A relação entre parturição e trabalho feminino no Brasil
Introdução
A relação entre filhos e o engajamento dos pais, especialmente das mulheres, no
mercado de trabalho vem sendo discutida tanto em países desenvolvidos (GOLDIN,
1997; ANGRIST; EVANS, 1998; MARON; MEULDERS, 2008) quanto naqueles em
desenvolvimento (SOUTO-MAIOR, 1990; RIOS-NETO, 1996; CRUCES; GALIANI, 2003). Em
anos recentes, o interesse nessa relação foi especialmente motivado pelas
rápidas e profundas transformações ocorridas na função econômica, social e
familiar das mulheres nas últimas décadas (BECKER, 1981; SCORZAFAVE, 2001). No
Brasil, assim como em diversos outros países, a oferta de trabalho feminina
aumentou ao mesmo tempo em que a taxa de fecundidade declinou rapidamente
(ENGELHART, 2004). Essa concomitância intensificou o debate em torno dos
possíveis efeitos causais entre essas duas variáveis (RIOS-NETO, 1996; GOLDIN;
KATZ, 2002).
O objetivo desse artigo é estimar o efeito da maternidade sobre a participação
feminina na População Economicamente Ativa (PEA), observando sua evolução
temporal desde os anos de 1990. Além disso, com base no fato de que cada filho
possa apresentar um efeito diferenciado sobre a decisão de trabalho das mães,
já que há evidências, por exemplo, de que o primeiro filho é aquele com o
efeito mais forte sobre a entrada ou permanência da mãe no mercado de trabalho
(LÉRIDA, 2006), estimamos, separadamente, o efeito do primeiro, do segundo e do
terceiro (ou mais) filhos sobre a participação feminina no mercado de
trabalho.1
O maior conhecimento do efeito da maternidade ' e da decisão de ter filhos '
sobre a participação feminina no mercado de trabalho tem grande relevância, já
que, comparativamente aos homens, pode ser que os filhos limitem de alguma
forma o crescimento profissional das mulheres, no que se refere tanto aos
diferenciais salariais quanto aos tipos de ocupação (PAZELLO, 2006).
Como sugerem Maron e Meulders (2008), a maternidade pode levar as mulheres a
desistirem de trabalhar (temporária ou definitivamente), encorajá-las a reduzir
seu tempo de trabalho ou até mesmo fazer com que mudem de profissão ou de
segmento do mercado, além de poder retardar sua promoção a melhores cargos e
aumentos salariais. Adicionalmente, destaca-se o fato de que o estudo da
relação filhos-trabalho faz parte de uma análise mais ampla da dinâmica do
comportamento familiar. Conhecer melhor essa dinâmica contribui
significativamente para a formulação de políticas públicas que considerem de
forma distinta os membros familiares e seus papéis dentro da família, além de
levantar importantes questões para as projeções de oferta de mão de obra
feminina (SEDLACEK; SANTOS, 1991; RIOS-NETO; WAJNMAN, 1994; JANNUZZI, 2000).
Devido ao fato de que trabalhar e ter filhos constituem decisões, muitas vezes,
tomadas simultaneamente, estimar o efeito de filhos sobre a participação das
mães não é tarefa trivial, já que os métodos convencionais não permitem estimar
corretamente uma relação de causalidade, mas apenas a associação entre elas
(ANGRIST; EVANS, 1998).
Assim, mensuramos o efeito da fecundidade sobre a participação feminina na PEA
por meio do uso de experimentos naturais ou quase-naturais. Essa estratégia
consiste em encontrar uma variável ' em geral, relacionada a um evento natural,
biológico ' que afete a fecundidade (e tenha relação com a decisão de ter
filhos) e só influencie a oferta de trabalho feminina por meio da fecundidade.
Dessa forma, eliminamos a endogeneidade da relação filhos-trabalho feminino,
que, em modelos tradicionais, impediria estimar o efeito de interesse.
Em se tratando do efeito de filhos sobre a participação feminina no mercado de
trabalho, a ocorrência de natimortos, o nascimento de gêmeos e a preferência
dos pais por filhos de ambos os sexos são eventos que vêm sendo empregados na
literatura. Destaca-se, entretanto, que, segundo o nosso conhecimento, ou essas
variáveis foram utilizadas de maneira isolada nos estudos anteriores, ou foram
feitas comparações nos efeitos de filhos estimados com base em duas delas,
desconsiderando o diferencial do efeito de filhos de acordo com sua ordem de
nascimento (BRONARS; GROGGER, 1994; ANGRIST; EVANS, 1998; CRUCES; GALIANI,
2003; PAZELLO; FERNANDES, 2004; PAZELLO, 2006).
O presente artigo analisa o efeito dos filhos sobre a presença feminina na PEA,
considerando os três eventos, de acordo com a parturição da mulher, o que
permite estimar o efeito do primeiro, segundo e terceiro (ou mais) filhos sobre
a participação feminina no mercado de trabalho. Na literatura que aborda o
efeito de filhos sobre a decisão de oferta de trabalho das mulheres, essa
perspectiva de ordem de nascimento revela-se como importante contribuição.
Inicialmente, estimamos o efeito do primeiro filho sobre a participação das
mulheres na PEA, utilizando a ocorrência de natimortos como proxy exógena para
a fecundidade, de modo que comparamos as mulheres que não tinham filhos, mas já
haviam tido, pelo menos, um natimorto, com aquelas que tinham apenas um filho
(e nunca tiveram um natimorto). A ideia implícita nessa estimativa é comparar
uma mulher que tenha um ou mais filhos com outra que tentou ter filhos, mas não
conseguiu. Nesse sentido, assume-se que essas mulheres teriam preferências ex-
ante similares, já que o desejo de ter filhos foi comum para ambas.
Em segundo lugar, para estimar o efeito do segundo filho sobre a participação
das mães na PEA, utilizamos o nascimento de gêmeos como proxy para um aumento
exógeno na fecundidade, por ser considerado um evento não planejado sobre as
decisões das mães em relação a ter mais filhos, casar, estudar e trabalhar
(BRONARS; GROGGER, 1994). Nesse caso, comparamos as mães que tiveram gêmeos na
primeira gravidez com aquelas que tinham apenas um filho.
A evidência empírica aponta para efeitos negativos da maternidade sobre a
participação das mulheres no mercado de trabalho, estimados tanto com base no
nascimento de gêmeos (BRONNARS; GROGGER, 1994; JACOBSEN; PEARCE III;
ROSENBLOOM, 1999; PAZELLO, 2006) quanto na ocorrência de natimortos (PAZELLO;
FERNANDES, 2004).
