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BrBRHUAp0102-30982012000200006

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National varietyBr
Year2012
SourceScielo

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Sistemas públicos de ensino fundamental e a perpetuação da desigualdade: democracia e qualidade educacional como promotoras de justiça social

Introdução As políticas governamentais com ênfase na elevação do nível educacional da população contribuem para o crescimento econômico, pois permitem a criação e incorporação em seu processo produtivo de tecnologias mais complexas e, ainda, propiciam reduções nos níveis de desigualdade, ao diminuírem o prêmio salarial decorrente das diferenças de escolaridade. Ademais, investimentos educacionais contribuem para redução da fertilidade feminina e melhorias na saúde, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil.

A estrutura familiar mostra-se como um dos determinantes dos incentivos à educação dos indivíduos. Os pais são a principal referência na conduta de seus filhos, uma vez que suas decisões afetam o tempo destinado aos estudos e ao lazer, a compra de materiais escolares, além de influenciarem nos anos completos de escolaridade atingidos pela criança. Posteriormente, de acordo com os níveis e a distribuição de escolaridade e renda, a sociedade escolhe o tipo de escola (pública ou privada) e, por intermédio do voto, a qualidade do ensino que a população terá acesso.

As decisões políticas afetam, via volume de recursos orçamentários, a oferta e a qualidade dos serviços públicos, e espera-se que os pobres sejam os principais beneficiados desses serviços em ambientes democráticos em que esses sejam a maioria. De acordo com o teorema do eleitor mediano, sob regimes plenamente democráticos, políticas redistributivas ocorreriam quando a renda desse eleitor se mostrasse inferior à média da sociedade. O fato de estas políticas não serem sempre observadas mostra que, em muitas sociedades cujo poder político não é uniformemente distribuído, têm mais peso aqueles eleitores da porção mais rica da população, o que desloca a mediana para a direita (KEEFER; KHEMANI, 2005).

O sistema educacional, objeto de estudo desse trabalho, se mostra frágil na geração de indivíduos mais escolarizados em sociedades econômica e politicamente desiguais, por ser incipiente na correção de distorções ligadas às circunstâncias familiares, como gênero, etnia e recursos financeiros. Como Roemer (1998) destaca, o sistema educacional deveria prover igualdade de oportunidades, isto é, ser justo para que as circunstâncias citadas não sejam o principal determinante do sucesso individual. Assim, a decisão política por um sistema educacional mais justo, isto é, que beneficiasse os indivíduos independentemente das condições familiares poderia opor a esse quadro.

O objetivo do trabalho é investigar a relação entre o desempenho do sistema público de ensino e as características do sistema político, ou seja, se um melhor sistema político conduz a acréscimo de qualidade em escolas públicas e, portanto, ao provimento de maior igualdade de oportunidades entre os indivíduos. A mensuração da desigualdade de oportunidades basear-se-á na proficiência em matemática obtida por estudantes concluintes das séries iniciais do ensino fundamental; dessa forma, o foco não será sobre a renda, como no trabalho de Betts e Roemer (2004). A escolha dessa forma intermediária de mensurar a desigualdade de oportunidades, como afirmado por Waltenberg e Vandeberghe (2007) e Barros, Ferreira, Vegas e Chanduvi (2009), desconsidera questões relacionadas às escolhas profissionais dos estudantes e habilidades inatas, além de facilitar a intervenção por meio de uma política pública.

Ademais, a contribuição do trabalho é a investigação do sistema público de ensino, uma vez que esse passou por um processo de municipalização, após as mudanças institucionais ocorridas no início da década de 1990, em que se esperava uma reversão do quadro de deterioração do ensino público fundamental, a partir da aproximação das instâncias decisórias das políticas públicas dos eleitores. Os Municípios passaram a ser os responsáveis pela oferta das séries iniciais do ensino fundamental, enquanto aos Estados coube a oferta do ensino médio e, à União, o financiamento do ensino superior e das escolas técnicas.

A Tabela_1 mostra que aproximadamente 90% dos estudantes das séries iniciais do ensino fundamental (até a quarta série ou quinto ano do ensino fundamental) estão matriculados no ensino público. Verifica-se também uma progressiva elevação no percentual de estudantes de escolas municipais, sobretudo quando comparado com as estaduais. Enquanto em 1997 as escolas estaduais e municipais eram responsáveis por 42,8% e 47,6%, respectivamente, do total de matrículas, em 2009 as municipais incorporavam 68,21% do alunado, ao passo que as estaduais respondiam por 19,34%. Nas escolas federais, o quadro permanece praticamente inalterado desde 1999, com 0,04% do total de estudantes. Esse percentual era esperado, uma vez que não é atribuição dessa esfera de ensino o provimento de vagas no ensino fundamental. Observa-se uma progressiva elevação do número de estudantes no ensino privado.

Logo, ao aproximar a gestão do ensino fundamental da população, espera-se aumentar a responsabilização (accountability) sobre os resultados das políticas educacionais com impactos positivos sobre o desempenho dos estudantes e, concomitantemente, na redução das desigualdades de oportunidades.

