Um estudo das metodologias e funcionalidades dos índices de segregação
Introdução
Segregação pode ser entendida como a distribuição irregular dos membros de um
grupo num espaço territorial ou em categorias (raça, gênero, faixa salarial,
etc.). Dessa forma, sua caracterização pode ser feita a partir de duas
abordagens distintas: a sociológica e a geográfica. A primeira decorre da
segregação entre dois grupos distintos e não correlacionados. Já no segundo
caso, o foco é uma análise geográfica do território, ou seja, uma análise
espacial de contiguidade ou uma medida de relação espacial entre regiões
geográficas.
As medidas tradicionais não utilizam o fator geográfico, caracterizando-se como
índices "aespaciais" nos quais o fator geográfico é constante no
estudo. Neste artigo, serão explorados tanto os índices sem influência do fator
espacial quanto aqueles que têm seus valores ponderados pelas distâncias entre
os polígonos.1
Os primeiros estudos dos índices de segregação surgiram na década de 1950, com
o trabalho de Ducan e Duncan (1955a).2 Segundo os autores, o problema das
medidas de segregação era a sua construção a partir de noções simples e pobres,
devendo ser formuladas por meio de articulações conceituais claras de seu
processo. Duncan e Duncan (1955a, p. 217) caracterizavam essa simplicidade
conceitual como uma "ingênua" noção de segregação:
[Segregação] é um conceito rico em subjetividade teórica e de um
valor heurístico inquestionável. Claramente nós não desejamos
sacrificar o capital da teorização e observação já investidos no
conceito. Até o momento, isso é o que está envolvido na solução
oferecida pelo operacionalismo "ingênuo", mais ou menos uma
combinação arbitrária de alguns convenientes procedimentos numéricos
de um conceito verbal de segregação.
O estudo de segregação começou nos Estados Unidos no fim dos anos 1940 e início
dos 1950, com vários artigos no American Sociological Review (BELL, 1954;
COWGILL; COWGILL, 1951; JAHN, 1950, entre outros). Entretanto, os trabalhos
focavam os índices de segregação baseados em dois grupos, pelo fato de o país
estar em processo social e político de plena segregação racial (brancos e
negros) e de gênero (homens e mulheres).
Entretanto, foi apenas na década de 1980 que os índices de dois grupos foram
mais bem fundamentados, particularmente por James e Taeuber (1985) e Massey e
Denton (1988). Neste segundo trabalho, os autores realizaram uma revolução
metodológica na interpretação dos indicadores. A análise baseou-se em uma
definição multidimensional de segregação, resultando na subdivisão das
mensurações dos índices em cinco distintos conceitos das suas dimensões:
uniformidade; exposição; agrupamento; centralização; e concentração.
A inclusão de elementos espaciais no cálculo dos índices mostrou-se cada vez
mais necessária. Dessa forma, alguns índices espaciais de segregação foram
propostos por Jakubs (1981), Morgan (1983), White (1983, 1986), Morrill (1991),
Wong (1993, 1998, 1999, 2003) e Reardon e O'Sullivan (2004). Entretanto,
essas medidas espaciais são pouco utilizadas na literatura pelo fato de
necessitarem de fatores geográficos, o que torna mais complicada a obtenção de
dados. Além disso, são raros os softwares com a disponibilidade de índices de
segregação espacial.
A literatura de índices de segregação não é completa no tema e necessita de
mais estudos e aprofundamentos. Dessa forma, o presente trabalho tem por
objetivo enumerar e expor as metodologias dos indicadores de segregação
espacial, focando uma seleção desses índices. Também serão calculados os
respectivos índices para faixas de renda em diferentes períodos nos municípios
da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). O intuito desta análise é mostrar
o comportamento da segregação das faixas de renda ao longo do tempo.
Indicadores de segregação
Os índices de segregação podem ser classificados em três grandes grupos:
indicadores entre um grupo, dois grupos e de múltiplos grupos. No primeiro
caso, a existência ou não de segregação é calculada em um único grupo, como,
por exemplo, a ocorrência de segregação no grupo dos ricos. Já no segundo caso,
este índice é obtido por meio da análise entre dois grupos distintos, sendo o
Índice de Dissimilaridade de Duncan e Duncan (1955a) o mais utilizado. O último
grupo é aquele em que existe abrangência maior de categorias, ou seja,
calculam-se os indicadores com três ou mais grupos.
