O uso das taxas de crescimento por idade para identificação das principais
etapas da transição demográfica no Brasil
Introdução
A principal característica de uma população estável é o fato de que todos os
grupos de idade crescem a uma mesma taxa e a estrutura etária não se altera ao
longo do tempo. Por conseguinte, a não estabilidade de uma população pode ser
prontamente identificada por meio de taxas de crescimento distintas entre os
grupos etários. Mais interessante é que a função de taxas específicas de
crescimento por idade observada pode ser utilizada para indicar os processos
que causaram as mudanças na dinâmica demográfica na história recente.
De fato, o conjunto de taxas específicas de crescimento populacional por grupos
de idade, calculadas para um intervalo de tempo curto ' o intervalo
intercensitário, por exemplo ', carrega todas as informações sobre as mudanças
demográficas ocorridas desde o nascimento da mais velha das coortes que estão
sendo observadas (o grupo de idade mais elevada) até o presente. Quanto mais
elevado é o grupo de idade para o qual se calcula a taxa de crescimento, maior
é a carga de informações históricas contida nessa medida. Por conterem toda
essa riqueza de informações e por serem, ao mesmo tempo, facilmente
observáveis, não é de se estranhar que as taxas específicas de crescimento
populacional por idade já tenham sido exploradas para uma série de propósitos.
Bennett e Horiuchi (1981) e Preston e Coale (1982), ao demonstrarem que as
mesmas relações que conectam as funções demográficas na teoria das populações
estáveis podem ser generalizadas para qualquer conjunto de taxas específicas de
crescimento por idade, abriram caminho para várias aplicações. A mais direta
delas é a identificação de padrões históricos de mudanças no comportamento da
fecundidade, mortalidade e migrações, como em Horiuchi e Preston (1988). Outras
aplicações incluem os chamados métodos da variável-r, que permitem a estimação
de medidas de coorte a partir de informações demográficas obtidas em um
intervalo de tempo no qual a população não é estacionária. Entre os exemplos de
utilização desses métodos, destaca-se o cálculo de funções de sobrevivência a
partir de distribuições de decrementos de período ajustadas segundo as taxas
específicas de crescimento (MERLI, 1988; PRESTON, 1987), além da estimação do
tamanho de coortes não extintas a partir dos óbitos de coortes adjacentes e do
crescimento demográfico por idade (COALE; CASELLI, 1990). Nessa mesma linha
metodológica, Preston e Coale (1982) mostraram que, apenas com as taxas
específicas de crescimento e a distribuição observada dos nascimentos segundo
idade das mães, é possível estimar com precisão a taxa líquida de reprodução de
uma população. A estratégia desenvolvida pelos autores foi aplicada por Cai
(2008) para certificar o nível de fecundidade reportado nas estatísticas
chinesas do início deste século. Com base no mesmo método, Preston e Wang
(2007) mediram o efeito da migração internacional nas taxas de crescimento de
longo prazo de vários países e Javique et al. (2013) estimaram as consequências
da migração interna e internacional para a dinâmica populacional das províncias
de Cuba.
Neste trabalho, seguindo os padrões simulados por Horiuchi e Preston (1988),
são analisadas as informações contidas nas taxas de crescimento por grupos de
idade quinquenais, obtidas comparando-se estimativas populacionais para 1970,
1980, 1990, 2000 e 2010, como forma de identificar as principais mudanças
históricas que ocorreram nas variáveis demográficas no Brasil. Nas próximas
seções, primeiramente, são revisadas as principais etapas do processo de
transição demográfica brasileira. Em seguida, descrevem-se o método e os dados
utilizados e são analisados os resultados extraídos pelo uso das taxas
específicas de crescimento. Por fim, discute-se como esse tipo de análise pode
ser útil não apenas para inferir sobre os processos passados da dinâmica
populacional, mas também para a previsão de oscilações futuras nos tamanhos dos
subgrupos populacionais, o que pode ser de grande utilidade para o planejamento
das demandas de subgrupos específicos. Também é indicada a conveniência da
comparação dos perfis etários de taxas de crescimento ao longo do tempo como um
instrumento valioso na verificação da qualidade dos dados censitários.
