Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRHUAp0080-21072015000400432

BrBRHUAp0080-21072015000400432

National varietyBr
Year2015
SourceScielo

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Estrutura social e criação de empresas 1. INTRODUÇÃO A figura do empreendedor tem sido, com raras exceções (ver, por exemplo, Kirzner,_1982; Knight,_1964; Schumpeter,_1971a, 1971b), negligenciada pelo pensamento econômico, em que pese sua relevância aos processos de formação do mercado. Tal fato vem sendo observado, inclusive, por economistas (Baumol, 2010; Casson,_2003). Para Baumol_(2010,_p._12), embora poucos economistas neguem a importância do empreendedor e de seu papel crucial, ele encontra-se quase complemente excluído de modelos teóricos da firma padrão. No modelo neoclássico, que remonta aos precursores da análise econômica, o conceito de mercado ocupa posição central. Nesse contexto, o mercado é vislumbrado como espaço de intercâmbio regido por princípios de aplicação universal, em que um processo impessoal, designado cálculo econômico, quantifica e resolve as interações entre oferta e demanda. Em outras palavras, entre quem produz e quem consome. Emerge daí uma solução fundamentada em definições de quantidades e preços. Coerentes com pressupostos neoclássicos, as empresas são agentes de transação relativamente indiferenciados, movidos por princípios de racionalidade econômica e, como tal, despidos de qualificações sociais.

A moderna Sociologia Econômica surge como contraponto às abordagens das Ciências Econômicas. Com foco nas transações mercantis, observa que as empresas se encontram permeadas por relações sociais, que não apenas lhes dão forma, mas também condicionam seu nascimento e desenvolvimento. Como salientando por Le Velly_(2011,_p._37), "todo mercado é embeddeded", ou seja, as trocas econômicas realizam-se, geralmente, em um ambiente permeado por relações interpessoais.

Nesse contexto, os empreendedores, considerados indivíduos capazes de extrair e combinar recursos provenientes de distintas estruturas nas quais se encontram imersos (Aldrich,_2009; Burt,_1992; Granovetter,_2005a; Zalio,_2011), podem ser vislumbrados com atores-chave no processo de construção do próprio mercado.

Granovetter_(2005a) observa que, na constituição de um empreendimento, existem transferências de recursos entre esferas social e mercantil. Em outras palavras, quando atividades não-econômicas e econômicas são misturadas, as primeiras afetam os preços e as técnicas disponíveis nas segundas, evidenciando a "extensão na qual a ação econômica está conectada ou depende das ações ou instituições que não são econômicas em conteúdo, objetivos ou processos" (Granovetter,_2005b, p. 35). Com efeito, muitos dos recursos necessários às atividades produtivas encontram-se enraizados (embeddeded) no interior das estruturas sociais, especialmente no formato de redes. A partir delas, os empreendedores obtêm informações sobre oportunidades de negócios, identificam possibilidades de parcerias, acessam recursos valiosos, chegam a novos clientes e mercados, usufruem de solidariedade, etc.

Segundo Granovetter_(2008), no interior das estruturas sociais, baseadas em redes interpessoais, são construídos os empreendimentos e emergem as instituições. Observa que tais estruturas condicionam as iniciativas individuais e os resultados econômicos daí derivados. Existem três grandes tipos de estruturas sociais: dotadas de forte acoplagem; fraca acoplagem; forte desacoplagem. Essas estruturas compõem uma tipologia básica, útil para análise de diferentes fenômenos econômicos. Cada fenômeno, no entanto, possui suas próprias peculiaridades e, como tal, deve ser submetido a uma análise caso a caso. Nesse contexto, a criação de empresas constitui-se um caso particular de empreendimento, levado a cabo por indivíduos, designados empreendedores.

Tais indivíduos encontram-se inseridos em diferentes tipos de redes sociais, capazes de afetar ou influenciar seus esforços e os resultados de suas ações.

Quais seriam essas redes e quais seus eventuais impactos em algumas dimensões do processo de empreender? No presente artigo, a proposta é responder a essas indagações. Utiliza-se, para isso, uma pesquisa amostral, realizada com uma amostra representativa do universo de empresas industriais do município de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Procura-se, primeiramente, identificar os principais tipos de redes de inserção dos empreendedores, antes da abertura de seus empreendimentos, em consonância com as proposições genéricas de Granovetter (2008), sobre níveis de acoplamento e desacoplamento.

Busca-se, em seguida, verificar se existe associação entre os diferentes tipos de estruturas e algumas dimensões do processo empreendedor, em particular: os fatores/ motivos que levam ao empreendedorismo; as condições de acesso a clientes/ mercado. Para isso, é utilizado o teste estatístico do chi square, que permite testar a significância da associação entre variáveis de natureza qualitativa. Utilizam-se duas hipóteses. A primeira (H0): As estruturas sociais no formato de redes sociais e a construção dos empreendimentos são variáveis independentes. A segunda (H1): Existe associação entre estrutura e construção.

O artigo encontra-se dividido em três partes, além desta introdução. Na primeira apresenta-se o referencial teórico; na segunda, os aspectos metodológicos; e na terceira, os resultados da investigação. Na conclusão resgatam-se e consolidam-se os resultados. Observa-se que os resultados alcançados permitem concluir que existe associação entre a variável estrutura e as demais dimensões pesquisadas. Embora restritos a um dado universo de interesse, permitem propor o esboço de uma tipologia de estruturas sociais, específica para o caso do empreendedor, baseada na natureza de seus vínculos prévios. Tal proposição, útil para futuros trabalhos, é uma das contribuições do presente trabalho.

Observa-se, além disso, que algumas das reflexões aqui avançadas, em particular sobre o papel do empreendedor na construção do mercado, possibilitam desvendar, a nível micro, algumas dimensões do complexo processo de construção do mercado, um dos temas mais emblemáticos da moderna Sociologia Econômica, em direto contraponto a abordagens dominantes no domínio da Ciência Econômica. Em acréscimo, sobre a natureza dos vários tipos de redes de inserção dos empreendedores, observa-se uma lacuna tanto na literatura nacional (Revista de Administração Contemporânea, Revista de Administração de Empresas, Revista de Administração [RAUSP] etc.) quanto na internacional (Academy of Man­agement Journal, Journal of Business Research, Journal of International Management, Journal of Management Inquiry etc.). Sobre tal tema, nada se encontrou organizado nos últimos dez anos.