Em cada grande grupo existem ainda subdivisões dos indicadores, permitindo
identificar o que, especificamente, cada indicador demonstra: uniformidade,
exposição, concentração, centralização e agrupamento, para os índices de um e
dois grupos; e uniformidade e exposição, para os de múltiplos grupos.
Indicadores do tipo uniformização
Os índices de segregação do tipo uniformização são utilizados quando se deseja
analisar a dispersão em um grupo ou entre grupos, ou seja, a distribuição dos
elementos da(s) população(ões) estudada(s) em uma área. Quanto mais desigual
for esta distribuição, maior será a segregação existente. Quando a população
for igualmente distribuída, os índices do tipo uniformização terão valores
iguais a zero. A seguir, são descritos os índices "aespaciais" do
tipo uniformização.
Índice de segregação
O índice de segregação (IS), proposto por Duncan e Duncan (1955a), é um dos
utilizados para a medida de dispersão em único grupo. Ele mede a proporção da
população no grupo que deveria se mudar para outras áreas para que a composição
populacional fosse homogênea.
Seu cálculo é feito da seguinte forma:
em que xi é o total da população do grupo X na unidade i; ti corresponde ao
total da população na unidade i; T refere-se ao total da população; e X é o
total da população no grupo X.
O IS varia entre zero e 1, sendo zero a ausência de segregação, ou seja, quando
a população é distribuída homogeneamente ao logo do território. Quanto maior
for seu valor, menor será a dispersão da população.
Por achar que a distância era um importante fator espacial que influía na
segregação, Massey e Denton (1988) criaram uma combinação da distância entre os
centroides para medir a segregação.
Outra forma adotada para incorporação do fator espacial no cálculo de
segregação era por meio das matrizes de contiguidade. Tais formulações exigiam
uma matriz de vizinhança formada por zeros e uns, em que zero indicava ausência
de vizinhança e 1 significava que tais unidades eram vizinhas. Entretanto, na
época, esta matriz era criada por meio da inspeção visual de mapas, o que foi
considerado ineficiente. Dessa forma, tais índices sofreram algumas críticas.
Atualmente, a abordagem espacial do índice de segregação utilizada foi proposta
por Morrill (1991).
Índice de dissimilaridade
O índice de dissimilaridade (ID) proposto por Duncan e Duncan (1955a) é o mais
citado na literatura sobre segregação. Ele fornece informação similar à
proposta do IS, mas, nesse caso, para dois grupos. Seu valor é dado por:
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img02.jpg]
em que yi é o total da população do grupo Y na unidade i; e Y corresponde ao
total da população do grupo Y.
O ID varia entre zero e 1. Ele pode, também, ser derivado da curva de Lorenz,
na qual a proporção acumulada do grupo X é esboçada contra a proporção
acumulada da população por meio das unidades, as quais são ordenadas em ordem
crescente de proporção da população dos grupos.
O ID é usado como indicador da relação existente entre a população das diversas
áreas ou a oportunidade da interação intrazonal entre grupos.
Índice de Gini (G)
Outro indicador do tipo uniformização é o índice de Gini, que representa a
igualdade de distribuição de um grupo ou característica, sendo utilizado no
ramo da economia para o cálculo de igualdade de renda. Ele pode ser obtido da
seguinte forma:
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img03.jpg]
em que pi é a proporção do grupo na unidade i, ou seja, xi/ti; pj corresponde à
proporção do grupo na unidade j, ou seja, xj/tj; e P refere-se à proporção do
grupo no total, ou seja, X/T.
Outra forma de se calcular o índice de Gini é por meio da curva de Lorenz, o
que faz com que ele seja intimamente relacionado ao ID (já que este também pode
ser obtido da mesma forma).
O índice de Gini assume valores entre zero e 1, sendo que zero representa uma
distribuição uniforme dos membros do grupo ou característica estudada e o 1
equivale a uma concentração total destes.
Índice de entropia
O índice de entropia, também conhecido como índice de informação ou índice de
Shannon, é outra medida de dispersão, sendo comumente utilizado no ramo da
comunicação como uma medida de incerteza. Essa funcionalidade é proposta por
Shannon (1948).
A entropia é dada por:
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img04.jpg]
O valor máximo atingido pelo índice é 1 e o mínimo é zero, que ocorre quando a
distribuição é igualitária, ou seja, uma divisão entre 50 e 50 no caso de dois
grupos.
