A caracterização da pobreza urbana ao longo do tempo: aplicação do modelo
idade-período-coorte na estimação das tendências de privações crônica e
transitória no Brasil
Introdução
O perfil da pobreza no Brasil passou por diversas mudanças nos últimos 30 anos
(ROCHA, 2003). Parte dessa reconfiguração da população de baixa renda está
relacionada a mudanças ocorridas na composição das famílias brasileiras nas
últimas duas décadas, que, segundo Medeiros e Osório (2002), provêm da
alteração nos padrões de reprodução, mortalidade e estado conjugal. Juntamente
com essas mudanças, o desenho de políticas sociais no Brasil acaba seguindo
novos rumos, principalmente nos últimos dez anos (ARBACHE, 2003).
Segundo Villalobos (2000), as políticas sociais necessariamente tornam-se mais
complexas ao longo do tempo, sendo necessário adaptá-las e ajustá-las dentro da
tarefa de modernização do Estado. O tratamento homogêneo e padronizado dos
problemas sociais, sem atenção especial desde o diagnóstico, em relação ao
grupo específico atingido ou à situação que se quer enfrentar, acaba por gerar
crises na eficiência e eficácia de programas. Nesse aspecto, segundo McKay e
Lawson (2002), a distinção entre grupos de indivíduos cronicamente pobres e
transitoriamente pobres implica políticas diferenciadas, mais apropriadas para
cada caso. Gaiha e Deolalikar (1993) afirmam que medidas de mudança para
corrigir falhas de mercado, como o de trabalho ou de crédito, podem ajudar a
aliviar a pobreza transitória, porém não causam nenhum impacto sobre a pobreza
persistente. Já as políticas de transferência de renda condicionadas à
acumulação de capital humano podem amenizar a pobreza crônica, mas não garantem
necessariamente uma situação de seguridade aos indivíduos.
O trabalho de Ribas e Machado (2007) identificou que, entre 1995 e 2003, quase
três quartos da pobreza observada para indivíduos com idade entre 27 e 50 anos,
em 1995, decorrem de um componente crônico. No entanto, apesar de traçar um
perfil das pobrezas transitória e crônica, o retrato destes oito anos não
ilustra com clareza o processo longitudinal dessa composição. Uma maneira de
estimar essas tendências está em controlar três dimensões críticas deste tipo
de análise: a idade do evento; o período de sua ocorrência; e a coorte dos
indivíduos envolvidos.
Dessa forma, o objetivo deste trabalho é analisar a tendência de incidência da
pobreza urbana e de suas procedências (estruturais ou transitórias), em termos
de mudanças ao longo dos períodos e das gerações de indivíduos, dissociada da
trajetória de ciclo de vida dessas pessoas. Com isso, pretende-se ainda
projetar as medidas de privação, identificando o rumo de um dos problemas
sociais brasileiro. Para cumprir esse objetivo, é utilizado um modelo de
estimação de idade-período-coorte IPC (GLENN, 1976; GOLDSTEIN, 1979; RODGERS,
1982), que possibilita isolar o efeito puro das três dimensões dentro de uma
análise intertemporal, servindo também de base para técnicas de projeção da
distribuição futura de determinado atributo na população.1
Cabe salientar que, para estimar o componente crônico da pobreza, consideraram-
se determinantes as características inerentes aos indivíduos, tais como sexo,
raça, escolaridade, região de residência e período de nascimento, além dos
efeitos conjunturais. Essa escolha foi realizada por causa do método de
estimação markoviano, com base num pseudopainel, e pela possibilidade de
controlar a endogeneidade no processo de transição, com um melhor ajuste dos
instrumentos (RIBAS; MACHADO, 2007). Por outro lado, o modelo IPC, aplicado
sobre os componentes já estimados, é mais simples e sua estrutura objetiva
unicamente investigar processos ao longo do tempo.
A fonte dos dados utilizada é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD). Os microdados dessa pesquisa são organizados em forma de um painel
empilhado para 1995, 1997, 1999, 2001 e 2003. A medida de pobreza adotada para
cada indivíduo deriva da comparação entre sua renda familiar per capita e uma
linha de pobreza, definida em termos de privações absoluta e relativa.
Este artigo divide-se em cinco partes, além dessa introdução. Na primeira, são
especificados os modelos de decomposição transitória-crônica e de efeitos IPC
sobre a pobreza. Na segunda, descreve-se a metodologia de estimação,
apresentan-do fonte e tratamento das informações e técnicas econométricas
utilizadas. Os resultados das regressões do modelo IPC são reportados na
terceira parte e os das projeções encontram-se na seção seguinte. Por último,
são traçadas algumas considerações finais com base nesses resultados.
