Envelhecimento populacional, gratuidades no transporte público e seus efeitos
sobre as tarifas na Região Metropolitana de São Paulo
Introdução
A revisão recente das projeções populacionais do Brasil feitas pelo IBGE_(2013)
reforça a preocupação de demógrafos quanto aos desafios que o país enfrentará
nas próximas décadas, devido ao seu acelerado processo de envelhecimento
populacional. A literatura demográfica nacional tem se concentrado,
particularmente, em discutir questões que deverão ser enfrentadas nas áreas de
saúde, seguridade social, cuidados e mercado de trabalho (CAMARANO,_2004; WONG;
CARVALHO,_2006; BERENSTEIN;_WAJNMAN,_2008; CAMARANO;_KANSO,_2011).
Pouca atenção, no entanto, está sendo dada aos desafios que o envelhecimento
populacional deverá acarretar para as questões de transporte urbano no país. No
caso brasileiro, em particular, merece destaque a existência de um quadro
normativo-legal que define como direito fundamental da população de 65 anos e
mais de idade o acesso gratuito aos serviços de transporte coletivo urbano.
Esse direito passou a ter validade em todo o território nacional a partir da
Constituição Federal de 1988 e foi posteriormente ratificado em lei federal
pelo Estatuto do Idoso (ANTP,_2005; BRASIL,_2003, 2008).1
Via de regra, tanto a isenção para os idosos quanto outros descontos usufruídos
por outros grupos sociais (estudantes, carteiros, policiais, pessoas com
deficiência, etc.) são financiados por subsídios cruzados. Isso significa que o
custo de suas viagens é incorporado ao valor final da tarifa paga pelos demais
usuários do sistema de transporte público. A consequência mais imediata desse
modelo de financiamento são tarifas mais caras (ANTP,_2005; CARVALHO;_PEREIRA,
2012; CARVALHO_et_al.,_2013). Indiretamente, esse encarecimento tende a reduzir
o número de pessoas que estariam dispostas a utilizar o transporte público pelo
preço mais alto cobrado (GOMIDE,_2003). Estas seriam pessoas não idosas, que
estariam financiando o transporte das idosas, reforçando os estudos de
transferências intergeracionais que apontam que estas constituem a principal
fonte de consumo de idosos e crianças.
Turra,_Queiroz_e_Rios-Neto_(2011) chamam a atenção para as idiossincrasias das
transferências intergeracionais no Brasil, referentes às maiores transferências
intergeracionais públicas feitas para idosos em comparação às das crianças.
Mas, enquanto as transferências públicas são financiadas principalmente pela
população trabalhadora como um todo, no sistema de financiamento do transporte
público com subsídios cruzados essas transferências são feitas exclusivamente
pelos passageiros pagantes do transporte público, que são predominantemente de
baixa renda (GOMIDE,_2003; CARVALHO_et_al.,_2013).
Nesse contexto, o objetivo do presente estudo é estimar qual será o efeito do
envelhecimento populacional sobre o perfil etário dos usuários de um sistema de
transporte público no Brasil e o seu desdobramento sobre o valor cobrado nas
tarifas. Considerando diferentes anos de projeção populacional (2020, 2030 e
2050), adaptou-se a técnica de padronização direta para simular as mudanças
esperadas na composição das viagens do sistema de transporte, em termos de
passageiros pagantes e não pagantes. Assim, foi possível estimar também o
aumento do peso que os subsídios cruzados teriam sobre o preço final das
passagens diante dos possíveis cenários projetados de envelhecimento
populacional.
As análises desse trabalho tomaram a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)
como estudo de caso, por se tratar da maior região metropolitana brasileira e
para a qual há boa disponibilidade de dados detalhados sobre transporte urbano
e projeções demográficas. Foram utilizados dados da Pesquisa Origem-Destino
(OD) realizada em 2007 na RMSP (METRÔ,_2008), além dos resultados de projeções
demográficas oficiais elaboradas pela Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados (Seade) do Estado de São Paulo e pelo IBGE_(2013).
A seguir discorre-se sobre a noção de envelhecimento a partir da ótica
demográfica. Posteriormente apresentam-se a metodologia utilizada neste estudo
e os resultados encontrados. Por fim são feitas algumas considerações finais.
Abordagens sobre envelhecimento populacional na literatura de transporte e
demográfica
Embora haja uma vasta bibliografia nacional e internacional sobre
envelhecimento e transporte urbano, essa literatura se foca fundamentalmente na
questão do envelhecimento individual, relacionado à extensão da longevidade das
pessoas. Em larga medida, os estudos se debruçam sobre como a idade avançada
das pessoas molda suas experiências individuais de mobilidade urbana em termos
de frequência de deslocamentos, modos de transportes e dificuldades de
locomoção nos seus deslocamentos diários (METZ,_2003; MERCADO_et_al.,_2007;
PAEZ_et_al.,_2007; MARANDOLA_JR.;_HOGAN,_2008; SCHWANEN;_PAEZ,_2010; WASFI_et
al.,_2012). Tais trabalhos apontam que, em média, a população idosa tende a
realizar um menor número de viagens por dia, com menos atividade no período
noturno e fora dos horários de pico, percorrendo menores distâncias e usando
menos o automóvel do que pessoas mais jovens. Como destacam os autores, essas
diferenças refletem, em larga medida, o efeito da aposentadoria e das
dificuldades de locomoção acarretadas pelo avançar da idade sobre as mudanças
no estilo de vida e na participação de atividades extradomiciliares. Roberts_e
Babinard_(2004) também indicam que diversas iniciativas do Banco Mundial de
apoio às políticas de transporte urbano em países em desenvolvimento têm se
focado sobre as questões de promoção de acessibilidade para idosos e pessoas
com alguma deficiência.