2. REFERENCIAL TEÓRICO mais de dois séculos, Adam Smith_(1967), ao escrever sua obra hoje clássica, fez menção ao "padeiro" e ao "cervejeiro". No entanto, se Adam Smith cita a presença de "empreendedores", a Ciência Econômica, com raras exceções, não vai se preocupar com a figura do empreendedor, em particular. Baseado em uma concepção utilitarista da ação humana, em cálculos racionais associados ao ganho estritamente indivi­dual, o conceito de "mão invisível" de Adam Smith, argumenta Casson_(2003), acaba por despersonalizar o processo de mercado, subestimando a "mão visível" desempenhada pelo empreendedor. De fato, ignorados pela teoria da firma (Foss_&_Klein,_2005), os indivíduos e empreendimentos individuais respondem por "muitas das decisões que afetam o crescimento econômico" (Baumol,_2010, p. 12). Tais fatos justificariam a inclusão dos empreendedores no centro das análises sobre o contexto econômico.

Nessas análises, os empreendedores são vislumbrados, geralmente, como atores atomizados capazes de produzirem e transacionarem bens e serviços em um mercado competitivo, constituído por atores anônimos. Schumpeter_(1971a, 1971b) havia reconhecido as limitações da abordagem econômica clássica, para observar o fenômeno empreendedor, reconhecendo que a resposta deveria ser buscada, também, fora do grupo de fatores descritos pela teoria econômica. Para Steiner_ (2005), a Sociologia Econômica, nascida na década de 1980, responderia ao desafio lançado por Schumpeter_(1971a, 1971b) sobre a necessidade de uma fertilização cruzada entre a Economia e a Sociologia, após tanto tempo de especialização. As abordagens sobre o empreendedor advêm de várias campos do conhecimento. Como observado por Vale_(2014), incluem-se a Economia, a vertente da inovação, a vertente da Psicologia, a vertente da Sociologia, a vertente da Sociologia Econômica. O presente trabalho insere-se nessa última vertente.

No domínio das Ciências Sociais, a concepção de que os "indivíduos e as organizações afetam e são afetados pelo contexto social é seminal e tem sido utilizada para análise do fenômeno empreendedor" (Thornton,_1999, p. 21).

Insere-se, no contexto dessa reflexão, a vertente da moderna Sociologia Econômica. Nela, o empreendedor pode ser compreendido como um ator dotado de interesses econômicos e inserido em um determinado contexto, caracterizado por uma rede de laços e relacionamentos. Embora tais reflexões, ainda que incipientes, remontem a autores como Bohannan_and_Dalton_(1962) e Hirschman_ (1958), foi a partir dos trabalhos de Granovetter_(1985a) que elas adquiriram a proeminência atual (Vale,_2014).

Ainda que o interesse inicial de Granovetter_(1973, 1983) não compreendesse, essencialmente, o tema do empreendedorismo, sua linha de raciocínio permitiu seu amplo tratamento, e acabou, posteriormente, por abarcá-lo de maneira direta (Granovetter,_2003). Insere-se, nas reflexões de Granovetter_(1973, 1983), a temática dos laços sociais. Esses podem ser fortes ou fracos, diretos ou indiretos. Os laços fortes são constituídos por contatos frequentes e de longa duração (Granovetter,_1973, 1983), constituindo redes coesas capazes de gerar solidariedade e de promover a confiança. os laços fracos são caracterizados pelos relacionamentos pouco frequentes, formados em ocasiões nas quais os contatos com as díades são, sobretudo, fortuitos ou de curta duração (Granovetter,_1983).

Originários de diferentes tipos de redes, os laços fracos fornecem recursos que extrapolam aqueles disponíveis nos conjuntos de relacionamentos em que o empreendedor se encontra imerso (Granovetter,_1983; Hite,_2005). Os laços são considerados diretos quando existe uma relação direta entre dois atores de interesse, e indiretos quando essa relação é intermediada por um terceiro ator.

Granovetter_(1973) vislumbra o empreendedor como um agente capaz de conectar, via laços fracos, grupos sociais distintos, compostos por diferentes atores - como produtores, vendedores e compradores - que, de outra maneira, permaneceriam desconectados. Dessa forma, Granovetter_(1973, 1983, 2005a) termina por defender a força dos laços fracos.

Posteriormente, Granovetter_(1985a, 2005a) avança em suas reflexões sobre a força dos laços sociais, elaborando o conceito de embeddedness, ao observar as interconexões entre as transações mercantis e as relações sociais (Granovetter, 1985a). Para o autor, elas se interpenetram e se reforçam, mutuamente, não sendo possível analisar um fenômeno econômico separado de suas dimensões sociais. O autor mostra como as transações econômicas entre indivíduos ou empresas surgem a partir de relações previamente existentes. Assim, é comum um amigo tornar-se parceiro comercial, da mesma maneira que um cliente frequente pode tornar-se um amigo. Essa mesma lógica interativa, aqui elucidada no nível micro, pode ser observada, também, na emergência de estruturas mais amplas, a exemplo da própria instituição do mercado (Granovetter,_1985a, 2008).

Tais colocações encontram forte sintonia com uma tipologia de estruturas posteriormente elaborada por Granovetter_(2003, 2008). Resultado de sua análise sobre a construção social das instituições econômicas, e da emergência e evolução de diferentes arcabouços sociais no interior dos quais os indivíduos atuam e trocam recursos entre si, tal tipologia fundamenta-se, sobretudo, nos conceitos de acoplamento e desacoplamento. Enquanto o primeiro indicaria a presença de redes de relacionamentos dotadas de forte interação entre os atores e, consequentemente, de maior coesão interna, o desacoplamento sugeriria redes menos densas e mais fragmentadas. Um nível excessivo de acoplamento pode ser prejudicial a certos empreendimentos, assim como sua escassez.

A partir desses conceitos, Granovetter elabora sua tipologia, composta por três tipos básicos de estruturas sociais: * redes dotadas de forte desacoplagem, em que intensa possibilidade de conflitos violentos e remotas probabilidades de cooperação generalizada, de formação de liderança e de geração de lucro; * redes caracterizadas por forte acoplagem, constituídas de grandes chances de cooperação generalizada e de poucas possibilidades, sejam de conflitos violentos sejam de lideranças ou de lucros centralizados; * redes compostas por fraca acoplagem, propensas à possibilidade média de cooperação generalizada, de conflitos violentos, ou, ainda, à intensa probabilidade de liderança ou lucro centralizados. Se um ator encontra- se, por exemplo, envolvido em um empreendimento cujos ingredientes fundamentais são a coesão e a solidariedade, ele poderia estar bem posicionado em redes sociais dotadas de forte acoplamento. Tais estruturas, no entanto, são desprovidas de vínculos intercruzados, capazes de fornecer-lhe recursos inéditos e não redundantes somente disponíveis em outros arcabouços sociais.

Ao analisar a criação de pequenas empresas por populações imigrantes em vários países, Granovetter_(2005a) enfatiza a importância de haver um equilíbrio entre o acoplamento e o desacoplamento, ou seja, a presença, concomitante, de certo grau entre ambos. Se o primeiro pressupõe a presença de relações de confiança expressas em laços capazes de gerar algum nível de solidariedade, o segundo sinaliza para a possibilidade de afastamento e desconexão, importantes em certas situações. Muitas vezes, é a maneira que o empreendedor possui de evitar abusos dos laços fortes (amigos pessoais, familiares), capazes de incidir sobre seu empreendimento. A imposição de interesses pessoais sobre os negociais ou empresariais pode subverter a lógica produtiva do negócio, inibindo sua racionalização e comprometendo sua busca por eficiência. Livre dos entraves gerados por excesso de acoplamento, o indivíduo possui maior autonomia de ação.