Indicadores do tipo exposição
Os índices de segregação classificados como exposição são empregados para medir
o grau de possível contato ou interação entre os membros de um mesmo grupo
(indicadores de um grupo) ou entre membros de outros grupos (indicadores de
dois grupos e de múltiplos grupos) nas unidades. Pode-se dizer que eles medem a
probabilidade de um indivíduo encontrar membros do seu próprio grupo ou de
grupos distintos.
Índices de isolamento e de interação
O índice de isolamento (xPx) mede o grau de isolamento de um grupo em relação
aos outros grupos; similarmente o índice de interação (xPy) mede a interação de
membros do grupo X com membros do grupo Y e o quanto um está exposto ao outro.
Eles podem ser interpretados como a probabilidade de um membro do grupo X
dividir espaço com outro membro do mesmo grupo (isolamento) ou a probabilidade
de membros do grupo X dividir espaço com membros do grupo Y (interação).
Seus cálculos são dados por:
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img05.jpg]
Ambos os índices variam entre zero e 1, já que representam uma probabilidade. A
composição do índice de interação mostra que este não é simétrico, ou seja, xPy
não é igual a yPx. A única exceção que faz ambos os índices serem iguais é
quando os dois grupos têm a mesma proporção da população.
Razão de correlação
O indicador de razão de correlação, chamado também de ETA quadrado (ETA²), é
uma medida entre a dispersão em cada categoria e a dispersão por todo o
conjunto da população ou amostra. Ele é obtido por meio da seguinte fórmula:
ETA2 = [(x Px - P) / ( 1 - P)]
O índice de correlação varia entre zero e 1. Tal medida pode ser considerada um
ajustamento do índice de interação.
Indicadores do tipo agrupamento
Os índices de agrupamento indicam o quão semelhante é certa área. As técnicas
de agrupamento exploram semelhanças entre padrões e constroem grupos que tenham
indivíduos com características semelhantes dentro dele, mas que sejam
diferentes entre eles. Assim, quanto mais semelhante é a distribuição da
população em um grupo em determinada área, mais ela estará conglomerada e,
portanto, maior será a segregação ali presente.
Índice de agrupamento absoluto (ACL)
Preocupados com o problema de contiguidade, Massey e Denton (1988) elaboraram
uma série de indicadores que pudessem incorporar tal fator ao seu cálculo.
Assim, os autores desenvolveram um índice adaptado de Dacey (1968) e Geary
(1954) que media a aglomeração absoluta em um espaço, o ACL:
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img06.jpg]
em que cij representa os valores da matriz de contiguidade (matriz de
vizinhança) e n é o total de unidades de área.
O agrupamento absoluto tem uma variação entre zero, que representa uma baixa
segregação, e 1, que equivale à máxima contiguidade do grupo ao longo da
unidade. O índice também expressa o número médio de membros de um grupo nas
áreas próximas como sendo a proporção entre esses membros de grupos em áreas
próximas em relação à população total nessas áreas.
Proximidade média entre membros do grupo X e proximidade média entre membros do
grupo X e Y
Quando se deseja medir a segregação em municípios ou países, por exemplo, por
meio de índices que levam à contiguidade como fator relevante, a obtenção de
uma matriz de vizinhança é relativamente simples quando se dispõe de uma malha
digital desta área e um software computacional que o faça. Entretanto, muitas
vezes o foco da análise de segregação são residências, o que faz com que a
criação da matriz de contiguidade seja mais complicada. Dessa forma, uma saída
foi não mais utilizar as matrizes de vizinhança como fator espacial e sim a
distância entre os centroides das unidades de interesse. Portanto, White (1986)
propôs os índices Proximidade Média entre Membros do Grupo X, Pxx, (um grupo) e
Proximidade Média entre Membros do Grupo X e Y, Pxy, (dois grupos):
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img07.jpg]
em que dij é a distância entre os centroides da unidade i e da j.
Esses índices medem simplesmente a proximidade média intragrupos (Pxx) ou a
média das proximidades entre grupos (Pxy). Seu menor valor é zero, porém ele
não possui valor máximo.
Existem derivações desses índices também bastante usuais, em que, em vez da
utilização comum de dij, usa-se o exponencial negativo da distância, ou seja,
d*ij = exp (-dij).
