A evolução do sub-registro de mortes e causas de óbitos mal definidas em Minas
Gerais: diferenciais regionais
Introdução
A população brasileira vem passando por importantes mudanças demográficas e no
perfil de morbimortalidade nos últimos anos (CARVALHO; GARCIA, 2003). Também
verifica-se que o perfil etário da população brasileira está se alterando de
uma estrutura jovem para uma estrutura envelhecida. Ao mesmo tempo em que a
estrutura etária da população passa por importantes mudanças, o perfil de
mortalidade também vem se transformando (CARVALHO; GARCIA, 2003; WONG;
CARVALHO, 2006; QUEIROZ et. al., 2010). Observa-se, portanto, com o aumento da
esperança de vida, uma alteração no perfil das causas de morte da população
brasileira, antes caracterizado por grande prevalência de doenças
infectocontagiosas e agora marcado pelo aumento da prevalência das doenças
crônicas e degenerativas. Tudo isto vem a caracterizar uma mudança gradual no
padrão etário da mortalidade, passando das idades mais jovens para as mais
velhas, no processo conhecido como transição epidemiológica (KALACHE et. al.,
1987; PRATA, 1992; SCHRAMM et. al., 2004). O estudo dessas mudanças
epidemiológicas depende diretamente da qualidade das informações de
mortalidade. Entretanto, no Brasil, as estimativas de mortalidade e as análises
do perfil de causas de óbitos são dificultadas pela baixa qualidade dos
registros vitais de algumas regiões (PAES, 2007).
Nos países em desenvolvimento, a estimação do padrão e o conhecimento dos
níveis de mortalidade sempre estiveram comprometidos pela qualidade dos dados
(HILL, 2000; 2003; HILL et al., 2009). Segundo as Nações Unidas (1997, 2000),
um problema comumente pertinente entre esses países refere-se aos sub-registros
de óbitos e erros de declaração de idade. A carência de tais informações
acarreta ainda outro problema: o comprometimento da qualidade de classificação
de óbitos. Em relação aos registros de óbitos, Laurenti et al. (2004) e Paes
(2007) destacam dois principais problemas: o sub-registro dos óbitos e a má
classificação das causas de óbitos. Os níveis elevados de mortes sem registro
adequado de causa (mal definidas) estão sempre sujeitos a discussões sobre a
qualidade das declarações dos óbitos, que podem comprometer a consistência e o
devido uso do registro de óbitos das demais causas.
A imprecisão na determinação da causa de morte e o sub-registro de óbitos
tornam cada vez mais difícil traçar, corretamente, o perfil epidemiológico da
população e definir adequadamente políticas de saúde pública. Diante desta
perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo estudar a qualidade das
informações de mortalidade no Estado de Minas Gerais, por meio de análises
espaciais e temporais dos registros de morte e dos óbitos, cuja causa é mal
definida. A preocupação deste estudo, portanto, é analisar a possível relação
existente entre as mortes mal definidas e os registros de mortes1 mineiros.
A escolha do Estado de Minas Gerais não é aleatória, pois, assim como o Brasil,
é caracterizado, em sua territorialidade, por grandes desigualdades
socioeconômicas (QUEIROZ et al., 2010). O norte e o nordeste mineiros ' a
região do Jequitinhonha e Mucuri ', por exemplo, são as áreas mais pobres do
Estado, com alguns indicadores de pobreza equivalentes a países africanos
(CLAUDIO; BEATO, 1998). Por outro lado, o sul e o sudeste ' a região do
Triângulo Mineiro ' são as localidades economicamente mais prósperas do Estado,
destacando-se por elevados índices em educação e saúde (CLAUDIO; BEATO, 1998).
Supõe-se, portanto, que as desigualdades socioeconômicas territoriais mineiras
revelem, também, uma grande heterogeneidade das informações de mortalidade no
Estado (PAES-SOUSA, 2002; QUEIROZ et al., 2010).
Como forma de análise, optou-se por estudar a relação entre mortes mal
declaradas e sub-registro de óbitos, nas microrregiões de saúde do Estado de
Minas Gerais, no período 1980-2007, por meio de análises espaciais da relação
entre variações do grau de cobertura dos óbitos e dos registros de mortes por
causas mal definidas. A hipótese central deste estudo é que a evolução da
qualidade da cobertura de óbitos (registro civil), em Minas Gerais, possui
relação direta com a evolução dos registros de óbitos por causas mal definidas.
Nas próximas seções apresenta-se o desenvolvimento empírico deste trabalho.
Primeiramente, abordam-se, de maneira sucinta, os métodos de demografia formal,
utilizados para estimar o sub-registro de óbitos em Minas Gerais.