Antecedentes
As mudanças ao longo das distintas fases da transição demográfica brasileira já
foram bem documentadas na ampla literatura que estabeleceu alguns fatos
básicos, que são descritos a seguir, de forma bastante sucinta. No período de
1940 a 1970, a redução do nível da mortalidade teve como consequência o rápido
declínio da taxa bruta de mortalidade (TBM), em relação à taxa bruta de
natalidade (TBN), o que acelerou o crescimento populacional brasileiro. A
partir da década de 1970, a taxa de crescimento populacional continuou a
aumentar, embora em ritmo decrescente, devido à redução rápida e generalizada
do nível da fecundidade. Entretanto, neste período, a TBN não diminuiu o seu
valor na mesma proporção do declínio do nível da fecundidade, uma vez que um
número crescente de mulheres de coortes anteriores à queda da fecundidade ainda
chegava à idade reprodutiva. Consequentemente, as taxas de crescimento
correntes não sofreram por completo o impacto do decréscimo da fecundidade
(MOREIRA; CARVALHO, 1992). Esse fenômeno, conhecido como inércia populacional,
juntamente com a redução da TBM, manteve a taxa de crescimento ainda bastante
elevada: enquanto a taxa de fecundidade total (TFT) caiu 25,9%, a taxa de
crescimento reduziu-se em apenas 14%. Um declínio mais significativo na taxa de
crescimento, de 21%, foi observado somente entre 1980 e 1991 (CARVALHO, 2004).
As estimativas de Wong e Carvalho (2006), com base no Censo Demográfico de
2000, apontam para a continuidade do declínio sustentado da fecundidade e
sugerem que a mortalidade continuará caindo em todas as idades, havendo, porém,
uma maior redução nas idades mais avançadas. Embora ambas as tendências
acelerem o processo de mudanças na estrutura etária brasileira, envelhecendo a
população, o declínio da fecundidade é considerado o principal responsável
pelas transformações observadas, seguido pelo declínio da mortalidade (MOREIRA,
1997; CARVALHO; GARCIA, 2003; CARVALHO, 2004; CAMARANO, 2002; DIAS JÚNIOR;
COSTA, 2006; WONG; CARVALHO, 2006; CARVALHO; WONG, 2008; MYRRHA, 2009).
Em geral, atribui-se um papel muito pequeno, praticamente nulo, à migração na
transformação recente da estrutura etária da população brasileira. Da segunda
metade do século XIX até os anos 1930, período que antecedeu as grandes
mudanças na fecundidade e mortalidade, o Brasil apresentou saldo migratório '
SM (diferença entre o número de imigrantes e o de emigrantes) ' positivo, em
função do alto fluxo de imigrantes. Mas os fluxos migratórios reduziram de
intensidade entre as décadas de 1930 e 1980, com exceção dos anos que sucederam
a Segunda Grande Guerra, fazendo com que a população brasileira passasse a ser
considerada fechada (BELTRÃO; CAMARANO, 1997). Entre 1980 e 1990, uma mudança
no padrão de migração fez com o que o Brasil experimentasse uma perda líquida
de aproximadamente 1,6% da população com mais de dez anos de idade (CARVALHO,
1996). Nos anos 1990, o SM internacional do Brasil foi consideravelmente menor
do que na década anterior (apenas 0,4% da população total), mas permaneceu
negativo, uma vez que o número de emigrantes brasileiros continuou mais elevado
do que o de imigrantes (CARVALHO; CAMPOS, 2006).
Poucos são os estudos que, de fato, mensuraram sistematicamente a contribuição
dos componentes da dinâmica demográfica sobre o processo de mudança da
estrutura etária brasileira. Moreira (1997) projetou a população total do país,
entre 1995 e 2020, segundo diferentes cenários para os componentes
demográficos, de forma a isolar o efeito de cada uma delas sobre as mudanças na
estrutura etária. Os resultados do estudo demonstraram que a fecundidade é o
componente definidor da variação da estrutura etária brasileira neste período.
Fígoli e Wong (2003) mediram o momentum populacional em cinco países da América
Latina, incluindo o Brasil, segundo diferentes métodos. O exercício mostrou que
o grau de envelhecimento da estrutura etária depende de variações na
fecundidade, de diferenças na história demográfica de cada coorte e também, em
grande medida, do nível inicial de mortalidade e das suposições com relação ao
seu comportamento no futuro. Mais recentemente, Myrrha (2009) mensurou a
variação da idade média da população brasileira segundo diferentes métodos de
decomposição, para avaliar o papel das mudanças nas taxas de fecundidade e
mortalidade. O trabalho da autora confirmou o papel preponderante das mudanças
da fecundidade para o envelhecimento populacional, mas também sugeriu um papel
crescente da mortalidade nas décadas que estão por vir.