Índice de agrupamento relativo (RCL)
O RCL é uma derivação dos índices de média aproximada e utilizado para o caso
em que existem dois grupos, podendo ser calculado da seguinte forma:
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img08.jpg]
sendo Pxxe Pxyos índices citados anteriormente. Ele mede a aglomeração relativa
dos grupos, já que compara as distâncias médias entre os indivíduos de um grupo
com outro.
O índice de agrupamento relativo não possui limites, variando de -∞ a +∞.
Quando o valor obtido é igual a zero (Pxx/ Pyy= 1), as aglomerações dos dois
grupos são iguais. Quando o valor é positivo (Pxx/ Pyy> 1 ), o grupo X possui
aglomeração maior do que o grupo Y. No caso de um valor negativo (Pxx/ Pyy< 1),
o grupo Y apresenta maior aglomeração quando comparado ao grupo X.
Indicadores do tipo concentração
Os indicadores de concentração referem-se ao espaço físico que certo grupo
ocupa. Quanto maior a área de ocupação desse grupo, menos concentrado ele será
e, portanto, menos segregado. Por outro lado, se o grupo está em um pequeno
espaço geográfico, considera-se que existe uma grande segregação.
Índice delta (DEL)
Na literatura foram criados relativamente poucos índices para medir a
concentração em uma região. Um deles foi o DEL, que é uma aplicação específica
do ID. Seu valor é dado por:
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img09.jpg]
em que A é a área total e ai é a área da unidade espacial i.
Esse índice possui valores entre zero e 1. Sua metodologia mostra a proporção
de membros de um grupo residente em uma área que estão acima da densidade média
deste grupo. Ele pode representar a proporção de membros deste grupo que
deveriam se mudar para outra área para que a densidade fosse uniforme ao longo
do território.
Índice de concentração absoluta (ACO)
Outra medida utilizada para calcular a concentração em um espaço é o ACO, que
compara o máximo e o mínimo de áreas que poderiam ser habitadas por um grupo
com a área total ocupada por este. Sendo assim:
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img10.jpg]
em que T1 é a soma de todos os t i da área 1 à área n 1 e T2 corresponde à soma
de todos os t i da área n2 à área n.
Para a utilização dessa formulação, as áreas devem estar em ordem crescente de
tamanho (territorial).
O primeiro termo do numerador indica a área média que está ocupada pelos
membros do grupo em questão, enquanto o segundo corresponde à área média de
habitação quando a concentração é máxima. Já no denominador, o primeiro termo
indica a área média que seria ocupada sobre condições de concentração mínima.
O índice atinge valores que variam entre zero, concentração mínima do grupo que
está sendo analisado, e 1, concentração máxima.
Índice de concentração relativa (RCO)
Como visto anteriormente, o ACO mede a concentração absoluta em uma área
geográfica. Para uma análise da concentração relativa de certo grupo, foi
criado o RCO,3 que mede a proporção de espaço ocupado por um grupo quando
comparado com outro.
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img11.jpg]
O RCO é uma razão que compara dois grupos com o caso de uma máxima concentração
do primeiro contra o de uma mínima concentração do segundo. Dessa forma, se
existem dois grupos, X e Y, primeiro é feita uma razão entre a concentração de
X e a de Y. Depois essa razão é comparada com aquela entre os mesmos grupos, em
que X seria maximamente concentrado e Y minimamente concentrado.
O coeficiente é padronizado para que varie entre -1 e 1, sendo que zero indica
que os dois grupos estão igualmente concentrados. O valor -1 mostra que o
segundo grupo excede ao máximo possível a concentração do primeiro, enquanto o
1 representa que o primeiro grupo é o que excede.
Indicadores do tipo centralização
Os indicadores do tipo centralização medem o grau de proximidade de certo grupo
com os centros das unidades de área, por exemplo, o centro da cidade. Grupos
que se instalam perto do centro da cidade tendem a ser concentrados. A
importância deste estudo pode ser entendida na sua aplicação na área econômica,
mais especificamente estudos sobre as economias do centro e da periferia de uma
área.
Proporção na área central
Assim como no caso dos indicadores de concentração, também existem poucos
indicadores de segregação para a centralização. Um deles, bastante usado, é a
proporção na área central, que pode ser calculada por:
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img12.jpg]
em que X CC é a população total residente no centro.
Esse índice é uma proporção de habitantes de uma área que vivem na zona central
sobre a população total da área. Por ser uma proporção, seu limite está entre
zero e 1. Um dos problemas desse índice é a delimitação da abrangência espacial
da região, já que esta é, muitas vezes, uma definição política ou econômica, e
não geográfica.
