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BrBRHUAp0102-30982015000200313

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National varietyBr
Year2015
SourceScielo

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Uma análise da pobreza multidimensional do Nordeste metropolitano com uso de modelo de equações estruturais Introdução A pobreza é a face mais dramática da concentração de renda de um país, pois se desenvolve por meio da construção e consolidação de estruturas e processos que lhe atribuem forma concreta de estágio de privação tanto social como econômica.

Nas últimas décadas, várias abordagens conceituais foram propostas buscando instrumentos metodológicos que contribuíssem com estudos focalizados no fenômeno da pobreza. Uma importante referência nesses estudos é Sen_(1999), que aborda a questão da pobreza avançando para além do corte da renda (material).

Seu posicionamento é favorável ao entendimento da pobreza como um problema complexo que deve ser visto por meio das privações enfrentadas em todas as estruturas que compõem a vida das pessoas.

Os estudos que se propõem a mensurar a pobreza a partir de uma estrutura interdependente entre fatores sociais e econômicos sugerem uma abordagem multidimensional, que considere as condições de vida de um indivíduo (ou unidade domiciliar) para além da renda monetária disponível, tais como educação, saúde, acesso ao mercado de trabalho, condições de moradia, etc. Além de incluírem tais dimensões, as propostas lhes conferem um contorno estrutural, ou seja, reconhecem nelas um inter-relacionamento, o que obriga as metodologias da análise da pobreza a tratarem de sistemas complexos (WAGLE,_2008; KAGEYAMA; HOFFMANN,_2006; CODES,_2005; LISTER,_2004; SEN,_2000, RAVALLION,_1996).

Para conceituar o fenômeno da pobreza sob a ótica multidimensional e estudar a pobreza em três regiões metropolitanas do Nordeste brasileiro - Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), Região Metropolitana do Recife (RMR) e Região Metropolitana de Salvador (RMS) -, este artigo faz uso da abordagem empregada por Wagle_(2008), Multidimensional poverty measurement: concepts and applications. No Brasil, a realidade da pobreza está atrelada a uma herança de injustiça social que vem desde sua colonização, eclodindo num cenário de grandes desigualdades e permanecendo um desafio histórico a ser enfrentado. Ao lado da pobreza também existe reconhecido problema de desigualdades regionais, com a porção Norte/Nordeste do país apresentando indicadores sociais bem inferiores. Portanto, a análise das regiões metropolitanas do Nordeste, evidenciando suas semelhanças e complexidades, pode contribuir para o debate acerca da construção de políticas públicas mais eficazes visando a redução deste indesejável fenômeno social.

A operacionalização da abordagem multidimensional, que é composta por uma estrutura de natureza relacional de um objeto social, utiliza a abordagem da Modelagem de Equações Estruturais (MEE) por se tratar de um método quantitativo capaz de determinar os fatores mais influentes nas condições de vida das pessoas, mostrando-se, também, apto a valorar a intensidade de tais influências, tanto direta como indiretamente (WAGLE,_2008; CODES,_2005).

Neste estudo, seguindo a abordagem defendida por Wagle_(2008), ressalta-se a relevância de trabalhos que contribuam para um olhar mais aprofundado sobre o fenômeno da pobreza por meio de uma lente multidimensional. A seguir apresenta- se uma revisão de literatura centrada na discussão sobre a abordagem multidimensional da pobreza e nas dimensões definidas como vetores da pobreza.

Posteriormente, é abordada a discussão metodológica, referente ao método quantitativo - modelos de equações estruturais -, como instrumento de análise e medição da pobreza nas regiões metropolitanas do Nordeste, além da construção dos modelos propostos utilizando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009, tendo como população-alvo as pessoas responsáveis pelos domicílios residentes nas regiões estudadas. Na sequência, de posse dos dados, busca-se analisar os resultados gerados a partir dos dados empíricos, utilizando a Modelagem de Equações Estruturais (MEE). Para concluir, são tecidas as considerações finais como forma de se justificar a metodologia de MEE como método plausível para estudar o fenômeno da pobreza.