Assim, o presente estudo busca distinguir os determinantes dos diferenciais de desempenho (oportunidades educacionais) entre os diversos níveis de análise: individual, escolar e regional. No primeiro nível consideram-se as questões relacionadas às circunstâncias do estudante (capital humano e econômico da família, sexo e cor da pele). No segundo, incluem-se os diversos tipos de escola (municipal, estadual e privada), bem como os fatores relacionados à infraestrutura física e ao corpo docente (escolaridade e salário dos professores). Finalmente, no terceiro, analisam-se as características subjacentes às regiões (Municípios e Estados), tais como grau de desigualdade, volume de recursos disponíveis e variáveis relativas à democracia ' participação política, competição política e fragmentação partidária.

Para a realização deste estudo, foram utilizados os bancos de dados do Saeb1 e do Censo Escolar para 2003, que contêm informações relacionadas aos estudantes e às escolas. Para os Municípios e Estados, foram empregados os dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) para 2000, em relação ao índice de desigualdade (GINI ' municipal e estadual), e de 2003, para o volume de recursos. As questões relativas à democracia foram coletadas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para as eleições de 2000 (municipais) e 2002 (estaduais).

Utiliza-se a metodologia multinível de regressão, a fim de incorporar o desenho amostral do banco de dados e, portanto, não incorrer na inferência de estimativas viesadas.

Os resultados mostram que as escolas municipais e estaduais apresentam desempenhos muito inferiores vis-à-vis as privadas, mesmo após controlar pelo capital econômico e humano da família do estudante e da clientela que frequenta a escola. Isto é, o sistema público de ensino não oferece igualdade de oportunidades em comparação aos estudantes das privadas, mesmo após controlar pelas características individuais. A infraestrutura escolar e o corpo docente melhoram o desempenho do estudante. Cabe destacar que as características políticas regionais são mais incisivas sobre as escolas municipais em comparação às estaduais. Os mecanismos de controle democrático de qualidade das escolas trouxeram avanços, porém ainda não são suficientes para atingir um nível de qualidade satisfatório.

O trabalho está dividido em quatro seções além desta introdução. A seguir, são mostrados alguns dos mecanismos de transmissão de desigualdade descritos na literatura. Posteriormente apresenta-se a metodologia utilizada, de modelos multiníveis, e as bases de dados empregadas. Depois são discutidos os resultados para, finalmente, serem tecidas as considerações finais.

Educação, instrumento de perpetuação ou extinção das desigualdades de oportunidade? A diferença de desempenhos não deve, de acordo com Roemer (1998), ser decorrente das circunstâncias de nascimento do indivíduo (local de moradia, etnia, sexo, nível socioeconômico), mas sim uma consequência do esforço e de suas habilidades.

A literatura reconhece que uma forte relação entre características familiares e qualidade da formação estudantil. Se considerarmos uma função de produção educacional, duas variáveis estão sob o controle direto da família: o volume de investimentos (insumos familiares e acadêmicos, como livros, computador, local apropriado para os estudos) e o tempo destinado à educação.2 Nesse arcabouço, filhos provenientes de pais com menor nível educacional estão propensos a possuir uma quantidade de capital humano semelhante ao de seus progenitores pelo volume de investimentos que estes últimos são capazes de "assumir".

Nesse sentido, uma das formas com que a família afeta a educação dos filhos seria por intermédio dos diferentes tipos de capital que ela pode prover. De acordo com Bourdieu (1977), haveria três diferentes tipos de capital: o econômico, que se relaciona aos bens e serviços que dão o acesso à educação; o capital social, composto pelo conjunto de relações sociais mantidas pela família; e o capital humano, que corresponde à escolaridade possuída pelos pais. Entre os três, segundo o autor, o capital humano é o que exerce maior poder de influência na decisão dos destinos escolares dos indivíduos, enquanto os capitais econômico e social mostram-se como meios auxiliares na obtenção de capital humano.

Além dos tipos de capital, existem outros aspectos individuais que estão ligados à etnia e ao sexo do indivíduo que também afetam as desigualdades de oportunidades. Estudos como o de Collins e Margo (2006) mostram que estudantes afro-americanos apresentam níveis inferiores de escolaridade e de desempenho em relação aos seus pares de outras etnias e o quadro é relativamente semelhante para o Brasil, como demonstrado por Albernaz, Ferreira e Franco (2002).

Portanto, em nosso primeiro nível de análise, investigaremos se as características familiares relativas a etnia, sexo e níveis de capital econômico e humano familiares conduzem a diferenças de desempenho entre os estudantes, isto é, se as características aumentam as desigualdades de oportunidades.

O sistema público de ensino poderia corrigir parte das distorções geradas pela desigualdade de circunstância, segundo Betts e Roemer (2005), por meio da universalização no acesso e equalização do gasto público por estudante. A equalização dos gastos públicos em educação no interior dos Estados brasileiros foi garantida pelo Fundef e a quase universalização do acesso às séries iniciais do ensino fundamental ocorreu em 1998.

Entretanto, sociedades cujos perfis de distribuição de riqueza e poder se mostram heterogêneos, de acordo com Engerman e Sokoloff (2002), ofertariam um sistema de ensino com acesso restrito por parte do grande público. Este arcabouço institucional seria consequência de uma estrutura agrária concentrada, originada nos primórdios do processo de colonização e que também teve consequências sobre os mecanismos de sufrágio. Dessa forma, mesmo após a universalização do acesso, coexistiram nessas sociedades duas tecnologias de produção distintas e mutuamente exclusivas, denominadas de privado e público, segundo Ferreira (2001). Embora ambos forneçam educação, distinguem-se em dois aspectos: preço e qualidade. Nas escolas privadas, na ausência de crédito, o acesso é restrito à disponibilidade de recursos por parte da família.