Especificação do modelo
Uma maneira simples, porém precisa, de se analisar a pobreza ao longo de tempo
é utilizar um modelo que integre os efeitos de idade, período e coorte de
nascimento em uma mesma estrutura determinante do processo. Além disso, a
pobreza observada, em determinados períodos, pode provir de diferentes
aspectos, em termos de sua persistência, ou condicionalidade, e de seu risco,
ou transitoriedade. Segundo McKay e Lawson (2002), a pobreza crônica possui
características e determinantes distintos de uma condição de privação
transitória, não podendo ser tratadas de uma mesma maneira.
Funções de pobrezas crônica e transitória
O modelo de análise da pobreza em aspectos crônicos e transitórios é baseado na
abordagem de componentes, proposta por Jalan e Ravallion (1998, 2000), que
prioriza a deficiência de renda ao longo do tempo. A finalidade é distinguir o
componente constante da renda, determinante da pobreza crônica, do componente
de flutuação, determinante da pobreza transitória, assumindo a hipótese de
renda permanente das famílias (ou indivíduos). Partindo do modelo original de
Ravallion (1988) e Jalan e Ravallion (1998, 2000), Ribas e Machado (2007)
propõem uma decomposição semelhante sobre a propensão individual à pobreza, com
base na transição de estados entre dois períodos.
Supondo que j(.) é uma função de transformação das características inerentes ao
indivíduo j, xj, constante no tempo, e de sua renda no período anterior, yjd-1,
em uma renda individual permanente e que a variável aleatória hd, comum a
todos, transformada pela função idiossincrática nj(.) determina os desvios
dessa renda ao longo do tempo, a renda total do indivíduo j, no período d, yjd,
é representada como:
Com esse indicador-base de renda individual, a pobreza observada no tempo d
pode ser avaliada como uma função Pjd de yjd, tal que:
onde p(.) é a função de pobreza em uma data específica.
A medida de pobreza crônica é definida pelo componente Cjd de Pjd, que é função
apenas da renda permanente jd = j(xj ,
yjd-1), de tal forma que:
onde yj0 é a renda inicial de j e (h1 ,..., hd-1)representa os estados da
natureza realizados em períodos passados.
Não havendo choques na renda no tempo d, ou seja, yjd =
jd e nj(hd) = 0, a pobreza observada neste período será igual à
medida de pobreza crônica. Caso contrário, um componente residual na diferença
entre Pjd de Cjd é identificado. Esse componente é definido como a medida de
pobreza transitória:
Para medidas intertemporais ou agregadas de pobreza, é feita uma suposição de
aditividade sobre a função. Dessa forma, a pobreza de um indivíduo ao longo do
tempo é dada pela média das medidas Pjd observadas ao longo do tempo. O mesmo
ocorre com as medidas intertemporais de pobrezas crônica e transitória.
Pelo modelo de Ribas e Machado (2007), como a renda permanente depende dos
eventos ocorridos no passado, é atribuído à medida de pobreza crônica um
componente de dependência de estado.2 Por outro lado, apesar de sua
neutralidade sobre a pobreza crônica, a incerteza sobre os eventos no presente,
ou simplesmente o risco incorrido sobre os indivíduos, se reflete nas medidas
estática e intertemporal da pobreza transitória.
Dado yjd-1 = p-1(P jd-1 ), a pobreza, assim como seus componentes, pode ser
função da pobreza no período anterior. Logo, no tempo d, a função de
probabilidade de o indivíduo j ser pobre pode ser representada como:
onde Sjd é a probabilidade de persistência na pobreza, dada a condição inicial
no estado, e ejd é a probabilidade de transitar para a pobreza, dada a condição
oposta no período anterior.
A partir dessa função, é possível calcular uma medida estacionária de pobreza,
desde que ejd > 0 e (sjd - ejd). Num ambiente estacionário, a propensão à
pobreza, que representaria um status de pobreza crônica, é definida por:
Dado que Pjd = Cjd + Tjd, a medida de pobreza transitória no período d é
definida como:
De acordo com as expressões (6) e (7), o fundamental, portanto, para estimar
este modelo de decomposição é calcular as taxas sjd e ejd.