Posteriormente, são discutidas algumas medidas de correlação espacial que
serviram de apoio para criação de indicadores paramétricos, usados na
identificação do perfil espacial das mortes mal definidas. Por fim, são
relacionadas, no espaço, as informações de sub-registro de óbitos e causas mal
definidas, com o intuito de verificar se a melhoria na cobertura de mortes é
seguida de uma alteração no padrão espacial dos óbitos por causas mal
definidas.
Dados e métodos
Dados
Os dados de óbitos de 1980 a 2007, por causa, foram obtidos do Ministério da
Saúde ' Datasus. As informações de mortalidade correspondem às microrregiões de
saúde do Estado de Minas Gerais. Como não ocorreram desagregações geográficas
ao longo do período e a base foi mantida constante, foram analisadas as 75
regiões de saúde do Estado mineiro.
As informações de óbitos referem-se ao local de residência do indivíduo. De
qualquer forma, é possível que ocorra alguma invasão de óbitos de localidades
menores para algumas maiores, mas, de madeira geral, a qualidade dos dados e os
procedimentos de controle do Datasus buscam minimizar esse problema. O número
de eventos nas menores microrregiões, ao longo do período, é relativamente
pequeno, sendo isto algo que limita o potencial de exploração dos dados. Assim,
tanto as estimativas de sub-registro como as análises espaciais consideraram a
população total sem desagregação por sexo, apesar de existirem importantes
diferenças nos perfis de óbitos e na qualidade dessas informações por sexo
(AGOSTINHO; QUEIROZ, 2008; 2010).
Os dados de óbitos registrados encontram-se no Sistema de Informações de
Mortalidade, categorizados segundo a nona revisão da Classificação
Internacional de Doenças (CID-9), que vigorou até 1995, e a CID-10, a partir de
1996. Na CID-9, os óbitos por causas mal definidas correspondem ao Capítulo
XVI, denominado "Sintomas, sinais e afecções mal definidas", e na CID-10 ao
Capítulo XVIII "Sintomas, sinais e achados anormais de exames clínicos e de
laboratório não classificados em outra parte". É importante salientar que a
implementação da nova CID pode dificultar a análise de tendências da
mortalidade por causas, devido a novas classificações de determinadas doenças.
No caso desse estudo, algumas doenças foram recodificadas, sendo que parte da
variação (aumento ou diminuição) observada nos resultados pode ter sido
influenciada também por efeito de enumeração (GRASSI; LAURENTI, 1998).
Os dados de população foram obtidos dos Censos Demográficos de 1980, 1991 e
2000. As informações de 2006 e 2007 referem-se à projeção populacional
realizada pelo IBGE.
Estimativa e correção de sub-registro
O primeiro passo do estudo é avaliar a qualidade do registro de óbitos em Minas
Gerais e, caso seja necessário, corrigir o sub-registro de mortes. Diversos
métodos foram desenvolvidos, baseados nas equações da dinâmica populacional,
para avaliar a cobertura dos óbitos em relação à população. Os métodos de
distribuição de óbitos são os mais comumente usados para estimar o grau de
cobertura da mortalidade adulta em populações não-estáveis (TIMAEUS, 1991).
Esses métodos comparam a distribuição de óbitos por idade com a distribuição
etária da população e proveem o padrão etário da mortalidade para um período de
tempo definido.
De modo geral, há três principais métodos de avaliação de registro de óbitos: o
da equação de balanceamento, general growth balance (HILL, 1987); o das
gerações extintas, synthetic extinct generation (BENNETT; HORIUCHI, 1981); e o
das gerações extintas ajustado (HILL et al., 2009). Os métodos da distribuição
de óbitos têm pressupostos bastante fortes: a população é fechada; o grau de
cobertura dos óbitos é constante por idade; o grau de cobertura da contagem
populacional é constante por idade; e as idades dos vivos e dos óbitos são
declaradas sem erros.
A metodologia utilizada nesse trabalho é baseada no modelo desenvolvido por
Brass (1975) e generalizado por Hill (1987). O método da equação de
balanceamento deriva da equação básica de equilíbrio demográfico, que define a
taxa de crescimento da população como a diferença entre as taxas de entrada e
de saída da população. Essa relação, segundo Hill (1987), também ocorre para
qualquer seguimento de idade com intervalo aberto x+, sendo que em uma
população fechada as entradas ocorrem como aniversários nas idades x. Dessa
forma, a diferença entre a taxa de entrada x+ e a de crescimento populacional
x+ produz uma estimativa residual da taxa de mortalidade x+ (HILL, 1987; HILL
et al., 2005; 2009). Se a estimativa residual de mortalidade puder ser estimada
a partir de dois censos populacionais e comparada com uma estimativa direta de
mortalidade usando o registro de óbitos, o grau de cobertura do registro de
óbitos pode ser estimado (HILL, 1987; HILL et al., 2005; 2009).