Em outro estudo amplamente citado na literatura, Bercovich e Madeira (2004)
examinaram as diferenças nos tamanhos de coortes sucessivas no Brasil, entre
1910 e 2000, com o objetivo de identificar possíveis descontinuidades
demográficas, especialmente aquelas expressas por meio de mudanças no número de
nascimentos. Além disso, as autoras investigaram variações no tamanho absoluto
e relativo da população de jovens adultos em áreas geográficas específicas. Os
resultados encontrados serviram como referência para aplicações em diferentes
áreas do conhecimento (ver, por exemplo, MUNIZ, 2002).
Ao contrário dos estudos anteriores, neste artigo não são medidas as variações
absolutas no tamanho de coortes sucessivas. Seguindo os passos indicados por
Horiuchi e Preston (1988), descritos na seção a seguir, utilizam-se funções de
taxas de crescimento por idade, observadas em períodos recentes, para detectar
os principais fatos que marcaram a história demográfica da população brasileira
no século XX.
Metodologia
O método empregado neste trabalho trata de analisar as mudanças demográficas
das últimas décadas no Brasil, por meio da inspeção do conjunto de taxas
específicas de crescimento populacional, de forma a mapear as possíveis
"marcas" deixadas pela história de cada coorte, como proposto por Horiuchi e
Preston (1988). Essas informações têm sido muito pouco utilizadas, apesar de
estarem amplamente disponíveis; com apenas o número de pessoas em cada idade em
dois pontos no tempo, as taxas de crescimento podem ser diretamente calculadas.
O número de pessoas por grupo etário e período utilizado para o cálculo das
taxas específicas de crescimento ' daqui em diante designadas TECs ' é
proveniente de estimativas da população brasileira fornecidas pelo Centro
Latino Americano e Caribenho de Demografia das Nações Unidas (Celade), para os
anos de 1970, 1980, 1990, 2000 e 2010. As estimativas têm como base as
informações dos Censos Demográficos realizados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Os dados censitários originais foram ajustados
pelos pesquisadores do Celade, com o objetivo de evitar omissões e
inconsistências temporais (CELADE, 2011). As TECs foram calculadas com base na
equação de crescimento exponencial que assume uma taxa de crescimento
populacional constante no intervalo de tempo em estudo (PRESTON et al., 2001):
onde: r(a,t) é taxa de crescimento do grupo etário a; Na(t) corresponde à
população do grupo etário a no período (t); Na(t+n)é a população do grupo
etário a no período (t+n); e n refere-se ao período intercensitário.
Horiuchi e Preston (1988) apresentam alguns conjuntos hipotéticos de funções de
taxas específicas de crescimento que correspondem a cenários estilizados de
mudanças demográficas, descrevendo, assim, um padrão típico de curvas de taxas
específicas de crescimento para cada tipo de mudança demográfica isoladamente.
Tendo como ponto de partida uma população estável hipotética, os autores
simularam três cenários alternativos de declínio da mortalidade (moderado,
rápido e declínio interrompido 30 anos após seu início), mantendo a fecundidade
constante, além de um cenário com declínio da fecundidade, mantendo mortalidade
constante. São reproduzidos aqui os resultados do primeiro cenário de queda da
mortalidade (declínio moderado) e o de queda da fecundidade, uma vez que eles
representam referências claras para a interpretação dos perfis de taxas
específicas de crescimento, observados para a população brasileira1.