No Brasil, alguns estudos têm discutido os desafios que o envelhecimento
populacional coloca em termos de segurança no trânsito, para as necessidades de
adequação da frota de transporte público e do mobiliário urbano, visando
melhorar as condições de acessibilidade das cidades para populações idosa e
portadora de deficiência (SANT'ANNA_et_al.,_2003, 2004; OLIVEIRA_et_al.,_2012).
A importância que essa questão assume na agenda pública nacional também fica
evidenciada pelo conjunto de leis e decretos que tratam do assunto
estabelecendo normas gerais e critérios básicos de acessibilidade, como a
Política Nacional do Idoso (Decreto n. 1.948/1996), o Estatuto das Pessoas com
Deficiência (Decreto n. 3.298/1999), a Lei de Acessibilidade (Lei n. 10.098/
2000) e o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003).
Contudo, em contraste com esta literatura que aborda o envelhecimento do ponto
de vista do ciclo de vida do indivíduo que chega a idades avançadas, pouca
atenção tem sido dada à questão mais ampla do envelhecimento populacional e aos
efeitos econômicos que este processo deverá exercer sobre os serviços de
transporte público urbano no país. O envelhecimento populacional é a mudança no
peso relativo que cada grupo etário assume no conjunto da população, com a
redução da proporção de pessoas em idades jovens e aumento nas idades mais
avançadas. No caso brasileiro, o envelhecimento populacional vem ocorrendo em
ritmo acelerado quando comparado a outros países (WONG;_CARVALHO,_2006). Esse
processo decorre, primeiramente, da acelerada queda das taxas de fecundidade
(envelhecimento pela base), que foi seguida por um envelhecimento pelo topo,
isto é, pela redução dos níveis de mortalidade nas idades mais avançadas
(CAMARANO; KANSO, 2009).
O Gráfico_1 mostra como as estruturas etárias da população do Brasil e da RMSP
vêm se modificando desde a década de 1980, bem como a participação dos grandes
grupos etários estimada até 2050, segundo as projeções oficiais da Fundação
Seade_(2012) e do IBGE_(2013). Apesar de a RM de São Paulo ser umas das
aglomerações urbanas mais ricas do país e uma das regiões onde mais cedo se
observou o declínio de suas taxas de fecundidade (POTTER_et_al.,_2010), o ritmo
de envelhecimento projetado para a RMSP nas próximas duas décadas se assemelha
muito à projeção estimada para o total do Brasil.
Fonte: Censos
Demográficos 1980, 1991, 2000 e 2010 (IBGE); Projeção Demográfica do Brasil
(IBGE,_2013); Projeção Demográfica de São Paulo (FUNDAÇÃO_SEADE,_2012).
GRÁFICO 1 Distribuição da população, segundo grandes grupos etários Região
Metropolitana de São Paulo e Brasil – 1980-2050
É razoável esperar que a alteração na composição etária da população como um
todo deverá ter desdobramentos na composição etária das viagens realizadas
dentro do sistema de transporte público. Um deles seria o padrão de viagens
observado entre pessoas de idade mais avançada; uma região metropolitana mais
envelhecida poderá significar menos viagens.
Tendo em vista que a concessão de benefícios tarifários no Brasil possui forte
vinculação com o perfil etário dos usuários de transporte coletivo (crianças,
estudantes e idosos), parece importante investigar que efeitos essa alteração
demográfica poderá ter sobre a composição das viagens no transporte público.
Como as mudanças na proporção de viagens pagantes e não pagantes poderá afetar
o preço cobrado das tarifas? O aumento da população idosa, por exemplo, poderia
ser compensado pela diminuição da população jovem estudante?
Metodologia
Em linhas gerais, o total de viagens realizadas diariamente no sistema de
transporte público de uma região metropolitana é resultado da combinação entre
o tamanho total da população residente, a estrutura etária dessa população e o
número médio de viagens realizadas por dia pela população em cada faixa etária
no transporte público (ou seja, o índice de mobilidade específico por idade no
transporte público). A diferença que deverá ser observada entre a composição
etária e o total de viagens na RMSP registradas em determinado ano e as viagens
que deverão ocorrer num momento futuro (por exemplo, em 2020) é uma função das
mudanças que ocorrerão nessas três variáveis dentro desse horizonte temporal.
No presente estudo, pretende-se estimar qual parcela dessa diferença deverá
decorrer, exclusivamente, de uma alteração da estrutura etária da população,
isolando-se o efeito do envelhecimento populacional. Para isso, foram
utilizados os dados da pesquisa Origem-Destino (OD) realizada na RMSP, em 2007.
A coleta de dados da OD foi feita entre agosto e novembro de 2007, com base
numa amostra domiciliar representativa de todos os deslocamentos realizados num
típico dia útil na Região Metropolitana de São Paulo, durante esse período.
Pesquisas Origem/Destino (ODs) são tradicionalmente as fontes de dados mais
completas sobre transporte urbano no Brasil e permitem estimar, entre outras
coisas, o número de viagens realizadas pela população segundo sexo, idade e
modo de transporte utilizado.
A partir dos dados da pesquisa OD, foi possível fazer um exercício de simulação
em duas etapas, de modo semelhante a análises de padronização direta aplicadas
por Wong_e_Carvalho_(2006) e por Berenstein_e_Wajman_(2008). A primeira etapa
consistiu em estimar: a proporção de usuários pagantes e não pagantes no total
de viagens no sistema de transporte público; o peso das gratuidades sobre o
valor das tarifas pagas; e a receita tarifária arrecadada, assumindo-se um
custo médio por viagem constante de R$ 1,00.