No modelo de Ferreira (2001), os impostos pagos pela sociedade seriam sobre a herança e são cobrados no primeiro período a fim de financiar a educação pública. Assume-se um teto de investimentos na educação pública de tal forma que a qualidade da escola privada sempre será superior à da pública. Esse diferencial deve ser grande o suficiente para que, na escolha do tipo de escola na qual matricular os filhos, qualquer família com condições optará pela escola privada.

No segundo período, os indivíduos recebem renda, consomem e deixam um legado para as gerações posteriores. A influência do mecanismo político na determinação da renda ocorre por meio do nível de impostos preferido (e, por hipótese, investimentos em educação pública) pelo eleitor mediano. Em uma sociedade democrática, se a renda do eleitor mediano é menor do que a média, este votaria sempre por uma política redistributiva (no caso, aumento dos gastos em educação). Contudo, sociedades desiguais em que não se observam tais políticas evidenciam a falta de democracia. Logo, uma vez que os pobres tenham acesso apenas a uma escola de pior qualidade, seu custo de oportunidade de deixá-la é menor e, portanto, sua escolaridade será mais baixa. Nesse caso a sociedade estará em uma trajetória de permanente desigualdade educacional.

Assim, em nosso segundo (escolas) e terceiro (municípios) níveis de análise, serão consideradas as questões relativas ao sistema de ensino, como as características escolares (infraestrutura, corpo docente e dependência administrativa), que deveriam aumentar o desempenho dos estudantes, sendo que para países em desenvolvimento o impacto pode ser maior em comparação aos desenvolvidos, na opinião de Hanushek (2006). Entretanto, é interessante destacar também que o autor mostra evidências de que o impacto da infraestrutura e característica do corpo docente sobre o desempenho não é sempre positivo.

Os aspectos locais, como a desigualdade de renda e aspectos democráticos no que tange a participação e competição política e fragmentação partidária, serão inseridos no estudo, pois se espera que estas características locais afetem o sistema público de ensino, além de ser um dos determinantes da desigualdade de oportunidades.

As variáveis de democracia, como citadas por Carreirão e Kinzo (2004), fazem referência a duas dimensões3 analisadas por Dahl (1971), que são a contestação e a participação política. Elas estão no escopo do conceito de poliarquia,4 isto é, a disputa de poder entre os partidos políticos e uma maior participação popular. Embora o conceito utilizado seja considerado mais restrito, ele permite quantificar como características relativas à democracia funcionam sob diferentes aspectos.

Portanto, a desigualdade de oportunidades, cuja mensuração dar-se-á pelo desempenho dos estudantes em testes padronizados, será analisada por três níveis de características: individuais, escolares e locais. Enquanto as desigualdades geradas no aspecto individual são consideradas injustas, segundo Roemer (1998), espera-se que as esferas escolar e local possam reduzi-las.

Espera-se que, por meio de instrumentos democráticos, as políticas públicas (cujo foco seja o investimento em educação) consigam equalizar as oportunidades educacionais. A ausência destes mecanismos de controle político sobre os sistemas educacionais pode ser responsável pela geração e reprodução de tais desigualdades e, como consequência, pela legitimação e ampliação das desigualdades de renda e riqueza.

A simples instituição de sufrágio universal pode não ser capaz de exercer o enforcementnecessário à implementação de políticas redistributivistas. Um maior controle popular sobre o sistema educacional ofereceria oportunidades iguais, à medida que os mecanismos democráticos fossem mais eficientes.

Desempenho escolar: resultado não apenas do esforço e capacidade do estudante, mas de condições familiares, escolares e regionais.

Para analisar as diferenças de desempenho entre os estudantes das séries iniciais do ensino fundamental e o conjunto de fatores que as afetam, utiliza- se uma função de produção educacional (FPE).5 O instrumento permite analisar o impacto do conjunto de insumos que participam do processo educacional nos indicadores de educação, nesse caso o "produto", cuja especificação pode ocorrer da seguinte forma: onde: (y) corresponde ao desempenho dos estudantes e pode ser afetado por uma série de fatores, sendo que o primeiro, (c), diz respeito às características pessoais e familiares tais como cor, sexo, capital humano e econômico, isto é, toda bagagem familiar trazida pelo estudante; (s) corresponde aos diversos fatores inter e intraescolares, tais como as questões relacionadas à infraestrutura escolar; (p) compreende as características do corpo docente, tais como a escolaridade e o salário; (m) refere-se aos fatores inter e intrarregionais, tais como as despesas com educação realizadas pelos Municípios/Estados e o grau de desigualdade; e (ε) constitui um termo de erro aleatório que capta características não mensuradas e que também afetam o desempenho estudantil, principalmente o esforço individual e a capacidade cognitiva do estudante.

Porém, no emprego dessa função de produção, é necessário considerar a estrutura hierárquica que é adjacente aos dados educacionais (BRYK; RAUDEMBUSH, 1986) e, dessa forma, precisa-se distinguir entre as várias esferas envolvidas no processo educacional e elaboração da amostra. Em amostras aglomeradas, como no caso do Saeb, a correlação entre membros de um mesmo conglomerado é maior do que a observada entre indivíduos de diferentes conglomerados. O reconhecimento desta maior homogeneidade entre os agentes de um mesmo conglomerado evita falácias de composição, como as falácias atomística e ecológica, em que se atribuem ao grupo conclusões próprias do indivíduo e ao indivíduo características do grupo, respectivamente.