Com uma tabela de vida do Modelo Oeste, expectativa de vida de 40 anos,
fecundidade constante e população fechada a migrações, no primeiro cenário,
simulou-se o efeito puro de um declínio da mortalidade contínuo, a um ritmo de
0,5 ano de ganho na esperança de vida ao nascer por ano-calendário. Neste
cenário de redução moderada da mortalidade, as curvas de taxas específicas de
crescimento foram observadas em quatro intervalos de períodos: 10 a 15 anos, 25
a 30 anos, 45 a 50 anos e 70 a 75 anos após o início da mudança. O Gráfico_1
apresenta os resultados para cada período de observação. Ao longo do tempo, as
taxas específicas de crescimento aumentam para todas as idades, havendo, no
entanto, uma mudança significativa no perfil da curva. No período de 10 a 15
anos após o início do declínio, identifica-se um perfil em forma de U. Seguindo
a estrutura típica da função de mortalidade por idade e considerando um nível
inicial de mortalidade bastante elevada, este padrão corresponde ao fato de que
as crianças que nascem ou que ainda estão na primeira infância logo após o
início de queda da mortalidade tendem a ser fortemente afetadas. Os adultos
também são crescentemente afetados, à medida que a idade aumenta. Os menos
beneficiados pelo declínio são as crianças que tinham entre 5 e 9 anos no
início da mudança. Com a extensão dos ganhos de longevidade no primeiro ano de
vida para todas as novas coortes e o envelhecimento das primeiras coortes
beneficiadas, o perfil vai se tornando mais horizontal. Vale notar que a taxa
de crescimento permanece elevada para a coorte que primeiro se beneficiou da
redução da mortalidade infantil, relativamente às coortes mais jovens, uma vez
que, com a continuidade do processo de declínio no nível de mortalidade geral,
o decréscimo nas taxas específicas de mortalidade nas idades mais jovens torna-
se relativamente menor. Além disso, é entre os mais velhos que vão se
concentrar as maiores taxas de crescimento, em função de o padrão de ganhos de
longevidade tornar-se cada vez mais restrito às idades avançadas, levando ao
envelhecimento populacional.
No cenário de queda da fecundidade (Gráfico_2) mantendo a mortalidade
constante, os efeitos sobre a função de taxas específicas de crescimento são
mais diretos. No primeiro ano em que a fecundidade começa a declinar, a partir
de uma população previamente estável, a coorte com menos de um ano exibe uma
taxa de crescimento menor do que das coortes mais velhas. Após 15 anos de queda
da fecundidade, toda a população menor de 15 anos está registrando taxas de
crescimento menores do que no cenário de estabilidade. Além disso, a partir
desse ponto, a coorte que experimentou taxas menores de crescimento em função
dos declínios na fecundidade entra em idade reprodutiva, o que diminui ainda
mais a taxa de crescimento das coortes que estão nascendo. Nos primeiros anos
de queda, a população em idade reprodutiva está crescendo a uma taxa que,
aproximadamente, compensa o declínio anual das taxas específicas de
fecundidade, produzindo um breve período de crescimento zero nos nascimentos2.
Como mostram as curvas referentes aos períodos de tempo mais distantes (25-30
anos ou mais), quando as coortes nascidas do crescimento zero entram na idade
reprodutiva, o número absoluto de nascimentos começa a diminuir e as taxas
específicas de crescimento se tornam negativas.
Resultados
O Gráfico_3 apresenta a função de taxas específicas de crescimento por idade
para o período entre 1970 e 1980. Com o auxílio de um diagrama de Lexis (Figura
1), foram estabelecidas associações entre o padrão da curva de taxas de
crescimento do Gráfico_3 e as mudanças demográficas subjacentes, identificando
as coortes que vivenciaram as principais mudanças, bem como o provável momento
de sua ocorrência. No diagrama estão representadas as coortes cujos
comportamentos das TECs deseja-se aqui chamar a atenção. São quatro as
evidências mais relevantes enumeradas no diagrama e descritas a seguir.
1. Conforme discutido no Gráfico_1, mudanças nas taxas específicas de
mortalidade tendem a afetar mais fortemente os grupos de idade mais
jovens e os mais velhos, com o que se espera encontrar, nos estágios
iniciais de queda da mortalidade, um padrão em forma de U para as
taxas específicas de crescimento (Horiuchi; PRESTON, 1988, p. 433),
que indicaria as coortes mais beneficiadas pelo processo. Com efeito,
pode-se identificar esse formato de curva em U no Gráfico_3, do grupo
etário de 25-29 anos até as idades mais velhas. Além disso, o pico da
TEC no grupo de 25-29 anos, no Gráfico_3, pode ser associado à
acentuada queda da mortalidade infantil ocorrida entre as décadas de
1940 e 1950 (pós-guerra)3.
2. No Gráfico_3, o ponto mais baixo da curva em forma de U, originada
pela queda da mortalidade, corresponde ao grupo etário de 40-44 anos.
