Provedoras e co-provedoras: mulheres-cônjuge e mulheres-chefe de família sob a
precarização do trabalho e o desemprego
Introdução
Neste artigo são abordadas as mudanças na participação das mulheres-chefes de
família e das cônjuges no mercado de trabalho, que ocorreram nas últimas
décadas e, especialmente, a partir dos anos 90, sob o processo de
reestruturação das atividades econômicas e a precarização do trabalho na Região
Metropolitana de São Paulo (RMSP).
Esta temática é tratada em continuidade à linha de investigação que temos
desenvolvido nos últimos anos, referente à análise das relações entre as
mudanças no mercado de trabalho, a partir dos anos 90, que redefiniram o padrão
de absorção da força de trabalho, e os arranjos familiares de inserção
associados a estes processos e às transformações do papel da mulher na família
e na sociedade. Neste artigo, pretende-se mostrar a especificidade dos perfis
de inserção no mercado das mulheres-cônjuge e das mulheres-chefe de família,
que são co-provedoras ou provedoras em seus núcleos familiares.1
Em artigos anteriores, foram apresentados os rearranjos familiares de inserção
no mercado de trabalho articulados sob a precarização das relações de trabalho
e o desemprego, evidenciando a crescente participação das cônjuges e das chefes
de família no mercado (MONTALI, 2000 e 2004). Mais do que isso, mostrou-se que
este fato é a novidade nos arranjos familiares de inserção no mercado de
trabalho articulados como forma de enfrentar o desemprego de parte dos adultos
da família e a queda nos rendimentos do trabalho impostos pelo desemprego
recorrente e pela precarização do trabalho e como tentativa de manter a renda
familiar.
Assim, além da mudança nos arranjos de inserção dos componentes da família, foi
possível apreender a crescente participação das chefes femininas sem cônjuge e
das mulheres-cônjuges na composição dos rendimentos familiares, justificando
estudo mais detalhado. Dessa maneira, é aqui analisada a inserção das cônjuges
e chefes femininas no mercado de trabalho, bem como seus impactos nos
rearranjos familiares de inserção, na renda das famílias e na atenuação do
empobrecimento.
São analisados também os perfis ocupacionais nos grupos familiares em que se
inserem essas mulheres e investigadas, de forma comparativa, as famílias das
cônjuges e das chefes que trabalham e das que não trabalham.
A base de dados utilizada nas análises longitudinais, para a Região
Metropolitana de São Paulo, é a série da Pesquisa de Emprego e Desemprego,
realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados ' Seade e o
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos ' Dieese,
para o período 1985 a 2003.
Os impactos diferenciados da precarização e do desemprego sobre a inserção dos
componentes da família
Na década de 90, acentuaram-se as transformações da economia sob o processo de
reestruturação produtiva e o baixo ritmo de crescimento, mudando o padrão de
incorporação da força de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo
(principal centro industrial e financeiro do Brasil). Ocorreram redução dos
postos de trabalho, aumento do desemprego e maiores restrições para absorção em
trabalhos assalariados regulamentados. As alternativas de emprego não-
regulamentado, temporário na maioria dos casos e como autônomo, implicam
prejuízos da qualidade da inserção no mercado de trabalho e perda da proteção
oferecida pelos direitos trabalhistas. Para os trabalhadores e suas famílias, a
conseqüência mais evidente da precarização dos vínculos contratuais e da
instabilidade no emprego é a queda do rendimento proveniente do trabalho e da
renda familiar per capita, registrada pelas estatísticas oficiais.
Os efeitos da reestruturação produtiva e do novo padrão de incorporação da
força de trabalho, no decorrer da década de 90, manifestam-se no interior das
famílias, em rearranjos de inserção de seus componentes no mercado, que nem
sempre possibilitam manter os rendimentos familiares em seus níveis anteriores.
Um dos pressupostos do estudo é que a relação família-trabalho se constrói a
partir da articulação entre as esferas da produção e da reprodução, através da
divisão sexual do trabalho (BARRÉRE-MAURISSON, 1992), e que a inserção dos
componentes da família no mercado de trabalho e as mudanças observadas são
definidas, por um lado, pelas características da organização das atividades
econômicas e, por outro, pelos valores e padrões que regem as relações
familiares e, mais especificamente, as de gênero.
Assim, foi possível identificar padrões de inserção no mercado de trabalho
fortemente marcados pelas posições familiares e de gênero, verificando-se que
as mudanças nas atividades econômicas afetaram de maneira distinta as
possibilidades de absorção dos componentes da família (MONTALI, 2004).
Compreender essa diferenciação é importante porque contribui para a explicação
sobre os limites dos rearranjos familiares de inserção no mercado articulados
para sobreviver ao desemprego e à instabilidade que se acentuaram a partir da
década de 90, pois constatou-se que estes rearranjos conseguem atenuar, porém
não impedem, a queda do rendimento familiar per capita.
Isto porque, por um lado, como conseqüência da "desestruturação do mercado de
trabalho" na Região Metropolitana de São Paulo, houve tendência de redução do
rendimento dos ocupados em geral (POCHMANN, 2001; HOFFMANN e MENDONÇA, 2003),
com especificidades nas distintas posições na família. Por outro lado, porque,
relacionado à divisão sexual do trabalho, os componentes da família que
apresentavam maior disponibilidade para o mercado de trabalho (chefes
masculinos, filhos e filhas adultos) ' evidenciada pelas taxas de participação
e de ocupação mais elevadas ' e que apresentavam também melhor qualidade de
inserção ' indicada por ocupações "regulamentadas" e protegidas pela legislação
trabalhista sofreram maior impacto durante o processo de reestruturação
produtiva, que reduziu postos de trabalho assalariados regulamentados e elevou
o desemprego. Os chefes masculinos e filhos(as) adultos sofreram profundo
processo de precarização do trabalho a partir de 1990 (MONTALI, 2004).