O modelo econométrico e resultados da literatura No trabalho estima-se uma função de produção educacional que incorpora três níveis de hierarquia,6 isto é, estudantes, escolas e regiões. A forma estrutural do modelo geral é a seguinte: [/img/revistas/rbepop/v29n2/a06frm02.jpg] onde: yijk é a proficiência do i-ésimo estudante que frequenta a j-ésima escola localizada na k-ésima região. No nível 1,π 0jkrefere-se à média das proficiências dos estudantes descontada do efeito médio das características dos estudantes. A interpretação decorre de um procedimento comum nas análises multiníveis, que é centrar a variável em torno da média das unidades ou group-mean7; Xpijk correspondente às p variáveis individuais do estudante: cor; sexo; número de pessoas na residência; capital humano; capital econômico da família; e número de vezes que o estudante foi reprovado no decorrer das séries iniciais do ensino fundamental.

A inclinaçãoπpjké o coeficiente que mensura a interação entre as variáveis do estudante e o desempenho da jk-ésima escola. O termo de erro eijk é i.i.d e corresponde aos fatores não observados que afetam o desempenho do estudante i, da escola j, localizada na região k.

No nível 2, cada um dos p vetores,π 0jk, é regredido em função das q características escolares, Zpqk. As variáveis escolhidas consideram questões relativas a: infraestrutura escolar para uso de estudantes e professores; salário médio dos docentes; e razão entre o número de professores com ensino superior8 e o total de professores que lecionam para as séries iniciais do ensino fundamental. O termo de erro rpjk é o efeito aleatório sobre os p coeficientes πdo nível das escolas, jk.

A literatura internacional é controversa sobre os efeitos de infraestrutura, salários e escolaridade de professores e gastos por estudante sobre o desempenho em testes padronizados.9 Para o Brasil, Albernaz, Ferreira e Franco (2002) e Soares (2005) encontram uma relação positiva e significativa entre infraestrutura, equipamentos e o desempenho. Machado, Moro, Martins e Rios (2008) mostram que este resultado pode variar de acordo com o nível de ensino.

Em relação aos salários dos professores e às reformas institucionais que culminaram no Fundef, Menezes Filho e Pazello (2007) mostram que o aumento dos salários teve impactos positivos sobre a proficiência estudantil, mesmo após controlar pelas características dos estudantes (idade, cor e sexo), das escolas (infraestrutura como laboratório de ciências e a presença de computador) e do corpo docente (experiência, idade, sexo e escolaridade).

No terceiro nível, Wsk são as s características das k regiões (Municípios e Estados), estimadas como regressores de efeitos fixos. Os pq coeficientes,βpqk, captam a influência que as características regionais exercem sobre as escolas.

As variáveis empregadas foram: índice de Gini; grau de fragmentação partidária na Câmara de Vereadores nas eleições de 2000 e na Assembleia Legislativa nas eleições de 2002; percentual do eleitorado que compareceu para votar; e competição eleitoral nas eleições proporcionais (medida pela razão entre o número de candidatos a vereadores/deputados estaduais e o número de vagas para a Câmara/Assembleia). As últimas variáveis foram utilizadas como indicadores de democracia em virtude de serem elementos que não estão dissociados do processo democrático, por mais complexa que seja a definição de democracia. Os pqtermos de erros, upqk, são o efeito aleatório do nível regional.

O trabalho de França e Gonçalves (2008) considera também um terceiro nível de análise, em que a investigação compreende as séries iniciais do ensino fundamental e o terceiro ano do ensino médio para o Saeb de 2003, apenas para os Estados. No terceiro nível empregaram-se apenas o percentual de comparecimento dos eleitores nas eleições de 2002, o PIB e o índice de Gini.

Assim, a inclusão de novas variáveis políticas visa investigar novas dimensões relacionadas ao sistema político. Este trabalho avança ao considerar as características municipais. Espera-se investigar algumas questões relacionadas a accontability, pois as séries iniciais do ensino fundamental foram, em grande medida, municipalizadas.

Neste trabalho, os dados são analisados para as quartas séries10 do ensino fundamental, isto é, sobre as séries iniciais em que o Brasil atingiu a universalização no acesso à escola. As Tabelas_2_a_6 apresentam as estatísticas descritivas das variáveis utilizadas.

A proficiência dos estudantes corresponde a escalas específicas ao assunto elaboradas pelo staffdo Inep, juntamente com professores, pesquisadores e especialistas em surveys nacionais e internacionais. Os resultados11 variam de 0 a 450 e propõem-se a avaliar as habilidades e conhecimentos dos estudantes.

A proficiência dos estudantes em matemática foi utilizada como proxy para a qualidade educacional. A escolha dessa disciplina baseou-se no relatório do PISA 2002, que afirma que esta matéria é principalmente aprendida na escola, ao contrário da leitura que tem um componente de aprendizado doméstico maior.

A partir dos dados primários, foram construídas duas variáveis para captar diferentes canais de influências da família sobre o estudante: CAP_ECO,12 para o capital econômico; e CAP_HUM, para o capital humano. As variáveis foram construídas por análise fatorial.13 As variáveis número de televisores, rádios, videocassete/DVD, geladeira, carros, banheiros, quartos para dormir, número de livros em casa e o grau de escolaridade dos pais foram reduzidas a dois fatores por meio da extração da componente principal, isto é, o conjunto dessas variáveis representa as duas formas de capital destacadas por Bourdieu: econômico e humano da família. É importante lembrar que medir o nível de renda desta forma calcula a renda residual da família após os gastos com educação dos filhos.