Por último, estimamos o efeito de um terceiro ou mais filhos sobre a
participação feminina no mercado de trabalho, utilizando uma variável
instrumental baseada na preferência dos pais por filhos de ambos os sexos. Isto
porque há evidências de que os pais com os dois primeiros filhos do mesmo sexo
apresentam probabilidade maior de terem um terceiro ou mais filhos em relação
àqueles cujos dois primeiros filhos são uma menina e um menino (ANGRIST; EVANS,
1998; CRUCES; GALIANI, 2003; CAMPÊLO; SILVA, 2005). Nessa estimativa do efeito
de um filho adicional a partir do terceiro sobre a participação feminina na
PEA, comparamos as mulheres que tinham mais de dois filhos, sendo os dois
primeiros do mesmo sexo, com aquelas que tinham apenas dois filhos, sendo um
menino e uma menina. A evidência empírica mostra uma redução da oferta de
trabalho feminino devido ao nascimento do terceiro filho tanto em países em
desenvolvimento (CRUCES; GALIANI, 2003; CAMPELO; SILVA, 2005) como naqueles
desenvolvidos (ANGRIST; EVANS, 1998).
Os resultados do nosso estudo mostram que ter filhos diminui a probabilidade de
inserção feminina no mercado de trabalho, independentemente da ordem de
nascimento destes e do estado conjugal das mulheres. No que se refere à
evolução no tempo, o efeito do primeiro e segundo filhos apresentou tendência
de queda entre as décadas de 1990 e 2000, ao passo que um filho adicional a
partir do terceiro tende a afetar mais negativamente a participação feminina na
PEA nos anos de 2000 do que na década anterior. Com relação à magnitude dos
efeitos, o segundo filho apresentou o efeito negativo mais forte sobre a
participação das mulheres no mercado de trabalho, o que não seria esperado
(pois se espera que o primeiro filho tenha o efeito mais negativo) não fosse o
evento utilizado como proxypara a fecundidade. Como mensuramos o efeito do
segundo filho por meio do nascimento recente de gêmeos, o efeito estimado deve
ser considerado um limite superior para o efeito do segundo filho, uma vez que
no curto prazo há uma deseconomia de escala em ter dois filhos ao mesmo tempo
(PAZELLO, 2006).
A literatura relacionada ao efeito de filhos sobre a decisão de trabalho dos
pais é ainda incipiente. Primeiramente porque, em geral, os estudos utilizam
apenas um ponto no tempo, sem fornecer uma noção de como esse efeito tem mudado
ao longo dos anos. O presente trabalho contém informações que permitem
investigar essa evolução ao longo das duas últimas décadas; um período que
compreende mudanças significativas nas mais variadas dimensões da vida social
brasileira. Além disso, a necessidade da utilização de proxies/instrumentos
para a mensuração do efeito de filhos sobre a participação das mulheres na PEA
faz com que as estimativas obtidas não possam ser generalizadas para o conjunto
da população e, nesse sentido, esse artigo constitui importante fonte de
validação externa para o uso de experimentos naturais na estimação do efeito de
filhos sobre a participação feminina no mercado de trabalho.
Dados
Utilizamos a série das PNADs (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios)
realizadas entre 1992 e 2007,2 empilhadas a cada decênio, de forma a gerar dois
bancos de dados (um com as PNADs de 1992 a 1999 e outro com as de 2001 a 2007)
para cada estimação do efeito de filhos (primeiro, segundo e terceiro ou mais
filhos) sobre a participação laboral feminina. A justificativa para o
empilhamento está no fato de que estamos lidando com eventos raros (natimortos
e gêmeos). Já no caso de filhos do mesmo sexo, evento não-raro, o empilhamento
permite maior comparabilidade entre os modelos testados.
Idealmente, para estimarmos o efeito do primeiro filho sobre a participação das
mulheres no mercado de trabalho, por exemplo, precisaríamos observar a
participação laboral de uma mesma mulher em um mesmo momento, em duas
situações: "sem filhos" e "mãe de um filho". Como isso é impossível, a
utilização de experimentos naturais permite simular situação semelhante, de
forma que o fato de uma mulher experimentar ou não um evento (fonte de variação
exógena na fecundidade) a classifica como "tratamento" ou "controle",
respectivamente, o que define a construção de um contra-factual.
Assim, na estimação do efeito do primeiro filho sobre a decisão de trabalho
feminina, comparamos dois grupos de mulheres: aquelas que não tinham filhos,
mas já haviam tido, pelo menos, um natimorto (tratamento); e as que tinham
apenas um filho e nunca tiveram um natimorto (controle). Ao estimarmos o efeito
do segundo filho, aquelas que fazem parte do grupo tratamento são as mães que
tiveram gêmeos na primeira gravidez e as controles compreendem aquelas que
tinham apenas um filho. Já na estimação do efeito de um filho adicional a
partir do terceiro, o grupo tratamento é formado pelas mães com mais de dois
filhos e o de controle, por aquelas com apenas dois.
Como cada evento (natimortos, gêmeos e preferência por filhos de ambos os
sexos) tem sua singularidade em termos do seu uso como proxies/instrumento para
a fecundidade, em cada estimação, as amostras foram definidas separadamente. A
Tabela_1 contém os tamanhos amostrais e os filtros necessários à construção das
amostras dos grupos tratamento e controle usadas nas três estimações do efeito
de filhos sobre a participação feminina na PEA contempladas nesse artigo.
Na análise descritiva dos dados aqui realizada, são discutidas apenas as
características médias das amostras que incluem, para cada estimação do efeito
de filhos sobre a oferta de trabalho feminina, todas as mulheres de 15 a 49
anos de idade, somente na década de 1990.
As Tabelas_2, 3 e 4 apresentam as características sociodemográficas,
geográficas, domiciliares e ocupacionais que descrevem os grupos de tratamento
e controle utilizados na estimação do efeito do primeiro, segundo e terceiro
(ou mais) filhos sobre a participação feminina na PEA, respectivamente.
Na Tabela_2, comparamos as mulheres sem filhos que já tiveram algum natimorto
(tratamento) com aquelas que tinham um filho e nunca tiveram um natimorto
(controle), ambos os grupos de mulheres utilizados na estimação do efeito do
primeiro filho sobre a participação feminina no mercado laboral. O que mais
chama a atenção é o fato de que a ocorrência de natimortos parece estar
associada a condições de pobreza das mulheres, sugerindo que esse evento não
seja aleatório.
Observou-se, também, que as mulheres-controle são mais escolarizadas (6,83 anos
médios de estudo, contra 4,59 das mulheres do grupo tratamento), auferem rendas
superiores (cerca de R$ 105,36 a mais) e apresentam maior proporção de brancas
(61,19%) em relação às mulheres-tratamento (46,88%). Além disso, há uma menor
proporção de mulheres do grupo tratamento residindo em regiões de maior
desenvolvimento econômico e, em contra-partida, uma maior representatividade
dessas nas regiões ditas menos desenvolvidas. Em se tratando das
características ocupacionais, existe maior proporção de mulheres ativas no
grupo tratamento. Isso pode estar sinalizando um possível efeito negativo do
primeiro filho sobre a condição de atividade das mulheres. Mas, como essa
análise não controla por nenhuma outra característica (apenas compara a
proporção de mulheres nos grupos tratamento e controle que são ativas), pode
ser que esse diferencial entre mulheres tratamento e controle reflita fatores
que vão além da presença de filhos.