Vetores da pobreza: breve discussão sobre a dimensão qualitativa desse fenômeno Tratar a pobreza como um fenômeno multifacetado é entendê-la como resultante de um complexo e intrincado sistema de forças que se inter-relacionam e provocam o surgimento e manutenção de camadas sociais que padecem com diversos tipos de privações. Qualquer construção teórica que se pretenda viável de ser testada carece de algum esquema simplificador. Este artigo propõe um esquema a partir de quatro vetores de análise: bem-estar econômico; capacidade; inclusão econômica via mercado de trabalho; e inclusão por meio das condições de moradia. Estes vetores também podem ser entendidos como dimensões, pois em cada um deles existe um conjunto de atributos, ações e costumes sociais que os caracteriza.

Para Wagle_(2008), a pobreza possui caráter multidimensional que vai muito além da renda monetária que implica ter ou não mais recursos materiais demandados em determinado estilo de vida. Ravallion_(1996) defende que a busca por uma abordagem "verdadeiramente" multidimensional por meio da agregação de diversas variáveis dependentes tente resultar em algumas inter-relações complexas entre essas variáveis, estabelecendo uma base empírica credível para o combate à pobreza. Corroborando a relevância da abordagem sob a ótica multidimensional, Diallo_(2010) menciona a grande contribuição dessa metodologia para melhor caracterização do público-alvo, os pobres. Diante dessa perspectiva, pode-se verificar que a pobreza é cristalizada como um fenômeno multidimensional e, para ser identificada sob essa ótica, devem ser consideradas as diversas dimensões que compõem essa realidade de privação (BARROS;_CARVALHO;_FRANCO, 2006).

Sumner_(2004) argumenta sobre a necessidade de estudos mais complexos, que vão além da análise monetária, pelo fato de proporcionarem um melhor entendimento sobre a dinâmica do fenômeno da pobreza. Alkire_(2015), por exemplo, chama a atenção para algumas variáveis presentes em estudos que utilizam as dimensões educação, saúde, habitação, entre outras, nas abordagens multidimensionais, constituindo-se em importantes instrumentos de políticas públicas na busca pela redução da pobreza. Assim, reforça-se a importância de estudos que levem em conta as características multidimensionais da pobreza. Wagle_(2008)menciona que Chakravarty (1983) e Tsui (1999, 2002) foram dois pioneiros na utilização de variáveis reais - métodos quantitativos - para abordagem das características multidimensionais da pobreza. Deutsch_e_Silber_(2005), utilizando Banco de Dados de Israel de 1995, trabalharam quatro diferentes abordagens multidimensionais1 e concluíram que havia uma forte tendência positiva no uso desses índices de pobreza multidimensional para identificar o fenômeno da pobreza com maior grau de confiabilidade. Betti,_D'Agostino_e_Neri_(2002) empregaram a abordagem multidimensional para identificar a dinâmica da pobreza e como os fatores sociodemográficos a influenciam. Kageyama_e_Hoffmann_(2006), por exemplo, produziram um estudo da pobreza multidimensional para o Brasil usando, além da renda, o acesso aos três serviços básicos no que tange à salubridade de moradia: água encanada; instalação sanitária; e iluminação elétrica. Barros,_Carvalho_e_Franco_(2003) construíram, a partir da abordagem multidimensional, o Índice de Desenvolvimento da Família - IDF, formatando- o sobre seis dimensões, 26 componentes e 48 indicadores. Codes_(2005) defende a utilização de um método quantitativo que contribua para a explicação da natureza relacional de um objeto social tão complexo como o fenômeno da pobreza. O objeto central dessa seção consiste no levantamento de um embasamento teórico para justificar o uso da metodologia proposta por Wagle_ (2008), com o objetivo de medir e avaliar a pobreza a partir das relações mútuas entre as dimensões, por meio de uma abordagem multidimensional.