Modelo idade-período-coorte
Normalmente, os efeitos de idade sobre avaliações individuais estão associados
a processos biológicos, psicológicos, mudanças nos papéis sociais dos grupos
etários e/ou implicações da teoria de capital humano. Os efeitos de período
estão, por sua vez, relacionados a eventos específicos observados em cada ano,
referentes a questões conjunturais. No entanto, essas não são as únicas
dimensões básicas que definem a distribuição de um atributo em uma população.
Existem ainda os chamados efeitos de coorte, geralmente associados a mudanças
genéticas, na fecundidade e de comportamento entre gerações, além das
interações históricas resultantes, em termos culturais, políticos e
institucionais, entre ciclo de vida e período.
A classificação dos indivíduos em uma mesma coorte se dá para aqueles que
nasceram em um mesmo intervalo de tempo e envelheceram juntos. Ou seja, o
estudo de coorte se apóia na noção de que pessoas de idade i no período d são
as mesmas que tinham a idade i-1 no período d-1. Porém, as diferenças entre as
coortes não estão restritas somente às características do nascimento, tendendo
também a serem localizadas por idade, seguindo possíveis eventos específicos do
ciclo de vida (RYDER, 1965).
A inevitabilidade biológica do ciclo de vida individual, segundo Ryder (1965)
não leva a necessárias implicações para a transformação da população. No
entanto, o surgimento de novas coortes torna elegível o processo de mudança
social, pois essas são menos restritas à história e mais capazes de adaptação
ou de criação de novos modos de vida. De fato, as coortes apresentam
heterogeneidade entre si, desenvolvendo padrões temporais distintos que
respondem a estímulos específicos por período. Dessa forma, as variações
temporais nas coortes não são as mesmas variações longitudinais período-por-
período.
A análise específica de período implica o estudo de diferentes coortes no mesmo
ponto no tempo, sendo que as mudanças em cada conjuntura dependem também da
composição etária da população. Preston (1982) desenvolve um modelo de estática
comparativa para mostrar que mudanças na vida de um indivíduo, ou de uma
coorte, podem ser distintas daquelas ocorridas na população a que pertence.
Segundo o autor, essa discrepância é gerada justamente pelas condições
demográficas da população.
Portanto, para verificar as variações da pobreza e de sua composição
empiricamente, a abordagem de análise deve conter as três dimensões críticas da
análise longitudinal: idade do evento; período de sua ocorrência; e coorte dos
indivíduos envolvidos. A análise idade-período-coorte subentende que todos os
fatores, ao influenciarem a taxa de ocorrência de um evento, tal como a
pobreza, podem ser agrupados significativamente nessas três categorias. A
despeito das interações ou sobreposições existentes entre os três conjuntos de
fatores, é assumido, implicitamente, que essas influências são menos
importantes do que os efeitos principais associados a cada dimensão3 (WILMOTH,
1998).
Segundo Rios-Neto e Oliveira (1999), um modelo de "idade-período" (IP)
permitiria apenas o cálculo de taxas por idade para cada período, enquanto um
modelo "idade-coorte" (IC) possibilitaria o cálculo de taxas por idade para
cada coorte. Um modelo IPC torna-se o ideal, pois, além de incorporar as três
dimensões relevantes do processo demográfico, com seus efeitos puros sobre a
variável de resposta, permite a replicação dos modelos IP e IC que o antecedem
na árvore hierárquica de recursibilidade.
O período, assim como a idade e a coorte, não possui um efeito direto sobre a
variável dependente, mas pode ser tratado meramente como um marco para outros
fatores, nesse caso conjunturais, que afetariam um processo demográfico. Assim,
o modelo IPC para pobreza possui o seguinte formato:
onde ¦(.) é uma função de transformação aplicada à taxa de pobreza ¦(.)
observada na idade i, no período d, para a coorte l; o parâmetro m estabelece
um nível geral constante para ¦(Pidl); os parâmetros qi, qd e ql descrevem
padrões de mudança de ¦(Pidl) por idade, período e coorte, respectivamente; e o
último termo, x(Pidl), representa o erro aleatório da função.
No caso da estimação dos componentes crônico e transitório, o modelo está
sujeito a restrição Pidl = Cidl + Tidl, sendo Cidl e Tidl tratados como
ortogonais entre si. A função de pobreza crônica é definida como:
onde mC é a constante; qC,i, qC,d e qC,l são os respectivos efeitos de idade,
período e coorte sobre ¦(Cidl); e x(PC,idl) é o erro aleatório da função.