A Tabela_3 compara as características sociodemográficas, geográficas e
ocupacionais das mães de gêmeos (tratamento) com aquelas que possuem um filho
(controle), grupos que compõem a amostra utilizada na estimação do efeito do
segundo filho sobre a participação das mães na PEA.
No caso do nascimento de gêmeos, verifica-se que esse fenômeno está associado a
melhores condições de vida, pois, além de as mulheres-tratamento serem mais
escolarizadas (7,18 anos médios de estudo, contra 6,76 do grupo controle) e
apresentarem maior renda média mensal familiar (superior em R$ 86,39 à das mães
de apenas um filho), há maior percentual de mães de gêmeos em regiões mais
desenvolvidas do país (como no Sudeste e em áreas urbanas) e uma menor
representatividade dessas nas regiões ditas menos desenvolvidas (como no
Nordeste) em relação às mães de não-gêmeos. Tais características, por estarem
associadas a melhores condições de vida e aos recursos médicos mais avançados,
sugerem uma associação positiva entre renda e probabilidade de ocorrência de
gêmeos (COLLETTO; SEGRE; BEIGUELMAN, 2001).
Além disso, as mulheres-tratamento são, em média, mais velhas e tiveram seus
filhos gêmeos também mais tarde quando comparadas às do grupo controle
(considerando-se todas as mães de 15 a 49 anos, a idade média ao ter o filho
das mulheres do grupo tratamento é de 26,08 anos, enquanto para as de controle
corresponde a 24,17 anos). De fato, há evidências empíricas de que as mães de
gêmeos são mais escolarizadas e mais velhas do que aquelas que não tiveram
gêmeos, porque mulheres consideradas "mais produtivas" tendem a atrasar a
maternidade. Além disso, quanto maior a idade em que a mulher engravida, maior
é a probabilidade de que ela tenha gêmeos, seja porque a ovulação tende a se
tornar mais irregular com o aumento da idade, seja devido aos tratamentos
hormonais a que as mulheres mais velhas se submetem para engravidar (PAZELLO,
2006).
Por fim, temos o exercício realizado com base na informação de filho adicional
a partir do terceiro nascimento. Nesse caso, a fonte de variação exógena na
fecundidade é um instrumento e não uma proxy para a fecundidade (como no caso
dos natimortos e gêmeos). Isso significa que, enquanto os demais eventos
produzem necessariamente uma variação exógena na fecundidade (sendo que os
natimortos representam a "perda inesperada" de um filho e o nascimento de
gêmeos significa o "ganho inesperado" de um filho), o fato de haver evidências
de que os pais, em geral, preferem ter filhos de ambos os sexos, embora aumente
a probabilidade de nascimento de um terceiro filho quando os dois primeiros são
do mesmo sexo, não garante que isso ocorra. Devido a essa particularidade, a
análise descritiva do banco de dados utilizado na estimação do efeito do
terceiro (ou mais) filho sobre a participação feminina no mercado de trabalho é
diferenciada das demais. Nesse caso, torna-se crucial verificar se as mulheres
que tiveram os dois primeiros filhos do mesmo sexo apresentam maior
probabilidade de terem um terceiro filho em relação àquelas que tiveram uma
menina e um menino. Na Tabela_4 observamos, para as mães de duas ou mais
crianças, a relação entre a porcentagem destas que tiveram um terceiro filho e
o sexo dos seus dois primeiros filhos.
A preferência dos pais por filhos de ambos os sexos é um fenômeno que tem sido
tema de vários estudos. Angrist e Evans (1998) mostraram que a probabilidade de
uma família ter um filho adicional depende, significativamente, do sexo dos
filhos já tidos. Segundo os autores, apenas 34,4% de todas as mulheres norte-
americanas que tinham, em 1990, um menino e uma menina tiveram outro filho,
enquanto para aquelas que tinham dois meninos ou duas meninas, no mesmo ano,
esse percentual chega a 40,7%. A Tabela_4 reporta estimativas similares a essas
para o Brasil, nas décadas de 1990 e 2000.
Os resultados indicam uma preferência estatisticamente significativa dos pais
por filhos de ambos os sexos, também no Brasil. Por exemplo, enquanto 47,04%
das mães de 15 a 49 anos com um casal de filhos tinham um terceiro filho, em
1990, para aquelas com dois meninos ou duas meninas esse percentual é de
51,16%.
Na Tabela_5, que apresenta as estatísticas descritivas das mulheres de 15 a 49
anos com, ao menos, dois filhos (amostra-base da estimação do efeito do
terceiro filho em diante), observam-se as diferenças de médias/proporções de
algumas variáveis sociodemográficas entre dois grupos de mulheres: aquelas
cujos dois primeiros filhos são do mesmo sexo (controle); e as que tiveram um
casal de filhos (tratamento).
Verifica-se que a significância de 1% em todos os testes de diferença de médias
reflete, principalmente, a grandeza do tamanho amostral. Tal fato fica claro ao
se priorizar a análise da magnitude da diferença, em vez da significância dessa
diferença. Todos os indicadores de proporção revelam uma diferença inferior a
1% entre mulheres-tratamento e controle. Estes fatores sugerem que o efeito do
sexo dos dois primeiros filhos sobre a oferta de trabalho feminino seja pouco
significativo. E isso é desejável, já que mostra que as mulheres cujos dois
primeiros filhos têm o mesmo sexo e aquelas com um casal de filhos apresentam
comportamentos semelhantes, inclusive diante do mercado de trabalho e,
portanto, se a sua participação no mercado de trabalho sofre influência do sexo
dos dois primeiros filhos, isso se dará apenas por meio da fecundidade.
Metodologia
Para estimar o efeito da fecundidade sobre a oferta de trabalho feminino, nos
concentramos em uma variável dependente: participação da mulher na População
Economicamente Ativa (PEA), segundo a qual as mulheres foram classificadas como
economicamente ativas (incluindo as ocupadas e as desocupadas), ou não
economicamente ativas (fora do mercado de trabalho).
Assim, sendo yiuma variável indicadora da participação feminina na PEA e xi o
vetor transposto das variáveis explicativas, poderíamos estimar o seguinte
modelo linear:
ondeβé o vetor de parâmetros a ser estimado eεé o erro (independente e
distribuído segundo uma distribuição normal, com média zero e variânciaσ2).
Entretanto, se estimarmos essa equação utilizando como variável explicativa uma
variável endógena, como o número de filhos (ni), por exemplo, o
coeficienteβestimado para essa variável será viesado, já que provavelmente E
(εi| ni)≠0. Uma possibilidade estratégica seria incluir variáveis de controle
nesse modelo. Entretanto, há razões para acreditar que a correlação entre as
variáveis explicativas e as características não observáveis não seja totalmente
captada mesmo após essa inclusão. Segundo Pazello (2006), existem, por exemplo,
mulheres que preferem cuidar dos filhos a trabalhar e vice-versa. Essa
preferência não é captada por variáveis observáveis. Isso significa que, na
equação (1), a variação no número de filhos é endógena, mesmo quando controlada
por características observáveis selecionadas.
