Mercado
Nota:
*A classificação de participação no negócio foi relatada pelos entrevistados em
termos de participação no negócio, como porcentagem de faturamento dos negócios
derivados dessas transações. Foram utilizadas as médias aritméticas simples da
amostra de empresas entrevistadas. Foram considerados: até 10%, Mínima; de 10 a
25%, Moderada; acima de 70%, Maioria; até 2%, Inexpressiva; 0%, Inexistente,
100%, Totalidade.
Para os distribuidores regionais, é mais comum a manutenção da forma contratual
com baixas especificidades de ativo junto a seus postos bandeirados e uma
elevada participação de transações de baixo ou nenhum ativo específico com
postos de bandeira branca, numa estrutura de governança de mercado. Para os
distribuidores independentes, as transações são governadas via mercado em suas
transações com postos de bandeira branca, sem qualquer especificidade de
ativos.
Em todos os casos, é verificada a manutenção de transações com postos na
ausência de investimento específico, que ocorrem via mercado entre os três
tipos de distribuidores e postos de bandeira branca.
No que diz respeito ao estabelecimento das governanças híbridas e seus
mecanismos de coordenação além dos contratos, podem-se diferenciar alguns
arranjos híbridos presentes no setor de distribuição e sua caracterização
segundo os mecanismos de coordenação propostos por Ménard_(2004).
Para distribuidores dominantes, foi constada a manutenção de dois mecanismos de
controle para além dos contratos. O primeiro deles é a forma mais comum de
ocorrência na qual ganha espaço o comportamento de liderança da distribuidora,
que exerce autoridade sobre seus postos franqueados, seja por meio do
monitoramento formal, seja pelas sanções previstas em contrato.
Adicionalmente, o mecanismo complementar menos comum inclui uma instituição ad
hoc, como uma forma estrutural de monitoramento efetivada por programas de
certificação dos postos bandeirados. Há a instituição de uma nova marca, que
certifica postos já bandeirados e garante que exatamente o mesmo combustível
que sai da base de distribuição chegue inalterado ao veículo do consumidor.
Nesse tipo de certificação interna, são certificados os postos que, após várias
visitas do laboratório móvel de análises de combustíveis, vêm mantendo os
requisitos exigidos de qualidade.
Essas transações acarretam maiores custos de transação para as distribuidoras,
especificamente em sua diferenciação pelo investimento em ativos específicos.
Para os distribuidores regionais, percebeu-se a utilização apenas do mecanismo
de influência junto a seus postos bandeirados. Esse arranjo híbrido apresenta
especificidade de ativos maior que nas transações via mercado em virtude da
cessão de ativos de marca e, em alguns casos, de ativos específicos físicos ou
humanos. A coordenação das relações ocorre com o uso da influência, por meio do
estabelecimento de regras formais e convenções. O tempo, a história e o
conhecimento entre os agentes funcionam como instrumentos de precaução contra
possíveis ações oportunistas. O poder de enforcement exercido pelos regionais é
substancialmente menor que o exercido pelos dominantes, até mesmo pela
estrutura com as quais estes operam.
Para os distribuidores independentes, as transações se dão via mercado, não
havendo outros mecanismos de coordenação das transações.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na análise do mercado de distribuição de combustível no estado de São Paulo,
evidenciou-se que a escolha da estrutura de governança é definida pelas
características das transações. Uma ressalva se faz para a não ocorrência do
mecanismo hierárquico que deriva única e exclusivamente do impedimento legal,
já que há locação de postos prontos para atividade por parte de distribuidoras,
com obviamente elevadas especificidades de ativos e elevada incerteza, em
governanças que se mantêm híbridas, mas que poderiam ser hierárquicas.
Na pesquisa, sugere-se ainda que a manutenção das estruturas híbridas de
governança e seus mecanismos complementares aos contratos em detrimento do
mecanismo de mercado serve prioritariamente à solidificação das marcas das
grandes distribuidoras, ou seja, daquelas que possuem recursos financeiros para
suportar os ativos específicos necessários para expansão dessa rede franqueada.