Na segunda etapa, esses mesmos indicadores foram calculados assumindo-se que a
população da RMSP em 2007 tivesse a estrutura etária prevista para a região em
2020 e 2030. Adicionalmente, incluiu-se na análise um cenário assumindo a
estrutura etária projetada para o Brasil em 2050. Os resultados foram então
comparados com os valores obtidos na primeira etapa. Dessa forma, tomaram-se
como base nesses cálculos o tamanho total da população em 2007, padronizado
pelas estruturas etárias em 2020, 2030 e 2050, e os índices de mobilidade
específicos por idade no transporte público (IME) observados em 2007.
O presente estudo faz uma adaptação da técnica de padronização direta. Da
maneira como tradicionalmente realizada em trabalhos demográficos, a
padronização direta utiliza a estrutura etária de uma população como padrão de
referência para comparar a incidência de um fenômeno de interesse em populações
com diferentes estruturas etárias. Isso permite anular os efeitos que suas
respectivas estruturas etárias possuem no cômputo das suas taxas brutas,
possibilitando, assim, comparar a incidência pura desse fenômeno nas populações
de interesse (CARVALHO_et_al.,_1998). Este estudo, por sua vez, constrói
simulações contrafactuais que mantêm constantes tanto o tamanho da população da
RMSP quanto os seus índices de mobilidade específicos por idade, e verifica
como as estruturas etárias diferentes projetadas para essa população ao longo
do tempo deverão afetar a composição etária dos passageiros no seu sistema de
transporte. Como as gratuidades no transporte público estão atreladas ao perfil
de idade dos passageiros, essas simulações permitem estimar o efeito puro do
envelhecimento populacional sobre o preço das passagens em um sistema de
subsídios cruzados.
Diante das dificuldades tanto em simular possíveis mudanças nos índices de
mobilidade quanto em prever eventuais transformações geradas por aumentos de
escala ligados ao tamanho da população, tal procedimento parece ser o mais
razoável, permitindo avaliar, ceteris paribus, o impacto puro do envelhecimento
populacional sobre o número médio de viagens, bem como o peso dos benefícios
tarifários sobre o valor da tarifa cobrada.
A seguir são apresentados de maneira mais detalhada os procedimentos
metodológicos utilizados para decomposição do índice de mobilidade e da receita
tarifária. Também é feita uma explicação sumária acerca da técnica de
padronização direta utilizada.
Decomposição do índice de mobilidade bruta
O índice de mobilidade é um indicador tradicionalmente utilizado em estudos na
área de transportes e expressa o número de viagens que uma pessoa faz em média
por dia (VASCONCELLOS,_2001). Sua fórmula de cálculo mais direta é a razão
entre o número total de viagens realizadas em determinada região num típico dia
útil e o tamanho total da população residente. No presente estudo, esse índice
será denominado de índice de mobilidade bruto (IMB), por ser calculado para o
total da população, desconsiderando sua distribuição etária:
[/img/revistas/rbepop/v32n1//0102-3098-rbepop-32-01-0101-e01.jpg]
* Onde:
* IMB: índice de mobilidade bruto;
* vi: número total de viagens do indivíduo i;
* V: número total de viagens;
* n: população residente total.
Para uma análise que incorpore a composição etária da população no seu índice
de mobilidade, é possível construir o índice de mobilidade específico por idade
(IME) ao desagregar os dados para cada faixa etária je expressar o IMB como a
soma ponderada dos IMEs:
[/img/revistas/rbepop/v32n1//0102-3098-rbepop-32-01-0101-e02.jpg]
[/img/revistas/rbepop/v32n1//0102-3098-rbepop-32-01-0101-e03.jpg]
* Onde:
* IMEj: índice de mobilidade específico por idade para a faixa etária j;
* Vj: número total de viagens realizadas pela população pertencente à faixa
etária j;
* nj: população residente pertencente à faixa etária j;
* n: população residente total.
A partir dos dados da Pesquisa Origem-Destino realizada em 2007 na RMSP, é
possível calcular o índice de mobilidade específico por idade (IME) para cada
modo de transporte (i.e., o número médio de viagens que uma pessoa em cada
grupo etário realiza por dia em cada modo de transporte). No caso do presente
estudo, será calculado o índice de mobilidade específico por idade no
transporte público, considerando-se apenas as viagens realizadas por metrô,
trem, ônibus, lotação, micro-ônibus ou vans.
Para o cálculo dos índices de mobilidade, considerou-se no denominador a
população residente na região metropolitana, porque a pesquisa OD entrevista
apenas domicílios dentro do perímetro metropolitano. Isso não permite estimar o
número de pessoas residentes fora da região metropolitana que realizam viagens
dentro do sistema de transporte público da região.2
Simulações
A comparação entre os índices de mobilidade brutos de duas áreas (ou de uma
mesma área em momentos distintos) pode ser enviesada, uma vez que o número
total de viagens observado em uma população é dependente de sua estrutura
etária. Uma maneira de eliminar o efeito da composição etária sobre indicadores
brutos é recorrendo-se à técnica de padronização direta, que permite isolar o
efeito que a estrutura etária possui sobre esse tipo de indicador (CARVALHO_et
al.,_1998; PRESTON_et_al.,_2001).