Nesse mesmo período, as cônjuges e chefes femininas, que se caracterizam por
padrão de inserção marcado por ocupações precárias, passaram a ter maior peso
entre os ocupados da família. As possibilidades de expansão de sua inserção no
mercado de trabalho são, principalmente, em ocupações precárias, tais como
assalariadas sem carteira assinada, emprego doméstico, autônomas e
trabalhadoras familiares, que oferecem baixos rendimentos.
Assim, a precarização do trabalho e o desemprego recorrente, na RMSP,
contribuíram para diminuir as remunerações dos componentes familiares e
provocar a queda do rendimento familiar per capita.Ainda que os rearranjos
familiares de inserção no mercado não tenham conseguido impedir o
empobrecimento, a pesquisa evidencia que a crescente participação das cônjuges
e chefes femininas ocupadas, na composição da renda familiar, tem reduzido o
impacto do empobrecimento de suas famílias, quando comparadas às famílias das
não-ocupadas.
Entre as várias indicações apresentadas no decorrer deste artigo, destacam-se
duas que sintetizam a relevância da inserção das cônjuges e das chefes de
família no mercado para reduzir os impactos da precarização do trabalho no
empobrecimento das famílias na RMSP.
Em primeiro lugar, a análise da precarização do trabalho, considerando-se as
posições na família e o gênero, revela que, entre o conjunto dos componentes
familiares, apenas as cônjuges e as chefes apresentaram taxas de ocupação e de
participação com variação positiva entre 1990 e 2003 (Gráfico_1).
Em segundo lugar, em que pese o fato de as cônjuges e chefes femininas serem
caracterizadas por inserção em ocupações com vinculações contratuais
predominantemente precárias, quando comparadas com os chefes masculinos e os
filhos e filhas maiores de 18 anos, estas são, entre os componentes familiares,
as que menos sofreram redução na proporção de ocupados em postos de trabalho
não-precários no período estudado (Gráfico_2).
A análise da PIA das cônjuges evidencia que a proporção de ocupadas, entre 1985
e 2003, cresceu 13 pontos percentuais (31% em 1985, 35% em 1990, 40,3% em 1995
e 44% em 2003) e cerca de 20% estavam em ocupações não-precárias, a partir dos
anos 90. Desde o inicio da série analisada até 1995, cerca da metade das
cônjuges ocupadas encontrava-se em inserções não-precárias. No entanto, o
aumento na proporção de ocupadas, a partir de 1995, se deu predominantemente
através da expansão das ocupações precárias: 20% em 1995, 23% em 2000 e 24,5%
da PIA em 2002 e 2003, enquanto a proporção de ocupadas em postos não-precários
se manteve, no período, em cerca de 20% (Gráfico_2).
Para as chefes de família, a análise da PIA mostra que cerca de 52% permaneciam
ocupadas no período, sendo 31% inseridas em postos não-precários, em 1990. No
decorrer da década 90 e inicio dos anos 2000, houve queda na proporção de
ocupações não-precárias dessas mulheres mais acentuada do que para as cônjuges
ocupadas, com perda de 8 pontos percentuais entre 1990 e 2003, e correspondente
aumento das inserções em ocupações precárias (Gráfico_2).
Na análise da presença das chefes femininas entre os ocupados, deve ser
ressaltado que, se por um lado, cerca de 52% estavam ocupadas no período
analisado, por outro, cresceu a proporção de famílias chefiadas por mulheres,
entre 1985 e 2003, indicando o aumento absoluto de inserção destas no mercado
de trabalho. Em 1985, cerca de 16% das famílias da Região Metropolitana de São
Paulo eram nucleadas pela chefe feminina sem a presença de cônjuge, aumentando
para mais de 20%, em 1995, e para 23,8%, em 2003. Cresceu também, entre as
famílias da região metropolitana, a proporção daquelas nucleadas pela chefe
feminina ocupada: em 1985, eram 8% do total das famílias e, em 2003,
correspondiam a 12% (Tabela_1).
No caso das famílias nucleadas por casais, ocorre movimento inverso, ou seja,
reduzem-se as proporções desse tipo de família no total da Região Metropolitana
de São Paulo, com decréscimo de 11 pontos percentuais, entre 1985 e 2003.
Embora permaneçam como o arranjo predominante, estas famílias representavam 76%
em 1985 e 67% em 2003 (Tabela_1).
Apesar dessa queda e em movimento oposto, aumentou a proporção de famílias
nucleadas por casal com cônjuge ocupada, em relação ao total das famílias da
região metropolitana, passando de 24%, em 1985, para 26%, em 1990, e para 29%,
em 2003. Ao mesmo tempo, diminuiu fortemente a proporção de famílias com
cônjuge não-ocupada, que representavam a metade das famílias da região
metropolitana em 1985 (52%), decrescendo para 48,6%, em 1990, e para 36,6%, em
2003 (Tabela_1).
O trabalho das cônjuges e das chefes femininas: mudanças nos arranjos de
inserção e efeitos na renda familiar
A inserção das cônjuges e mães em atividades remuneradas é afetada pelas
representações sociais das atribuições femininas, definidas a partir da
tradicional divisão sexual do trabalho, que permanece como padrão ideal na
sociedade, destinando o homem ao trabalho e a mulher às atividades voltadas
para a família. Suas taxas de ocupação são mais baixas quando comparadas tanto
às de outras mulheres em posições familiares diferentes, tais como filhas
adultas e mulheres-chefes de família, como às taxas de ocupação de maridos e
filhos adultos (MONTALI e LOPES, 2003). No entanto, na década de 90, cresceu a
participação das mulheres casadas e mães em atividades no mercado e de forma
mais intensa em alguns tipos de família.