Em outras palavras, a partir da relação entre a diferença das taxas de entrada
e de crescimento e a taxa de mortalidade, em cada grupo de idade, é possível
estimar um intercepto que captura qualquer variação na cobertura entre os dois
censos, bem como estimar uma inclinação que serve como indicador do grau de
cobertura do registro de mortes em relação à média da cobertura de ambos os
censos (HILL, 1987; 2000; HILL et al., 2005; 2009). Deve-se notar que o método
compara a distribuição etária dos óbitos (média no período intercensitário) com
a mudança populacional entre os censos; ou seja, especificamente, a estimativa
refere-se à cobertura do registro entre os censos, e não ao período final ou
inicial do estudo.
Além disso, o tratamento adequado do pressuposto de população fechada para
Minas Gerais e suas regiões é importante para o presente estudo (HILL; QUEIROZ,
2010). Como o método usa a informação de óbitos e taxa de crescimento acumulada
a partir de uma determinada idade x, se existe uma determinada idade x, acima
da qual se pode assumir que a migração líquida é negligenciável, a performance
do método a partir daquela idade não será afetada (HILL et al., 2009;
AGOSTINHO; QUEIROZ, 2010). Nesse artigo, como se está trabalhando com dados de
microrregiões, utilizou-se o intervalo etário 35+ e 65+, seguindo a proposta de
outros autores (HILL et al., 2009), para evitar problemas de migração nas
idades adultas e limitar erros de declaração de idade nas idades mais
avançadas, produzindo, dessa forma, melhores estimativas de sub-registro de
declaração de óbitos.
As estimativas de grau de cobertura consideram apenas mortalidade adulta e
ambos os sexos. É importante ressaltar que há diferenças de registro de óbitos
para os grupos etários, por exemplo, quando se comparam adultos com crianças, e
entre os grupos etários. Entretanto, o uso de estimativas de sub-registro de
mortalidade infantil e na infância foge do escopo desse trabalho. Em relação ao
diferencial por sexo, não se observou grande diferença entre o grau de
cobertura para homens e mulheres em Minas Gerais, assim como havia sido
verificado por Agostinho e Queiroz (2010).
Análise espacial das causas mal definidas
A análise da distribuição espacial das causas mal definidas é feita em várias
etapas. Em primeiro lugar, são estimados os riscos relativos das mortes por
causas mal definidas com base nas informações de eventos e população por idade.
A estimativa dos riscos relativos de mortes por causa mal definida se deu por
meio da razão entre o número observado e o esperado de mortes, em cada
microrregião, ajustado por uma estrutura etária de população padrão (LAI et
al., 1996). O resultado é chamado de razão padronizada de mortalidade,
comumente utilizada, por epidemiologistas, como proxy para riscos relativos.
Neste trabalho, portanto, tais valores são referentes aos riscos relativos de
morte por causa mal definida em cada microrregião de saúde.
Em seguida, empregou-se o método de detecção de agrupamentos espaciais,
proposto por Kulldorff e Nagarwalla (1995). Os autores desenvolveram uma
metodologia de análise de agrupamento espacial, na qual são consideradas não
somente as informações dos riscos relativos de um evento, mas também a
localização dos mesmos, determinada pelas coordenadas geográficas dos
centroides.2 Este método foi implementado pelo software R, por meio de
biblioteca de análise epidemiológica DCluster (GÓMEZ-RÚBIO et al., 2005), que
utiliza diferentes modelos e bootstraps estatísticos para estimar a
significância dos valores observados de um evento no espaço (DAVISON; HINKLEY,
1997). A medida proposta por Kulldorff e Nagarwalla (1995) é aqui aplicada para
detectar os possíveis centros de um evento no espaço, que se referem aos
possíveis núcleos que formam um suposto agrupamento espacial do evento em
questão.
O método de detecção de centros de agrupamentos espaciais segue a seguinte
mecânica: primeiramente, gera um número aleatório de áreas circulares
invisíveis, dentro da superfície espacial em questão; e, por conseguinte,
considera, a todo instante, o agrupamento espacial mais provável ao redor de
uma região qualquer, inserida numa dessas áreas circulares (BIVAND et al.,
2008). Nesta região, são feitas várias comparações entre os riscos relativos do
evento, fora e dentro da área circular. A hipótese central do método é de que
os dois riscos relativos ' dentro e fora da superfície circular ' não são
iguais, sendo maior o risco relativo do evento dentro da área circular do que
fora dela (BIVAND et al., 2008). Antes do emprego do método, a análise espacial
dos riscos relativos do evento passa por uma série de análises preliminares,
apresentadas na Tabela_1.