No caso do nascimento de gêmeos, da ocorrência de natimortos e da preferência
dos pais por filhos de ambos os sexos, controlando por algumas variáveis
mencionadas mais adiante, a variação no número de filhos pode ser considerada
uma variação exógena na fecundidade. Isto porque se espera que os pais não
planejem ter gêmeos, nem contem com a perda de um filho depois de sete meses de
gestação e também não é possível que escolham o sexo dos filhos tidos.3
Entretanto, a estratégia de estimação do primeiro e segundo filhos se difere da
estimação do efeito do terceiro ou mais filhos. Por isso, essa seção se divide
em duas partes: a primeira trata da estimação do efeito do primeiro e segundo
filhos; e a segunda considera a estimação do efeito do terceiro ou mais filhos
sobre a participação feminina na PEA.
A estimação do efeito do primeiro e segundo filhos sobre a participação
feminina na PEA
Inicialmente, consideramos a estimação do efeito do primeiro filho. Ao
utilizarmos uma variável indicadora da ocorrência ou não de um natimorto (e
que, portanto, indica se a mulher não tem filhos ou tem um filho,
respectivamente), a variação ocorrida no número de filhos é exógena, não
planejada. Assim, com base no fato de que tanto a mulher que teve o filho
(controle) quanto aquela que perdeu (tratamento) desejavam a maternidade e
considerando a alta correlação entre a ocorrência de natimortos e variáveis
determinantes da renda,4 o termo [/img/revistas/rbepop/v28n1/a04img01.jpg] na
equação (1) representa um vetor de variáveis que incluem: a idade corrente da
mulher; o quadrado dessa idade; a escolaridade; a presença de cônjuge; a área
(se urbana ou não); o tipo de área (se metropolitana ou não) e a região
geográfica de residência; clusters por unidade da Federação; a renda do não
trabalho (renda familiar exclusive a renda da própria mulher); o décimo da
renda familiar ao qual a mulher pertence; e quatro variáveis de características
domiciliares (se possui rede geral de água, pelo menos um banheiro, serviço de
coleta de lixo e iluminação elétrica). Além dessas variáveis, como estimamos
modelos que contêm vários anos (devido à raridade do evento natimorto), há
também uma variável indicadora do ano em que cada pesquisa foi realizada.
A hipótese central das estimativas do efeito de filhos é a seguinte: assumimos
que os fatores que afetam a probabilidade de ocorrência de natimortos
(relacionados à renda) não afetem a probabilidade de participação da mulher na
PEA por outros meios que não pela variação na fecundidade (idem para o
nascimento de gêmeos).
Os modelos foram estimados sem utilizar o peso de expansão e adicionando
clusterssegundo as unidades da Federação, de forma a considerar a lógica de
estratificação amostral das PNADs. A opção pela não utilização dos pesos deve-
se, em primeiro lugar, ao fato de que nossas amostras são compostas de dados de
vários anos empilhados. Em segundo lugar, não estimamos parâmetros de
população, mas sim parâmetros individuais (ou seja, o objetivo não é estimar a
taxa de atividade dessas mulheres, mas sim estimar como os filhos afetam a
probabilidade delas estarem no mercado de trabalho). Em terceiro lugar,
incluímos no modelo variáveis-controle para as características individuais,
como, por exemplo, raça e educação (WINSHIP; RADBILL, 1994). Além disso, como
nossa amostra é bastante restrita (mulheres de 15 a 49 anos e com, no máximo,
um filho), não é aconselhável a utilização de pesos individuais presentes nos
microdados das PNADs.
Como a variável-resposta (yi) é binária, os modelos são estimados segundo uma
função logística. No modelo logístico, cada coeficiente fornece o impacto de
uma variação ocorrida nas variáveis explicativas sobre a média da variável
dependente, o que é conhecido como efeito marginal. Assim, com base noβda
variável indicadora da ocorrência de natimortos (nati), obtemos o efeito
marginal dessa variável (e, portanto, da ausência de filhos) sobre a
probabilidade de a mulher fazer parte da PEA:
[/img/revistas/rbepop/v28n1/a04frm02.jpg]
Quanto à interpretação do efeito estimado com base nessa equação, temos que um
efeito marginal positivo da variável natsugere que as mulheres sem filhos
apresentam maior probabilidade de pertencerem à PEA em relação às mães de um
filho. Por exemplo, um efeito marginal da variável indicadora da ocorrência de
natimortos de 3% sobre a participação das mães significa que as mulheres sem
filhos têm probabilidade 3% superior de estarem inseridas no mercado de
trabalho quando comparadas àquelas que têm um filho.5
O exercício foi realizado nas duas amostras (todas as mulheres e apenas as
unidas de 15 a 49 anos) e para as duas décadas (1990 e 2000). No final, temos
quatro estimativas do efeito médio do tratamento (ter tido algum natimorto e
não ter filhos).
Com o objetivo de dar maior robustez aos resultados, também realizamos
pareamentos probabilísticos. Segundo Pazello e Fernandes (2004), por meio desse
procedimento, pareamos indivíduos similares em características observáveis, mas
que pertencem a grupos diferentes (tratamento e controle). A ideia implícita
nesse método está no fato de que, embora não tenhamos um contra-factual (ou
seja, não há possibilidade de uma mesma mulher pertencer, concomitantemente, ao
grupo tratamento e ao de controle), podemos criar uma estimativa dele. Assim,
estimamos uma regressão logística de tal forma que obtemos, para cada mulher,
sua probabilidade de pertencer ao grupo tratamento (ou seja, sua probabilidade
de ter, pelo menos, um natimorto).
Baseados nessa estimativa, selecionamos, para cada mulher-tratamento, uma (ou
mais) mulher(es) do grupo controle cujo escore de propensão seja o mais próximo
possível.
Existem vários procedimentos de identificação dessas mulheres-controle e
mulheres-tratamento com escores de propensão semelhantes. Pode-se identificar,
por exemplo, pares de mulheres dos grupos controle e tratamento que tenham
exatamente o mesmo escore. Fazendo isso, entretanto, corremos o risco de não
encontrar mulheres-controle para todas as mulheres-tratamento e, dado que o
evento natimorto é raro, isso não é desejável. Nesse estudo, pareamos pelo
método do vizinho mais próximo (SMITH, 1997).
Esse método permite escolher quantos vizinhos forem desejados, desde que o
tamanho da amostra seja suficiente. Ou seja, é possível escolher quantas
mulheres servirão de controle para cada mulher do grupo tratamento, sendo que,
ao utilizarmos apenas uma mulher como controle, é como se estivéssemos
atribuindo peso 1 a ela e peso zero às demais controles (PAZELLO; FERNANDES,
2004). Na realidade, segundo Smith (1997), quanto mais controles estão
disponíveis para cada unidade do grupo tratamento, melhor. Isto porque
selecionar mais de um controle como par para cada unidade do grupo tratamento
aumenta a eficiência do procedimento, além de poder reduzir o viés.