Dado que, para cada indivíduo, Pidl , Cidl Î [0,1], a função ¦(.) possui um
formato logístico, tal que:
Como Tidl = Pidl - Cidl, então E(Tidl)=E(Pidl)-E(Cidl). Logo, a função de
pobreza transitória esperada pode ser representada como:
Os efeitos marginais médios da idade, por exemplo, E(Pidl | i, d, l) sobre E
(Cidl | i, d, l), e E(Tidl | i, d, l) são, respectivamente:
Os efeitos de mudança no período e na coorte d = l + i são representados dessa
mesma forma.
No modelo IPC, a exata conexão matemática entre idade, período e coorte torna-
o tautológico, no sentido de que toda vez que duas dimensões variarem, uma
terceira será definida. Segundo Heckman e Robb (1985), qualquer esforço de
identificação desses efeitos necessita de alguma hipótese adicional. Logo, essa
identidade é uma dificuldade central na estimação dos parâmetros, sendo que a
solução para o problema demanda uma escolha arbitrária, como a suposição de que
parâmetros relativos a algum par de coortes, idades ou períodos sejam iguais
(DEATON; PAXSON, 1993; RIOS-NETO; OLIVEIRA, 1999).
Metodologia de estimação
Fonte dos dados e definição das medidas de pobreza
Para as estimações das pobrezas crônica e transitória, no Brasil, ao longo do
tempo, optou-se pelo uso dos microdados das PNADs de 1995, 1997, 1999, 2001 e
2003. A PNAD é um painel rotativo em que não se consegue acompanhar uma mesma
pessoa ao longo do tempo, porém é possível acompanhar os dados de indivíduos em
uma coorte. Segundo Firpo et al. (2003), há duas vantagens na utilização de
dados de coorte em vez de dados em painel: ausência do problema de viés de
sobrevivência da coorte na amostra, ou seja, sempre se consegue observar a
mesma coorte em anos distintos; e minimização do erro de medida usualmente
encontrado em dados em painel, uma vez que a informação da coorte é uma média.
No entanto, os autores salientam que esses dados são um substituto imperfeito
de dados longitudinais, pois pouco se pode dizer sobre a dinâmica interna às
coortes das variáveis em observação, além de a validade de seus resultados
depender da hipótese de que a população interna às coortes é constante.
Em cada ano, consideraram-se os indivíduos nascidos entre 1937 e 1968 (entre 27
e 58 anos em 1995), residentes em áreas urbanas4 e com declaração de renda
familiar não-negativa e de escolaridade (em anos de estudo). Deste universo,
foram selecionados os chefes de família e seus filhos, cônjuges, outros
parentes e agregados, excluindo os indivíduos que se declaram pensionistas,
empregados ou parentes de empregado, segundo a classificação da PNAD.
O indicador base de bem-estar individual é a renda familiar bruta per capita.
Para comparação entre indivíduos em diferentes regiões e períodos, esse
indicador foi deflacionado espacialmente, de acordo com o índice proposto por
Ferreira et al. (2000), e temporalmente, segundo o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor (INPC), como sugerido por Corseuil e Foguel (2002). A partir desse
indicador, a pobreza é definida para aqueles indivíduos com renda familiar per
capita abaixo de uma determinada linha de pobreza. Na definição dessa linha de
referência, um dos aspectos a ser considerado é a relação entre pobreza e
privações absoluta ou relativa (FOSTER, 1998). A linha de pobreza relativa é
estabelecida como 60% da mediana, para cada ano, das rendas familiares per
capita de todos os indivíduos (desde o zero ano de idade). A linha de pobreza
absoluta é estabelecida nos 60% da medida do mesmo indicador, porém incluindo
todos os períodos juntos.
Para obter o componente crônico para cada indivíduo, são calculadas a taxa de
persistência na pobreza, Sjd, e a taxa de transição para a pobreza, ejd. De
acordo com Ribas e Machado (2007), primeiramente considera-se que, em d-1, a
propensão à pobreza latente <formula/> do indivíduo
j é dada pela forma:
em d, essa propensão é representada pela função:
e r = corr(ujd-1 , e1jd + e2jd) é a correlação entre os termos de erro das
funções. O vetor xj descreve o indivíduo j a partir de sua cor, sexo,
escolaridade, região e período de nascimento; o vetor zj inclui as mesmas
variáveis do vetor xj, além das características de background familiar5
utilizadas como instrumentos; b, g1 e g2 são vetores de parâmetros
determinantes da condição inicial, da permanência e da transição,
respectivamente, segundo características individuais, enquanto nd-1, J1,d-1 e
J2,d-1 são os vetores correspondentes aos efeitos conjunturais; ujd-1 , e1jd e
e2jd são os termos de erro.