![](/img/revistas/rbepop/v28n2/a04tab01.jpg)
A primeira análise estuda a condição de heterogeneidade espacial dos dados no
espaço. Ou seja, é questionado se a distribuição do evento estudado é, ou não,
heterogênea no Estado de Minas Gerais. Para efeito de análise, aplica-se um
teste estatístico de qui-quadrado, que estima os valores observados e esperados
do evento e os compara dentro de uma área geográfica. Por fim, é verificado se
as diferenças, entre as duas medidas, são estatisticamente significantes
(BIVAND et al., 2008).
Os resultados são apresentados na Tabela_1. O primeiro teste mostra que,
durante todo o período estudado, os riscos relativos das mortes tidas como mal
definidas são heterogêneos no tempo. O teste de qui-quadrado ainda permite
avaliar em que medida a heterogeneidade mudou no tempo, por meio da grandeza do
valor do teste (BIVAND et al., 2008). Assim, observa-se que, com o passar dos
anos, os riscos relativos de morte por causas mal definidas se tornaram mais
homogêneos no espaço. Apenas em 2007 é registrado um ligeiro aumento na
heterogeneidade dos riscos de mortes por causas mal definidas, em relação a
1991 e 2000.
O passo subsequente busca entender mais sobre a distribuição dos eventos, a
partir do emprego de um segundo teste qui-quadrado de bootstrap paramétrico.
Este teste considera que a heterogeneidade dos riscos relativos pode, ou não,
ser compreendida por meio de uma distribuição paramétrica qualquer (BIVAND et
al., 2008). Os resultados mostram que as mortes por causas mal definidas, além
de heterogêneas, possuem uma distribuição espacial paramétrica ainda
desconhecida.
Num terceiro momento, é empregado um teste de Potthoff-Whittinghill, com a
finalidade de identificar a melhor distribuição paramétrica que descreva os
dados no espaço. Este teste analisa a homogeneidade das médias da distribuição
dos óbitos, considerando que estes possam ser estimados por uma distribuição
Poisson (BIVAND et al., 2008). A estatística de Potthoff-Whittinghill estuda a
homogeneidade dos riscos relativos, tendo como hipótese alternativa que os
riscos são espacialmente heterogêneos de acordo com uma distribuição binomial
negativa. Os resultados mostram que, para todos os anos, a hipótese zero foi
rejeitada, indicando que é plausível considerar o padrão espacial dos óbitos
por causas mal declaradas por meio de uma distribuição paramétrica binomial
negativa.
Por fim, empregou-se a estatística geral de Tango para detecção de agrupamentos
globais, de acordo com a distribuição paramétrica selecionada (BIVAND et al.,
2008). Com o teste de Tango, uma vez escolhido o tipo de distribuição
paramétrica dos dados, é possível detectar agrupamentos espaciais. Em termos
práticos, a estatística de Tango compara os valores observados e esperados
dentro de cada região geográfica e estima os possíveis centros destes
agrupamentos espaciais por meio de interações entre áreas geográficas vizinhas
(BIVAND et al., 2008). Os resultados do teste indicam que, para todos os anos,
ao se considerar uma distribuição paramétrica binomial negativa dos óbitos por
causas mal definidas, é possível detectar agrupamentos espaciais destas mortes.
Uma vez conhecida a distribuição espacial dos eventos, é aplicada a estatística
de Kulldorff e Nagarwalla (1995) para identificar os possíveis núcleos e os
agrupamentos espaciais das mortes por causas mal definidas. Os resultados são
apresentados no Mapa_2 e na Tabela_3, para as 75 microrregiões de saúde
mineiras, entre 1980 e 2007.
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a04mp01.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a04mp02.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a04tab02.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a04tab03.jpg]
Resultados
A Tabela_2 mostra as estatísticas descritivas dos fatores de correção
necessários para corrigir o registro de óbitos. O grau de cobertura dos
registros é simplesmente o inverso do fator de ajuste.
A avaliação da performance do método de estimação de cobertura de registro de
óbitos é feita por meio de gráficos de diagnósticos (não apresentados por
limitação de espaço), que mostram a relação entre os óbitos observados e os
óbitos derivados como resíduos. Neste estudo seguiu-se a proposta de Bhat
(1990) e foi estimada uma regressão ortogonal entre os pontos para obter a
estimativa de grau de cobertura dos óbitos para cada uma das regiões estudadas,
considerando-se apenas o intervalo etário mencionado anteriormente. A análise
dos gráficos confirmou a preocupação em relação aos impactos dos fluxos
migratórios. Os pontos para as idades mais jovens são bastante irregulares e
ficam fora da curva de regressão ajustada, confirmando a necessidade de se
considerar um grupo etário mais restrito na produção das estimativas. De modo
geral, o ajuste das observações é bom/razoável para todas as regiões e
apresenta significativas melhorias a partir do intervalo etário 35+. As
estimativas indicam que a declaração de idade é boa e os pressupostos do método
aplicado são observados.