Ainda segundo Smith (1997), o pareamento constitui um instrumental
especialmente útil se a condição que define os indivíduos como tratamento for
um evento raro na população e os controles forem numerosos. Nesse artigo, assim
como Pazello e Fernandes (2004), realizamos seis pareamentos com 1, 5 e 10
vizinhos e, em todos os casos, testamos uma distância máxima entre os escores
de propensão de mulheres-controle e tratamento de 0.0001 e de 0.00001 (valores
testados por DEHEJIA E WAHBA, 2002). Também selecionamos um suporte comum no
qual delimitamos um mesmo intervalo de valores para os escores de propensão de
mulheres-tratamento e controle. Além disso, utilizamos pareamento com
reposição, ou seja, uma mulher do grupo controle pode ser pareada com mais de
uma mulher do grupo tratamento. Para Dehejia e Wahba (2002), essa escolha
minimiza a distância dos escores de propensão entre os grupos controle e
tratamento, reduzindo o viés da amostra.
Ao estimarmos o escore de propensão, assumimos que a probabilidade de uma
mulher da amostra ser tratamento (ou seja, ter tido algum natimorto) deva
respeitar uma função logística, cujas variáveis independentes sejam, na medida
do possível,6 as mesmas da equação (1), acrescidas de algumas interações entre
essas variáveis incluídas nos modelos. A inclusão dessas interações se faz
necessária para que as diferenças entre os grupos tratamento e controle sejam
zeradas e, assim, a propriedade de balanceamento do escore de propensão seja
satisfeita (DEHEJIA; WAHBA, 2002; PAZELLO; FERNANDES, 2004).
Ao todo, estimamos quatro modelos de escores de propensão, um para cada amostra
(todas as mulheres e apenas as unidas de 15 a 49 anos) nas décadas de 1990 e
2000.
Com o novo conjunto de mulheres resultante do pareamento, re-estimamos mais
seis vezes a equação (1), variando a distância máxima determinada entre os
escores dos pares tratamento-controle e o número de vizinhos. Isso significa
que, no total, além dos quatro efeitos do primeiro filho sobre a participação
das mães do modelo original (sem pareamento), temos mais 24 (4x6) efeitos
estimados com base no escore de propensão. Dado que a diferença fundamental
entre as estimativas obtidas antes e depois do pareamento está no processo de
ponderação, essa estratégia funciona como um teste de robustez dos resultados
(PAZELLO; FERNANDES, 2004). Além disso, esses modelos servirão de base para
avaliar em que medida o modelo sem pareamento é viesado ou não.
No caso da estimação do efeito do segundo filho sobre a participação feminina
na PEA (utilizando o nascimento de gêmeos como proxy para a fecundidade),
também realizamos os mesmos procedimentos da estimação do efeito do primeiro
filho descrito anteriormente.
Tendo em vista que a ocorrência de natimortos está associada a condições de
pobreza, enquanto o nascimento de gêmeos relaciona-se a melhores condições de
vida, a estimação do efeito do segundo filho se difere da estimação anterior
pela não inclusão das variáveis referentes à infraestrutura domiciliar nos
modelos. Isto porque são variáveis de infraestrutura básica, justificáveis,
portanto, para diferenciar mulheres em piores condições de vida.
A interpretação do efeito estimado é análoga àquela do efeito do primeiro filho
sobre a participação feminina no mercado de trabalho, de forma que temos que um
efeito marginal negativo da variável 'gem' sugere que as mães de gêmeos
apresentam menor probabilidade de pertencerem à PEA em relação àquelas com um
filho.
Também realizamos os mesmos exercícios de pareamento nas três amostras (todas
as mães de 15 a 49 anos de idade, apenas as unidas e somente as mães de filhos
com, no máximo, dois anos de idade) e para as duas décadas (1990 e 2000). Ou
seja, temos 42 estimativas do efeito médio do tratamento (ter tido gêmeos):
seis dos modelos originais (sem pareamento) e 36 dos modelos realizados com
base no escore de propensão.
A estimação do efeito do terceiro ou mais filhos sobre a participação feminina
na PEA
Como essa estimação baseia-se em um instrumento (a preferência dos pais por
filhos de ambos os sexos) e não em uma proxy para a fecundidade, a estimativa
do efeito de um terceiro (ou mais) filho deve ser feita em dois estágios.
Primeiro, estimamos o efeito da preferência dos pais por filhos de ambos os
sexos sobre a probabilidade de a mulher ter mais de dois filhos (primeiro
estágio da estimação) e, em seguida, estimamos o efeito de um filho adicional a
partir do terceiro sobre a participação da mulher na PEA (segundo estágio).
Primeiro estágio: estimando o efeito da preferência dos pais por filhos de
ambos os sexos sobre a probabilidade de se ter mais de dois filhos
Sendo mdi uma variável binária que assume valor 1, se a mulher tem mais de dois
filhos, e valor zero, se tem exatos dois filhos, estimamos o seguinte modelo de
regressão logística:
[/img/revistas/rbepop/v28n1/a04frm03.jpg]
Nessa equação, o vetor [/img/revistas/rbepop/v28n1/a04img02.jpg] inclui a
variável instrumental indicadora do sexo dos dois primeiros filhos (assumindo
valor 1, se são do mesmo sexo, e valor zero, se são uma menina e um menino) e
as variáveis inseri-das como controles: idade corrente da mãe; idade ao
quadrado; escolaridade; presença de cônjuge; área de residência (se urbana ou
não); tipo de área (se metropolitana ou não); região geográfica e clusters por
UFs; renda do não trabalho (renda familiar exclusive a renda da própria
mulher); décimo da renda familiar ao qual a mulher pertence; presença de filhos
ou filhas com até dois anos de idade, entre 3 e 6 anos e entre 7 e 12 anos;
sexo do primeiro e segundo filhos; e uma variável indicadora do ano em que cada
pesquisa foi realizada.
Segundo estágio: estimando o efeito de um filho adicional a partir do terceiro
filho sobre a participação feminina no mercado de trabalho
Essa estimativa do efeito da variável instrumental (que indica se os dois
primeiros filhos são do mesmo sexo) sobre a probabilidade de nascimento de um
filho adicional a partir do terceiro (obtida no primeiro estágio) passa, então,
a representar uma variação exógena na fecundidade em relação à oferta de
trabalho das mães. Portanto, essa estimativa, inserida no modelo de oferta de
trabalho feminino, fornece o efeito do terceiro (ou mais) filho sobre a
participação das mães na PEA.