Nas simulações realizadas no presente estudo, adaptou-se esta técnica de
padronização direta aplicando as taxas de mobilidade específicas por idade
obtidas a partir da OD de 2007 à população total residente na RMSP em 2007,
considerando-se que ela assumiria quatro distribuições etárias distintas: a
própria estrutura observada em 2007; as estruturas etárias estimadas para a
RMSP em 2020 e 2030; e a estrutura projetada para o Brasil em 2050. Ou seja,
apenas o nj das equações_(2) e (3)varia.
Como apontado por Carvalho_et_al._(1998,_p._44), essa simulação assume como
pressuposto que a estrutura etária das taxas de mobilidade seja constante. Isso
quer dizer que não importa se o índice bruto de mobilidade em 2020 será maior
ou menor do que em 2007, desde que a distribuição relativa dessas taxas em cada
faixa etária siga uma constante k. Assim, esse teste permite neutralizar o
efeito que poderia advir de variações do número total de viagens no transporte
público. Com isso, torna-se possível captar as mudanças de composição e
quantidade de viagens pagantes que decorreriam exclusivamente do envelhecimento
populacional que se observará na região.
Entendendo a tarifa e a receita tarifária do transporte público
Via de regra, os custos do transporte público por ônibus no Brasil são cobertos
exclusivamente pela arrecadação tarifária.3 Nesses sistemas, a tarifa de
equilíbrio deve ter um valor no qual a receita total do sistema se iguale ao
seu custo total para que o equilíbrio financeiro do sistema seja alcançado.4
[/img/revistas/rbepop/v32n1//0102-3098-rbepop-32-01-0101-e04.jpg]
* Onde:
* CT: custo total do sistema;
* RT: receita total do sistema;
* T: tarifa cobrada dos usuários para equilibrar financeiramente o sistema;
* PP: passageiros pagantes equivalentes do sistema, ou viagens pagantes
equivalentes do sistema.
A partir da condição de igualdade entre receita e custo, a tarifa de um sistema
é calculada pelo rateio do custo total do sistema de transportes pelo número de
viagens pagantes equivalentes (VP).5 Isso significa que o valor da tarifa de
equilíbrio do sistema será maior quanto maior for a proporção de passageiros
isentos e, consequentemente, menor a proporção de passageiros pagantes.
A equação_(4) pode ser desmembrada, ainda, de maneira a diferenciar os usuários
que efetivamente pagam o valor cheio da tarifa e aqueles que recebem benefícios
tarifários segundo o valor do benefício recebido. Para categorias de usuários,
em que cada categoria recebe um desconto ou benefício tarifário 0<Dk<1, temos:
[/img/revistas/rbepop/v32n1//0102-3098-rbepop-32-01-0101-e05.jpg]
* Onde:
* RT: receita tarifária;
* T: valor cheio da tarifa cobrada;
* Dk: desconto da tarifa (em proporção da tarifa cheia) para passageiros da
categoria kde desconto;
* Vk: número de viagens realizadas por passageiros em cada categoria k de
desconto.
Na prática, existem diversos grupos que recebem benefício tarifário (parcial ou
total), dos quais se destacam crianças, idosos, estudantes, oficiais de
justiça, carteiros, população indígena, guardas metropolitanos, policiais civis
e militares fardados, pessoas com deficiência, entre outros. A definição de
quais grupos recebem o benefício e qual o tamanho deste é feita por legislação
específica de cada município, o que resulta na existência de grande
heterogeneidade de grupos beneficiários em cada cidade, mesmo entre aqueles
municípios pertencentes a uma mesma região metropolitana. A gratuidade para
população acima de 65 anos de idade é o único benefício válido em todo o
território nacional garantido pela Constituição Federal de 1988.
Tendo em vista que o foco deste estudo são os benefícios tarifários diretamente
relacionados às transformações demográficas em curso, optou-se por simplificar
o trabalho de forma a considerar apenas três tipos de usuários: usuários com o
desconto integral (gratuidade) nas viagens, incluindo-se aqui crianças com até
cinco anos de idade e idosos com 65 ou mais anos de idade; usuários com
desconto parcial (de 50%), abarcando as viagens feitas por pessoas em fase
escolar entre 5 e 14 anos de idade; e usuários que pagam o valor cheio da
tarifa sem desconto algum. Em nome da simplicidade, assumiu-se que todas as
viagens realizadas nos modos de transporte público coletivo da RMSP são feitas
por usuários que se enquadram em um desses três grupos.
Partindo do pressuposto de que a estrutura da rede de transporte ofertada não
seria alterada em função do envelhecimento populacional, considera-se então
como premissa que o custo total do sistema não seria alterado, o que
equivaleria a manter a mesma rede de transporte público.6 O custo médio de R$
1,00 escolhido para o ano inicial dos cálculos (2007) é puramente hipotético,
servindo apenas para facilitar a interpretação dos resultados.7 Como se opera
com o pressuposto de que o custo total deve ser equivalente à receita total,
isso implica adotar tarifas que mantenham o equilíbrio do sistema ao fazer com
que a arrecadação total seja equivalente ao custo inicial considerado.
Resultados
De acordo com os dados da pesquisa OD, em 2007 foram realizadas diariamente
cerca de 11.896 viagens internas à região utilizando o transporte público
coletivo como modo principal de viagem. Considerando-se que a estimativa da
população residente na RMSP estava em torno de 19,5 milhões de pessoas, o IMB
no transporte público em 2007 foi de 0,61. Isso significa que uma pessoa
residente na RMSP fazia uma média de 0,61 viagem por dia no sistema de
transporte público. Como apontado anteriormente, a intensidade de utilização do
transporte público varia conforme a idade das pessoas. Isso pode ser
visualizado pelo Gráfico_2, que apresenta o índice de mobilidade específico por
idade no transporte público (IME).