As estimativas de correção de sub-registro de óbitos em Minas Gerais apontam
para uma significativa melhoria da cobertura do registro. Entre 1980 e 2007, o
fator de ajuste caiu, na média, de 1,3 para 1,1, indicando uma melhoria no grau
de cobertura de 77% para 91%.
Há ainda, no Estado, uma grande disparidade regional com relação à qualidade
dos dados de mortalidade, como pode ser observado no Mapa_1, que apresenta a
distribuição espacial e a evolução temporal do grau de cobertura dos óbitos em
Minas Gerais. Os tons escuros indicam um baixo valor de cobertura, enquanto os
mais claros apontam uma melhor cobertura dos óbitos. Como observado, em termos
gerais, o Estado apresentou considerável melhoria na cobertura de seus óbitos
ao longo dos anos. Entre 1980 e 1991, a qualidade dos registros ficava em torno
de 85% a 90%, passando para 95%, em 2000, e para quase 100%, em 2006.
Entretanto, também verifica-se que, apesar da melhoria geral na qualidade dos
registros nos últimos anos, grandes disparidades regionais, em termos de
cobertura, ainda persistem. As regiões norte e nordeste de Minas Gerais, por
exemplo, permanecem com níveis baixos de qualidade de registro. Em certos
casos, observam-se, em 2006, microrregiões de saúde com cobertura de óbitos ao
redor de 50%.
A identificação dos focos ou centros dos riscos relativos de mortes por causas
mal definidas é feita a partir de bootstraps e simulações, considerando-se o
valor dos riscos relativos e a estrutura geográfica da região (dada pelas
coordenadas dos centroides entre localidades geográficas). É importante
ressaltar que, por se tratar de simulações, uma computação subsequente pode
indicar uma microrregião vizinha como foco do evento. Contudo, os resultados da
estatística de Kulldorff e Nagarwalla (1995) também fornecem a área de
abrangência do núcleo (ver Tabela_3). Assim, as áreas adjacentes ao centro '
identificado numa simulação inicial ' pertencem ao mesmo agrupamento, podendo,
dessa forma, serem consideradas focos do evento numa simulação subsequente. De
qualquer modo, o importante é compreender os resultados das simulações como
indicação de possíveis "regiões espaciais", com supostos núcleos que integram
um agrupamento espacial.
No Mapa_2 são apresentados os resultados das simulações, distinguindo os focos
primários e os secundários dos agrupamentos espaciais (de causas mal
definidas). Os focos primários se diferenciam dos secundários por possuírem uma
maior concentração dos riscos relativos do evento no espaço (BIVAND et al.,
2008). A distinção entre ambos os núcleos é determinada pelo valor da
estatística p (ver Tabela_3). Os menores valores de p categorizam os focos
primários, enquanto os maiores valores de p são tidos como focos secundários
(BIVAND et al., 2008). Além do valor de significância, também são apresentadas
a estatística de detecção de agrupamentos e a área de abrangência do foco
espacial de morte mal definida, ou seja, até onde se estendem as mortes mal
definidas, partindo do centro espacial considerado. Por exemplo, em 2007, a
microrregião de Januária possui uma área de abrangência 2. Isto implica dizer
que, além desta microrregião, duas microrregiões adjacentes a Januária também
apresentam grande incidência de mortes mal definidas, formando um possível
cluster do evento no espaço.
Os resultados das simulações indicam que a configuração espacial das mortes por
causas mal definidas variou muito pouco ao longo do tempo. Entre 1980 e 2007,
os focos dos clusters permaneceram concentrados no norte e nordeste mineiros,
mais precisamente na região do Vale do Jequitinhonha, uma área comumente
caracterizada por precariedade na cobertura dos óbitos e baixa qualidade dos
registros, além de se destacar por baixos níveis socioeconômicos (CLAUDIO;
BEATO, 1998; QUEIROZ et al., 2010).