Dessa maneira, as taxas de ocupação e de participação, com variação positiva
entre 1990 e 2003 para as chefes e cônjuges femininas, bem como as menores
perdas de ocupações não-precárias na década de 90, por um lado, evidenciam a
expressão dos impactos diferenciados da precarização do trabalho para os
componentes familiares sob a mudança do padrão de absorção do mercado de
trabalho nessa década e, por outro, sinalizam que a mobilização das mulheres
com responsabilidade pela manutenção do núcleo familiar é reforçada pela
mudança na sociedade na aceitação do novo papel da mulher como co-provedora.
Esta interpretação corrobora uma das hipóteses deste trabalho, cujo suposto é
que as situações de crise econômica propiciam mudanças na relação família-
trabalho e nas relações de poder na família.
Alguns estudos recentes, ainda que apontando para a mesma direção de maior
participação das cônjuges na provisão familiar, evidenciam as resistências a
tais mudanças nas relações de poder internas à família. Embora presentes nas
diversas situações sociais (ARAÚJO e SCALON, 2005), estas resistências têm se
explicitado de forma mais clara nas famílias de baixa renda, nas quais, apesar
das evidências na mudança do padrão de provisão, a autoridade masculina é
reivindicada como prerrogativa, gerando conflitos, violência doméstica e
alcoolismo masculino (OLIVEIRA, 2005; NASCIMENTO, 2005; MENDES, 2005).
A tendência de redução da participação do chefe entre os ocupados da família e
de crescimento da importância dos demais componentes da família já começava a
ser apontada pelos estudos sobre os anos 80 (JATOBÁ, 1990). Porém, só a partir
de 1990 foi possível detectar o estabelecimento de um novo padrão familiar de
inserção no mercado de trabalho, no qual, cada vez mais, a mulher-cônjuge
assume o papel de co-provedora (MONTALI, 2004). Um exemplo dessa mudança é
verificado na comparação entre o padrão de inserção familiar no início da
década de 80, período marcado pela crise econômica, e o observado no decorrer
dos anos 90 e 2000. Naquele primeiro momento, os chefes de família
representavam cerca de 45% dos ocupados na Região Metropolitana de São Paulo, a
cônjuge 13,5% e os filhos 32%. Com a agudização da crise, em 1983, observou-se,
como dinâmica de enfrentamento da redução do emprego do chefe masculino,
aumento da participação dos filhos entre os ocupados (36,4%) (MONTALI, 1995).
No entanto, nos anos 90, alterou-se essa tendência, concomitante à acentuação
do processo de reestruturação produtiva e ao aumento do desemprego. Identifica-
se o estabelecimento de um novo padrão de arranjo familiar de inserção no
mercado de trabalho, em que a participação dos chefes de família (masculinos e
femininos) se mantém em torno de pouco menos que a metade dos ocupados e
diminui, progressivamente, a participação dos filhos, mais especialmente a
partir de 1992, crescendo a inserção da cônjuge entre os ocupados e os
mantenedores da família (MONTALI, 2004). Assim, em 2003, os chefes (masculino e
feminino) representavam cerca de 48% dos ocupados da família, os cônjuges 21%,
os filhos 25% e os outros parentes e não-parentes, em torno de 6%. Nota-se, nas
famílias nucleadas pelo casal, um maior partilhamento da responsabilidade pela
provisão da família entre seus membros. Nestas, em 2003, as cônjuges compunham
28% dos ocupados da família, os chefes masculinos, 47% e os filhos, 21%. No
entanto, existem diferenças nas proporções dos componentes ocupados da família
entre os diversos arranjos familiares, relacionadas com especificidades da
composição familiar e momento do ciclo vital das famílias, como se verá.
Nas famílias nucleadas pela chefe feminina, a responsabilidade pela provisão da
família é partilhada, principalmente, por ela, que representa 46% dos ocupados,
e os filhos (41,5%), com importante participação de parentes e não-parentes,
representando cerca de 12% dos ocupados da família.
Cônjuges: características da inserção familiar no mercado de trabalho e
contribuição para a provisão da família
São observados dois momentos em que se acentua o crescimento da ocupação das
cônjuges: o ano de 1991, marcado por elevado desemprego provocado pela
reestruturação produtiva, que se intensificou em resposta à abrupta abertura da
economia ao comércio internacional; e a partir de 1995, ano de expansão da
economia, seguida por gradual queda e crise econômica em 1998 e 1999, quando o
crescimento do PIB ficou abaixo de 1% e o desemprego recrudesceu, atingindo
taxas antes não conhecidas nessa região metropolitana.2 Tanto o desemprego
elevado como a continuidade da mobilização das cônjuges para o mercado se
estenderam até o final do período analisado.
Assim, a partir de 1996, em cerca de 41% dos domicílios nucleados pelo casal, a
cônjuge estava ocupada, chegando a 44% em 2003 (Tabela_2). A tendência de
aumento na proporção de cônjuges ocupadas, no decorrer dos anos 90 e 2000,
ocorreu em todos os tipos de arranjos familiares nucleados pelo casal, ainda
que com especificidades marcadas pelas características associadas à composição
e ao ciclo de vida familiar.