Observa Granovetter_(2005a,_p._195) que "uma estratégia baseada na confiança e na limitação das obrigações parece ser muito conveniente na criação de pequenas empresas prósperas". O autor insere os laços familiares no contexto de forte acoplamento. Tal tema vem merecendo recente atenção dos pesquisadores, embora ainda não pareça ter chegado ao Brasil (Castilla,_Hwang,_Granovetter,_& Granovetter,_2010 ; Li,_Leung,_Chen,_&_Luo,_2012 ; Luo,_2011; Stryjan,_& Högskola,_2006).

Uzzi_(1997) aborda, de outra maneira, semelhante tema. Em suas pesquisas sobre as relações de troca entre compradores e vendedores no comércio de confecções de luxo, localizado em New York, enfatiza a temática do embeddedness sob a lógica específica de trocas/interações no mercado. Segundo ele, os diferentes tipos de transações, identificadas em sua pesquisa, poderiam ser sintetizados em apenas dois: as relações de troca baseadas nos princípios de mercado (impessoalidade, atomicidade, etc.); as relações especiais ou próximas - essas caracterizadas por laços enraizados (embeddeded). As relações de mercado estariam mais associadas a conceitos tradicionalmente trabalhados no modelo econômico neoclássico, sendo regidas pelo princípio do ganho econômico e desprovidas de reciprocidade e interação social. as relações especiais são formadas por laços pessoais, capazes, por seu lado, de engendrar a reciprocidade, a presença da confiança e a recorrência nas trocas. Cada tipo possuiria suas próprias vantagens e desvantagens.

As trocas baseadas em embeddedness possibilitariam promover economia de tempo, acordos integrativos e alguma eficiência alocativa. Ao mesmo tempo, poderiam limitar a capacidade de desenvolvimento do empreendimento, na medida em que reduziriam a possibilidade de acesso a fontes alternativas de informações, importantes, sobretudo, em momentos de crises e de mudanças. Existiria, por consequência, certo paradoxo na lógica do embeddedness. Consequentemente, o desempenho ideal de um empreendimento pareceria ser o resultante de certo equilíbrio entre relações de "mercado" e de relações especiais (embedded). Suas reflexões, a exemplo das de Granovetter_(2005a), destacam a necessidade de se equilibrar extremos. Para Uzzi_(1997), no entanto, esse equilíbrio é resultante da natureza de laços obtidos no contexto de trabalho (ou seja, laços de natureza profissional). A influência de Uzzi_(1997) pode ser observada em várias pesquisas correntes (Figueiredo,_2010; Molna,_Whithama,_&_Melameda, 2012 ; Thye,_Lawler,_&_Yoon,_2011 ; Vasconcelos,_&_Oliveira,_2012).

Embora a tipologia de Granovetter não tivesse sido elaborada para o caso particular do empreendedor, ela pode se constituir importante ponto de partida para tais estudos. Indivíduos que vão criar um empreendimento encontram-se inseridos em estruturas sociais específicas, com maior ou menor ligação ou acoplamento com o ambiente de negócios de interesse. Enquanto Granovetter menciona a intensidade eventualmente prejudicial de laços familiares, por serem, em geral, muito intensos, Uzzi observa a possibilidade de se obter melhor equilíbrio com laços de natureza profissional. Advêm daí duas categorias de laços de interesse desse trabalho: familiares e profissionais.

Indivíduos cujas famílias desempenham atividades empreendedoras no segmento de interesse estariam, a princípio, mais ligados ou acoplados com o contexto visado por um futuro empreendedor. Diversos autores vêm enfatizando a influência da família no contexto empreendedor (ver, por exemplo, Hite,_2005; Swedberg,_2004). O conceito de imersão em laços de natureza familiar apresenta- se em consonância com o conceito de forte acoplamento de Granovetter_(2003, 2008). Por outro lado, muitos autores vêm destacando a importância de outros tipos de laços - esses, de natureza profissional - na sustentação de novos empreendimentos (Ostgaard,_&_Birley,_1996 ; Vale,_2007). Indivíduos que possuem laços de trabalho (laços de natureza profissional) com o segmento produtivo de interesse parecem ser dotados de condições favoráveis para o exercício da experiência empreendedora. Laços profissionais prévios garantiriam certo nível de relacionamento ou acoplamento com o contexto de interesse, caracterizando o tipo descrito por Granovetter como fraco acoplamento.

Observa-se, no entanto, que nem todo indivíduo que se lança ao empreendedorismo possui laços prévios diretos com o ambiente de negócios de seu interesse.

Alguns, desprovidos desses laços, buscam outros tipos de redes, de natureza mais difusa, capazes de sustentar seus empreendimentos. Essa terceira categoria poderia ser designada por laços difusos, guardando consonância com a proposição de forte desacoplamento de Granovetter_(2003, 2008). Como observado por Granovetter_(1983), as redes pessoais, sobretudo as formadas por laços fracos, tênues e distantes, podem proporcionar acesso a alguns recursos inéditos e não redundantes. Ter-se-ia, assim, nesse momento, um conjunto formado por três diferentes categorias de laços dos indivíduos empreendedores: familiar, profissional e difusa, cada uma delas guardando consonância com um tipo genérico definido por Granovetter.

Observa-se que cada um desses três tipos de estruturas vem sendo objeto de vários estudos esparsos na literatura sobre empreendedorismo (Granovetter, 2005a; Hite,_2005; Ostgaard_&_Birley,_1996 ; Swedberg,_2004; Vale,_2007). No entanto, nenhum desses estudos os abordou de maneira integrada. Eles apresentam-se aqui, pela primeira vez, de maneira integrada. Essas estruturas - cada uma delas, por sua vez - poderiam influenciar algumas dimensões do processo empreendedor.

Como observado, laços são vislumbrados como canais privilegiados de acesso a recursos diferenciados (Burt,_1992; Uzzi,_1997; Wasserman,_&_Faust,_1999).

Algumas estruturas sociais seriam, portanto, mais capazes do que outras de influenciar positivamente o desempenho das iniciativas de construção de empreendimentos e mercado e os resultados econômicos daí derivados (Castilla_et al.,_2010; Figueiredo,_2010; Granovetter,_1973, 1985a, 2005a, 2008; Li_et_al., 2012; Luo,_2011; Molna_et_al.,_2012; Stryjan_&_Högskola,_2006 ; Thye_et_al., 2011; Uzzi,_1997). No contexto do presente trabalho, algumas dimensões do processo de construção de um empreendimento são de particular interesse. São elas: os fatores/motivos que levam ao empreendedorismo, incluindo-se, , a busca da oportunidade; os mecanismos de acesso aos clientes/mercado, incluindo- se a natureza dos clientes.