Assim, sendo yi uma medida de oferta de trabalho (participação na PEA) e xi o
vetor de variáveis explicativas que incluem, além da estimativa da
probabilidade de nascimento de um terceiro filho obtida no primeiro estágio, as
mesmas variáveis-controle do modelo de fecundidade (primeiro estágio),
estimamos a seguinte regressão logística (segundo estágio):
[/img/revistas/rbepop/v28n1/a04frm04.jpg]
Novamente, a interpretação desse efeito é análoga às anteriores: um efeito
marginal negativo da variável 'md' sugere que as mães de três ou mais filhos
apresentam menor probabilidade de participarem da PEA em relação àquelas com
dois filhos.
Devemos fazer uma ressalva para a estimação do efeito do terceiro ou mais
filhos sobre a participação feminina na PEA. Chamamos a atenção para o fato de
que existem pais que não revelam na fecundidade uma preferência por filhos de
ambos os sexos, uma vez que há mulheres que tiveram um casal de filhos e, ainda
assim, tiveram mais filhos, da mesma forma como existem mulheres que, embora
sejam mães de apenas dois filhos do mesmo sexo, não tiveram outro. Isso traz
algumas particularidades na estrutura de um estudo tipo caso-controle, de modo
que, na estimativa do efeito do terceiro filho, as mulheres-tratamento são
apenas aquelas com mais de dois filhos, sendo os dois primeiros do mesmo sexo,
e as controles compreendem aquelas com apenas dois filhos, sendo esses um
menino e uma menina (as compliers), o que faz com que o efeito de um filho
adicional a partir do terceiro seja um efeito médio local do tratamento.
Lembramos que esse exercício foi realizado nas duas amostras de mulheres com,
no mínimo, dois filhos (todas as mães e apenas as unidas de 15 a 49 anos) nas
duas décadas (1990 e 2000). Ou seja, temos quatro estimativas do efeito médio
local do tratamento (ter tido três ou mais filhos, sendo os dois primeiros do
mesmo sexo).
Diferentemente das estimações do efeito do primeiro e do segundo filhos sobre a
participação das mulheres na PEA, aqui não utilizamos técnicas de pareamento,
especialmente porque, por não estarmos tratando de um evento raro (ter dois
filhos do mesmo sexo), temos quase a mesma quantidade de mulheres-tratamento e
mulheres-controle, o que não constitui cenário adequado à aplicação da referida
técnica. Além disso, pelo fato de ser um evento bastante comum na população, as
mulheres-tratamento não constituem um grupo com características tão específicas
e diferenciadas do restante da amostra (as mulheres-controle), tornando
desnecessária a realização de pareamentos como forma de validar os resultados
encontrados.
Resultados
Com relação aos modelos logitos dos escores de propensão, utilizados na
estimação do efeito do primeiro e segundo filhos sobre a participação feminina
na PEA (resultados não apresentados), vale dizer que todas as diferenças entre
as mulheres do grupo controle e aquelas do grupo tratamento (observadas nas
Tabelas_2 e 3), existentes nas amostras antes do pareamento, tornaram-se não
significativas após o pareamento. Esta é uma evidência de que o pareamento, de
fato, reduziu o viés das amostras.
O efeito do primeiro filho sobre a participação feminina na PEA
O efeito marginal do primeiro filho sobre a participação na PEA, para as duas
amostras de mulheres, nas décadas de 1990 e de 2000, é apresentado na Tabela_6.
Primeiramente, destaca-se o fato de que todos os efeitos são negativos,
indicando que o nascimento do primeiro filho tende a diminuir a probabilidade
de a mãe fazer parte da PEA.
Na Tabela_6, a linha denominada "Original" contém o efeito marginal (ou seja, a
variação percentual observada na participação feminina na PEA em função do
nascimento do primeiro filho), estimado com base nas amostras não pareadas de
mulheres, enquanto nas demais linhas estão os efeitos baseados nas amostras
pós-pareamento. Considerando-se que o pareamento contribuiu para a redução do
viés amostral e, mais que isso, que a utilização de mais de um controle para
cada tratamento é mais eficiente em termos do melhor aproveitamento das
informações disponíveis, extraímos a média dos efeitos do primeiro filho
encontrados nos modelos pareados com 5 e 10 vizinhos (ambos os calipers), para
interpretarmos a nossa estimativa do efeito marginal do primeiro filho sobre a
participação das mães na PEA.
Assim, na Tabela_6, verifica-se que, nos anos 1990, o primeiro filho reduz a
participação das mulheres na PEA em 8,25%, para aquelas de 15 a 49 anos, e em
9%, para as unidas. Isso significa dizer que o fato de terem um filho faria com
que a participação dessas mulheres na PEA passasse, respectivamente, de uma
média de 64,62% para 59,29% e de 59,76% para 54,38%. Pazello e Fernandes (2004)
encontraram resultados que apontam nessa mesma direção. Em uma amostra de
mulheres urbanas de 15 a 52 anos de idade na década de 1990, os autores
estimaram que a probabilidade média das mulheres sem filhos de participarem da
PEA reduziria 10,28 pontos percentuais ao terem um filho, passando de 65,6%
para 55,32%.
Já na década de 2000, o primeiro filho reduz a participação das mulheres sem
filhos na PEA em 6,4% (contra 8,25% da década anterior), para aquelas de 15 a
49 anos, e em 6,65% (contra 9%), para as unidas. Tais números indicam que se as
mulheres sem filhos na década de 2000 resolvessem ter um filho, sua
participação na PEA seria reduzida de 67,83% para 62,79%, na amostra de 15 a 49
anos, e de 65,68% para 60,57%, se consideramos apenas as unidas nesta faixa
etária.
O efeito do segundo filho sobre a participação feminina na PEA
A Tabela_7 reporta o efeito marginal do segundo filho sobre a probabilidade de
as mulheres pertencerem à PEA, nas três amostras de mulheres nas décadas de
1990 e 2000 (todas as mães de 15 a 49 anos, apenas as unidas e apenas aquelas
que têm filhos com, no máximo, dois anos). Novamente, o fato de todos os
efeitos serem negativos sugere que ter um segundo filho (assim como no caso do
primeiro filho) tende a reduzir a probabilidade feminina de participação na
PEA.
Assim como na estimação do efeito do primeiro filho, interpretamos a média dos
efeitos do segundo filho estimados nos modelos pareados com 5 e 10 vizinhos
(ambos os calipers), como sendo a nossa estimativa do efeito marginal do
segundo filho sobre a participação das mães na PEA.
Dessa forma, tendo em vista que na Tabela_7 ' em se tratando das amostras
contendo todas as mães de 15 a 49 anos de idade ou apenas as unidas na década
de 1990 ' tanto a magnitude como a significância dos efeitos estimados nas
amostras pareadas se reduzem ao utilizarmos mais vizinhos no pareamento (na
amostra com todas as mães, com caliper=0,0001, por exemplo, o efeito marginal
passa de -3,27% para -2,59% com valor-p aumentando de 0,054 para 0,131,
respectivamente), consideramos não haver efeito negativo de filhos sobre a
participação feminina naquela década.