Índice de centralização absoluta
Outra forma de se computar a centralização em uma região é por meio do índice
de centralização absoluta (ACE), que indica a proporção de moradores que
deveriam se mudar para que a distribuição da população de certo grupo fosse
homogênea.
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img13.jpg]
em que S i é a proporção acumulada da área na unidade i.
Esse índice varia entre 1 e -1, sendo que valores positivos indicam uma
tendência de o grupo X residir perto do centro da cidade e valores negativos
representam uma tendência a morar em outras áreas. Quando a medida for zero, o
grupo tem uma distribuição uniforme por toda a cidade.
Índice de centralização relativa (RCE)
Por fim, existe um índice que mede a centralização relativa em uma área, o RCE.
Essa medida é utilizada para o caso de dois grupos, da seguinte forma:
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12img14.jpg]
em que X ie Y i são as proporções acumuladas dos grupos X e Y na unidade i.
O RCE pode ser interpretado como a cota de membros do grupo X que deveriam
mudar de local de residência para atingir o grau de centralidade do grupo Y.
Este índice varia entre -1 e 1, sendo que os valores positivos indicam que os
membros do grupo X estão localizados mais próximos do centro da cidade do que
os do grupo Y, enquanto os negativos mostram que os membros do grupo X estão
distribuídos mais distantes do centro. Quando o índice é zero, os dois grupos
têm a mesma distribuição espacial acerca do centro da cidade.
Na Figura_1, observam-se as diferenças entre os diversos tipos de indicadores e
como cada localidade se comporta com um alto e um baixo nível de segregação.
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12fig01.jpg]
Quanto mais escuro o polígono, maior a quantidade de pessoas nesta área. Na
baixa segregação do tipo uniformidade, tem-se uma população igualmente
distribuída ao longo do território. Na alta segregação, a população está
distribuída de forma desigual, aglomerando-se em alguns polígonos específicos.
Para os índices do tipo exposição, a baixa segregação mostra que o grupo X não
está isolado, ou seja, ele interage com outros grupos. Na alta segregação, o
grupo X está isolado nos polígonos em que se encontra. No caso dos índices de
concentração, na baixa segregação, a população está espalhada ao longo do
território, enquanto a alta segregação apresenta concentração da população/
grupo em certa área geográfica. Os índices de agrupamento que indicam baixa
segregação mostram que não existe um cluster no território. Já uma alta
segregação neste grupo representa conglomerado no território. Por fim, os
índices de centralização determinam a existência de concentração no centro da
cidade. A baixa segregação indica ausência de centralização e a alta mostra
concentração no centro da região.
Análise empírica dos indicadores de segregação
De modo a elucidar com mais clareza as funcionalidades dos índices de
segregação enumerados anteriormente, esta seção desenvolve uma aplicação
empírica. O objetivo é gerar os índices de segregação para faixas de renda nos
municípios da RMSP. O período escolhido foi 1994, 1999, 2004 e 2009. Essa
definição de intervalos de cinco anos na elaboração dos resultados teve como
intuito a expansão da série de tempo em período de 15 anos. Com isso, quanto
maior o intervalo da série, maior será as variações na renda ao longo do tempo
nas regiões e, portanto, melhores serão as conclusões sobre o comportamento da
segregação da renda.
O cálculo da renda das pessoas foi baseado na Relação Anual de Informações
Sociais (Rais),4 disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
A renda é calculada pela variável remuneração de dezembro em salários mínimos
recebidos pelos trabalhadores no ano de referência. Entretanto, para um estudo
da renda ao longo do tempo, é necessária a transformação dos rendimentos em
valores reais. O valor-base foi definido para dezembro de 2009, ou seja, o
deflator apresenta valor igual a 1 nessa data. O deflator utilizado foi o
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)5 (Tabela_1). Além disso, para
transformar os valores para a moeda corrente brasileira (real), o número de
salários mínimos recebidos pelo trabalhador foi multiplicado pelo valor do
salário mínimo da correspondente data. Os salários mínimos estão de acordo com
os valores estabelecidos pelo MTE6 (Tabela_1).