A estimação desse sistema de equações é realizada por meio da maximização da
função de verossimilhança, especificada por Ribas e Machado (2007), utilizando
dados em pseudopainel, agrupados de acordo com o vetor xj. A diferença nas
informações utilizadas pelos autores é que, neste trabalho, incluíram-se grupos
de indivíduos nascidos entre 1937 e 1944, a fim de serem estimados, com maior
extensão longitudinal, os efeitos de coorte e idade. Os resultados dos
parâmetros estimados são apresentados na Tabela_5, constante no Anexo. A partir
deles, é possível calcular as taxas Sjd e ejd, para cada indivíduo, da seguinte
forma:
onde j(.) e j2(.) são funções de probabilidade acumulada univariada e
bivariada.
Cabe salientar que, a fim de realizar essa estimação para cada indivíduo dessa
amostra, incluíram-se, ainda, as informações da PNAD de 1993. O acréscimo desse
ano é necessário, pois o modelo de decomposição transitória-crônica prevê uma
defasagem nos dados para captar a transição entre períodos.
Formato do modelo IPC
Para estimação do modelo IPC, as informações possuem um formato cross-section
para indivíduos, empilhando os dados para os anos utilizados. Segundo Oliveira
(2002), uma maneira de acompanhar cada coorte ao longo de repetidas pesquisas é
observar os membros dessa coorte que foram selecionados aleatoriamente em cada
ano.
Para cada indivíduo nesta cross-section, as variáveis explicativas das taxas de
pobreza são a idade, o período e a coorte, dispostas como no Quadro_1. Nesse
quadro, as coortes de nascimento correspondem à diagonal da matriz l = i - d +
1. As observações nos extremos do Quadro_1 não foram incluídas, pois não há
estimativas de pobreza crônica para elas. Lembrando que o componente crônico da
pobreza foi estimado por pseudopainel, em que o mesmo grupo de indivíduos deve
ser acompanhado do primeiro ao último período. Na Tabela_6, do Anexo, encontra-
se a participação amostral de cada combinação IPC.
Com o problema de identificação no modelo, assumiu-se que as duas faixas de
idade mais novas (27-28 e 29-30 anos) possuem os mesmos efeitos. Esta escolha,
aparentemente arbitrária, é a mais plausível, dado o curto intervalo disponível
para a análise. Contudo, um modelo com uma restrição alternativa sobre os
efeitos de coorte também foi testado e não gerou resultados significativamente
distintos. Este modelo alternativo não foi incluído neste artigo por uma
questão de espaço.
Para estimação da função (8) de pobreza observada (absoluta e relativa), é
utilizado um modelo logit e, para estimação dos efeitos sobre o componente
crônico, da expressão (9), é utilizado um modelo linear, porém com uma
transformação logística da variável explicada. Ambas funções são estimadas pelo
método de máxima pseudo-verossimilhança, devido ao desenho amostral das PNADs,
como recomendado por Silva et al. (2002). Nesse método, as estimações requerem
o uso, além do peso amostral, das variáveis de identificação do estrato
geográfico e da unidade primária de amostragem para corrigir o erro amostral.
O conjunto de variáveis explicativas pode ser colocado de forma tanto contínua,
caracterizando um modelo de funções polinomiais, quanto de dummies, definindo
efeitos menos parametrizados na combinação IPC. Attanasio e Jappelli (1998),
por exemplo, empregam polinômios na estimação dos efeitos idade, período e
coorte sobre a variância da utilidade marginal do consumo. Esse tipo de
especificação é vantajoso porque a pobreza pode variar entre coortes, períodos
e idades de forma não constante. Assim, o polinômio até terceira ordem daria
conta dos efeitos não-lineares. Segundo Firpo et al. (2003), a escolha da
melhor especificação a ser estimada consiste em um trade-off entre mais graus
de liberdade, no modelo com polinômios, e mais flexível, no modelo com as
variáveis binárias, uma vez que não se impõe uma estrutura ad hoc para o
comportamento desse efeito.