Na visão de Kirzner_(1982), empreendedores são indivíduos atentos às oportunidades. A identificação de oportunidades, inserida entre as motivações para a criação de novos negócios (Aldrich,_&_Cliff,_2008), vem sendo, nos últimos anos, muito explorada na literatura (Duarte_et_al.,_2011). Associados a esse, outros motivos vêm sendo apresentados, como, por exemplo, desejo de independência pessoal (Block,_&_Sandner,_2009), necessidade de autorrealização (McClelland,_1971), capacidade de executar as próprias ideias (Block,_&_Koellinger,_2008 ; Block,_&_Sandner,_2009). Mais recentemente, a vertente que investiga a dualidade das motivações empreendedoras, oscilando entre oportunidade e necessidade, ganhou grande destaque, sobretudo a partir de trabalhos de Bögenhold_(1987) e do Reynolds,_Bygrave,_&_Autio_(2002). Sobre tal tema, ver, por exemplo, Williams,_Round,_e_Rodgers_(2009). Segundo tais autores, os indivíduos engajar-se-iam nas atividades empreendedoras movidos por duas razões consideradas, a princípio, dicotômicas: necessidade ou oportunidade (Amit,_&_Muller,_1995 ; Reynolds_et_al.,_2002).

Outros estudos, no entanto, vêm destacando a presença de motivações múltiplas e salientando uma possível interação entre elas (Vale,_Corrêa,_&_Reis,_2014).

Inserir-se-ia, entre tais motivações, por exemplo, a criação de empresas como forma de se ajudar um membro da família em dificuldades (Friedman,_1986).

Alguns autores destacam que, em alguns momentos, motivações associados a limitações no mercado de trabalho também podem ser relevantes (Remeikiene_& Startiene,_2009 ; Reynolds_et_al.,_2002). Consequentemente, múltiplas poderiam ser as motivações para a criação de um empreendimento. Caberia, então, investigar se haveria alguma associação entre a natureza das redes de inserção dos empreendedores e as motivações.

Outra dimensão de interesse, ligada ao processo de construção de um empreendimento diz respeito aos mecanismos de acesso aos clientes e mercados.

Diferentes autores (ver, por exemplo, Grossetti,_Barthe,_&_Beslay,_2006 ; Mallard,_2011) salientam a matéria, influenciados, sobretudo, por trabalhos anteriores de Granovetter_(1985b). Esse autor, ao analisar relações existentes no mercado de trabalho, distinguiu duas categorias: contatos pessoais/ familiares; contatos de trabalho, próximos ou distantes, diretos ou indiretos.

Nessa linha de raciocínio, mas enfocando as formas de acesso de um empreendedor ao seu mercado, Grossetti_et_al._(2006) identificam 11 distintos mecanismos de mediação passíveis de serem utilizados pelos empreendedores. Mallard_(2011), por sua vez, distingue cinco mecanismos ou formas de acesso ao mercado, incluindo a propaganda boca a boca. Segundo ele (2011, p. 96), a importância imputada a esse mecanismo poderia, "por si , confirmar a pertinência das abordagens da sociologia econômica baseadas na noção de redes sociais" para o estudo dos processos de construção de um mercado.

Um tema relevante associado, mas ainda não explorado na literatura, até o presente momento, diz respeito à avaliação da parcela de amigos e conhecidos do empreendedor que se tornam seus clientes. A transformação de uma relação pessoal em mercantil, ou vice versa, é um dos cernes do conceito de embeddedness (Granovetter,_1983). Para Granovetter, é comum, no mundo dos negócios, um amigo transformar-se em um parceiro comercial; da mesma forma, um parceiro comercial pode transformar-se em um amigo. E que pese sua importância, tal tema, no entanto, não foi ainda explorado empiricamente, no contexto específico do processo de criação de mercado para um empreendimento.

As reflexões aqui inseridas são resgatadas e consolidadas na Figura_1, em que se apresenta o modelo de análise aqui proposto. Como pode ser observado, sugere-se a presença de três tipos de estruturas sociais e suas possíveis associações a duas dimensões da trajetória empreendedora.

Figura 1 Modelo Teórico: Estrutura Social e Dimensões da Trajetória de Empreendedores  3. ASPECTOS METODOLÓGICOS Para efeito deste trabalho, utiliza-se o conceito de empreendedor tal como proposto por Gartner_(1989), ou seja, aquele que cria uma empresa. Tal conceito é pertinente, visto que na pesquisa aqui relatada enfocam-se indivíduos durante seu processo de iniciação empreendedora. Recorre-se, para isso, a uma metodologia retrospectiva para a coleta de dados longitudinais (Elliot,_2005), focada nas lembranças e nos registros do empreendedor sobre eventos, processos e circunstâncias de interesse (Featherman,_1989).

A pesquisa de campo contou com uma amostra composta por 100 empreendedores do setor industrial localizados no município de Belo Horizonte, em Minas Gerais. A amostra, de natureza aleatória simples, sem reposição, foi extraída de um universo composto por 4.100 empresas - sendo 98% delas micro e pequenas empresas - integrantes do cadastro da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG).

Pode-se estimar, com base em dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae - http://www.sebrae.com.br, recuperados em 1 de outubro de 2014) e do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese - http://www.dieese.org.br, recuperados em 1 de outubro de 2014), que as empresas cadastradas, afiliadas à FIEMG, representam cerca de 50% do total de empresas industriais existentes no município. Belo Horizonte, com uma população estimada de 2.375 mil habitantes, em 2010, possui uma base industrial composta, sobretudo, por pequenas empresas de setores tradicionais, como confecções, calçados, artigos de couro, laticínios, alimentação, móveis e metalurgia (IBGE,_2015). São setores com baixa barreira à entrada, pouca exigência de capital, pequena escala e algum conhecimento técnico. Solicitou-se a cada entrevistado - sócios proprietários das empresas - que respondesse a um questionário estruturado, contendo questões sobre a natureza dos laços anteriores à criação da empresa e o processo de criação do empreendimento. Os dados foram, posteriormente, organizados em planilhas do programa Microsoft Excel e analisados com o software estatístico SPSS versão 17.0. Trabalhou-se com um nível de confiança de 95,5% e um erro amostral de dez pontos percentuais.

Os dados foram processados em dois momentos distintos. No primeiro, procurou-se identificar a natureza das redes de relacionamentos dos indivíduos previamente à abertura de seus respectivos empreendimentos. Eles foram solicitados a informar, através de questionários estruturados, se haviam tido, previamente à abertura de suas empresas, algum tipo de contato ou laço com pessoas/ empresas que atuavam, direta ou indiretamente, no mesmo segmento produtivo de interesse.