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12tab01.jpg]
As faixas de renda foram definidas de acordo com os percentis da variável em
questão. Os valores dos cortes são apresentados na Tabela_2 e as faixas das
rendas foram estabelecidas da seguinte forma: pessoas com renda menor ou igual
ao valor de corte do percentil de 20% (grupo 1); pessoas com renda maior que o
valor de corte do percentil de 20% e menor ou igual ao valor de corte do
percentil de 50% (grupo 2); pessoas com renda maior que o valor de corte do
percentil de 50% e menor ou igual ao valor de corte do percentil de 80% (grupo
3); e pessoas com renda maior que o valor de corte do percentil de 80% (grupo
4).
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12tab02.jpg]
Os indicadores de segregação foram calculados para a RMSP pelo fato de a região
ser composta pelos mesmos municípios nos quatro períodos estudados. Isto evita
a distorção dos índices ao se introduzir, na análise, a variação da organização
dos municípios pertencentes à região metropolitana em cada período.
O nível geográfico atingido foi o municipal, baseado na estrutura de municípios
estabelecida pelo IBGE. Essa estrutura geográfica é importante para o cálculo
dos índices que englobam fatores espaciais, comentados anteriormente.
Para o cálculo dos índices foi utilizado o software gratuito IpeaGEO,
desenvolvido por pesquisadores do Ipea, que permite o cálculo de vários índices
de segregação tanto para a categoria de um grupo quanto para as categorias de
dois e de múltiplos grupos. Daqueles apresentados na metodologia, são
calculados pelo programa os índices de: segregação; segregação ajustada;
entropia; Gini; isolamento; razão de correlação; agrupamento absoluto;
proximidade média entre membros de um grupo (tanto o índice quanto o
exponencial dele); dissimilaridade; dissimilaridade ajustada; interação;
proximidade média entre membros do grupo X; proximidade média entre membros
dos grupos X e Y; e agrupamento relativo. Entretanto, o programa não calcula
índices do tipo centralização e concentração.
Por fim, para uma análise mais completa da segregação da renda, foram
elaborados mapas do índice de concentração, ou seja, a razão entre a população
pertencente a certa faixa de renda (percentis 20%, 50% e 80%) e a população
total para cada município da referida região. Os valores de corte do método
quebras naturais (natural breaks, de Jenks)7 foram fixados para os cortes de
1994. Isso possibilita a visualização no mapa do comportamento do índice ao
longo do período. Os mapas estão no Anexo.
Resultados
A seguir, são apresentados os índices de segregação para três categorias: um
grupo, dois grupos e múltiplos grupos. Todos os resultados foram gerados pelo
software IpeaGEO e os mapas pelo software ArcGis.
Resultados para os índices de um grupo
Primeiramente, o estudo da renda na RMSP baseia-se nos indicadores de um grupo
para todos os grupos criados. Cada índice é calculado para um grupo
individualmente.
Na Tabela_3, nota-se que há uma tendência de diminuição da segregação da classe
mais pobre da população. Todos os índices referentes ao grupo 1 apresentam
menores resultados em 2009 quando comparados aos valores obtidos pelo grupo 1
em períodos anteriores. Nas outras classes também é possível perceber que a
segregação também seguiu uma tendência decrescente ao longo dos anos, porém, de
forma mais branda do que no primeiro grupo.
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12tab03.jpg]
Analisando o índice de Gini no primeiro grupo, nota-se que, após uma sequência
crescente ao longo dos três primeiros períodos, em 2009 este indicador teve uma
queda considerável em relação aos anos anteriores, principalmente na primeira
classe (passando de 0,13 para 0,08). Como a diferença entre o índice do grupo 1
e os dos outros grupos ficou menor, é possível concluir que há maior igualdade
na distribuição de renda na RMSP.
A razão de correlação foi outro índice que diminuiu para todas as classes ao
longo do período analisado. Esta diferença é mais nítida para o grupo 4, já que
o índice caiu de 0,017 para 0,008 entre 1994 e 2009, ou seja, seu valor
reduziu-se quase pela metade.
Os índices que mostraram maior existência de segregação para todas as classes
foram os de isolamento e de agrupamento absoluto. Para o primeiro, a
probabilidade de membros dos grupos 1 e 4 (valores próximos a 0,20) interagirem
com membros do seu próprio grupo é menor do que nos grupos 2 e 3
(aproximadamente 0,30). O mesmo acontece no segundo índice, no qual os grupos 1
e 4 possuem valores de aproximadamente 0,15 e os grupos 2 e 3, de 0,22.