Essa seria, então, a coorte que menos se beneficiou da redução da
mortalidade, uma vez que, quando o processo começou, as pessoas dessa
coorte já tinham vencido a primeira infância e não eram ainda
suficientemente adultas para se beneficiar dos ganhos em longevidade.
Dito de outra forma, esta coorte estava no ponto mais baixo (e menos
sensível) da curva de mortalidade por idade. É com base nessa lógica
que Horiuchi e Preston (1988) propõem que a duração do declínio da
mortalidade pode ser identificada pela subtração de 7,5 anos (ponto
médio do grupo etário de menor nível de mortalidade) da idade que
representa o ponto mínimo da curva das TECs. De acordo com essa
proposição, a duração da queda da mortalidade pode ser calculada da
seguinte forma: 42,5 (ponto médio do grupo etário 40 a 44 anos) ' 7,5
= 35 anos. Assim, considerando 1975 o ponto médio do período
analisado, a queda da mortalidade teria se intensificado a partir de
1940 (ou seja, 35 anos antes de 1975), reiterando os achados da
literatura sobre o início da transição da mortalidade no Brasil
(IBGE, 1999). No Gráfico_4, que apresenta as curvas referentes aos
períodos 1980-1990,1990-2000 e 2000-2010, observa-se que essa curva
em "U" se desloca para os grupos etários subsequentes, mantendo o
mesmo padrão de comportamento descrito até aqui. Isso corrobora a
noção de que as marcas de fenômenos demográficos que afetam a
história de uma coorte ficam impressas por longos períodos, podendo
ser utilizadas como fonte de informação histórica, muitas décadas
depois.
3. Voltando ao Gráfico_3, observa-se haver um segundo pico de TEC
para o grupo etário de 50-54 anos no período 1970-80, o qual
corresponde a um expressivo crescimento do tamanho da coorte nascida
em 1925-30 em relação àquela nascida em 1915-20. As mudanças
demográficas responsáveis por tal comportamento devem ser objeto de
pesquisa mais detalhada, já que correspondem a coortes nascidas em um
período da história menos documentado da população brasileira. De
qualquer forma, é possível que este crescimento reflita, em menor
escala, alguma queda da mortalidade ao longo de vida dessa coorte '
especialmente durante o período de maternidade ' e, em maior escala,
o afluxo de imigrantes adultos jovens ao Brasil no pós-Segunda
Guerra. Além disso, vale notar que a elevada TEC do grupo de 25-29
anos, descrita no item anterior, pode estar indiretamente relacionada
à alta taxa de crescimento do grupo de 50-54 anos. Assumindo-se uma
idade média à maternidade de 25 anos, parte do crescimento da coorte
de 25-29 anos, em 1970-1980, seria efeito indireto do aumento no
número de progenitores representados pelo grupo de 50 a 54 anos.
4. A faixa etária de 10-14 anos apresenta uma acentuação no padrão de
redução das TECs desde o grupo de 25-29 anos. Essa mudança
corresponde à queda da natalidade, em função da transição de
fecundidade, que começa a reduzir o crescimento das coortes de
nascidos entre 1955-60 e 1965-70. Mais acentuado, ainda, é o declínio
verificado entre as coortes nascidas nos períodos 1960-65 e 1970-75
(taxa de crescimento do grupo 5 a 9 anos no Gráfico_3). Uma taxa de
crescimento mais elevada para o grupo etário 0-4 anos sugere, em
primeiro lugar, o arrefecimento da queda da natalidade no final dos
anos 1970, já que é nesse período que nasceram os filhos das gerações
cujo crescimento populacional mais do que compensou a queda no número
de filhos tidos por mulher. Este efeito estaria retratado na
correspondência entre as elevadas TECs para os grupos de 25 a 29 e 0
a 4 anos, aproximadamente gerações de mães e filhos. Além disso, a
maior TEC para o grupo de 0 a 4 anos também é consistente com a
aceleração na queda da mortalidade infantil a partir dos anos 1970,
depois de um período de estagnação durante a década de 1960, conforme
relatos na literatura (IBGE, 1999).