Pazello (2006) encontrou que, na década de 1990, o nascimento de gêmeos reduzia
a probabilidade de uma mulher de 15 a 40 anos fazer parte da PEA em 1,27%
(significativo a 5%) e se ela for unida, esse decréscimo seria de 2,44% (também
significativo a 5%). Mesmo que tenhamos utilizado grupos etários e
especificações dos modelos diferentes, os efeitos apontam para a mesma direção
dos efeitos do segundo filho sobre a participação feminina na PEA estimados por
nós, já que, embora significativos, os efeitos obtidos por Pazello (2006) têm
magnitudes bastante reduzidas.
Esse resultado pode ser reflexo do próprio uso do nascimento de gêmeos como
proxypara a fecundidade. É possível que as famílias que tiveram gêmeos na
primeira gravidez ajustem no longo prazo essa variação exógena da fecundidade,
de forma que o evento "gêmeos" tenha um impacto significativo sobre a decisão
de trabalho materna, mas esse impacto diminua ao longo do tempo (PAZELLO,
2006). O fato de não termos encontrado qualquer efeito de um segundo filho pode
também ser função de uma economia de escala relacionada à criação de dois
filhos ao mesmo tempo. Por esse motivo, foram também estimados modelos de curto
prazo, considerando apenas mães de 15 a 49 anos que têm filhos com, no máximo,
dois anos. Selecionamos esse corte etário de idade dos filhos para efeitos de
comparação com outros estudos (PAZELLO, 2006) e, além disso, nosso objetivo
principal é estimar o efeito da fecundidade (não o efeito de características
dos filhos, como idade e sexo) sobre a decisão de oferta de trabalho feminino.
É importante enfatizar que, embora exista um efeito-idade dos filhos sobre a
decisão de trabalho das mulheres (SOARES, 2002), esse não constitui objetivo do
presente artigo. No caso da estimação do efeito do segundo filho, realizamos um
corte de idade dos filhos pelo fato de o nascimento de gêmeos provocar economia
ou deseconomia de escala, dependendo se estamos nos referindo a curto ou longo
prazo. E, dado que essas duas forças competem no sentido de anular o efeito do
segundo filho, nossa intenção não foi verificar especificamente o efeito da
idade dos filhos sobre o trabalho feminino, mas sim verificar que a não
existência do efeito do segundo filho poderia dever-se a essa particularidade
do uso de gêmeos como proxy para a fecundidade.
Na Tabela_7 (coluna 3), verifica-se que o segundo filho reduzia em 11,7% a
participação das mães de filhos pequenos (dois anos, no máximo) na PEA, na
década de 1990. Isso significa dizer que o fato de terem gêmeos diminuiria a
participação dessas mulheres na PEA de uma média de 43,44% (já bem inferior
àquela observada considerando-se todas as mulheres de 15 a 49 anos, que era de
57,58% ' Tabela_3) para 38,36%.
Pazello (2006) obteve resultados semelhantes aos aqui encontrados, utilizando
igualmente as PNADs brasileiras dos anos 1990. A autora também verificou um
efeito negativo significativo dos gêmeos apenas no curto prazo, com magnitude
similar ao nosso: da ordem de -10,10%.
Análises semelhantes às realizadas para os anos 1990 podem ser feitas para
2000. Considerando-se todas as mães de 15 a 49 anos (Tabela_7), observamos que,
embora na década de 1990 um segundo filho parecia não afetar a participação
feminina na PEA, nos anos 2000, o fato de ter um segundo filho diminui em 3,06%
a probabilidade de uma mulher pertencer à PEA. Tal fato também se repetiu com
as mães unidas. O efeito que não existia na década anterior passou a ser
significativo e com magnitude suavemente superior à de todas as mães: na década
de 2000, o segundo filho reduz em 3,34% a probabilidade de a mãe unida
participar da PEA.
A Tabela_7 (coluna 6) também mostra que, assim como na década anterior, apenas
os filhos com, no máximo, dois anos afetam negativa e significativamente a
inserção feminina no mercado de trabalho. Observamos, entretanto, que o efeito
do segundo filho sobre a participação na PEA das mães de um filho pequeno se
reduz entre uma década e outra. Enquanto nos anos 1990 um segundo filho
diminuía em 11,7% a probabilidade de uma mãe com filhos pequenos ser
economicamente ativa, nos 2000 essa redução é de 7,72%.
Vale destacar, entretanto, que estimar o efeito do segundo filho utilizando o
nascimento de gêmeos há, no máximo, dois anos como proxy para a fecundidade
pode acarretar uma superestimação desse efeito. Isto porque ter filhos gêmeos
não é a mesma coisa que ter dois filhos em momentos distintos. Segundo Pazello
(2006), no curto prazo, deve haver alguma deseconomia de escala pelo fato de a
mulher ter dois filhos de uma só vez e, portanto, isso significa que o efeito
do segundo filho estimado com base no nascimento de gêmeos estaria captando
também o próprio efeito de se ter gêmeos sobre a participação das mães no
mercado. Assim, devemos ressaltar que os efeitos do segundo filho sobre a
participação feminina na PEA estimados usando os gêmeos como proxy devem ser
interpretados como um valor-limite superior do possível impacto de um segundo
filho não planejado.
Dessa forma, a superioridade do efeito negativo do segundo filho em relação ao
efeito do primeiro, em ambas as décadas, pode ser justificada pela captação do
próprio efeito de ter gêmeos. Portanto, esse resultado não necessariamente
contraria a ideia de que o primeiro filho seja o que afeta mais negativamente a
inserção feminina no mercado de trabalho, como apontado por Lérida (2006).
O efeito de um filho adicional a partir do terceiro sobre a participação
feminina na PEA
Na Tabela_8, apresentamos as estimativas do efeito marginal do nascimento de um
filho adicional a partir do terceiro sobre a probabilidade de as mulheres
constituírem parte da PEA com base em modelagens distintas, para as duas
amostras de mulheres nas décadas de 1990 e 2000.
Em todos os casos, quando o efeito estimado é significativo, seu sinal é
negativo, indicando que um terceiro ou mais filhos, assim como o primeiro e o
segundo filhos, diminui a probabilidade de as mães serem economicamente ativas,
em ambas as décadas.
Analisando os modelos MQO endógeno e Logit endógeno, verificamos que, ao
inserir a variável indicadora de mais de dois filhos diretamente nos modelos de
oferta de trabalho, um terceiro filho parece não afetar a probabilidade de a
mãe estar inserida no mercado de trabalho (em termos não apenas da
significância dos efeitos encontrados, mas também da sua magnitude). Isto
porque, dada a endogeneidade do modelo, outras variáveis devem estar camuflando
a existência desse possível efeito.