Pôde-se, assim, agrupar os indivíduos, inicialmente, em dois grupos: com algum contato prévio e desprovido de contato. Esse último, que equivaleu a 36% do total de entrevistados, agrupou os indivíduos que não possuíam tipo algum de laço com o segmento de interesse. Todos seus laços sociais eram, por sua vez, derivados de contatos genéricos e difusos com outros segmentos ou contextos.

Tal grupo foi considerado como formado por laços difusos. Para o restante (64% do total), que afirmaram possuir laços prévios com o segmento de interesse, procurou-se identificar qual a natureza desses laços.

Para isso foram definidas, antecipadamente, algumas alternativas fechadas de respostas, incluindo os seguintes tipos de laços: derivados de trabalho como empregado (em empresas do ramo, em empresas clientes, em empresas de fornecedor, em organizações de apoio ao segmento); derivados da vida empresarial (como sócio de empresas na área, à jusante ou à montante da cadeia produtiva); derivados de familiares (parentes proprietários de empresas no segmento); com amigos/ conhecidos, diretos e indiretos no segmento. Não se registrou citação alguma de laços com amigos e conhecidos, categoria essa abandonada. Além dessas alternativas, foi deixado um item em branco, para captar respostas espontâneas, que extrapolassem as anteriores, o que também não se verificou. Os resultados permitiram a explicitação de duas outras categorias: empreendedores que possuíam laços familiares prévios (remanescentes de famílias de empreendedores), equivalendo a 28% do total; empreendedores com laços remanescentes de empregos/profissões, equivalendo a 36% do total.

Observa-se que foram considerados familiares apenas aqueles laços derivados de seu núcleo central, mas não vinculados, diretamente, à operação da empresa.

Foram considerados contatos profissionais aqueles construídos pelo respondente durante seu período de trabalho em outra empresa ou atividade. Foram considerados contatos pessoais aqueles construídos fora do círculo familiar ou profissional, a exemplo de colegas de escola, clube, vizinhança etc. Observou- se que, em alguns poucos casos, as categorias previamente definidas não eram mutuamente excludentes, a exemplo de indivíduos derivados de famílias de empreendedores, e que, ao mesmo tempo, trabalhavam na companhia de algum familiar (pais, tios, irmãos, primos etc.). Nesses casos, prevaleceu a conexão com a categoria família. Em outros casos, foi solicitado ao empreendedor para, referindo-se ao período anterior à criação de sua própria empresa, citar, apenas, a natureza mais proeminente das relações.

A análise dos dados, a partir de categorias analíticas previamente definidas, em consonância com as proposições de Granovetter_(2005a, 2005b, 2008), permitiu caracterizar, com nitidez, três grandes categorias distintas (indivíduos originários de estruturas profissionais; de estruturas familiares; desprovidos de estrutura prévia com o segmento, que passou a ser designado por estruturas difusas). A partir daí teve início a segunda etapa de tabulação dos dados, na qual se procurou verificar eventuais associações entre essas categorias e demais variáveis de pesquisa, em particular: a busca de oportunidade; as motivações para empreender; os canais de acesso aos clientes/mercado; a parcela de amigos e conhecidos que o empreendedor foi capaz de transformar em clientes.

Para a identificação dos motivos que levaram o indivíduo a abrir um empreendimento, trabalhou-se com um conjunto formado por dez alternativas fechadas, passíveis de múltiplas respostas. São elas: identificação de uma oportunidade de negócio; necessidade de ampliar renda pessoal; utilizar relacionamentos acumulados na área; utilizar influência/experiência familiar; desejo de tornar-se independente; necessidade de dar ocupação a membros da família; insatisfação com o emprego; desemprego; convite para participar como sócio; outras (em aberto) - nessa, o entrevistado foi solicitado a indicar os motivos mais importantes.

Para a identificação dos mecanismos de acesso a oportunidades, ao longo da trajetória de seu empreendimento, foram considerados os contatos profissionais, familiares, pessoais e outros (a exemplo daqueles obtidos em feiras, exposições etc.). Para a identificação dos mecanismos de acesso aos clientes/mercado utilizou-se, na presente pesquisa, uma relação formada por 11 diferentes formas de acesso, incluindo formais e informais, além de uma categoria em aberto, visando captar manifestações espontâneas. Diferentemente de Mallard_(2011), que distingue, além dos mecanismos formais, apenas um informal, por ele designado propaganda boca a boca/redes informais, na presente pesquisa procurou-se distinguir, além desse (caracterizado pelo quesito "indicação dos clientes"), também o recurso específico derivado das redes de relacionamentos do empreendedor (caracterizado pelo quesito relacionamentos pessoais do empreendedor). A capacidade das relações pessoais do empreendedor alavancar seu empreendimento, transformando antigos amigos e conhecidos em clientes também foi investigada.

Para conferir a presença (ou ausência) de associações foi utilizado o teste do Qui Quadrado, capaz de testar a significân­- cia da associação entre variáveis e considerado útil em pesquisas em que predominam variáveis qualitativas, como é o caso (Babbie,_2002). Procurou-se verificar se existem, entre os três tipos de estruturas sociais - tratadas como variáveis independentes -, alterações significativamente diferentes ao serem consideradas as seguintes dimensões (variáveis dependentes): motivações para empreender; canais de acesso aos clientes/mercado; e capacidade de transformar amigos e conhecidos em clientes.

Para testar as hipóteses, utiliza-se o teste de independência do Qui-Quadrado, a um nível de significância menor ou igual a 0,050 (não significante acima desse valor). Sobre esse teste, ver, entre outros, Bussab_e_Morettin_(2010), Kümpel_et_al._(2011), Veloso_e_Malik_(2010).

4. RESULTADOS OBTIDOS Observa-se, inicialmente, a distribuição do universo empresarial de interesse entre os três tipos de estruturas. A pesquisa identificou que 36% do total de indivíduos pesquisados eram originários de redes profissionais, 28% de familiares e 36% de difusas. Analisando-se os motivos que os levaram à criação de seus empreendimentos, observa-se que, em todas as estruturas analisadas, os seguintes fatores foram igualmente importantes: identificação de oportunidade (Aldrich_&_Cliff,_2008 ; Kirzner,_1982), necessidade de ampliar a renda pessoal (Reynolds_et_al.,_2002; Smallbone_&_Welter,_2001 ; Williams_& Round,_2009) e desejo de tornar-se independente (McClelland,_1971). No entanto, tal como sugerido por Friedman_(1986), outros fatores também intervieram (Remeikiene_&_Startiene,_2009 ; Valarelli_&_Vale,_1997). Alguns deles apresentam associação significativa com as estruturas sociais (Tabela_1).