A análise da evolução da proporção de cônjuges ocupadas, segundo tipo de
arranjo familiar, deve considerar que, no período analisado, alteraram-se as
proporções dos distintos arranjos familiares na Região Metropolitana de São
Paulo, em decorrência tanto de alterações nos tipos de arranjo familiar
(redução na proporção de famílias nucleadas por casal, aumento na de casais sem
filhos e de famílias chefiadas por homem ou mulher sem a presença de cônjuge3)
como de mudanças na estrutura etária, conseqüente do envelhecimento da
população (Tabela_1). Tais fatos afetam a proporção das cônjuges ocupadas
correspondentes a estes arranjos.
Examina-se, a seguir, a evolução das cônjuges ocupadas por tipo de arranjo
familiar, construídos tendo por referência a presença de filhos e o ciclo vital
familiar (Tabela_2). As famílias de casais de 50 anos e mais com filhos e/ou
parentes, que apresentam a menor participação entre as famílias nucleadas por
casais (Tabela_1), são também as que possuem menor proporção de cônjuges
ocupadas, caracterizando-se pela etapa final do ciclo familiar vital, quando
ainda residem filhos, em sua maioria adultos, com o casal. Em tendência
ascendente, em 1985, 16% das cônjuges dessas famílias eram ocupadas, passando
para cerca de 20%, de 1986 a 1992, para 22% em 1995 e para 28% em 2003. O
período de maior crescimento ocorreu a partir de 1995, acentuando-se desde os
anos de maior desemprego no final da década de 90. Em artigos anteriores, foi
indicado o aumento do desemprego dos filhos adultos nesse período (MONTALI,
2003a e 2004).
Entre os arranjos familiares que concentram maiores proporções de famílias
nucleadas pelo casal, estão aqueles formados por casal de até 34 anos com
filhos e/ou parentes, que correspondem à fase inicial do ciclo de vida
familiar, e por casal de 35 a 49 anos com filhos e/ou parentes, que
correspondem à fase de expansão da família (Tabela_1).
O arranjo de casais de até 34 anos com filhos apresenta, comparativamente,
menor proporção de cônjuges ocupadas: eram 30% em 1985 e passaram para cerca de
34% até 1991. A partir desse ano apresentaram taxas de ocupação mais elevadas,
que oscilaram entre 37% e 39% até 1995 e ultrapassaram 40% a partir de 2000,
revelando o aumento do emprego da cônjuge jovem e, na maioria dos casos, com
filhos pequenos (Tabela_2).
Nos arranjos familiares de casais de 35 a 49 com filhos e/ou parentes, a
proporção de cônjuges ocupadas cresceu no período estudado, seguindo os
momentos de inflexão referidos, ou seja, em 1985, 35,1% das cônjuges dessas
famílias eram ocupadas, de 1986 a 1990 essa proporção ficou em torno de 39%,
voltando a crescer a partir de 1991 e, em 1995, acentuou-se o crescimento e
47,5% das cônjuges eram ocupadas. Nos anos de desemprego mais elevado, a partir
de 1998, aumentou progressivamente a taxa de ocupação das cônjuges,
ultrapassando 50% a partir de 2001. Desde 1990, esse arranjo familiar apresenta
as mais elevadas taxas de ocupação entre as cônjuges (Tabela_2). Em estudo
anterior, evidenciou-se que, além da elevação da taxa de ocupação das cônjuges
neste tipo de arranjo familiar, ocorreu redução da taxa de ocupação dos filhos,
bem como de sua participação entre os ocupados da família (MONTALI, 2004).
Os arranjos familiares de casais sem filhos apresentam, em todo o período, uma
das mais elevadas taxas de ocupação das cônjuges. Em 1985, 36% dessas mulheres
eram ocupadas, oscilando ao redor de 39% até 1995. A partir de 1996, sua taxa
de ocupação ultrapassou 42% e cresceu progressivamente até o final do período,
chegando a cerca de 44%, em 2003.
Constata-se que, a partir de 2000, mais de 40% das cônjuges nos tipos de
arranjos nucleados pelo casal ' ou seja, casal sem filhos, casal de até 34 anos
com filhos e casal de 35 a 49 anos com filhos ' estavam ocupadas. Proporção
menor só é encontrada nos arranjos familiares de casais de mais de 50 anos com
filhos, nos quais pouco mais de um quarto das cônjuges encontravam-se ocupadas
(Tabela_2).
A analise dos arranjos familiares de inserção das famílias das cônjuges,
ocupadas e não-ocupadas evidencia a queda do número de ocupados entre chefes e
filhos durante o período estudado.
Considerando-se o conjunto das famílias em que as cônjuges são ocupadas, é
acentuada a redução da taxa de ocupação desses componentes familiares. Entre os
chefes, cerca de 87% eram ocupados em 1985, diminuindo para 83% em 1992, para
82% em 2000 e para cerca de 81%, em 2003. No caso dos filhos, sua taxa de
ocupação, que era de 37% em 1985, se reduziu para 34%, em 1992, e para 33%, em
2000 e 2003. A contrapartida da redução da taxa de ocupação dos chefes e filhos
no grupo de famílias em que as cônjuges são ocupadas é, principalmente, o
aumento do desemprego; no caso dos chefes masculinos, em 2003, 10% destes se
encontravam desempregados e 9% na inatividade. No caso dos filhos, ao aumento
do desemprego, que já era elevado, soma-se o crescimento da inatividade,
especialmente para os menores de 18 anos. Entre os filhos, em 2003, cerca de
15% eram desempregados e 53% inativos (Gráfico_3). Observam-se, assim, no
período, redução do total de ocupados na família, que passaram de cerca de 73%
da PIA em 1990 para 70% em 2003, e aumento da proporção da PIA em desemprego
(de 5% para 8%, no mesmo período). A proporção de inativos manteve-se em torno
de 21%, entre 1990 e 2003 (Gráfico_3).