Ao estimarmos o efeito marginal de um terceiro ou mais filhos sobre a oferta de
trabalho feminina por meio do modelo Logit VI, há importantes diferenças entre
o MQO e o Logit. Quando utilizamos uma regressão linear, embora o efeito de
filhos, em geral, seja bastante superior (em magnitude) à estimativa na qual
empregamos uma regressão logística, nos modelos MQO o efeito de filhos não é
significativo a 5% em quaisquer amostras nos dois períodos analisados. Já no
modelo Logit VI, o efeito negativo de filhos aparece em ambas as amostras.
Nossas estimativas do efeito de um terceiro ou mais filhos sobre a participação
feminina no mercado de trabalho baseiam-se no modelo Logit VI (de forma que os
demais modelos foram estimados para efeito de comparação).
Assim, verificamos que, na década de 1990, um terceiro (ou mais) filho diminui
a probabilidade de a mãe ser economicamente ativa: 5,52% para as mulheres de 15
a 49 anos; e 4,64% para aquelas unidas nesse mesmo grupo etário (Tabela_8,
última coluna). Também nos anos 2000, observamos tendência semelhante entre as
amostras. Além disso, entre as décadas de 1990 e de 2000, como a magnitude dos
efeitos aumentou suavemente nas duas amostras, o nascimento de um filho
adicional a partir do terceiro filho parece ter afetado, no mínimo, da mesma
maneira as mulheres ao longo dessas duas décadas.
Considerações finais
Nesse artigo utilizamos duas proxies (a ocorrência de natimortos e o nascimento
de gêmeos) e um instrumento (a preferência dos pais por filhos de ambos os
sexos) na estimação do efeito de filhos sobre a participação das mães no
mercado de trabalho. Como vimos, devido às diferenças metodológicas entre essas
estratégias de estimação, os diferenciais entre os efeitos do primeiro, do
segundo e do terceiro (ou mais) filhos podem estar refletindo não apenas o
impacto de cada ordem de nascimento do filho sobre a participação laboral
feminina, mas também o fato de estarmos utilizando variáveis e métodos
diferenciados, o que pode afetar a comparabilidade dos resultados.
Com relação à utilização da ocorrência de natimortos e gêmeos, destaca-se ainda
o fato de que o efeito de filhos estimado inclui o próprio efeito de
experimentar o evento. Isso significa que, no caso em que estimamos o efeito do
segundo filho empregando como proxy o nascimento de gêmeos, o efeito encontrado
capta também o próprio impacto de ter gêmeos sobre a participação feminina no
mercado de trabalho; o que explica o fato de o efeito do segundo filho ter sido
superior ao do primeiro sobre a presença feminina na PEA.
Tomando como pano de fundo todas essas questões metodológicas, alguns
resultados merecem destaque por sua contribuição para o entendimento de como
tem se dado o efeito de filhos sobre a inserção feminina no mercado de trabalho
brasileiro, nas últimas décadas, já que, como mencionado por Lérida (2006), são
raros os estudos que analisam esse efeito em países em desenvolvimento. No que
se refere ao Brasil, de fato, encontramos poucos trabalhos publicados (PAZELLO;
FERNANDES, 2004; PAZELLO, 2006; CAMPÊLO; SILVA, 2005), todos recentes e nenhum
deles considerou a perspectiva de um efeito diferenciado de filhos segundo sua
ordem de nascimento.
Em relação ao efeito do primeiro filho sobre a participação feminina na PEA,
tanto na década de 1990 quanto na de 2000, observamos que tal efeito apresentou
tendência de queda entre esses períodos.
Quanto ao efeito do segundo filho, ao considerarmos todas as mães de 15 a 49
anos de idade, inicialmente não verificamos, nos anos 1990, quaisquer efeitos
de um segundo filho sobre a probabilidade de estarem inseridas no mercado de
trabalho. Na década de 2000, entretanto, um segundo filho passa a afetar
negativamente essa probabilidade. Considerando haver a possibilidade de efeitos
de curto e longo prazos do nascimento de gêmeos que pareciam estar competindo
no sentido de anular o efeito do segundo filho sobre a participação feminina no
mercado de trabalho, analisamos também esse efeito desagregando a amostra total
de mães entre aquelas com filhos de, no máximo, dois anos. De fato, o efeito
negativo do segundo filho sobre a participação das mães na PEA passa a existir
em ambas as décadas, com magnitude considerável (efeito que deve ser
interpretado como um limite-superior do efeito do segundo filho). Assim como
encontrado na estimação do efeito do primeiro filho, também quando se trata do
segundo filho, nos anos 1990, esse filho afetava mais negativamente a
probabilidade de inserção feminina na PEA do que na década posterior.
Diferentemente do que foi observado na estimação do efeito do primeiro e
segundo filhos sobre a participação feminina no mercado de trabalho, o efeito
do terceiro (ou mais) filho mostrou tendência de aumento entre os anos 1990 e
2000.
Quando comparamos os efeitos de filhos sobre a participação feminina no mercado
de trabalho aqui estimados com aqueles reportados em outros estudos,
encontramos tendências, direções e magnitudes condizentes não apenas com
análises feitas para o Brasil (PAZELLO; FERNANDES, 2004; PAZELLO, 2006), mas
também em relação àquelas com dados da Argentina e México (CRUCES; GALIANI,
2003) e dos Estados Unidos (ANGRIST; EVANS, 1998), por exemplo.
Pode-se concluir, enfim, que esse artigo enriquece a discussão acerca da
relação entre filhos e inserção feminina no mercado de trabalho, contribuindo
também para a formulação de políticas públicas. Isso porque, ao mesmo tempo em
que o aumento da participação das mulheres no mercado parece revelar uma
mudança cultural positiva na sociedade (em termos de uma maior aceitação dessa
nova identidade feminina) que, inclusive, favorece o desenvolvimento econômico,
sua associação à queda na fecundidade pode prejudicar o crescimento futuro da
força de trabalho e, nesse sentido, ir contra esse desenvolvimento. Além disso,
se, por um lado, a presença cada vez maior da mulher no mercado de trabalho
pode implicar uma reorganização familiar, já que diminui o tempo disponível das
mães com os filhos (o que pode afetar o investimento em capital humano destes '
saúde, nutrição, educação, etc.), por outro, esses mesmos filhos podem ser
considerados um entrave ao crescimento profissional das mulheres, no que se
refere tanto aos diferenciais salariais quanto aos tipos de ocupação (PAZELLO,
2006).
Entretanto, ainda há muito que ser feito nessa área. Seria interessante, por
exemplo, observar se mães têm comportamentos diferenciados em relação não
apenas à sua participação ou não no mercado de trabalho, mas também à
intensidade do seu trabalho (como horas semanais trabalhadas e salários
diferenciados). Também nos resta verificar como se dá a influência da
paternidade sobre a participação masculina no mercado de trabalho no Brasil (se
é que essa influência existe). Outros aspectos que merecem ser analisados são,
entre outros, as diferenças regionais, de educação ou raça que porventura
existam no estudo da relação filhos/trabalho feminino. Essas são perguntas para
a nossa agenda de pesquisa futura.