[/img/revistas/rbepop/v32n1//0102-3098-rbepop-32-01-0101-gf02.jpg]Fonte:
Microdados da Pesquisa OD 2007 (Metrô).(1) Inclui metrô, trem, ônibus, lotação,
micro-ônibus e vans.
GRÁFICO 2 Índice de mobilidade específico no transporte público (1), por faixa
etária Região Metropolitana de São Paulo – 2007
A partir das informações do Gráfico_2, podem ser destacadas ao menos três
características marcantes dos usuários do sistema público de transporte.
Primeiro, crianças entre 0 e 14 anos de idade fazem um número muito pequeno de
viagens por dia. Segundo, é no grupo etário de 15 a 54 anos que se observa
maior utilização do transporte público, com um pico entre 20 e 24 anos. De
certa maneira, tais resultados já eram esperados, uma vez que esses dois
períodos do ciclo de vida de uma pessoa estão marcados, respectivamente, por
uma baixa autonomia e por uma maior inserção em atividades de estudo e no
mercado de trabalho, como já apontado por pesquisas anteriores (VASCONCELLOS,
2001; PAEZ_et_al.,_2007; MARANDOLA_JR.;_HOGAN,_2008; SCHWANEN;_PAEZ,_2010;
WASFI_et_al.,_2012).
Um terceiro ponto a ser destacado é que, depois do pico de mobilidade na faixa
entre 20 e 24 anos, observa-se uma queda contínua do IME que é interrompida
somente na passagem da faixa de 60-64 para 65-69 anos. Esse "soluço" aponta
claro aumento do uso do transporte público a partir desse grupo etário e que,
ao que tudo indica, estaria relacionado à gratuidade no transporte público
concedido para a população a partir dos 65 anos de idade. Uma vez que a
utilização desses serviços se torna gratuita a partir dessa idade, é de se
esperar uma ampliação no número de viagens, particularmente daqueles idosos que
não tinham condições de renda para pagar o valor da tarifa, ou daqueles que até
tinham alguma condição financeira, mas não estavam dispostos a pagar o preço
cobrado pelo serviço.
Outra característica a ser analisada nas viagens realizadas no sistema de
transporte público da RMSP é o seu perfil demográfico (Gráfico_3), que
apresentava, em 2007, uma estrutura etária relativamente jovem em comparação à
população total residente na região. Mais de 50% das viagens foram feitas por
pessoas de 15 a 34 anos, contra 7% para o grupo de crianças com menos de cinco
anos e idosos e menos de 4% para estudantes de 5 a 14 anos.
A Tabela_1 apresenta a estrutura etária da população da RMSP em 2007 e as
projeções para essa região em 2020 e 2030 e para o Brasil em 2050. A mudança na
estrutura etária deverá ocorrer de forma gradual. Até 2020, será observada
pequena queda na participação relativa da população de 10 a 29 anos de idade.
Em relação a 2007, a projeção para a RMSP em 2030 prevê uma redução mais
acentuada da população jovem (entre 5 e 29 anos) e um aumento mais expressivo
da população acima de 60 anos de idade. A comparação com a projeção nacional
para 2050 é ainda mais contrastante, com um quadro de envelhecimento
populacional mais acentuado.
[/img/revistas/rbepop/v32n1//0102-3098-rbepop-32-01-0101-gf03.jpg]Fonte:
Microdados da Pesquisa OD 2007 (Metrô).(1) Inclui metrô, trem, ônibus, lotação,
micro-ônibus e vans.
GRÁFICO 3 Distribuição das viagens realizadas no sistema de transporte público
coletivo (1) e da população residente, por sexo, segundo faixas etárias Região
Metropolitana de São Paulo – 2007
TABELA 1 Distribuição da população e projeções, segundo faixas etárias Região
Metropolitana de São Paulo e Brasil – 2007-2050
RMSP Brasil População de 2007 (em mil) padronizada segundo a estrutura
Faixas 2007 2020 2030 2050 etária
etárias
População (em % População (em % População (em % População (em % 2020 2030 2050
mil) mil) mil) mil)
0-4 anos 1.081 5,5 1.417 6,7 1.242 5,6 9.992 4,4 1.310 1.096 862
5-9 anos 1.301 6,7 1.461 6,9 1.314 5,9 10.611 4,7 1.350 1.159 916
10-14 1.475 7,6 1.271 6,0 1.391 6,3 11.246 5,0 1.175 1.227 971
anos
15-19 1.573 8,0 1.396 6,6 1.467 6,6 11.781 5,2 1.290 1.294 1.017
anos
20-24 1.716 8,8 1.677 7,9 1.343 6,1 12.290 5,4 1.550 1.185 1.061
anos
25-29 1.744 8,9 1.632 7,7 1.484 6,7 12.910 5,7 1.508 1.309 1.114
anos
30-34 1.537 7,9 1.759 8,3 1.698 7,7 13.587 6,0 1.625 1.498 1.173
anos
35-39 1.416 7,3 1.801 8,5 1.595 7,2 14.359 6,3 1.664 1.407 1.239
anos
40-44 1.407 7,2 1.672 7,9 1.700 7,7 15.258 6,7 1.545 1.499 1.317
anos
45-49 1.392 7,1 1.473 7,0 1.729 7,8 16.128 7,1 1.361 1.525 1.392
anos
50-54 1.254 6,4 1.339 6,3 1.590 7,2 16.089 7,1 1.237 1.402 1.389
anos
55-59 1.047 5,4 1.184 5,6 1.378 6,2 15.640 6,9 1.095 1.216 1.350
anos
60-64 826 4,2 1.017 4,8 1.222 5,5 15.193 6,7 939 1.078 1.311
anos
65-69 648 3,3 788 3,7 1.042 4,7 14.758 6,5 728 919 1.274
anos
70-74 454 2,3 559 2,6 847 3,8 12.169 5,4 517 747 1.050
anos
75 anos 666 3,0 694 3,0 1.103 5,0 24.337 10,8 641 973 2.100
ou mais
Total 19.535 100,0 21.138 100,0 22.143 100,0 226.348 100,0 19.535 19.535 19.535
Fonte: Microdados da Pesquisa OD 2007; Projeção Demográfica estimada pela
Fundação_Seade_(2012); Projeção Demográfica estimada pelo IBGE_(2013).