Nas famílias nas quais a cônjuge feminina não é ocupada, os chefes de família e
os filhos são os principais mantenedores e, para ambos, observam-se acentuada
redução no total de ocupados e aumento da proporção da PIA em desemprego; para
os chefes masculinos, acentua-se a partir de 1997 o aumento da inatividade. No
caso das famílias das cônjuges não-ocupadas, em 1985, 79% dos chefes e 45,4%
dos filhos eram ocupados. Esse número diminuiu para 75% e 41%, respectivamente,
em 1992. Já em 2000, apenas 72% dos chefes se mantinham ocupados, decrescendo
para 69%, em 2003. Assim, a redução dos chefes ocupados no período analisado é
de 10 pontos percentuais, sendo que se distribuem de forma semelhante,
acrescentando-se ao desemprego e à inatividade (Gráfico_4); em 2003, 9% dos
chefes masculinos estavam desempregados e 22% em inatividade. Entre os filhos,
a queda da taxa de ocupação é menos abrupta que a dos chefes, embora tenha se
acentuado entre 1996 e 1999. Em 2000 e 2003, cerca de 39% dos filhos estavam
ocupados, 16% desempregados e 45% na inatividade (Gráfico_4).
A redução dos ocupados nas famílias é conseqüência do aumento do desemprego e
da inatividade dos seus componentes. A crescente precarização dos postos de
trabalhos dos componentes ocupados, que causou, juntamente com o aumento do
desemprego, a diminuição dos rendimentos individuais e da renda familiar, como
será visto a seguir, sem dúvida impulsionou uma parcela das cônjuges para o
mercado de trabalho na tentativa de preservar as condições de vida da família.
Nesse contexto, parte das cônjuges não-ocupadas mobilizou-se para o mercado a
partir de 1992, mas permaneceu desempregada. Indicações de maior mobilização em
busca de trabalho são evidenciadas desde 1996 pela taxa de desemprego de12%,
acentuando-se a partir do final da década de 90, caracterizado pelo
recrudescimento do desemprego, e nos anos 2000; em 2003, 20% das cônjuges não-
ocupadas buscavam emprego. Deve-se mencionar ainda que, em decorrência das
características de inserção apresentadas pelo conjunto dos componentes e não
apenas da cônjuge, neste grupo de famílias, comparativamente às famílias das
cônjuges ocupadas, é bastante menor a proporção de ocupados, da ordem de 41% da
PIA em 1990 e de 36% em 2003. São também mais elevadas a proporção de
desempregados (cerca de 6% da PIA familiar em 1990 e 15% em 2003) e a taxa de
inatividade, em torno de 51% de 1990 até 1998 e de 49% em 2003 (Gráfico_4).
Tanto nas famílias das cônjuges ocupadas como nas das não-ocupadas, além da
redução da proporção de ocupados, observa-se também a precarização do trabalho
como expressão do processo que ocorre no mercado de trabalho da Região
Metropolitana de São Paulo. Além do grande número de desempregados, muitos dos
indivíduos que permaneceram no mercado de trabalho sofreram com a precarização
de seus empregos. O número de trabalhadores assalariados e com carteira de
trabalho diminuiu, enquanto o de autônomos, assalariados sem registro,
empregados domésticos e trabalhadores familiares aumentou.
Entre os componentes em idade ativa das famílias com cônjuges ocupadas, em
1990, 45% estavam em postos de trabalhos não-precários e 29% em precários. Em
1992, já eram 40,9% entre os postos não-precários e 30% entre os precários.
Entre 2000 e 2003, cerca de 37% se mantinham em postos não-precários, enquanto
cerca de 34% dos componentes encontravam-se em ocupações precarizadas.4
A análise considerando os componentes em idade ativa das famílias das cônjuges
ocupadas evidencia que todos sofreram os efeitos da precarização nos postos de
trabalho. Entre os chefes masculinos, em 1985, 63% estavam em postos não-
precários e 23,6% em precários. A partir de 1990, ocorreu contínua redução nos
postos de trabalho não-precários. Em 1995 cerca de 56% dos chefes estavam em
trabalhos não-precários e cerca de 27% em precários. Em queda progressiva a
partir de 1996, menos da metade, ou seja, 49% dos chefes masculinos estavam em
empregos não-precários em 2000 e 2003 e cerca de 31% em postos precários. A
partir de 1997, soma-se à redução dos postos não-precários a queda na proporção
de ocupados.
Considerando-se as cônjuges ocupadas, em 1985, quase a metade (49,9%) delas
estava em postos não-precários e a outra metade em postos precários. Com
oscilações, este quadro se manteve até 1996. A partir de 1997, ocorreu a
tendência de redução dos postos não-precários e de elevação dos precários.
Entre 2000 e 2003, apenas 45% das cônjuges ocupadas se mantinham em empregos
não-precários, enquanto 55% encontravam-se em ocupações com vinculações
precárias.
Os filhos também registraram redução dos postos não-precários e experimentaram
de forma mais acentuada o aumento do desemprego. Para aqueles maiores de 18
anos, diminuiu a proporção de ocupados. Em 1990, 71% da PIA específica dos
filhos maiores era ocupada e 52% se encontrava em postos não-precários. Em
2000, 65% da PIA era ocupada, decrescendo para apenas 63% em 2003, dos quais
cerca de 38% estavam em empregos não-precários e cerca de 24% naqueles
precários. A proporção de desempregados chegou a 22,3% da PIA específica em
2003 (Gráfico_3).