Deste modo, pode-se acreditar que a redução da má qualidade dos registros de
morte no norte e nordeste mineiros pode implicar um aumento dos óbitos por
causas definidas na região. Os resultados da Tabela_3 indicam que, entre 1991 e
2000, nas localidades do norte e nordeste do Estado, aumentou o número de focos
espaciais de causas mal declaradas, conjuntamente com um alargamento de área de
abrangência dos mesmos. Portanto, nossa hipótese de relação entre sub-registro
de óbitos e classificação da causa do óbito como mal definido é bastante
plausível. Já em 2007, observa-se redução na quantidade dos focos espaciais de
óbitos por causas mal definidas, em relação a 1991 e 2000. No entanto, como é
visto na Tabela_3, em 2007, a área de abrangência de alguns dos centros
espaciais aumentou em comparação aos dois anos precedentes. Isto é verificado,
por exemplo, nas áreas de M. Novas/Turmalina/Capelinha, Águas Formosas e
Araçuaí. Além disso, em 2007, surgiram seis centros espaciais com área de
abrangência 3, enquanto em 1991 e 2000 existiam, respectivamente, apenas dois e
três focos com área de abrangência 3. Ou seja, os possíveis agrupamentos
espaciais, em torno do foco, são maiores em 2007 do que em anos anteriores.
Vale ressaltar que, com exceção de 1980, as microrregiões de saúde de M. Novas/
Turmalina/Capelinha, Araçuaí, Nanuque e Águas Formosas despontam como focos de
óbitos por causas mal definidas, apresentando clusters com área que abrange de
duas até três microrregiões. Tais focos também integram as mesmas microrregiões
onde a cobertura de óbitos ainda é bastante baixa.
A relação entre sub-registro e risco relativo de mortes mal definidas também
pode ser observada no Gráfico_1. O risco de morte por causa mal definida
encontra-se no eixo-x e o grau de cobertura no eixo-y; a linha tracejada
representa uma situação de perfeita cobertura dos registros de óbitos, ou seja,
com grau de cobertura de 100%. Vale ressaltar que algumas áreas apresentam grau
de cobertura acima de 100%, o que pode ser resultado de efeitos de fluxos
migratórios e limitações advindas de pequeno número de eventos em algumas
regiões do Estado. Como explicado anteriormente, buscou-se minimizar o problema
da migração ao considerar um intervalo etário mais restrito na estimativa do
sub-registro, mas a limitação do número de eventos pode permanecer.
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a04graf01.jpg]
As linhas de tendência não-paramétricas descrevem a relação entre as duas
variáveis através do tempo. É importante destacar que existe um pequeno hiato
temporal entre essas duas variáveis, ao passo que as estimativas dos riscos
relativos são referentes a quatro ou cinco anos posteriores às estimativas de
grau de cobertura, nos diversos períodos considerados.
As linhas mostram que, no decorrer dos anos, houve considerável aumento do
nível de registro de óbitos juntamente com crescimento dos riscos relativos de
óbitos por causas mal definidas. A relação entre as duas variáveis, no tempo, é
uma evidência adicional para a hipótese de substituição de sub-registro por
óbitos mal declarados.
Uma segunda hipótese aponta para o aumento das mortes mal definidas no Estado
mineiro como resultado das mudanças na estrutura etária da população. O
processo de envelhecimento populacional pode gerar maior complexidade no
diagnóstico de mortes entre a população idosa, acarretando um possível aumento
de mortes classificadas como mal definidas nesta população (VASCONCELOS, 2002).
Tal hipótese é parcialmente comprovada pelo Mapa_3, em que foram identificadas
as áreas onde os riscos relativos de mortes mal definidas, no grupo de 60 anos
ou mais,3 aumentaram progressivamente entre 1980 e 2007.
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a04mp03.jpg]
Houve progressivo aumento nos riscos relativos de mortes mal declaradas, na
população idosa, entre várias microrregiões do Estado de Minas Gerais. Mais uma
vez, o norte e o nordeste mineiros despontam como localidades onde foi
identificado um sistemático crescimento de mortes cuja causa foi mal declarada.
Com exceção do Triângulo Mineiro e de algumas partes do sul e sudeste do
Estado, a hipótese ' que relaciona as mudanças de estrutura etária com o
aumento de diagnósticos falhos na população idosa, resultando num maior número
de mortes mal definidas ' pôde ser parcialmente comprovada. Claro que tal
interpretação merece cautela, uma vez que o norte e nordeste de Minas Gerais
são áreas relativamente mais pobres e carentes do Estado (CLAUDIO; BEATO,
1998), em termos de oferta de serviços de saúde, oferecendo, consequentemente,
menores possibilidades de adequado diagnóstico e atendimento clínico para esta
parcela da população. Neste caso, o aumento de mortes mal definidas, nestas
localidades, não seria resultado de uma grande concentração de população idosa
nestas áreas, mas sim o reflexo de um falho sistema de saúde operando nestas
áreas. No entanto, poder-se-ia melhor provar esta hipótese ao estudar a
progressão de mortes mal definidas no grupo de 60 anos e mais, em áreas
socioeconomicamente mais ricas do Estado, como o Triângulo Mineiro. Porém, foge
do escopo deste trabalho efetuar um estudo mais regionalizado dessas causas de
morte.