Em 1999 e 2004, o índice de segregação apresentou valores quase duas vezes
maiores para os grupos 1 e 3. Isso indica que, nesses anos, houve uma
distribuição menos homogênea da população dessas classes no território. Por
outro lado, os grupos 2 e 4 se mantiveram quase constantes, com uma variação
mínima ao longo dos anos (os índices passaram de 0,042 para 0,038 e de 0,074
para 0,083, respectivamente). Pelos resultados obtidos para os índices de um
grupo, pode-se concluir que, em todos os grupos analisados, houve diminuição da
segregação na RMSP, em 2009.
Resultados para os índices de dois grupos
O propósito da análise de grupos é verificar se os resultados se comportam de
forma semelhante entre dois grupos específicos quando comparados com os
resultados de um grupo com todo o resto. Ao se considerarem os índices de dois
grupos é possível saber entre quais grupos existe tal variação. Esta análise é
pertinente para saber se o percentil de renda mais baixa está se aproximando do
percentil de renda mais alta. Com isso, pode-se supor uma diminuição da
segregação entre grupos diferentes. Da mesma forma, os resultados da abordagem
de múltiplos grupos serão comparados com aqueles das categorias um grupo e dois
grupos.
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12tab04.jpg]
Na categoria de dois grupos, o primeiro índice a ser explorado é o de
dissimilaridade. De acordo com essa medida, de 1999 para 2009, a segregação
entre os grupos 1 e 4 diminuiu (passando de 0,137 para 0,103), ou seja, a menor
segregação apresentada pelos índices de um grupo decorre do fato de os grupos 1
e 4 serem menos segregados no período. Entretanto, o índice em 1994 é muito
semelhante ao de 2009 para todos os pares de grupos. Isso mostra que o cenário
da segregação na RMSP era semelhante nesses dois períodos. Portanto, houve
alguma mudança que fez com que, a partir de 1999, os índices aumentassem,
voltando a diminuir posteriormente em 2009. Os grupos 2 e 3 também apresentaram
redução na segregação no período anteriormente citado (de 0,055 para 0,028), o
que corrobora os resultados dos índices de um grupo. Tais fatos podem ser
observados no Gráfico_2.
[/img/revistas/rbepop/v30n2/a12gra02.jpg]
No caso do índice de interação, pelo fato de ser uma medida mais estável ao
longo do tempo, é mais pertinente focar a interpretação nas diferenças entre os
grupos, ou seja, tratar dos grupos em um mesmo ano em vez de comparar os grupos
entre os anos. De acordo com o índice, os membros do grupo 4 apresentam a menor
probabilidade de interação entre eles quando comparados aos membros dos outros
grupos. Dessa forma, enquanto a probabilidade dos grupos 1, 2 e 3 de
interagirem entre si possui valor aproximado de 0,3, a do quarto grupo diminui
para 0,2. Esta tendência permanece constante em todos os anos estudados.
Analisando todos os índices da categoria dois grupos, nota-se que há uma
diminuição da segregação da renda na RMSP, sendo mais importante quando
considerada a classe mais pobre, ou seja, pessoas do grupo 1. Existindo uma
segregação baixa ou decrescente deste grupo em relação aos outros, é possível
dizer que este grupo está sendo menos excluído e que a região tem uma tendência
de ser cada vez mais igualitária.
Para concluir a análise dos índices de segregação, é preciso verificar os
resultados dos índices de múltiplos grupos. Esse estudo será desenvolvido no
próximo tópico com o índice de dissimilaridade e o de Gini.
Resultados para os índices de múltiplos grupos
No presente estudo, o foco da categoria de múltiplos grupos correspondeu aos
índices de dissimilaridade e de Gini. Essa categoria gera um valor para cada
índice com o propósito de mostrar a segregação no âmbito do grupo como um todo,
ou seja, os índices mostram a segregação com apenas um grupo que engloba todas
as classes em apenas uma. Dessa forma, os índices serão gerados para o grupo de
municípios da Região Metropolitana de São Paulo.
Com relação ao ID, seu valor foi de 0,0505 em 1994 e 0,0500 em 2009. Desse
modo, constata-se que ele se comportou da mesma forma que as categorias de dois
grupos e de um grupo, em que, para algumas classes específicas, alguns índices
se comportaram de maneira estacionária. Esses indicadores foram: o índice de
segregação (de um grupo) nas classes 1 e 3; o índice de Gini (de um grupo) na
classe 3; e a razão de correlação (de um grupo) na classe 3, entre outros. De
1994 a 1999, o índice aumentou em 1%, mantendo-se estável em 2004, com uma
posterior queda de 1% em 2009.