Entre os componentes em idade ativa das famílias de cônjuges não-ocupadas, 30%
tinham postos de trabalhos não-precários e 11% estavam em trabalhos precários
em 1985. Em 1992, 27% continuavam em postos não-precários, enquanto 12%
inseriam-se em postos precarizados. Entre 2000 e 2003, a precarização acentuou-
se e apenas cerca de 21% dos componentes em idade ativa se mantiveram em postos
não-precários, enquanto cerca de 15% estavam entre autônomos, assalariados sem
registro, empregados domésticos e familiares. Deve-se recordar que, em 2003,
apenas 36% da PIA deste grupo de famílias estava na condição de ocupados.
A partir dos anos 90, tanto os chefes como os filhos registraram acentuada
redução de postos de trabalho não-precários e crescimento da proporção de
precários (Gráfico_4). Em 1985, 60,2% dos chefes e 31,6% dos filhos em idade
ativa (PIA) das famílias de cônjuges femininas não-ocupadas tinham postos de
trabalho não-precários, passando, em 1992, respectivamente, para 53,2% e 27,4%.
Em 2000, 43% dos chefes estavam em ocupações não-precárias, diminuindo para 41%
em 2003, enquanto cerca de 27% encontravam-se em ocupações precárias. No caso
dos filhos, em 2000 e 2003, cerca de 23% estavam em postos não-precários e 15%
em inserções precárias. Para ambos, cresceu o desemprego a partir de 1997 e
para os chefes masculinos também aumentou a inatividade nesse período.
A análise da distribuição das pessoas que contribuem com algum rendimento para
a renda familiar evidencia, para as famílias em que a cônjuge é ocupada,
aumento dos componentes do casal (chefes e cônjuges) na proporção dos que
contribuem, em detrimento da dos filhos.
Também nas famílias das cônjuges não-ocupadas, observa-se crescimento da
participação destas entre os que aportam rendimentos para a composição da renda
familiar.
Ainda que no conjunto dos componentes familiares cresça a proporção dos que
aportam rendimentos para o núcleo doméstico, foi acentuada a queda da renda
familiar per capita nesse período, para todos os tipos de família,
especialmente a partir de 1996, como conseqüência da redução do rendimento
proveniente do trabalho. Nem mesmo o aumento de rendimento de outras fontes que
não do trabalho (aposentadorias e pensões) impediu sua queda.
A participação dos membros da família na composição da renda familiar evidencia
as mudanças na divisão do trabalho na família, no período analisado. Uma
tendência comum a todos os arranjos familiares nucleados pelo casal é o aumento
da participação da cônjuge na renda familiar, fato que vem sendo apontado
também por outros estudos recentes (LEONE, 2000 e 2004; DEDECCA, 2005). No
contexto de elevado desemprego, baixo crescimento da economia e desvalorização
dos salários, as cônjuges vêm participando crescentemente de atividades no
mercado de trabalho, aumentando assim sua participação na renda da família.
Cresceu não só o número de cônjuges auxiliando na renda familiar, mas também a
importância dessa sua contribuição (Tabela_3).
Considerando-se a média das cônjuges, seus rendimentos individuais
representavam, em 1986, 11% da massa da renda familiar, passando para cerca de
16% em 2000 e 17% em 2003, com diferenciações na evolução da participação por
tipo de arranjo familiar (Tabela_3). A contribuição dos chefes masculinos
diminuiu de 68%, em 1986, para 63,3%, em 2003, e a dos filhos reduziu-se de
16,2% para 14,9%, no período.
Porém, ao se selecionarem as famílias das cônjuges ocupadas, constata-se que é
mais elevada sua participação na composição da renda familiar: em 1986, elas
contribuíam com cerca de 29% da massa da renda familiar e os chefes masculinos,
com 60%; em 2000, esses valores correspondiam a, respectivamente, 35% e 56%; e,
em 2003, a 36% e 54% (Tabela_3). Estas cifras evidenciam maior partilhamento na
responsabilidade da manutenção do núcleo doméstico entre estes dois
componentes, considerando que os filhos maiores de 18 anos contribuíam, em
média com 8% da renda nas famílias em que as cônjuges são ocupadas.
Assim, nas famílias em que a cônjuge é ocupada, a partir de 1990 já sob a
reestruturação produtiva ', estabeleceu-se um padrão de responsabilidade pela
manutenção da família, que se acentuou a partir dos anos de maior desemprego do
final da década de 90, com progressiva redução da contribuição do chefe
masculino e crescente participação da cônjuge feminina como co-provedora.
Mesmo nas famílias em que a cônjuge não é ocupada, observa-se relativo
crescimento da participação das cônjuges na renda familiar. Nestas, em 1986,
79% da renda familiar era provida pelo chefe, 1% pela cônjuge e 19% pelos
filhos. Em 2000, 77% eram de responsabilidade dos chefes, 4% das cônjuges e 18%
dos filhos. Em 2003, a participação do chefe diminuiu um pouco, para 73,2%, as
cônjuges contribuíam com 5,4% e os filhos com 18,3% (Gráfico_7), indicando o
crescimento da importância do rendimento das cônjuges não-ocupadas '
proveniente de trabalhos esporádicos do desempregado ou inativo e mesmo
aposentadorias e pensões ' para a renda familiar no período estudado. Outros
estudos de natureza qualitativa sobre o desemprego indicam a atividade intensa,
não apenas no mercado de trabalho, das mulheres desempregadas (SEGNINI, 2004).
Chefes femininas: características da inserção familiar no mercado de trabalho e
contribuição para a provisão da família
Os arranjos familiares das chefes femininas sem cônjuge, considerando os
momentos do ciclo vital familiar, concentram-se nas etapas mais avançadas
deste. Cerca de 40% das chefes femininas têm 50 anos ou mais. Nesta etapa a
reprodução biológica está completada e parte dessas mulheres dirige-se para a
inatividade ou aposentadoria. Muitos desses domicílios, cerca de um terço, são
unipessoais.