Os Gráficos_1 e 2 e a Tabela_1 descrevem as medidas agregadas de pobreza
absoluta e relativa, juntamente com seus componentes, por faixa de idade,
coorte de nascimento e período, não interagindo essas dimensões. Ao se
considerar somente a idade do indivíduo, no Gráfico_1, verifica-se que a
pobreza, tanto absoluta quanto relativa, possui uma trajetória média
decrescente ao longo do ciclo de vida, em decorrência da distribuição do
componente crônico. Já o componente transitório parece possuir uma trajetória
inversa, particularmente a partir dos 31 anos de idade. De fato, em todos os
períodos estudados, a idade média de pobreza crônica está abaixo da idade média
da amostra, enquanto a média de idade ponderada pelo componente transitório
está acima dessa marca (Tabela_1). Verifica-se uma redução da pobreza crônica
ao longo do tempo, em contrapartida a um aumento na transitória, excluindo-se o
ano de 1995.6
No agregado das coortes de nascimento, a pobreza observada apresenta tendência
ascendente, no sentido dos grupos mais jovens, assim como no ciclo de vida
(Gráfico_2). Ambos efeitos, porém, se confundem, não sendo possível definir o
que é trajetória no ciclo de vida e o que é tendência entre as gerações. Em
termos de composição, identifica-se uma mudança significativa entre o grupo de
indivíduos nascidos antes e depois de 1963, na qual a pobreza passou a ser
essencialmente crônica para as gerações mais novas.
Resultados do modelo IPC
As estimações do modelo IPC aplicado à pobreza observada e ao seu componente
crônico foram realizadas de duas maneiras: tratando as variáveis explicativas
como um conjunto de dummies ou de forma contínua. Assim, busca-se garantir
alguma robustez às tendências estimadas de ciclo de vida, período e coorte.
Pela maior clareza nos resultados e, portanto, maior facilidade de
interpretação, são apresentados nessa seção somente os resultados do modelo de
polinômios, nas Tabelas_2 e 3. As estimações por dummies encontram-se nas
Tabelas_7 e 8 do Anexo.
Pelas regressões estimadas segundo as definições de privações absoluta (Tabela
2) e relativa (Tabela_3), identifica-se que as medidas de pobreza total não
respondem significativamente às variações conjunturais. Esse resultado é
condizente também com as regressões utilizando dummies para os períodos. Ou
seja, ao longo do tempo, a pobreza é somente determinada pela combinação das
características de idade e coorte de nascimento. De fato, no Brasil, desde
1994, não é constatado nenhum choque conjuntural expressivo (positivo ou
negativo) que cause uma mudança brusca no patamar de pobreza. Dessa forma, a
diminuição na incidência do problema, em anos recentes (IBRE/FGV, 2005), pode
estar mais ligada a uma tendência de mudança nas coortes do que de mudança no
ambiente político-econômico. Ou ainda, pode-se pensar que os choques
conjunturais, ao longo do tempo, estão se refletindo sobre os indivíduos de
forma mais persistente, por meio de alterações nas coortes.
Apesar de não ser constatado um efeito puro de período sobre as pobrezas
absoluta e relativa, em termos de composição transitória-crônica, identifica-se
uma tendência, independente da idade e da coorte, significativa ao longo do
tempo. Essa tendência é de aumento do componente crônico, em contraponto a uma
redução semelhante na parte transitória. No entanto, esse processo não segue
uma trajetória crescente, pois os efeitos de períodos são significativamente
côncavos. O formato da função de período estimada aponta, na realidade, para
uma estacionariedade na diferença entre componentes, dando a entender que a
tendência identificada foi causada pela mudança brusca de composição ocorrida
entre 1995 e 1997.
Em relação ao efeito puro das coortes, em que, a princípio, o efeito
conjuntural está estigmatizado, verifica-se uma tendência decrescente das
pobrezas total, absoluta e relativa. Quanto aos componentes, um processo de
redução mais acelerado é identificado em termos crônicos. As medidas de pobreza
transitória, pelo contrário, tendem a aumentar com o passar das gerações. Cabe
salientar que todas essas tendências não apresentam monotonicidade. A partir
das estimações dos efeitos por variáveis binárias, foi possível constatar uma
quebra estrutural de composição entre as coortes nascidas antes e depois de
1963. A despeito da mudança de patamar ocorrida entre esses dois grupos de
indivíduos, de uma maneira geral, as coortes mais novas tendem a ter um
componente transitório maior. Ou seja, se, no que se refere a período, a
pobreza crônica aumentou recentemente, em termos de coorte a pobreza
transitória é a que vem crescendo.