Tabela 1 Motivos Intervenientes na Decisão de Criação de Empresa por Tipo de Estrutura/Redes Sociais  A Difusa B C Familiar ABC Testes Itens/Motivos (n=36) % Profissional (n=28) % (N=100) (n=36) % Identificou oportunidade de 63 63 74 X negócio Necessidade de ampliar renda 61 60 69 X pessoal Chi square Usar relacionamentos acumulados 35 65 55 9,762 /df 2 / Sig. 0,008 Usar influência/ experiência 20 17 50 0 familiar Desejo de tornar-se 67 75 79 X independente Necessidade de dar ocupação a Chi square familiares 6 13 29 10,195 /df 2 / Sig. 0,006 Chi square Estava insatisfeito com emprego 7 30 21 8,713 /df 2 / Sig. 0,013 Estava desempregado 13 9 7 X Foi convidado a participar como 18 24 35 X sócio Nota: A questão permitia múltiplas respostas Como pode ser observado na Tabela_1, empreendedores originários de estruturas profissionais distinguem-se dos demais em um item em particular: o relativo ao uso dos relacionamentos acumulados na área. Deles, 65% inseriram esse motivo entre os principais para a criação de seus empreendimentos. Em seguida, veio a estrutura familiar, com 55% do total de citações e, finalmente, a rede difusa, com apenas 30% (sig. de 0,008). A possibilidade de contar, logo de saída, com relacionamentos acumulados na área empresarial de interesse pode ser vislumbrada como uma importante vantagem para quem se inicia na atividade empreendedora. O indivíduo originário de estruturas profissionais parece mais bem posicionado para isso.

no que diz respeito à utilização da experiência ou da influência familiar, a categoria família distingue-se com 59% das citações, contra 20% e 17% das estruturas difusa e profissional, respectivamente (sig. de 0,000). Usufruir de diferentes recursos dos familiares no processo de criação e inserção de empreendimentos no mercado pode, também, ser altamente vantajoso. Constituídos por laços fortes, tais familiares apresentam maior disponibilidade de assistência e ajuda-mútua, fatores que transformam o desempenho desse tipo de ligação único (Granovetter,_1973, 1983). Nesse caso, empreendedores inseridos em arcabouços familiares parecem desfrutar melhor de tais condições.

A necessidade de dar ocupação a membros da família como motivo relevante para a criação de novo empreendimento também apresenta diferenciação entre as categorias. Mais marcantes na estrutura familiar, 29% do total, contra 13% na profissional e apenas 6% na difusa (sig. 0,006), tais percentuais sugerem que empreendedores imersos em agrupamentos familiares parecem ser relativamente mais compelidos ou pressionados a utilizar a empresa como plataforma para a resolução de problemas parentais. Reflexo do excesso de acoplamento do empreendedor à estrutura social de origem, tais reivindicações são capazes de frear a eficiência e a racionalidade econômicas do empreendimento, deflagrando efeitos danosos (Granovetter,_2005a).

Observa-se que a vinculação prévia em estruturas familiares apresentaria vantagens e desvantagens. Por um lado, elas podem ser benéficas aos empreendedores, pois permitem a eles, logo de saída, acesso facilitado a diferentes recursos como solidariedade, confiança e assistência. Por outro lado, podem ser prejudiciais, à medida que parecem exigir deles maior atenção e dedicação a problemas familiares, desvinculados da lógica inerente ao mundo empresarial. Como exemplo, cita-se a necessidade de dar emprego/ocupação a membros da própria comunidade familiar (Granovetter,_2005a).

Independentemente dos motivos que os levaram à criação de empreendimentos, empreendedores encontram-se, sempre, em busca de novas oportunidades (Shane, &_Venkataraman,_2000). Essa procura permeia o dia a dia dos negócios e continua mesmo após a criação da empresa (Kirzner,_1982). As redes interpessoais - de natureza profissional, pessoal ou familiar, direta ou indireta - são por eles utilizadas, a todo momento, como canais de acesso aos recursos de mercado. Dentre elas, a de natureza profissional - ou seja, aquela derivada das relações de trabalho - representa o caminho mais privilegiado para tal. Observa-se que 74% do total dos empreendedores afirmaram ter, ao longo desse processo, dependido dessas redes em algum grau. Os agrupamentos pessoais, compostos por amigos e conhecidos, também foram considerados importantes fontes de oportunidades por 50% do total dos empreendedores. Em ambos os casos não se observa distinção significativa entre os três tipos de estrutura.

O mesmo não acontece com as redes familiares, consideradas mais importantes por indivíduos imersos em famílias empreendedoras: 37% deles recorrem a elas, contra 29% daqueles sem vínculos e apenas 17% dos derivados dos agrupamentos profissionais. Tais dados suscitam a eclosão de diferentes reflexões: uma delas é que indivíduos originários de famílias empreendedoras aparentam ser, mesmo após a criação de seus negócios, dependentes de seus vínculos parentais para a busca de oportunidades. Isso implica dependência com as relações de origem. Por estarem imersos em redes mais densas, incapazes de projetá-los a recursos somente disponíveis no exterior de tais estruturas, tais indivíduos encontram- se limitados às informações muitas vezes redundantes de sua esfera social.

Segundo Hite_(2005,_p._116), se uma empresa emergente depender das estratégias de governança baseadas em laços familiares, considerando-os suficientes, eles podem colocar em risco o crescimento inicial da empresa.

Ao se analisarem, durante o primeiro ano de empresa, os mecanismos de acesso a clientes/mercado utilizados pelos empreendedores, observa-se que parcela significativa deles, 60%, afirmou ter encontrado entre os amigos e/ou conhecidos os clientes necessários para viabilizar o próprio empreendimento (Tabela_2). Entre esses empreendedores, 42% destinavam mais da metade de sua produção inicial a esse segmento. Esses dados são, por si sós, altamente reveladores da maneira como os empreendedores constroem seus mercados. Observa- se, no entanto, diferenças significativas entre as três estruturas (sig. 0,03).

A participação de amigos e conhecidos como clientes encontra-se evidente, em primeiro lugar, na categoria família (72%), e, em segundo lugar, na categoria emprego/profissão (63%). No caso daqueles inseridos em estruturas difusas (sem vínculo com o segmento), ela é bem inferior: 46%.

Tabela 2 Empresas que Possuíam Amigos e Conhecidos como Clientes no Primeiro Ano de Atividade por Tipo de Estrutura/Redes Sociais  Presença de Parentes, Amigos e Difusa % Profissional % Familiar % Total % Conhecidos Sim 46 63 72 59 Não 54 37 28 41 Total 100 100 100 100 Notas: Chi-square 6,645 / df 2 / Sig. 0,036.

Resultados estão baseados em linhas e colunas não vazias em cada subtabela interior.

*. A estatística qui-quadrada é significante ao nível 0.05.