Variáveis adicionais foram empregadas, como sexo, número de pessoas que dividem a moradia com o estudante e a cor autodeclarada, no sentido de controlar os possíveis efeitos relacionados ao desempenho. É importante destacar que todas essas variáveis estão relacionadas às circunstâncias do estudante e o efeito delas sobre o desempenho pode acarretar acréscimos na desigualdade de oportunidades. A inclusão do número de vezes em que o estudante foi reprovado até a conclusão desse nível de ensino visa investigar toda a trajetória acadêmica do estudante até a aplicação do teste.

O segundo nível corresponde ao nível da escola. As variáveis dicotômicas foram empregadas para as diferentes dependências administrativas14 (municipal, estadual e privada) que tangem ao sistema de ensino. A variável INFRA_ESTR capta aspectos relacionados à infraestrutura escolar e foi elaborada com técnica similar à utilizada nas variáveis CAP_ECO e CAP_HUM. As informações foram coletadas por meio das repostas ao questionário da escola.15 A construção da variável NSMEDIO baseou-se no cálculo da média, por escola, das variáveis de capital econômico e humano do estudante. O objetivo é controlar o efeito oriundo do capital socioeconômico médio da clientela sobre o desempenho individual (peer effects). Esta variável seria um indicador do capital social fornecido pela família da criança. É importante destacar que, de acordo com a Tabela_4, o nível de capital difere segundo as dependências administrativas.

Enquanto, na média, os estudantes matriculados nas escolas municipais têm o menor volume de capital, nas privadas estão aqueles que possuem os níveis mais elevados.

As variáveis que mensuram a qualificação e o salário do corpo docente foram retiradas do Censo Escolar e do Saeb 2003, respectivamente. De acordo com a Tabela_5, as escolas estaduais detêm o menor percentual de professores com nível superior e que lecionam nas séries iniciais do ensino fundamental, enquanto as privadas possuem o percentual mais elevado.

Além daquelas relacionadas às características escolares e dos alunos, foram incluídas variáveis regionais, associadas ao Município e ao Estado onde se encontra a escola, segundo sua dependência administrativa. Estas medem a desigualdade de renda e o grau de democracia. Como destacado por Roemer (1998), as circunstâncias de nascimento não podem ser um dos principais determinantes do sucesso individual.

Utilizou-se o coeficiente de Gini (municipal e estadual) como um indicador da desigualdade. As variáveis relacionadas à democracia são: participação política da população; fragmentação partidária nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais; e competição entre os partidos para a ocupação de cargos públicos em eleições proporcionais (deputados estaduais e vereadores).

Entre as variáveis escolhidas, estão a participação eleitoral (PART_POL_EST e PART_POL_MUN) representada pela razão entre o número de votantes no primeiro turno e o tamanho do eleitorado. A participação da população no pleito é um elemento que ajuda a ilustrar o processo democrático, embora seja sabido que não é o único. A fragmentação partidária (FRAG_PART_MUN e FRAG_PART_EST) é mensurada pelo índice de RAE16 e se baseia na probabilidade de dois vereadores, escolhidos aleatoriamente, pertencerem a partidos diferentes em uma dada eleição. O índice varia entre 0 (zero) e 1(um) e pode dar uma medida da existência de dominância por parte de um dos partidos, seja esse de situação ou de oposição. A fim de medir o grau de competição eleitoral (COMPET_DEP_EST e COMPET_VER_MUN), será utilizada a razão entre o número de candidatos e o número de vagas disponíveis na Câmara/Assembleia. O uso das variáveis de fragmentação e competição, além da participação populacional no pleito como no trabalho de França e Gonçalves (2008), busca captar outras dimensões do processo democrático.

Os anos utilizados foram 2002, para as eleições estaduais, e 2000, para as eleições municipais, devido à mensuração de impacto de curto e médio prazos17 nos resultados educacionais em 2003.

É importante destacar que problemas de endogeneidade na relação entre as variáveis de democracia e de educação, segundo Acemoglu et al. (2005), uma vez que os investimentos educacionais por parte das autoridades eleitas podem estar fortemente ligados às suas preferências. A relação entre democracia e educação decorre do fato de que uma elevação nos anos de estudo aumenta a demanda por democracia (TAVARES; WACZIARG, 2001). Assim, fazemos uma ressalva de que os resultados podem estar sobrestimados, pois os municípios com ambientes mais democráticos podem, de antemão, revelar uma maior propensão à realização de investimentos educacionais.

Na seção seguinte, estima-se o modelo multinível para investigar se o sistema político consegue afetar a qualidade do ensino público, portanto, ofertando maior igualdade de oportunidades, mensurado pelo desempenho em testes de proficiências, após controlar pelas características individuais, escolares e regionais.

Resultados Iniciamos com a estimação do modelo mais simples possível (sem regressores adicionais), denominado de modelo incondicional. Esta forma estrutural decompõe a variância entre os três níveis e exclui os efeitos das variáveis explicativas.