Correspondendo à fase intermediária do ciclo vital das famílias, ou seja, a
etapa da expansão (idades das chefes entre 35 e 49 anos), estão cerca de um
terço das famílias das chefes femininas. Destas, apenas 13% são unipessoais.
Entre as famílias das chefes femininas correspondendo à etapa inicial da
família (idades das chefes até 34 anos), caracterizada pelo início da
reprodução biológica, estão cerca de 20% delas, sendo um quarto unipessoais.
Estas características afetarão os arranjos de inserção deste tipo de família '
chefe feminina sem a presença de cônjuge ' que tem aumentado numericamente e
que, em 2003 representava 24% das famílias na Região Metropolitana de São
Paulo, como pode ser visto na Tabela_1.5
A análise dos arranjos familiares nucleados pela chefe feminina sem cônjuge
evidencia, no período estudado, o aumento da participação das chefes no mercado
de trabalho. A taxa de participação das chefes sem cônjuge era da ordem de 56%,
em 1990, passando para 60%, em 2000 e 2003 (Gráfico_1). Como a taxa de ocupação
das chefes oscila ao redor de 52%, evidenciando a não expansão da absorção pelo
mercado de trabalho, tem crescido entre os anos 90 e 2000 a proporção de
desempregadas, que, em 1990, correspondiam a cerca de 5% da PIA específica e,
em 2003, a 9%.
A mobilização das chefes femininas sem cônjuge para o mercado de trabalho
caracteriza-se por ser elevada e intensifica-se nos anos 90, concomitante ao
aumento do desemprego e da inatividade dos filhos. As mudanças no padrão de
inserção no mercado de trabalho, na década de 90, causaram maiores dificuldades
para a inserção de jovens (POCHMANN, 1998), o que diminuiu as taxas de
participação dos filhos destes arranjos familiares.
A composição da PIA nas famílias de chefes femininas ocupadas evidencia a
redução da absorção dos filhos pelo mercado de trabalho: sua taxa de ocupação
passou de 49,7%, em 1985, para 43,8%, em 1992, 41,3%, em 2000, e 38%, em 2003.
A proporção de desempregados para os filhos das famílias de chefes femininas
ocupadas era de 14,2% da PIA específica, em 1985, e intensificou-se na década
de 90, a partir de 1992, quando passou para 17,5%, ficando em cerca de 19%
entre 2000 e 2003 (Gráfico_8).
Entre as famílias das chefes femininas não-ocupadas, é mais elevada a taxa de
ocupação dos filhos, porém decresce no período analisado: 62,8%, em 1985,
58,9%, em 1992, e cerca de 52%, em 2000 e 2003. Em complementaridade, cresceu a
proporção de desempregados entre os filhos das famílias de chefes femininas
não-ocupadas, passando de 14% da PIA em 1985 para 17% em 2000 e 18% em 2003
(Gráfico_9).
A intensificação do desemprego para os filhos, como se observou também para as
famílias das cônjuges ocupadas e das não-ocupadas, ocorreu a partir de 1992,
recrudescendo no final da década de 90 até 2003. Esta tendência corresponde ao
crescimento do desemprego dos jovens apontado anteriormente.
Ao mesmo tempo em que aumenta a proporção de desempregados, observa-se também
nas famílias das chefes femininas a precarização dos postos de trabalho. Dessa
maneira, concomitante ao grande número de desempregados, ocorre a precarização
do emprego para os indivíduos que permanecem no mercado de trabalho. Ou seja,
diminui o número de trabalhadores assalariados com carteira de trabalho e
aumenta o de autônomos e assalariados sem registro.
Um breve exame dos componentes em idade ativa das famílias das chefes femininas
não-ocupadas mostra que, em 1985, os ocupados representavam 35% desse arranjo
familiar, dos quais 25% se inseriam em postos de trabalhos não-precários e 10%
em precários. Em 1992, apenas 22% permaneciam em postos não-precários, enquanto
10% encontravam-se em ocupações precárias. Entre 2000 e 2003, apenas 16% dos
componentes em idade ativa se mantinham em postos não-precários e cerca de 12%
estavam inseridos como autônomos, assalariados sem registro, empregados
domésticos e familiares. A baixa proporção de ocupados quando comparada às
famílias em que as chefes femininas são ocupadas se acentua a partir de 1997,
ano que se iniciou o recrudescimento do desemprego na RMSP.
Entre os componentes em idade ativa das famílias nas quais as chefes femininas
são ocupadas, 42,8% estavam em postos de trabalhos não-precários e 27,9% em
precários, em 1985, passando, respectivamente, para 33% e 32,5%, em 2000. Essa
redução tem continuidade e, em 2003, menos de um terço (30,5%) se mantinha em
postos não-precários e 33,6% estavam em ocupações precárias (Gráfico_8).
A precarização do trabalho atinge a todos os componentes em idade ativa das
famílias das chefes femininas ocupadas (Gráfico_8). Em 1985, mais da metade das
chefes femininas (57,9%) encontrava-se ocupada em postos não-precários e 41,4%
estavam em postos precários. Em 2000, essas proporções se dividem igualmente,
com cerca de 49% em precários e 49% em não-precários. Entre 2001 e 2003,
acentuou-se a precarização, reduzindo-se para cerca de 45% aquelas em postos
não-precários e chegando a 53% em postos precários.