Como análise complementar, é explorado o padrão direcional dos agrupamentos
espaciais das mortes por causas mal declaradas. A metodologia de análise
baseia-se no variograma empírico-espacial das taxas de mortalidade da causa de
morte (PEBESMA, 2009). O interesse é estimar o padrão das mortes, por meio de
uma análise de continuidade espacial definida por diferentes direções, chamada
de anisotrópica, que parte do pressuposto de que as mortes por causas mal
definidas possuem uma correlação espacial que também é guiada pela direção do
fenômeno no espaço. Assim, para dois pares de pontos no espaço, Z(s) e Z(s+h),
a separação entre eles é dada pelo vetor h, que contém a informação da direção
do evento, sendo classificados em quatro intervalos de direção (PEBESMA, 2009).
Os variogramas direcionais espaciais, apresentados no Gráfico_2, trazem os
resultados para os períodos, distribuídos em quatro direções pré-selecionadas,
0o, 45o, 90o e 135o, e interpolados por uma distribuição paramétrica
exponencial.
[/img/revistas/rbepop/v28n2/a04graf02.jpg]
A análise anisotrópica dada pelo variograma direcional é fixada na direção 0o,
a direção norte. O ângulo de 45o aponta para a região nordeste, assim como 90o
corresponde à direção leste. Como padrão, os pares de pontos do variograma
direcional integram também as direções adjacentes mais próximas. Neste caso, a
direção norte contém informações das direções entre -22.5o e 22.5o (noroeste e
nordeste). As demais direções entre 180o e 360o também são contempladas em 0o e
90o, uma vez que o variograma é simétrico (PEBESMA, 2009).
A correlação espacial no variograma direcional é indicada pelo cruzamento de
informações de semivariância, no eixo-y, e distâncias, no eixo-x. Quando não
existe correlação espacial, os pontos no variograma não apresentam variação em
semivariância com a mudança de valores no eixo das distâncias. Por outro lado,
quando se verifica a existência de autocorrelação espacial, a semivariância,
normalmente, apresenta alguma tendência com a mudança das distâncias.
No caso de Minas Gerais, é observada, para todos os anos, uma expressiva
correlação espacial das mortes por causas mal definidas nos quadrantes 0o e
45o, que correspondem às direções cardinais sul-norte e sudeste-nordeste do
Estado. Ou seja, nestes dois quadrantes, verifica-se uma tendência crescente em
semivariância com o aumento das distâncias. Em outras palavras, é constatado um
padrão de autocorrelação espacial que se estende a distâncias superiores a 400
km (valores acima de 4 no eixo das distâncias no variograma). Isto implica
dizer que, partindo de qualquer ponto ao sul ou sudeste do Estado e
direcionando-se nos sentidos norte e nordeste mineiros, ao percorrer uma
distância superior a 400km, um destacável padrão local de óbitos por causas mal
definidas será encontrado. Por outro lado, nos sentidos oeste e leste mineiros,
a correlação espacial é praticamente inexistente, uma vez que se observam
poucas variações, em semivariância, nos quadrantes de 90o e 135o.
De forma intuitiva, as análises do variograma direcional apenas confirmam os
achados da estatística de Kulldorff e Nagarwalla (1995), apontando para uma
grande concentração espacial de mortes por causas mal definidas no norte e
nordeste de Minas Gerais. Em contrapartida, nas demais direções do Estado, o
mesmo padrão espacial não é observado.
Conclusão
A preocupação com a qualidade dos dados de mortalidade no Brasil data dos anos
1950 (PAES, 2007). Devido à sua grande extensão territorial e imensas
desigualdades, o país também é caracterizado por uma grande heterogeneidade no
que tange à qualidade das informações de mortalidade (PAES, 2007). O Estado de
Minas Gerais reflete bem esta carência de boas informações sobre óbitos. Mesmo
situado na região mais rica do país, o Estado apresenta grandes desigualdades
socioeconômicas e territoriais, que se traduzem em alta heterogeneidade com
relação à qualidade de seus registros de morte.
As estimativas de sub-registro deste trabalho, para o período 1980-2006,
mostraram uma melhoria expressiva na cobertura dos óbitos em todo o Estado.