[/img/revistas/rbepop/v29n2/a06frm03.jpg] Os resultados são mostrados na Tabela_7. A estimativa deγ000 é 172,67 com um erro padrão de 1,53. O valor refere-se ao desempenho médio do sistema educacional para o final das séries iniciais do ensino fundamental das regiões brasileiras. Os efeitos aleatórios decompõem-se em três componentes: estudante, escola e região. Observa-se que existem diferenças significativas entre as escolas dentro de uma mesma região e entre diferentes regiões, conforme indicam os testes de significância dos termos r e u.

A proporção da variância total,ρ , explicada pelas características dos estudantes corresponde a 59,53%.18 Assim, mais da metade da variabilidade na proficiência é explicada por características individuais. Albernaz, Ferreira e Franco (2002), com dois níveis (estudantes e escolas) e empregando os dados do Saeb 1999, encontraram um valor de 28%.

Machado, Moro, Martins e Rios (2008), em um modelo de três níveis (estudante, escola e município) para Minas Gerais, estimaram uma variabilidade menor do que a estimativa aqui realizada, porém elevada, de 37,12%. Cabe destacar que valores de ρsuperiores a 0,1 tornam aconselhável o uso de modelos multiníveis em comparação ao MQO, pois os erros são heterocedásticos e não independentes, devido ao fato de a covariância entre seus termos não ser nula para os estudantes pertencentes à mesma unidade de ensino.

No modelo 1, foram inseridas variáveis que correspondem às características dos estudantes relacionadas ao tipo de capital que a família lhe acesso: econômico (CAP_ECO,π8jk) e humano (CAP_HUM,π 8jk). Consideraram-se, ainda, outros atributos, como a cor que o estudante autodeclarou, o número de pessoas que habitam a residência, sexo e o número de vezes que ele foi reprovado, visando examinar como as circunstâncias familiares afetam o desempenho escolar19 e, além disso, isolar os efeitos relativos a problemas passados do ensino atual.

[/img/revistas/rbepop/v29n2/a06frm04.jpg] Os resultados são mostrados na Tabela_8 e observa-se que todos os coeficientes são significativos a 1%. As características dos indivíduos relacionadas a sexo e etnia apresentam resultados importantes. Os meninos têm melhor desempenho em relação às meninas, resultado comum tanto na literatura brasileira quanto na internacional quando se utiliza o desempenho nas provas de matemática.20 Verifica-se que ocorre uma relação negativa entre o número de pessoas que habitam a residência, π7jk, e o desempenho do estudante. Coleman (1988) destaca que quanto maior o número de filhos em uma residência, menor será a quantidade de capital social transmitida individualmente a cada um dos filhos e, portanto, haverá consequências negativas sobre o desempenho.

As características dos indivíduos relacionadas à cor da pele,π2jk eπ3jk, mostram que os estudantes que se autodeclararam negros e indígenas têm um desempenho médio inferior, dentro da mesma escola, independentemente da qualidade da escola, mesmo após controlarmos pelo capital econômico e humano da família. Um estudante não negro nas mesmas circunstâncias de um estudante negro tem um rankingesperado no 59º percentil quando comparado a um negro no 50º percentil. Para o estudante indígena, a diferença é de 6%. Os estudantes que se autodeclararam pardos têm desempenhos ligeiramente superiores em relação àqueles que se autodeclararam brancos, contudo, o resultado não é significante.

As estimativas podem evidenciar uma herança cultural oriunda do período colonial, na visão de Engerman e Sokoloff (2002), pois haveria uma desigualdade de oportunidades ocasionada por características individuais. A diferença traz luz às políticas de equidade no tratamento diferenciado de alunos negros e indígenas no acesso ao ensino superior público.

No que diz respeito à repetência,π5jk eπ6jk, os resultados mostram-se negativos para os estudantes desse nível de ensino. A solução comum adotada por alguns governos tem sido a adoção da progressão continuada, ciclos ou promoção automática. Ferrão, Beltrão e Santos (2002) utilizaram os dados do Saeb 1999, para os Estados de Minas Gerais e São Paulo, dos estudantes das quartas séries e constataram que essa política pode corrigir alguns dos problemas ligados à repetência sem resultar perda da qualidade em comparação às escolas seriadas.

Todavia, Gomes (2005) destaca diversas experiências cuja adoção desse tipo de política não se mostrou muito bem-sucedida na correção dos problemas ligados à repetência e à manutenção da qualidade escolar.

Os resultados mostram que o capital econômico,π8jk, e o humano,π 9jk, exercem uma importante influência sobre o desempenho estudantil. Observa- se que o aumento em uma unidade no índice de capital econômico eleva em 0,08 desvios-padrão a esperança do desempenho do estudante.21 A diferença faria com que, caso um estudante que se encontre na média da distribuição fosse "transferido" para uma família com capital econômico 1 ponto acima da sua, seu desempenho subisse para o 53º percentil da distribuição, ou seja, mantendo tudo mais constante superaria 3% do total dos outros estudantes.

O efeito apresenta-se ligeiramente superior ao capital humano, pois a elevação em uma unidade nessa variável aumenta em 0,06 desvios-padrão a esperança da proficiência do estudante. O resultado mostra que o estudante posicionado na média da distribuição subiria para o 52º percentil, se estivesse em outra família cujo capital humano fosse 1 ponto acima da sua. Portanto, superaria em 2% os demais estudantes se tudo permanecesse constante.

Observa-se, a partir das estimativas para os efeitos aleatórios, que as diferenças no desempenho dos estudantes permanecem significativas entre escolas de uma mesma região e entre regiões, mesmo após a inserção de características estudantis relativas ao nível socioeconômico.