[/img/revistas/rbepop/v31n2/a02grf04.jpg]
O Gráfico_4 traz evidências adicionais quanto ao processo de queda da
fecundidade. A combinação entre a diminuição do número de filhos tidos por
mulher e a redução da população em idade reprodutiva faz com que a taxa de
crescimento dos grupos com menos de dez anos de idade sejam negativas pela
primeira vez no período 1990-2000. Em outras palavras, uma TEC negativa para o
grupo 5-9 anos na curva de 1990-2000 indica que foi entre 1990 e 1995 que se
deu, pela primeira vez no país, uma queda no número absoluto de nascimentos,
certamente porque foi nesse período que chegaram à idade reprodutiva as
mulheres nascidas sob o regime de fecundidade declinante. Na curva referente às
TECs de 2000-2010, esta taxa negativa reaparece para o grupo etário 15-19 anos,
confirmando o mesmo, ou seja, entre 15 a 19 anos antes de 2010, ou seja, entre
1990 e 1995, o número de nascimentos começou a decrescer no Brasil.
Adicionalmente, as TECs do Gráfico_4 mostram também que os chamados efeitos de
"ecos demográficos" causam oscilações no número de nascimentos e acabam por
gravar suas marcas por toda a pirâmide etária. Nota-se que a TEC de 1990-2000
relativa ao grupo 0-4 anos assume um valor próximo de 0 (zero), indicando que
entre 1995 e 2000 houve um aumento do número de nascimentos com relação ao
período anterior. Essa reversão na tendência de queda é facilmente explicada
quando se observa a correspondência inequívoca entre os aumentos das TECs dos
grupos de 0-4 e 15-19 anos de idade, ou seja, idades correspondentes aos
nascimentos e à entrada das mulheres no período reprodutivo. As mesmas
evidências se apresentam na curva relativa ao período 2000-2010, com as idades
deslocadas em dez anos.
Utilidades práticas dos perfis das TECs
Evidentemente, as "marcas" encontradas nas curvas das TECs apenas confirmam o
que se sabe por outros caminhos sobre a história demográfica recente do Brasil.
No entanto, a intenção neste trabalho é elucidar como as TECs podem se
constituir numa poderosa ferramenta de conhecimento da história demográfica, na
ausência de outras evidências. Supondo-se, por exemplo, que não houvesse, no
Brasil, censos populacionais confiáveis antes de 1990 e que pouco se soubesse
sobre a dinâmica demográfica anterior, com base apenas na análise dos perfis de
taxas de crescimento dos períodos 1990-2000 e 2000-2010 ' que são inteiramente
consistentes entre si ', seria possível inferir que o declínio da mortalidade
teria se iniciado na década de 1940 e a queda da fecundidade, na de 1960.
Além do conhecimento retrospectivo, as TECs também auxiliam na previsão das
oscilações populacionais futuras de curto prazo, já que, com base nos seus
perfis, pode-se prever, com chances mínimas de erros, qual é o crescimento
esperado para os subgrupos etários específicos da população. Assim, espera-se
que, quando compararmos o Censo de 2020 com o de 2010, o grupo que terá maior
TEC, excluindo o grupo aberto de 80 anos e mais, será o de 65-69 anos e, no
Censo de 2030, o de 75-79 anos, potencializando o efeito do envelhecimento
populacional causado pela queda dos nascimentos, com a chegada a estas faixas
etárias da coorte mais impactada pelo início da queda da mortalidade. Sabe-se
também que, entre os adultos acima de 20 anos, o grupo etário de menor
crescimento no período 2010-2020 é o de 35-39 anos, precisamente o que teve
menor taxa de crescimento no período 2000-2010. Previsões desse tipo são uma
aplicação direta das funções de TECs ao longo do tempo e ajudam a explicar os
"zigue-zagues" da pirâmide etária de uma população, muitas vezes mal
compreendidos pelo analista leigo. Nesse sentido, vale ressaltar que a análise
a partir das taxas de crescimento evidencia uma dimensão menos estática da
distribuição etária da população, que não é automaticamente obtida a partir do
exame das pirâmides etárias, qual seja, a variação do tamanho dos grupos de
idade ao longo do tempo.