A Tabela_2 apresenta o número de viagens no transporte público que se esperaria
observar na RMSP em 2007, caso ela tivesse a mesma estrutura etária estimada
para 2020, 2030 e 2050. Como os IMEs são menores nas idades mais avançadas, as
mudanças demográficas tendem a reduzir o total de viagens em 1,7% (2020), 4,8%
(2030) e 9,5% (2050) em relação a 2007.
TABELA 2 Estimativas do número de viagens realizadas no transporte público (1)
antes e após padronização direta, segundo faixas etárias Região Metropolitana
de São Paulo – 2007-2050
Nº de viagens em Nº de viagens estimadas com estrutura
Faixas 2007 Índice de mobilidade etária
etárias 2007 2020 2030 2050
Em mil % Em mil % Em mil % Em mil %
0-4 anos 80 0,7 0,1 97,5 0,8 81,5 0,7 64,2 0,6
5-9 anos 116 1,0 0,1 120,6 1,0 103,5 0,9 81,8 0,8
10-14 340 2,9 0,2 270,9 2,3 282,9 2,5 223,8 2,1
anos
15-19 1.282 10,8 0,8 1.051,4 9,0 1.054,7 9,3 828,7 7,7
anos
20-24 1.880 15,8 1,1 1.697,9 14,5 1.298,2 11,5 1.162,0 10,8
anos
25-29 1.632 13,7 0,9 1.411,6 12,1 1.224,8 10,8 1.042,7 9,7
anos
30-34 1.327 11,2 0,9 1.403,4 12,0 1.293,6 11,4 1.012,6 9,4
anos
35-39 1.102 9,3 0,8 1.295,1 11,1 1.095,1 9,7 964,6 9,0
anos
40-44 1.014 8,5 0,7 1.113,9 9,5 1.081,2 9,5 949,5 8,8
anos
45-49 831 7,0 0,6 812,5 6,9 910,5 8,0 830,8 7,7
anos
50-54 720 6,1 0,6 710,8 6,1 805,7 7,1 797,7 7,4
anos
55-59 550 4,6 0,5 575,3 4,9 639,1 5,6 709,5 6,6
anos
60-64 376 3,2 0,5 427,4 3,7 490,5 4,3 596,6 5,5
anos
65-69 318 2,7 0,5 357,9 3,1 451,9 4,0 626,2 5,8
anos
70-74 180 1,5 0,4 204,7 1,8 296,1 2,6 416,3 3,9
anos
75 anos 146 1,2 0,2 140,9 1,2 213,9 1,9 461,9 4,3
ou mais
Total 11.896 100,0 0,6 11.692 100,0 11.323 100,0 10.769 100,0
Fonte: Microdados da Pesquisa OD 2007; Projeção Demográfica estimada pela
Fundação Seade (2012); Projeção Demográfica estimada pelo IBGE (2013).
(1)Inclui metrô, trem, ônibus, lotação, micro-ônibus e vans.
Destaca-se ainda que há evidente mudança na composição das viagens, o que pode
ser mais claramente visualizado no Gráfico_4. Pelas estimativas, a porcentagem
de crianças entre 5 e 14 anos – consideradas estudantes que pagam meia tarifa –
cairia levemente, de 3,8% em 2007 para 2,8% em 2050. Por outro lado, a
proporção de passageiros pagantes diminuiria de 90% em 2007 para 87,4% em 2030
e 82,6% em 2050, enquanto a participação no total de viagens dos passageiros
com gratuidade completa (crianças com menos de cinco anos e idosos) aumentaria
de 6,1% em 2007 para 9,2% em 2030 e 14,6% no cenário de 2050.
[/img/revistas/rbepop/v32n1//0102-3098-rbepop-32-01-0101-gf04.jpg]Fonte:
Microdados da Pesquisa OD 2007; Projeção Demográfica estimada pela Fundação
Seade_(2012); Projeção Demográfica estimada pelo IBGE_(2013).(1) Inclui metrô,
trem, ônibus, lotação, micro-ônibus e vans.
GRÁFICO 4 Estimativas do número de viagens realizadas no transporte público (1)
antes e após padronização direta, segundo faixas etárias Região Metropolitana
de São Paulo – 2007-2050
Assim, a redução relativa do número de passageiros jovens que recebem alguma
gratuidade seria pequena demais para compensar o decréscimo da população
pagante e o aumento de passageiros idosos não pagantes. Embora esses resultados
possam sofrer alguma alteração devido a mudanças no nível educacional da região
metropolitana nos próximos anos, essas estimativas resultam, em larga medida,
do fato de que a RMSP já se encontra no estágio de transição demográfica
posterior ao seu bônus demográfico. Segundo estimativas da Fundação_Seade_
(2012), a população da região metropolitana na faixa de idade ativa (15 a 59
anos de idade) e que possui maior participação nas viagens no transporte
público já estaria em trajetória de declino, após ter alcançado seu ápice em
meados de 2010.