As estimativas mostram consequências diretas das desigualdades de circunstâncias. Como ressaltam Bourdieu (1977) e Roemer (1998), o desempenho estudantil não depende exclusivamente dos esforços individuais, pois possui forte relação com a origem social dos estudantes. Nesse arcabouço, as características individuais poderão determinar o sucesso individual independentemente do nível de esforço ou de habilidades inatas. O resultado é observado na influência que variáveis como capital econômico e humano, cor da pele, número de pessoas que habitam a residência e sexo exercem sobre o desempenho.

No modelo 2, foram inseridas variáveis referentes às escolas, como dependência administrativa, infraestrutura, capital socioeconômico médio da clientela e características do corpo docente. A escola, de acordo com Bourdieu (1977), deveria se comportar, por uma questão de justiça, como uma instituição neutra.

Assim, as circunstâncias familiares, na opinião de Roemer (1998), não podem ser determinantes para o sucesso educacional dos indivíduos, pois esse decorreria do esforço e das capacidades inatas. Dessa forma, as características escolares, de acordo com Betts e Roemer (2004), poderiam reduzir as diferenças proporcionadas pelas circunstâncias familiares, uma vez que o país atingiu níveis próximos da universalização do acesso e os gastos foram equalizados no interior dos Estados. Os coeficientes foram centrados em torno da média das escolas da região e, portanto, o impacto das variáveis ocorre em relação aos seus pares regionais.

[/img/revistas/rbepop/v29n2/a06frm05.jpg] Os resultados são mostrados na Tabela_8 e o intercepto corresponde ao desempenho da rede privada regional de ensino. Observa-se que uma diferença significativa no desempenho entre as dependências administrativas,22 mesmo após controlar pelo nível socioeconômico médio da escola (peer effects) e, ademais, independente das características regionais. A rede privada apresenta um desempenho médio superior em 25,58 e 37,07 pontos em comparação às escolas estaduais e municipais, respectivamente. O resultado seria uma evidência da desigualdade de oportunidades no que tange às circunstâncias e que seria revelada no sistema educacional. Desta forma, as políticas de cotas para estudantes de escola pública que promoveriam igualdade no acesso ao ensino superior público podem mostrar-se acertadas, pois conseguiriam reduzir essa distorção, apesar de o processo cumulativo de educação sugerir que tal política de igualdade seja tardia.

Observa-se que os coeficientes relativos ao nível do estudante para o modelo 2 permanecem muito semelhantes ao modelo 1, logo, mostra certa robustez nos resultados. Um estudante na mediana da distribuição e que frequenta uma escola privada encontra-se 21 percentis acima daquele que está matriculado em uma escola estadual com suas mesmas características e 29 percentis acima, em relação ao que frequenta uma escola municipal. À primeira vista, o efeito subjacente à dependência administrativa mostra-se mais poderoso do que o observado para os tipos de capital que a família acesso. Todavia, como Bourdieu (1977) afirma, a presença das diversas formas de capital não apenas o acesso a bens materiais, mas também permite ao estudante frequentar melhores escolas, o que o leva a ter vantagem em relação aos seus pares.

As escolas privadas com melhores desempenhos são evidências de que restrições sobre o crédito impedem o acesso a uma educação de qualidade. Nas escolas privadas a relação é direta, pois o acesso é condicionado à disponibilidade de recursos da família. Os dados da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) para 2002-03 apontam que, no Brasil, as despesas das famílias com educação equivaleram a 2% do PIB, sendo de 10% a população de estudantes que frequentam as escolas privadas. O Estado brasileiro destinou 2,5% do PIB para as escolas públicas, para uma população de estudantes correspondente a 90%. Este é um claro sinal de desequilíbrio no que tange à distribuição e ao nível de recursos destinados à educação. O resultado corrobora as conclusões de Ferreira (2001).

Sistemas educacionais híbridos, com grande diferença de qualidade, são características de sociedades muito desiguais. A circunstância em que a criança nasce é o principal determinante de sua trajetória futura. Assim, se a criança é oriunda de uma família pobre dificilmente terá acesso a uma educação de qualidade ao não dispor de recursos suficientes para financiá-la.

Os investimentos em infraestrutura,γ070, têm uma contribuição positiva e significativa no desempenho das escolas. Pode-se afirmar que um bom ambiente escolar contribui para o aumento do desempenho dos estudantes. Dessa forma, os resultados mostram que não é apenas a família a responsável pelo bom desempenho estudantil, mas a escola também consegue fazer a diferença. O mesmo pode ser afirmado para as variáveis de corpo docente. A qualidade dos professores,γ040, mensurada pelo percentual de docentes com nível superior e que lecionam no ensino fundamental, e os salários,γ050, afetam positivamente o desempenho, estimativas que também foram encontradas por Albernaz, Ferreira e Franco (2002). Acredita-se que os resultados devem-se aos investimentos nos salários provenientes do Fundef, como observado por Menezes Filho e Pazello (2007) e à obrigatoriedade de os professores entrantes no sistema de ensino possuírem o curso superior. As características escolares, por si, podem reduzir o efeito das circunstâncias individuais sobre o desempenho, porém, observa-se que as características familiares determinam o acesso à educação.