Os canais/mecanismos de acessos utilizados para chegar aos clientes (Tabela_3) são, sobretudo, de natureza informal, com destaque para as indicações dos consumidores - por meio da propaganda boca a boca -, e para as relações do próprio empreendedor. Enquanto o primeiro tipo não apresentou diferenciação significativa entre as três categorias, o segundo mostrou distinção expressiva, favorecendo empreendedores originários de estruturas familiares. Do total de empreendedores, 57% afirmaram contar - durante o período inicial de seus negócios, considerado crítico - com seus contatos interpessoais para acessar os primeiros clientes. Esse índice cai para 40% quando se consideram empreendedores originários das estruturas profissionais, e para 32% quando são de redes difusas (sig. de 0,040). Ao mesmo tempo, empreendedores originários de estruturas familiares parecem capazes de explorar, com maior propriedade, recursos derivados dos relacionamentos dos próprios funcionários: 19% deles conseguiram acesso a clientes através desse canal, por exemplo, contra 9% e 7% daqueles oriundos de redes profissionais e difusas, respectivamente (sig.

0,036). Tais dados parecem sugerir que empreendedores imersos em redes familiares possuem melhores condições para identificar e contratar empregados dotados de certa experiência e/ou disponibilidade de ajuda, importantes, sobretudo, durante a fase inicial da companhia.

Tabela 3 Principais Canais de Acesso Utilizados pelos Empreendedores nos Estágios Iniciais de Seus Empreendimentos para Chegar a Novos Clientes por Tipo de Estrutura/Redes Sociais  Difusa Profissional Familia Testes Canais de Acesso ao Mercado/ Clientes (n=36) (n=36) % (n=28) ABC % % (N=100) Indicação dos clientes (propaganda boca a 61 63 64 X boca) Chi square Relacionamentos pessoais do empreendedor 32 40 57 6,441 / df 2 / Sig.

0,040 Chi square Relacionamentos pessoais dos funcionários 7 9 19 6,631 / df 2 / Sig.

0,036 Chi square Catálogo, revistas, internet, publicidade. 22 17 40 7,512 / df 2 / Sig.

0,023 Feiras, exposições e eventos 22 13 33 X Nota: A questão permitia múltiplas respostas.

Os dados permitem identificar, como sugerido no modelo teórico de referência, associações relevantes entre a natureza do arcabouço social e certas dimensões ligadas à construção dos empreendimentos (motivação para a criação de um empreendimento, capacidade de contar com amigos e conhecidos como clientes, acesso a clientes/mercado). Tais associações possibilitam, por sua vez, avançar em considerações relacionadas às estruturas em análise. Observa-se que empreendedores originários de afiliações familiares encontram-se melhor inseridos em redes de solidariedade e obrigações recíprocas, utilizando-as, mais facilmente, na criação de seus empreendimentos (50% deles, versus 17% e 20% nas demais categorias, respectivamente). Demonstram-se também, ao mesmo tempo, mais capazes de transformarem - nos momentos críticos das empresas, a exemplo do início de suas atividades - os amigos e conhecidos em potenciais clientes: 72% contra, respectivamente, 63% e 43% das demais. Além disso, conseguem, de maneira facilitada, identificar e explorar recursos adicionais.

Tal atributo evidencia-se, por exemplo, quando contratam funcionários conhecedores do ramo, capazes de serem utilizados como forma privilegiada de acesso a novos clientes.

No entanto, esse tipo de inserção, mais forte ou intensa, parece apresentar, também, alguns inconvenientes. Mais vulneráveis às pressões e reivindicações não empresariais, empreendedores imersos nessas estruturas correm o risco de se tornarem prisioneiros de suas próprias vinculações. É o caso, citado, da necessidade de dar emprego/ocupação a outros membros da família (Granovetter, 2005a). Ao mesmo tempo, demonstram-se mais condicionados às seus arcabouços de origem, dependendo deles como canais de acesso às novas oportunidades. Note como isso pode indicar relativo confinamento ao estrito seio familiar. Tal fato poderia comprometer a racionalidade da empresa e a capacidade do empreendedor em identificar e acessar novos recursos e oportunidades (Uzzi,_1997). Observa- se que esse tipo de estrutura/rede apresenta grande identidade com a designada por Granovetter como dotada de forte acoplagem.

Os empreendedores originários de estruturas/redes profissionais apresentam, também, importantes vantagens (Audia_&_Rider,_2005 ; Granovetter,_1973).

Destacam-se, dentre elas: a capacidade, similar à apresentada pelos primeiros, de transformarem amigos e conhecidos em consumidores (63% contra 72%); a habilidade, superior àqueles imersos em redes familiares, de utilizarem relacionamentos de qualquer natureza para a abertura de suas empresas (65% deles, contra 55% no contexto familiar e 35% no difuso); a baixa pressão derivada de reivindicações de natureza não econômica e familiar sobre seus empreendimentos. Evidências podem ser obtidas na baixa parcela dos empreendedores, apenas 15%, que afirmaram ter criado empresas para dar ocupação aos familiares em dificuldades (contra 38% dos indivíduos originários de redes familiares). As evidências ampliam proposições de Granovetter_(2005a) sobre as vantagens de algum grau de distanciamento social (desacoplamento), e permitem associar as características dessa estrutura àquelas designadas por Granovetter_ (2008) como de fraca acoplagem.

empreendedores imersos em estruturas/redes sociais difusas, portanto mais distantes do segmento produtivo de interesse, parecem se encontrar em posição de desvantagem relativa (Granovetter,_1973, 1983, 1985a, 1985b). Tal fato evidencia-se, por exemplo, na capacidade limitada que possuem de, nos primeiros meses do negócio, usufruir das vantagens de terem amigos e conhecidos como clientes (46% deles, contra 63% no contexto das redes profissionais e 72% no contexto das redes familiares). Ao mesmo tempo, apresentam menor habilidade para desfrutar de benefícios derivados da proximidade e inserção prévia em redes associadas ao segmento de atuação. Resulta disso um menor acesso ao mercado por meio dos relacionamentos pessoais, tanto do empreendedor, quanto de seus empregados. Tais características permitem associar essa estrutura com aquela caracterizada por Granovetter_(2008) como dotada de forte desacoplagem.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS As evidências empíricas mostram a influência dos laços e vínculos na trajetória dos empreendedores (Castilla_et_al.,_2010; Figueiredo,_2010; Granovetter,_1973, 1985a, 2005a, 2005b, 2008; Li_et_al.,_2012; Luo,_2011; Molna_et_al.,_2012; Stryjan_&_Högskola,_2006 ; Thye_et_al.,_2011; Uzzi,_1997) e permitem atestar a adequação das proposições teóricas aqui elaboradas. Constatam-se associações entre a natureza das estruturas sociais dos empreendedores (familiares, profissionais ou difusas) e a maneira como eles constroem seus empreendimentos/ mercados. Tal fenômeno, mensurado a níveis de significância inferiores a 0,05, pode ser observado: nos fatores/motivos que levaram ao empreendedorismo; na forma de acesso às oportunidades; e na natureza dos canais de acesso aos clientes/mercado. Dados da pesquisa sugerem a rejeição da hipótese H0, referente à independência entre essas variáveis, e aceitação da hipótese H1, relativa à associação entre elas.