A Tabela_3 traduz os resultados anteriores em termos de viagens pagantes
equivalentes e apresenta os impactos sobre o valor das tarifas cobradas. No
cômputo final, observa-se que as viagens pagantes equivalentes, que
representavam 92% do total de viagens em 2007, cairiam para 89,1% em 2030 e 84%
em 2050. Mantido o mecanismo de subsídio cruzado para financiar as gratuidades
no transporte público, essa mudança da composição de passageiros pagantes e não
pagantes acarretaria um sobrepreço do valor da tarifa cobrada. Em 2007, cada
pessoa que fazia uma viagem pagando o valor da tarifa integral estava pagando
um sobrepreço de 8,7% do custo da tarifa para financiar os benefícios
tarifários concedidos a crianças, estudantes e idosos. Com a tendência de
envelhecimento do perfil etário das viagens até 2020, 2030 e 2050, esse
sobrepreço alcançaria 9,3%, 12,3% e 19%, respectivamente.
Os resultados apontam ainda que, mesmo mantendo-se o tamanho total da população
constante, o envelhecimento populacional já seria suficiente para provocar uma
redução futura no total de viagens na comparação com 2007. Essa redução do
número de viagens, por si só, resultaria em aumento de 2% do custo médio por
viagem até 2020, de 5% até 2030 e de 10% até 2050.
TABELA 3 Estimativas das viagens pagantes e gratuitas equivalentes realizadas
no transporte público (1) e indicadores, por anos de padronização da estrutura
etária Região Metropolitana de São Paulo e Brasil – 2007-2050
Viagens e indicadores 2007 RMSP RMSP Brasil
2020 2030 2050
Viagens pagantes equivalentes (A) (%) 92,0 91,5 89,1 84,0
Viagens gratuitas equivalentes (B) (%) 8,0 8,5 10,9 16,0
Sobrepreço em função de benefícios cruzados (B/A) 8,7 9,3 12,3 19,0
Total de viagens (C) 11.896 11.692 11.323 10.769
Custo total do sistema (D) 11.896 11.896 11.896 11.896
Custo médio da viagem (D/C) (%) 100,0 101,7 105,1 110,5
Tarifa de equilíbrio (pagante equivalente) (R$) 1,087 1,11 1,18 1,31
Encarecimento da tarifa de equilíbrio – base 2007 (0,0 2,3 8,5 21,0
Fonte: Microdados da Pesquisa OD 2007; Projeção Demográfica estimada pela
Fundação Seade (2012); Projeção Demográfica estimada pelo IBGE (2013).
(1)Inclui metrô, trem, ônibus, lotação, micro-ônibus e vans.
Mantendo-se os subsídios cruzados e o nível de oferta dos serviços de
transporte público, essa redução do total de viagens, combinada ao aumento da
proporção de viagens não pagantes, tenderia a acarretar aumento no custo médio
da viagem, que seria absorvido com um encarecimento da tarifa de equilíbrio.
Para manter o equilíbrio do sistema, a tarifa cobrada ficaria mais cara em
cerca de 8,5% e 21%, respectivamente, nas projeções para 2030 e 2050, em
relação ao preço base de 2007.
Considerações finais
O aumento das tarifas do transporte público nas cidades brasileiras tem ganhado
crescente atenção por parte da opinião pública e de estudiosos nos últimos anos
(NTU, 2005; BRASIL, 2006; CARVALHO;_PEREIRA,_2012; CARVALHO_et_al.,_2013). O
sistema de financiamento das gratuidades concedidas a determinados segmentos de
passageiros (como idosos e estudantes) tem um papel central nessa discussão,
uma vez que a concessão desses benefícios impacta o preço final da tarifa
cobrada de todos passageiros.
Com base nas projeções populacionais para 2020, 2030 e 2050, o presente
trabalho usou como estudo de caso a Região Metropolitana de São Paulo para
analisar os possíveis impactos que as transformações demográficas em curso na
região poderão exercer sobre o valor da tarifa cobrada no sistema de transporte
público. Os resultados indicam que, no curto prazo, o envelhecimento
populacional projetado para a RMSP até 2020 teria um efeito relativamente
modesto sobre o total de viagens realizadas no transporte público e sua
composição etária. Isso parece coerente com a tendência demográfica geral da
região, que ainda deverá observar, até 2020, uma quase estabilidade de sua
população em idade ativa (15 a 64 anos). No médio e longo prazos, contudo, o
crescimento previsto na porcentagem de passageiros com gratuidades deverá
pressionar um aumento no valor das tarifas de cerca de 8,5% até 2030 e 21% até
2050, caso seja mantido o mecanismo de subsídios cruzados para custear as
gratuidades.
É importante ressaltar que esses valores são resultados estáticos simulando-se
transformações demográficas abruptas. Não obstante, tanto as mudanças
demográficas quanto os ajustes no sistema de transporte público ocorreriam
gradualmente e seguindo a lógica de um sistema dinâmico. Nesse sentido, tais
resultados não devem ser interpretados com um caráter de previsão
determinística, até porque é sabido que projeções populacionais possuem
naturalmente um componente de incerteza. Não se pode esperar que elas prevejam
o futuro acuradamente. As dificuldades crescem quanto menor e mais aberta for a
população projetada, que é o caso da Região Metropolitana de São Paulo. Neste
caso, às dificuldades de prever o futuro da fecundidade, que já atingiu níveis
abaixo de reposição, somam-se as dificuldades de se projetar migrações. A
fecundidade é uma determinante importante do crescimento populacional e,
principalmente, da estrutura etária. Das três variáveis demográficas básicas, a
migração é a de mais difícil previsão, pois é a mais afetada pelas mudanças
socioeconômicas. Ela também afeta a distribuição etária, pois os fluxos são
concentrados nas idades produtivas.