Contudo, as regiões norte e nordeste de Minas Gerais ainda permaneceram com um
alto sub-registro de mortes. Os avanços recentes no sistema de registro de
óbitos apontam para uma cobertura quase completa nos próximos anos. A qualidade
dos gráficos de diagnóstico e a consistência dos resultados sugerem que os
métodos estão funcionando relativamente bem. Entretanto, é importante
considerar alguns pontos importantes quando aplicados os métodos para
subpopulações (regiões) e países em desenvolvimento. Em primeiro lugar, os
métodos parecem funcionar bem, mas com algum grau de incerteza, quer dizer,
diferentes métodos e aplicações podem apresentar resultados diferentes. Assim,
é importante produzir mais trabalhos e pesquisas com a aplicação da
metodologia. Em segundo lugar, limitações de número de eventos, grandes fluxos
migratórios e outros problemas de dados podem influenciar a aplicação dos
métodos. O aumento da cobertura no Estado, assim como observado no Brasil
(AGOSTINHO; QUEIROZ, 2008), permitirá a produção de melhores estimativas de
mortalidade e um maior entendimento do perfil demográfico da população. Esse
conhecimento amplia a capacidade de gestão e elaboração de políticas de saúde.
Todos os esforços devem ser feitos para melhorar a qualidade dos registros
vitais, incluindo as causas de morte. Maiores avanços na qualidade do registro
civil permitirão a produção de melhores estimativas de mortalidade e o
aperfeiçoamento dos estudos sobre tendências e diferenciais de mortalidade no
Brasil e suas regiões. Todavia, ainda é importante a utilização de métodos
demográficos e fontes de dados alternativas para entender a dinâmica da
mortalidade no Brasil. O principal é que esses métodos sejam aplicados e
analisados com cuidado, já que contribuem para ampliar o conhecimento sobre a
dinâmica demográfica.
A análise espacial das causas mal definidas apontou para um padrão similar ao
apresentado pelos registros de óbitos, com altas concentrações das taxas de
registro de mortes por causas mal definidas na região do Jequitinhonha.
Entretanto, ao passo que a cobertura das mortes registrou melhorias, ao longo
dos anos, os focos espaciais de mortes mal definidas e suas áreas de
abrangência aumentaram expressivamente no tempo. Isso é uma possível indicação
de que a qualidade dos registros de óbitos por causas mal definidas em Minas
Gerais, assim como no Brasil, ainda possui níveis não satisfatórios (PAES,
2007).
Os resultados deste estudo conduzem a duas possíveis associações entre as
mortes mal definidas e o registro de óbitos. A primeira implica uma possível
associação inversa entre a cobertura de mortes e os níveis de mortes por causas
mal declaradas. Em outras palavras, o que antes não era captado pelas
estatísticas vitais passa a ser um óbito registrado. Entretanto, o progresso na
cobertura dos registros civis não significaria melhora na qualidade de
registros de causas de morte. Um número maior de óbitos devido à má qualidade
na coleta da informação seria, então, classificado como mortes por causas mal
definidas. Vale ressaltar que tal interpretação merece cautela, uma vez que
Paes e Gouveia (2010) não encontraram, em algumas partes do Brasil, uma
associação clara entre esses dois componentes.
Uma segunda interpretação, com implicações nas análises das mortes mal
declaradas, é a mudança na estrutura etária da população. Com o envelhecimento
da população, Vasconcelos (2002) argumenta que o número de óbitos por causas
mal definidas também tende a aumentar. A autora mostra que a dificuldade em
estabelecer o correto diagnóstico do óbito deve-se à complexidade do processo
mórbido, à falta de assistência médica, à elevada proporção de óbitos
domiciliares e, também, à indiferença no conhecimento das causas, dada a
inevitabilidade da morte nas faixas de idades mais avançadas. Minas Gerais tem
apresentado, nos últimos anos, aumento acelerado da população idosa e,
principalmente, uma mudança no perfil etário da mortalidade (QUEIROZ et al.,
2010). Os dados de mortalidade, em Minas, apontam para uma maior participação
dos idosos no total de óbitos registrados no Estado a cada ano.
É importante ressaltar que mais estudos sobre a qualidade dos dados de óbito e
a distribuição espacial da qualidade no espaço são fundamentais para o melhor
entendimento da dinâmica demográfica da população, bem como para a construção
do seu perfil epidemiológico. Os métodos tradicionais da demografia formal
utilizados nesse trabalho não consideram diferenças de registro por idade e
tampouco a análise da causas mal definidas foi desagregada por idade e sexo. Há
evidências, na literatura (GOMES; TURRA, 2009), sobre a baixa qualidade das
informações de mortalidade da população mais idosa. Em um processo de rápido
envelhecimento da população, a qualidade dessa informação será necessária para
estudos em diversas áreas e elaboração de políticas de saúde adequadas.