Conquanto restritos a certo universo, os resultados da pesquisa permitem tecer considerações de interesse geral. Uma delas advém da possibilidade de se esboçar uma tipologia específica para a análise do fenômeno empreendedor. Tal tipologia, comparável à genérica desenvolvida por Granovetter (2008), seria composta por três tipos básicos de estruturas sociais (Figura_2): originárias de famílias de empreendedores, dotadas de acoplagem relativamente mais forte no segmento de interesse; derivadas de trabalhos/empregos em empreendimentos associados ao setor de atuação, dotadas de certo grau de acoplagem, porém mais fraca do que a anterior; desprovidas de vínculos diretos com o segmento empresarial, constituídas de maior desacoplagem. Tal esboço, uma contribuição teórica do presente artigo, necessitaria ser testado e aperfeiçoado em futuras pesquisas.

Figura 2 Comparação entre a Tipologia de Estruturas Sociais de Granovetter e a Tipologia Específica para Empreendedores Resultante do Presente Trabalho  Tipos de Estruturas/Redes Sociais Gerais de Granovetter Tipos de Estruturas/ Redes Sociais Específicas para Empreendedores Estrutura com acoplagem forte Estrutura prévia baseada em vínculos familiares Indivíduos imersos (embedded) em redes de interações familiares com o segmento de Atores inseridos em redes dotadas de forte possibilidade de cooperação interesse, apresentando nível de acoplagem relativamente forte. Isso lhes permite generalizada. usufruir diferentes recursos que circulam no interior dessas estruturas (incluindo informações, confiança e solidariedade). A grande proximidade apresenta-lhes, também, alguns inconvenientes.

Estrutura com acoplagem fraca Estrutura prévia baseada em vínculos profissionais Indivíduos situados em ambientes intermediários. Como as estruturas são dotadas de certo nível de acoplagem, ainda que fraca, conseguem usufruir (embora não na mesma Atores inseridos em redes propensas à possibilidade média de cooperação intensidade dos primeiros) dos benefícios de suas redes. Por outro lado, generalizada. demonstram-se menos vulneráveis às exigências de natureza não econômica, capazes de prejudicar o empreendimento. Tal atributo pode lhes dar, eventualmente, vantagem em relação ao primeiro tipo.

Estrutura com desacoplagem forte Estrutura prévia baseada em vínculos difusos Indivíduos mais distantes e desprovidos de laços com o segmento de interesse.

Atores inseridos em redes com baixa possibilidade de cooperação Situam-se em redes dotadas de forte desacoplagem. Privados de vínculos mais generalizada. diretos, encontram-se, a princípio, em situação de desvantagem em relação aos demais.

Como pode ser verificado na Figura_2, indivíduos imersos em redes de relações familiares apresentam níveis de acoplagem relativamente fortes, permitindo-lhes usufruir, de maneira facilitada, de diferentes recursos que circulam no interior de tais estruturas (incluindo informações, confiança e solidariedade).

Por outro lado, a maior proximidade relativa apresenta-lhes, também, alguns inconvenientes. No caso dos arcabouços profissionais, por serem dotados de nível de acoplagem (ainda que menor), também oferecem aos empreendedores recursos importantes, embora em menor intensidade do que aqueles disponibilizados na estrutura anterior. No entanto, menos vulneráveis às exigências de natureza não econômicas, capazes de prejudicar os empreendimentos, tais redes proporcionam às empresas maior racionalidade e eficiência, gerando vantagens em relação ao primeiro tipo. Finalmente, no caso das estruturas difusas, os indivíduos encontram-se mais distantes do segmento de interesse, imersos em agrupamentos dotados de forte desacoplagem. Privados de vínculos diretos, a princípio encontram-se em situação de desvantagem em relação aos demais.

A partir dessas considerações é possível extraírem-se sugestões de natureza prática, que podem ser apresentadas como contribuição do presente trabalho.

Observa-se que maior proximidade prévia do indivíduo com o segmento produtivo de interesse parece ser vantajosa para a fase inicial de construção de seu empreendimento. Tal é o caso dos empreendedores originários de estruturas familiares e, também, dos empreendedores oriundos de redes profissionais. Os primeiros, no entanto, apresentam, ao lado de algumas vantagens, uma aparente desvantagem, decorrente do excesso de acoplamento e da consequente solidariedade descontrolada daí derivada. Os demais, por outro lado, não parecem apresentar desvantagens aparentes, gozando de maior equilíbrio entre a proximidade e a distância. Tais evidências permitem sugerir a inclusão desse tópico em alguns programas de capacitação de empreendedores. Caberia, no caso, mostrar aos indivíduos participantes, por um lado, os riscos e desafios eventuais de ingressar em segmentos produtivos totalmente desconectados de suas bases de relacionamentos e, por outro, possíveis inconvenientes advindos de pressões familiares, que podem ocorrer no seio de negócios de famílias.

Finalmente, uma última contribuição advém de evidências que permitem vislumbrar, no nível micro, algumas das dimensões do complexo processo de criação dos empreendimentos/mercado. Observa-se que os empreendedores, com grande frequência (59% dos casos pesquisados), transformaram uma relação pessoal em mercantil - ou seja, um amigo em consumidor/cliente. Através da análise dos dados, aqui apresentados, foi possível verificar, com riqueza de detalhes até então ausente na literatura, como o fenômeno de embeddeness (Granovetter,_1985a) encontra-se presente no processo de criação do mercado das empresas. Em outras palavras, como as redes interpessoais dos indivíduos interagiram nos processos de construção do empreendimento e de seu mercado (Granovetter,_1985a, Le_Velly,_2011). Esse tipo de evidência possui, por si , sua própria importância. Permite questionar pressupostos da análise econômica neoclássica, centrada no princípio da impessoalidade do mercado, presente na literatura ainda hoje dominante. Mercados são construídos. No centro desse processo situar-se-ia o empreendedor, um ator ativo, porém condicionado por suas próprias estruturas de inserção.

Futuras pesquisas poderiam enfocar diferentes variáveis de interesse, não contempladas neste momento, tais como a influência do gênero, da formação escolar, da idade, da região, do setor de atividades sobre as estruturas sociais e os processos de criação de empresas. Sistema de Avaliação: Double Blind Review Editor Científico: Nicolau Reinhard COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO (De acordo com as normas da American Psychological Association [APA]) Vale, G. M. V., & Corrêa, V. S. (2015, outubro/novembro/dezembro).

Estrutura social e criação de empresas. Revista de Administração [RAUSP], 50 (4), 432-446. doi: 10.5700/rausp1211


Download text