No entanto, as simulações aqui apresentadas são úteis na medida em que apontam
para uma tendência preocupante de aumento da pressão demográfica para a redução
do número de viagens no transporte público e de crescimento do sobrepreço que
as gratuidades exercerão sobre o valor da tarifa integral.
Dadas as atuais perspectivas de envelhecimento demográfico no país, a
manutenção de um modelo de financiamento das gratuidades baseado no sistema de
subsídios cruzados tende a agravar algumas distorções na tarifação desses
serviços e a contribuir para o seu encarecimento. Esse problema poderia ser
evitado, por exemplo, com alternativas de financiamento em que o subsídio a
essas gratuidades é pago diretamente pela autoridade pública às empresas de
transporte, segundo controle de bilhetagem eletrônica, a exemplo da experiência
inglesa (METZ,_2003). Uma rediscussão do modelo atual poderá se beneficiar de
estudos futuros que comparem os modelos de financiamento utilizados em outros
municípios brasileiros e no exterior para custear tais benefícios tarifários,
permitindo a realização de novas simulações incorporando modelos alternativos
de financiamento.
Novos estudos também seriam necessários para simular cenários com diferentes
alterações no padrão dos índices de mobilidade, o que poderia se valer de
comparações internacionais e dos dados históricos das pesquisas OD de São
Paulo, mas que não estão publicamente disponíveis. A replicação deste estudo
para outras aglomerações urbanas no Brasil também parece promissora, uma vez
que as tarifas de transporte público deverão ser impactadas com diferentes
intensidades, a depender das legislações específicas de cada município e dos
seus diferentes ritmos de envelhecimento populacional observados ao longo no
território nacional (POTTER_et_al.,_2010). Mas não se pode deixar de levar em
conta que o objetivo da gratuidade é o de aumentar a integração social do
idoso, evitando, assim, o seu isolamento e os males dele advindo, como a
depressão.
Para além da questão do financiamento do transporte público, o envelhecimento
deverá colocar uma série de outros desafios às áreas como serviços de saúde e
previdência social. No caso da mobilidade urbana, em particular, há uma vasta
área de estudo ainda pouco explorada acerca dos padrões de deslocamento
cotidiano da população idosa no Brasil e o que esses padrões revelam em termos
de necessidades especiais de locomoção e dos desafios de inserção social desse
grupo na mobilidade cotidiana das cidades. Ter uma melhor compreensão das
características dessa demanda por transporte urbano será cada vez mais
importante no país, devido ao crescimento desse perfil de usuários nas próximas
décadas, o que demandará maior ação tanto das empresas prestadoras de serviço
quanto por parte de autoridades públicas na elaboração de suas políticas de
acessibilidade e de urbanização.
1Diversos municípios já haviam definido a gratuidade no transporte coletivo
urbano para sua população idosa antes da Constituição Federal de 1988, como
apontam Camarano_e_Pasinato_(2004). Esse é o caso, por exemplo, dos municípios
de São Paulo (Lei 9.651/83) e de Aracaju (Decreto 59-83).
2Dado o tamanho da RMSP, espera-se que esse número seja relativamente pequeno
em relação ao total de viagens realizadas no sistema. Além disso, não haveria
razão para supor que esses usuários externos possuam um perfil etário
extremamente diferente daqueles residentes na RMSP. De qualquer maneira, esse
pressuposto foi adotado apenas para fins práticos neste estudo e sua adoção
pode não ser válida para a análise de municípios específicos com altas taxas de
pendularidade.
3Entre as exceções que recebem subsídios estatais está a cidade de São Paulo,
que cobre atualmente cerca de 20% do custo do sistema com recursos
orçamentários da prefeitura. Essa proporção varia mês a mês, de acordo com os
relatórios de despesas e receitas divulgados pela SPtrans no seu site
(www.sptrans.com.br).
4Todos os custos relacionados à operação dos sistemas são considerados no
cálculo do custo total, incluindo aí depreciação e impostos, além da
remuneração do capital empregado pelos operadores. Para uma revisão da
tarifação do transporte público no Brasil, ver os estudos de Lima_(1992),
Gomide_(2004) e Carvalho_et_al._(2013).
5No caso do transporte público, os termos passageiros pagantes equivalentes ou
viagens pagantes equivalentes são uma forma de contabilizar o número de
passageiros ou viagens pagas considerando-se os descontos tarifários recebidos
pelas diferentes categorias de beneficiários. Dessa forma, duas viagens de
estudantes com desconto de 50% equivalem a uma viagem integral, ou seja, um
passageiro pagante equivalente.
6Pode-se argumentar que a oferta de transporte ajustar-se-ia no longo prazo à
variação negativa da demanda, o que quebraria essa condição de custo total
constante. Mas, além de se constituir uma premissa importante no processo de
isolamento do efeito do envelhecimento, pode-se contra-argumentar que a redução
da demanda nem sempre acarreta movimentos de redução de oferta, em função das
fortes pressões sociais que os gestores sofrem nesse processo.
7O valor absoluto do custo médio não interfere nos cálculos finais relativos
dos impactos gerados. Optou-se pelo valor unitário para facilitar o
entendimento dos cálculos.