No que diz respeito a ciclo de vida, as funções de pobreza total e de seu
componente crônico apresentam formato negativamente inclinado, de efeito mais
acentuado para a segunda medida. Esse resultado leva à intuição de que a idade
média de privação crônica, ao longo do ciclo de vida, é menor do que a idade
média do total da pobreza, que, por sua vez, é inferior à idade média da
população. Uma das causas para esse resultado está no fato de a taxa de
mortalidade ser, provavelmente, maior onde a pobreza crônica é mais
concentrada, fazendo com que as coortes percam, ao longo do tempo, grande parte
dos indivíduos nessa situação. Ao contrário do componente crônico, a pobreza
transitória, com função ascendente no ciclo de vida, possui uma idade média
mais elevada.
Projeções
Por meio do modelo IPC, é possível projetar a distribuição de qualquer atributo
de caráter demográfico em uma população, com detalhamento no desenho dos
cenários simulados. Para extrapolar previsões futuras das medidas de pobreza,
algumas suposições são consideradas. Primeiramente, assume-se que o perfil
etário longitudinal da pobreza é constante e igual aos respectivos coeficientes
estimados nas regressões (Tabelas_2 e 3), ou seja, os efeitos de idade não se
alteram no futuro. Logo, as projeções são realizadas considerando mudanças
apenas nas dimensões de período e coorte, seguindo as tendências observadas nos
efeitos puros por meio de seus coeficientes estimados.
Com a identificação dessas tendências, os efeitos de seis novas coortes e de
três novos períodos são calculados, como ilustrado nos Gráficos_3 e 4. A partir
disso, projetam-se medidas de pobreza agregada e de seus componentes para a
população entre 29 e 66 anos de idade, para 2005, 2007 e 2009. A extrapolação
de previsões da pobreza segue a mesma lógica da estimação do modelo IPC. Ou
seja, primeiramente, é projetada a pobreza total e, em seguida, a crônica. A
medida do componente transitório é dada pela diferença entre as duas medidas
anteriores.
A partir dos Gráficos_3 e 4, o cenário formulado para projeção é aquele em que
a pobreza diminui quase que linearmente entre as gerações, porém de forma
relativamente lenta. Para os efeitos de coorte sobre os componentes crônicos,
uma tendência de redução maior é esperada, principalmente em termos relativos.
Quanto à tendência da pobreza entre os períodos, as variações das medidas
totais são semelhantes entre as definições relativa e absoluta, sendo
linearmente crescente. No entanto, no que se refere à composição, verifica-se
uma redução mais acelerada do componente crônico em termos absolutos do que
relativos. Esse cenário, na prática, supõe que mudanças na condição crônica
relativa ocorrem de forma mais lenta, em termos conjunturais, do que na
condição absoluta.
Nos cálculos das previsões de medidas agregadas para 2005, 2007 e 2009 (Tabela
4), são utilizadas as projeções da população brasileira realizadas pelo IBGE
(2004). De acordo com o cenário descrito, a previsão de redução na pobreza é em
torno de 2,7 pontos percentuais em quatro anos, em termos tanto absolutos
quanto relativos. Apesar dessa pequena mudança nas medidas totais de privação,
projeta-se para os componentes crônicos agregados uma considerável redução,
aumentando, por outro lado, a transitoriedade dos indivíduos às pobrezas
absoluta e relativa. Ou seja, espera-se que, cada vez mais, a incidência de
pobreza provenha do risco de transição das pessoas entre estados e não tanto de
sua condição permanente.
Para ilustrar a distribuição etária da pobreza nos períodos projetados, os
Gráficos_5 e 6 apresentam as medidas esperadas por idade e ano. Independente da
definição de privação, a tendência esperada da distribuição da pobreza é de
redução, entre as pessoas com mais de 46 anos e, principalmente, menos de 39
anos. Logo, a tendência projetada aponta para um possível aumento na idade
média da pobreza.
Os Gráficos_7 e 8 mostram a distribuição etária da composição esperada da
pobreza. A constatação sobre esses gráficos é que a tendência das medidas
absolutas e relativas é de redução da privação crônica para todas as idades,
principalmente nas mais jovens. Esse processo poderia levar a uma distribuição
mais uniforme da pobreza crônica entre as faixas etárias, aumentando a idade
média de incidência desse componente. Já a pobreza transitória, que,
inicialmente, apresenta uma distribuição côncava, tende a um formato
negativamente inclinado, elevando significativamente sua incidência entre as
faixas de idade mais jovens.