Finalmente, é oportuno destacar também que os perfis etários das TECs podem ser
muito úteis na verificação da qualidade dos dados censitários. Como observado
na seção metodológica deste trabalho, optou-se por utilizar os dados
censitários produzidos pelo IBGE e ajustados pelo Celade. Se, em vez destes
dados ajustados, tivessem sido usados os dados censitários coletados
diretamente pelo IBGE, sem qualquer correção, seriam obtidos os resultados
apresentados no Gráfico_5. Comparando-se os perfis exibidos nos Gráficos_4 e 5,
é fácil perceber que as TECs obtidas diretamente dos Censos são menos
consistentes e sugerem haver algum tipo de erro nos dados, já que dificilmente
a dinâmica demográfica ' ou seja, os comportamentos de fecundidade, mortalidade
e migração ' por si só pode explicar tais resultados.
[/img/revistas/rbepop/v31n2/a02grf05.jpg]
Na ausência de problemas na qualidade dos dados, as TECs de censos sucessivos
devem ter um comportamento previsível e bastante estável. Por exemplo, tomando-
se o primeiro ponto da curva de TECs de 1980-1990, referente ao grupo de 0-
4 anos, deve-se esperar que, se os dados tiverem qualidade perfeita e a
população for fechada, a diferença entre esta taxa e a observada no grupo de
10-14 anos na curva referente ao período 1990-2000, bem como a verificada no
grupo de 20-24 anos na curva de 2000-2010, deverá corresponder a apenas o
efeito da mortalidade que atuou diferenciadamente para as duas coortes que
estão sendo comparadas, a de 0-4 anos em 1980 e a de 0-4 anos em 1990.
Considerando que a diferença no número de nascimentos já está captada na TEC do
grupo de 0-4 anos, se houvesse rigorosamente o mesmo regime de mortalidade para
ambas as coortes, deveriam ser encontrados valores idênticos para TEC do grupo
10-14 anos, no período 1990-2000, e a TEC do grupo 20-24, no período 2000-2010.
Considerando, mais realisticamente, que a mortalidade continua em declínio, mas
que o período de tempo transcorrido entre as experiências das duas coortes é
reduzido, pode-se aceitar apenas uma TEC ligeiramente ascendente, o que é
observado no Gráfico_4. No entanto, no Gráfico_5, relativo aos dados
censitários sem correções, as variações nas TECs correspondentes são muito
maiores. Atentando-se novamente para o grupo 0-4 anos no período 1980-1990,
verifica-se que a TEC é ligeiramente negativa, tornando-se positiva no ponto
correspondente na curva do período de 1990-2000, ou seja, na idade 10-14 anos.
Ora, se estes valores pudessem ser explicados apenas pela dinâmica demográfica,
isso indicaria que a redução no número de crianças de 0 a 4 anos, entre 1980 e
1990, teria sido compensada por uma espetacular queda na mortalidade infanto-
juvenil entre coortes vizinhas (crianças de 0-4 anos em 1980 e em 1990), que
tornaria a coorte mais velha maior do que a mais jovem. E procedendo com a
análise para grupos etários posteriores, encontram-se novos aumentos das TECs
que seriam ainda menos prováveis, nas idades adultas em que não há reduções de
mortalidade que possam afetar significativamente coortes vizinhas.
A exceção fica por conta das idades acima de 70 anos, já que as TECs desses
grupos etários são mais afetadas pelo decréscimo no nível geral de mortalidade
do que a dos grupos adultos mais jovens, como demonstram as simulações do
Gráfico_1, realizadas por Horiuchi e Preston (1988). Ou seja, nas idades mais
avançadas, espera-se, de fato, um aumento das taxas de crescimento entre
coortes de mesma idade em décadas sucessivas. Embora esse padrão possa ser
observado tanto para as estimativas do Celade quanto para os dados censitários,
ainda assim há discrepâncias entre as duas fontes. A mais importante delas é a
redução na taxa de crescimento do grupo aberto de 80 anos e mais nos sucessivos
períodos intercensitários, padrão que não se observa nas estimativas produzidas
pelo Celade: a TEC diminui de 5,9% para 4,7% quando calculada com os dados
censitários, ao passo que ela aumenta de 3,5% para 5,9% pelas estimativas do
Celade. Essa diferença parece ser explicada por taxas intercensitárias que são
especialmente mais altas no período 1991-1980 nos dados censitários.