Observam-se duas tendências na inserção ocupacional dos filhos nesse arranjo
familiar: menor parcela ocupada e tendência de queda dos ocupados não-precários
no decorrer dos anos 90. Em 1985, 31% dos filhos estavam em postos não-
precários e 18,4% em precários. Já em 2000, estes valores correspondiam a,
respectivamente, 21,5% e 19,7%. O ano de 2003 indica agravamento das condições
de inserção dos filhos no mercado de trabalho, quando diminuiu a proporção de
ocupados ' 19% sob vinculações não-precárias e 18% em precárias ', 20% estavam
em situação de desemprego e 42% na inatividade (Gráfico_8).
O aumento do desemprego e a crescente precarização dos postos de trabalhos dos
componentes em idade ativa causam a diminuição dos rendimentos individuais e da
renda familiar. Nesse contexto, os rendimentos das chefes femininas tornam-se
cada vez mais importantes na composição da renda familiar e na preservação das
condições de vida da família.
A análise da participação dos componentes familiares na composição da renda
familiar evidencia, no decorrer dos anos 90, que cresce tanto a proporção das
chefes femininas participando na renda familiar quanto a importância da sua
contribuição na composição dessa renda (Tabela_3, Gráficos_10 e 11).
As chefes femininas ocupadas sempre tiveram uma participação importante na
composição da renda familiar, mas de 1985 até 2000 essa importância aumentou
ainda mais. Em 1986, 64% da renda familiar era de responsabilidade das chefes e
22% dos filhos. Em 2000 e 2003, as chefes ocupadas eram responsáveis por mais
de 72% da renda familiar, enquanto os filhos respondiam por pouco mais de 17%
(Gráfico_10). Nessas famílias, pode-se observar que a cada ano há uma menor
participação dos filhos na renda familiar e, dessa forma, é a participação
crescente das chefes femininas no mercado de trabalho que permite a provisão
dessas famílias.
Nas famílias das chefes femininas não-ocupadas, altera-se profundamente a
responsabilidade pela provisão da família no período analisado. Registra-se
elevação da participação da chefe feminina, principalmente no decorrer dos anos
90, acentuando-se a partir do final dessa década marcada pelo mais elevado
desemprego. Desde o ano 2000, a chefe feminina não-ocupada passa a ser o
componente familiar com contribuição maior na composição da renda familiar.
Assim, em 1986, 27% da renda familiar era provida pela chefe e 61% pelos
filhos. Já em 2000 esses valores passaram para 45% e 42%, respectivamente. Em
2003, a participação das chefes aumentou ainda mais, chegando a 48% e a dos
filhos diminuiu para 38% (Gráfico_11). Isto demonstra o crescimento da
importância dos rendimentos das chefes femininas não-ocupadas ' provenientes de
aposentadorias e pensões, bem como de trabalhos esporádicos ' para a provisão
familiar no período estudado. Por outro lado, a precarização do trabalho e o
desemprego dos filhos atuaram reduzindo seu aporte para a renda familiar.
Um último aspecto a ser ressaltado refere-se à contribuição tanto das cônjuges
como das chefes femininas enquanto provedoras e co-provedoras e aos impactos da
sua participação nos rearranjos familiares de inserção no mercado de trabalho,
a partir dos anos 90.
Constatou-se que, tanto no caso das cônjuges ocupadas como no das chefes
femininas, sua participação na composição do rendimento domiciliar elevou a
renda familiar per capita(Gráficos_12 e 13).
Constatou-se também que o impacto do rendimento das cônjuges e das chefes de
família na renda familiar e nas condições de sobrevivência da família acentuou-
se no decorrer da década de 90. Isso fica mais evidente quando se compara o
período de maior desemprego do final da década de 90 com o ano de 1989, tomado
como referência do período a partir do qual se intensificou a reestruturação
produtiva na RMSP e se alterou o padrão de absorção da força de trabalho.
Verifica-se que, em 1989, o rendimento familiar per capita das famílias com
cônjuges ocupadas era 31% superior ao daquelas cuja cônjuge não estava ocupada
e, nas famílias das chefes femininas, essa diferença era de 25% entre as
ocupadas e não-ocupadas.
Essa diferença acentuou-se a partir do final da década de 90 (1997-1999).
Durante esse período, o rendimento familiar per capita era cerca de 40% mais
elevado nas famílias em que a cônjuge era ocupada. No inicio dos anos 2000,
aqui analisados, essa diferença ficou em torno de 39%, porém mantendo-se maior
do que no início da década de 90 (Gráfico_12).
No caso das famílias das chefes femininas, é bastante significativo o nível
mais elevado da renda familiar quando estas são ocupadas (Gráfico_13). Nesses
anos do final da década de 90, o rendimento familiar per capita das famílias
das chefes femininas ocupadas tornou-se cerca de 38% mais elevado. No inicio
dos anos 2000, essa diferença diminuiu um pouco, permanecendo cerca de 33% mais
elevada.
Considerações finais
O conjunto de dados analisados evidenciou, no período estudado, o crescimento
da inserção das cônjuges femininas e das chefes femininas sem cônjuge no
mercado de trabalho, bem como o aumento de sua contribuição na composição da
renda familiar, mostrando o impacto dos rearranjos familiares predominantes,
articulados sob a reestruturação produtiva e a precarização do trabalho.
A participação crescente destes componentes familiares na composição da renda
familiar possibilitou atenuar o empobrecimento das famílias na Região
Metropolitana de São Paulo, especialmente no final da década de 90 e início dos
anos 2000, que apresentaram os mais elevados níveis de desemprego e de
acentuação da precarização do trabalho.
Assim, o conjunto de informações apresentadas mostrou que os rearranjos
familiares de inserção, articulados diante das transformações do mercado de
trabalho, conseguiram reduzir o impacto negativo na renda familiar e, assim,
atenuar o empobrecimento nas famílias da Região Metropolitana de São Paulo,
muito embora não tenham conseguido impedir a queda do rendimento familiar.