Dessa forma, para garantir solidez dessas marcas, esforço fundamental é feito
para redução do comportamento oportunista relativo ao ativo combustível. A
conclusão do trabalho implica uma relação mais complexa, na medida em que é o
investimento na redução da incerteza – relativa a comportamentos oportunistas
sobre o ativo transacionado – é feito para impedir a depreciação do ativo
específico de marca impresso nas transações e não simplesmente para coibir o
oportunismo, sem qualquer outra razão subjacente.
Assim, como já pressupõe a teoria, os diferentes mecanismos complementares
sugeridos por Ménard_(2004) variam em seu grau de esforço, relacionando
basicamente as especificidades de ativos envolvidos na transação, logo, o grau
de proteção que se pretende estabelecer e os custos de transação exigidos para
implementação desses mecanismos.
Há uma diferença fundamental entre distribuidores dominantes e regionais, que
está em alto grau alinhada às características das transações e à possibilidade
de conviver com custos de transação mais elevados. Para distribuidores
regionais, os ativos específicos nas transações são menores, exigindo menor
esforço em sua proteção e, dessa forma, exercício de influência com regras
formais e convenções são o mecanismo mais adequado.
De outra parte, para os distribuidores dominantes, a liderança, pelo exercício
de autoridade, quando o líder detém competências específicas numa posição-chave
da cadeia de distribuição, e a instalação de estruturas formais de
monitoramento, representada nos selos certificadores – instituições ad hoc –,
são os elementos que imprimem proteção aos ativos específicos, os quais são
mais robustos nas distribuidoras dominantes do que nas regionais e apresentam,
por sua vez, aumento nos custos de transação nas transações desses agentes. Os
distribuidores dominantes possuem muito maior potencial de investimento em
ativos específicos e para implementar mecanismos complementares para garantir
estruturas muito mais hierarquizadas do que os regionais.
Do ponto de vista das firmas de distribuição, o arranjo híbrido reduz a
incerteza do negócio e também aumenta a possibilidade de exercício de poder ao
longo da cadeia, já que esses grandes grupos – dominantes – são agentes que
concentram quase a totalidade do elo anterior à distribuição, no caso da
gasolina (BR refinaria concentra 98% do refino) e uma parte significativa das
compras de etanol, cerca de 60%, segundo Marques_(2011). Dessa forma, a
manutenção de contratos é a forma mais eficiente de proteção de ativos
específicos ao negócio e garantia dos retornos esperados.
Do ponto de vista do mercado consumidor, os arranjos híbridos tendem a aumentar
os preços praticados na bomba, mais que o esperado pela redução dos custos de
mensuração expressos pelos referenciais de marca das distribuidoras.
As governanças via mercado, por sua vez, têm sido estratégia básica das
distribuidoras independentes e a estrutura de governança mais comum para as
regionais, já que a ampliação de sua rede revendedora ainda é incipiente. Para
essas firmas, a governança via mercado é extremamente confortável na medida em
que grande parte dessas empresas realiza poucos investimentos específicos à
atividade.
Sob a ótica dos consumidores, esse arranjo garante preços mais baixos, na
medida em que dispensa custos associados às transações de maior especificidade
de ativos, contudo, arca-se com os custos de mensuração de um bem de difícil
percepção qualitativa, o que muitas vezes justifica a desconfiança dos agentes
consumidores em relação aos postos de bandeira branca, em grande medida
potencializada pelos elevados índices de não conformidade em fins dos anos 1990
comparativamente às bandeiras dominantes.
*Sobre a Incerteza, adotou-se o conceito de Williamson_(1975) que se refere à
definição trazida por Knight_(2002), ou seja, eventos cuja ocorrência não se
pode prever, diferentemente do conceito de risco, que se refere a eventos cuja
probabilidade de ocorrência pode ser estabelecida.