A comparação das TECs nas duas fontes de dados fica ainda mais evidente no
Gráfico_6. Em cada ponto no eixo das abscissas, estão representadas as taxas de
crescimento entre coortes de mesma idade em décadas sucessivas. Os dois painéis
ilustram com clareza a maior variabilidade das TECs, ao longo das décadas,
quando utilizados os dados censitários; resultado que corrobora o que havia
sido analisado anteriormente. O ponto 11, por exemplo, corresponde à taxa de
crescimento entre as coortes que têm idade 50-54 anos em 1980 e 1990, 60-64
anos em 1990 e 2000 e 70-74 anos em 2000 e 2010. Nesse caso, a TEC aumenta de
0,024 para 0,029 nos dados do Celade, comparado a uma elevação
significativamente maior, de 0,021 para 0,031, nos dados censitários. Mais uma
vez, a exceção fica por conta das idades mais velhas, em que era esperado
exatamente o efeito inverso, isto é, uma maior variação do que a apresentada
pelos dados censitários.
Considerações finais
A estrutura etária de uma população carrega, por muitas décadas, as marcas da
dinâmica demográfica passada. Em geral, os estudos limitam-se a analisar a
distribuição de pessoas por idade, em diferentes pontos no tempo. Uma
alternativa metodológica complementar para desvendar a dinâmica demográfica
passada é examinar funções de taxas de crescimento populacional específicas por
idade em determinado período de tempo, como sugerem Horiuchi e Preston (1988).
A principal vantagem desse tipo de análise é sua simplicidade e a facilidade de
se obter um grande conteúdo de informações históricas, a partir de taxas de
crescimento calculadas com base apenas em dois censos recentes e do
conhecimento prévio dos padrões típicos de efeito das mudanças demográficas
sobre essas taxas.
Neste trabalho, analisaram-se as funções de taxas de crescimento por idade da
população brasileira nos períodos de 1970 a 1980, 1980 a 1990, 1990 a 2000 e
2000 a 2010, identificando a fase de início da queda da mortalidade, nos anos
1940, o período do início de redução da natalidade, na década de 1960, e o
provável efeito do afluxo de imigrantes internacionais jovens adultos, no
segundo quinquênio dos anos 1940 (pós-guerra).
Vale notar que o exame dos perfis das TECs auxilia diretamente no entendimento
de como as variáveis demográficas concorrem para o envelhecimento da estrutura
etária. Verifica-se que o declínio da mortalidade produz efeitos em ambas as
direções: por um lado, gera taxas específicas de crescimento mais elevadas para
as idades mais velhas relativamente às mais jovens, contribuindo assim para o
envelhecimento da população; por outro lado, causa forte descontinuidade
positiva no crescimento das coortes nascidas logo após o início do declínio,
rejuvenescendo a população, embora esse efeito tenda a ser neutralizado à
medida que o tempo passa e essa coorte envelhece. Quanto ao efeito da queda da
fecundidade, verificou-se que, uma vez iniciado o seu processo, as taxas de
crescimento dos grupos etários mais jovens declinam rapidamente e o peso desse
componente passa a ser muito mais determinante para o envelhecimento do que o
da queda da mortalidade, com os grupos mais jovens experimentando taxas de
crescimento cada vez mais negativas.
Toda essa análise sugere que as taxas específicas de crescimento, facilmente
extraídas das informações censitárias atuais, são bastante informativas com
relação à história demográfica das coortes e devem ser mais bem exploradas,
podendo ser de grande utilidade quando as tendências dos eventos demográficos
históricos não são conhecidas ou as informações não são confiáveis.
As taxas de crescimento também são úteis ao indicarem o provável ritmo de
crescimento de grupos de idade específicos, no futuro. Além disso, sua análise
sugere possíveis inconsistências nos dados populacionais por idade, ao longo do
tempo. Não se pretende, aqui, discutir a validade e adequação dos ajustes
realizados pela equipe técnica do Celade em suas estimativas. A intenção desse
estudo foi apenas apontar que a análise da variável r presta-se, também, para
elucidar possíveis problemas de qualidade dos dados censitários brutos. Neste
contexto, uma questão a ser mais bem examinada é a mortalidade de idosos. Os
deslocamentos das curvas de TECs para esses grupos indicam ganhos expressivos
nos períodos mais recentes, mas seria necessário averiguar o quanto dessa
variação deve-se à qualidade dos dados e quanto, de fato, espelha a verdadeira
variação nas taxas de mortalidade em idades avançadas.