Conclusão
No início deste trabalho, demonstra-se que, além da possibilidade de
decomposição do indicador de pobreza em duas partes distintas, pode-se
identificar uma diferenciação entre tendências observadas ao longo dos
períodos, para toda uma população, e ao longo do ciclo de vida, para pessoas em
uma coorte específica. Portanto, recorre-se a um modelo de estimação idade-
período-coorte (IPC) para captar esses processos possivelmente diferenciados.
Retomando os resultados do modelo de IPC estimado, conclui-se que, em anos mais
recentes, a redução da incidência da pobreza deve-se mais a um efeito de
mudanças entre gerações do que de alterações específicas nos períodos. Em
relação à composição da pobreza, o processo mais acelerado de redução é do
componente crônico. Em contrapartida, o componente transitório apresenta uma
tendência significativa de aumento ao longo do tempo.
Nas projeções simuladas, tornam-se claras as tendências de aumento do
componente transitório, principalmente entre a população mais jovem, em aspecto
de privação tanto absoluta quanto relativa, mesmo com a redução na incidência
total de pobreza. Logo, outra conclusão deste trabalho é que, ao longo do
tempo, a incidência de pobreza na população brasileira se dará cada vez menos
pela condicionalidade média à baixa renda e cada vez mais pela vulnerabilidade
à transição de estados. Persistindo essa tendência, espera-se uma inversão no
cenário apontado por Ribas e Machado (2007), em que a situação crônica era o
principal responsável pela condição de pobreza da maioria da população de baixa
renda.
Uma explicação para a mudança de composição da pobreza pode ser a maior
escolaridade das coortes mais novas (MARTELETO, 2005; VELEZ et al., 2001), que
reduzem seu componente crônico por meio da maior acumulação de capital humano,
ligada às recentes mudanças no mercado de trabalho, gerando maior mobilidade e
risco de desemprego. Segundo Marió (2005), os jovens alcançaram níveis
educacionais mais altos, mas isso não se traduziu em melhorias no emprego,
principalmente entre aqueles sem formação superior. De acordo com Chahad e
Macedo (2003), a partir da década de 90, o mercado de trabalho brasileiro
caracterizou-se por uma ampliação nas taxas de desemprego e rotatividade e das
relações informais de trabalho. Para Marió (2005), a população de baixa renda
percebe essas mudanças com uma expansão no grau de vulnerabilidade e incerteza.
Outra explicação para o aumento da pobreza transitória pode ser a crescente
participação feminina no mercado de trabalho (RIOS-NETO; OLIVEIRA, 1999; LEME;
WAJNMAN, 2003) e como chefes de família (MEDEIROS; OSÓRIO, 2002). Como apontado
por Ribas e Machado (2007), pessoas em famílias chefiadas por mulheres estão
mais sujeitas à pobreza transitória.
Em todo caso, o processo identificado de aumento da pobreza transitória e,
conseqüentemente, da percepção dos riscos incorridos por famílias e indivíduos
possui uma implicação de política clara. De acordo com Wood (2003), autoridades
corretamente direcionadas para o combate à pobreza são aquelas que buscam criar
as condições necessárias para pessoas saírem da sua condição de privação para
um estado mais seguro, sustentado e não-vulnerável de bem-estar. No entanto,
muitos governos fracassam nessa busca, pois acabam envolvidos na reprodução das
condições sociais, econômicas e políticas que criam barreiras de incerteza e
insegurança ao movimento de redução da pobreza.
Portanto, programas sociais que visem redução da desigualdade e acumulação de
capital humano por via de transferência de renda devem ser acompanhados de
medidas que garantam maior segurança a famílias e seus indivíduos. Nesse
aspecto, a aquisição e a legalização de posse de ativos têm papel fundamental
na redução dos riscos provocados pelas intempéries econômicas sobre a
volatilidade da renda, facilitando o acesso ao crédito e aumentando a
capacidade de respostas a choques, de maneira geral.
Além da questão da proteção social via mercado de crédito, o sistema de
seguridade social no Brasil, que envolve os benefícios de seguro-desemprego e o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), pode ser repensado de modo a
incluir os trabalhadores do setor informal, que representam mais da metade da
força de trabalho. No Brasil, segundo Cardoso e Jaccoud (2005), a ausência de
ações mais amplas no campo das políticas de proteção ao trabalhador e às suas
famílias tem minimizado os efeitos agregados dos programas públicos de seguro-
desemprego, intermediação da mão-de-obra, formação profissional e geração de
emprego e renda a partir do microcrédito e do desenvolvimento de experiências
locais.