Vale destacar que o desempenho das escolas estaduais e municipais varia significativamente entre Estados e Municípios. Dessa forma, investigou-se se variáveis referentes à desigualdade e democracia explicam, no modelo 3, parte destas diferenças.

[/img/revistas/rbepop/v29n2/a06frm06.jpg] Os resultados são mostrados na Tabela_8 e apresentam implicações interessantes.

As características regionais relacionadas aos diversos aspectos que envolvem a democracia (participação eleitoral, competição e fragmentação) apresentam o sinal esperado e, portanto, afetam o desempenho dos sistemas públicos de ensino. Os aspectos relativos à democracia têm maior impacto nos municípios vis-à-vis aos Estados, o que sugere maior accountabilityno nível municipal.

Os resultados corroboram a hipótese de Engerman e Sokoloff (2002), uma vez que os mecanismos de sufrágio contribuem positivamente no desenvolvimento de um melhor sistema público de ensino, sendo que o contrário acontece quando baixa participação política. Embora o acesso restrito ao sistema educacional se mostre como um traço comum de sociedades com elevados níveis de desigualdade e baixos níveis de democracia, observa-se que essas características afetam a eficácia do sistema público de ensino e, consequentemente, o provimento de igualdade de oportunidades.

As regiões (Estados e Municípios) cujos índices de desigualdade de renda são elevados têm sistemas públicos de ensino com desempenho inferior às regiões mais igualitárias. Todavia, o impacto sobre o ensino se no nível municipal, uma vez que ao nível estadual mostra-se não significativo.

Conclusão O artigo investiga como o sistema político poderia reduzir o efeito da desigualdade de oportunidades, mensurada pelo desempenho dos estudantes em testes padronizados de proficiência, após controlar pelo efeito oriundo das características individuais, escolares e regionais.

De acordo com os modelos teóricos apresentados e embora haja problemas de endogeneidade entre as variáveis de educação e de democracia, não se pode rejeitar a influência que variáveis regionais relativas à esfera democrática apresentam sobre a equalização das oportunidades educacionais oferecidas aos estudantes. Os resultados demonstraram que em regiões cuja sociedade é mais desigual encontram-se sistemas educacionais menos eficazes. Por outro lado, uma maior participação política da população mostrou-se positiva e significativamente relacionada com o desempenho escolar. Uma maior participação política poderia responsabilizar os governantes locais pelas políticas educacionais, melhorando a gestão dos sistemas públicos de educação.

A proximidade com o governo local traz maior accountabilityaos sistemas públicos de ensino e se traduz em qualidade de educação. As políticas de redistribuição regional de recursos como Fundeb e Fundef poderiam reduzir a influência da capacidade tributária dos entes federados sobre os investimentos em educação. Esta heterogeneidade regional, porém, não explica grande parte da variância do desempenho entre os indivíduos. Esta última encontra explicação majoritariamente nas variáveis individuais, principalmente em torno do capital financeiro das famílias em custear o ensino privado.

Apesar da ampliação do acesso ao ensino básico, é pequena a parcela da população que estuda em boas escolas. A distribuição inicial da riqueza (ou as restrições de crédito) e um reduzido orçamento para as escolas públicas deixam o pobre à margem de um ensino de qualidade, embora uma política de inclusão tenha aumentado seus anos de escolaridade. Seriam necessárias políticas de igualdade que visassem a melhoria da qualidade da educação ofertada pelas escolas públicas, principalmente as municipais.

Este quadro de desigualdade foi transmitido intergeracionalmente nas diversas etnias que ficaram à margem do ensino durante muitos séculos. Os estudantes que se autodeclaram negros ou indígenas têm um desempenho menor em relação aos seus pares de outras etnias (brancos, pardos e asiáticos) dentro de uma mesma escola, mesmo após controlarmos pelo capital econômico e humano da família do estudante.

Desta forma, a escola ainda não se mostra como uma instituição neutra onde estudantes obtêm sucesso por consequência dos seus esforços. Isto é, as características escolares ainda seriam incipientes na redução dos efeitos familiares ocasionados pelas circunstâncias das famílias na diminuição das desigualdades de oportunidades. Isso pode ser consequência de a característica familiar ser o principal determinante de qual escola a criança terá acesso.

Concomitantemente às denominadas políticas universais de melhoria da escola pública, deveriam ser adotadas políticas focalizadas, visando beneficiar as camadas menos favorecidas nas circunstâncias e oportunidades em estágios iniciais da educação, com efeitos cumulativos até a sua conclusão.

As características escolares relacionadas à infraestrutura e ao corpo docente têm impacto positivo sobre o desempenho dos estudantes. O sistema político, neste caso, é uma importante barreira a políticas redistributivistas de longo prazo, ao não refletir a necessidade de 90% dos alunos matriculados na rede pública de ensino. Um aumento do orçamento destinado à educação é viável apenas se o sistema político lograr um menor grau de desigualdade política.

Assim, uma política pública que inicie melhorando a qualidade no ensino fundamental e/ou que focalize sobre algumas etnias pode ser o primeiro passo para o rompimento do círculo vicioso da desigualdade, por meio do provimento de uma maior igualdade de oportunidades. Isto é, as desigualdades devem estar condicionadas ao esforço e à capacidade e não estar restritas a circunstâncias oriundas da família. Um sistema político permeável a estas demandas sociais pode levar a um maior nível de igualdade de oportunidades, seja pela melhoria da eficiência dos gastos públicos, seja pelo aumento de recursos destinados à educação.


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