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O ID mostra a proporção de pessoas que deveriam se mudar para a classe se
tornar mais igualitária. Dessa forma, em 1999, aproximadamente 6,46% da
população da RMSP deveria se mudar para que nessa área a distribuição da renda
fosse igualitária. Para 2009, esta proporção diminui para 5%, valor encontrado
também em 1994. O Gráfico_3 ilustra a evolução do índice ao longo dos anos.
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O índice de Gini apresentou trajetória de queda entre 1994 e 2009, passando de
0,079 para 0,066. Os valores aumentaram de 1994 a 1999, com estabilização em
2004 e posterior queda em 2009. A variação de 2004 até 2009 foi semelhante à
verificada entre 1994 e 1999, com valor próximo a 2%.
Essa diminuição do índice mostra que a segregação reduziu-se de forma
generalizada em todos os municípios estudados. Assim, a distribuição da renda,
segundo os percentis, tornou-se mais igualitária entre 1994 e 2009.
Considerações finais
A segregação espacial pode ser definida como uma distribuição desigual em um
espaço territorial, ou de categorias, dos membros de determinado grupo. Os
índices de segregação são classificados em três grandes grupos: de um grupo, de
dois grupos e de múltiplos grupos.
Em cada classificação existem subdivisões dos indicadores para dividi-los
segundo sua funcionalidade. Para as categorias de um grupo e de dois grupos, os
indicadores são subdivididos em uniformidade, exposição, concentração,
centralização e agrupamento. Já a categoria múltiplos grupos pode ser
subdividida em uniformidade e exposição.
Este artigo teve por objetivo classificar e discorrer sobre as metodologias dos
indicadores de segregação espacial, bem como calcular os índices por faixas de
renda em quatro períodos distintos. A área escolhida foi a RMSP, pelo fato de a
organização geográfica dos municípios desta região se manter constante ao longo
do tempo. O período da amostra compreende de 1994 a 2009, com intervalos de
cinco anos, ou seja, 1994, 1999, 2004 e 2009. O intuito desta análise foi
mostrar o comportamento da segregação das faixas de renda ao longo do tempo.
A amostra de dados utilizou como variável de interesse o rendimento do trabalho
formal para os municípios da RMSP. Os dados foram divididos em percentis de
20%, 50% e 80%. O rendimento dos trabalhadores formais foi obtido a partir da
Rais.
Afim de empiricamente explorar de forma mais eficaz a distribuição da renda
entre esses municípios, foram calculados, além dos índices de segregação, os de
concentração, que posteriormente foram colocados em mapas para visualização
geográfica do comportamento da concentração da renda ao longo dos períodos.
Os principais resultados da categoria de um grupo mostram que, para o índice de
segregação - o mais confiável segundo a literatura -, os valores
para os grupos 1 e 3 permaneceram praticamente constantes entre 1994 e 2009.
Entretanto, o índice de Gini para o grupo 1 cresceu entre 1994 e 2004, com
posterior queda em 2009.
Na categoria de dois grupos fica mais evidente que a segregação entre o grupo 1
e todos os outros grupos está diminuindo segundo o índice de dissimilaridade.
Isso mostra uma aproximação entre os grupos de renda mais baixa com relação aos
de renda mais elevada. Além disso, ocorreu também uma redução de segregação
entre as classes 2 e 3, ou seja, uma aproximação de renda entre estes dois
grupos. Já em relação aos períodos de 1999 e 2004, os índices apresentaram
valores praticamente estacionários.
Por fim, na categoria de múltiplos grupos, o ID apresentou valor constante
entre 1994 e 2009. Entretanto, o índice de Gini teve uma queda de
aproximadamente 1%. Isso mostra um decréscimo das desigualdades de renda entre
os trabalhadores formais.
É pertinente ressaltar que os índices das categorias de um grupo, de dois
grupos e de múltiplos grupos apresentaram valores com tendências semelhantes.
Isso significa que os índices são complementares e o estudo de uma categoria
não substitui a análise das outras. Uma lacuna no artigo que deve ser
preenchida refere-se à estimação da variância para determinar intervalos de
confiança para os indicadores de segregação expostos, com o intuito de analisar
a robustez dos indicadores utilizados.