O bem-estar econômico, usado com certa frequência na literatura, é extraído da valorização das relações humanas, sociais ou econômicas e, por longo tempo, foi o cerne de estudos sobre a pobreza. Uma das formas de se observar o bem-estar é por meio da dimensão econômica, seja pela insuficiência de recursos monetários, seja pela baixa capacidade de consumo das pessoas (ou famílias) (BARROS; MENDONÇA,_1995; RAMOS;_REIS,_1995; ROCHA,_1997; ORSHANSKY,_1965). Nesse sentido, segundo Wagle_(2008), o bem-estar econômico tem como premissa captar os recursos físicos que determinam a qualidade de vida material. Para Ringen_ (1987), por exemplo, a pobreza pode ser definida e mensurada tanto direta (consumo) como indiretamente (renda). Nessa perspectiva, o bem-estar passa a ser um indicador do baixo nível de vida das pessoas, via inadequação dos recursos materiais. Assim, bem-estar econômico pode ser entendido sob a ótica de que a renda e o consumo de bens e serviços (por exemplo, habitação, transporte, vestuário) são a materialização da distribuição dos recursos disponíveis, o que significa, então, que tais variáveis se mostram confiáveis para se apresentarem como instrumentos de análise para diagnosticar o fenômeno da pobreza (ROCHA,_1997, 1998, 2005; RAMOS;_REIS,_1995).

Cumpre destacar que a tradição mais prolífica de estudos sobre a pobreza entende que o bem-estar econômico é suficiente para mensurar em que medida uma pessoa (ou família) é pobre. Entretanto, olhar apenas esta dimensão leva à tentativa de construção de "linhas de pobreza", que são muito úteis para quantificação de efetividades de políticas públicas, mas pouco confiáveis para realmente auxiliar em como as políticas públicas devem ser desenhadas. Por trás do argumento de que toda a questão da pobreza pode se resumir na renda subjaz a ideia utilitarista de que o bem-estar pode ser medido pelo nível de consumo que uma pessoa (ou família) pode efetivar. Citro_e_Michel_(1995) alertam para o fato de que esse instrumental de análise para medir a extensão da pobreza carece de ser revisto tanto entre os grupos populacionais quanto em áreas geográficas do país, pois é necessária a busca por uma imagem mais real desse fenômeno ao longo do tempo.

A partir dessa perspectiva, o não atendimento das capacidades básicas passa a ser muito mais perverso sob o prisma de liberdade e justiça do que as definições na literatura que consideram a pobreza limitação de determinada quantidade de recursos monetários2 (SEN,_1999, 2000, 2011; ALKIRE,_2015). Para Sen_(2011), os mais pobres entre os pobres são aqueles indivíduos que vivenciam a carência de capacidade além da renda, pois tendem a sofrer o chamado efeito "desvantagem da conversão",3 ou seja, a inaptidão os leva a não conseguir obter uma boa qualidade de vida mesmo com acesso a renda e consumo. Essa "desvantagem da conversão" será superada por meio de esforços que levem em conta o caráter multidimensional da pobreza, centrando a devida importância nos conjuntos de recursos básicos, incluindo educação, saúde, nutrição, etc., que se apresentam como pilares fundamentais para a redução real da pobreza (ALKIRE, 2015; WAGLE,_2008; SEN,_2000). Nesse sentido, Bourguignon_e_Chakravarty_ (2003)desenvolveram um estudo utilizando a abordagem multidimensional para o Brasil e constataram uma forte correlação entre renda e educação para identificar o fenômeno da pobreza. Diallo_(2010), a partir de um modelo multidimensional, verificou que 54,48% dos domicílios, na Guinea, são estruturalmente pobres e o baixo nível de escolaridade está entre as dimensões que mais indicam o grau de privação dessas famílias.

A inclusão social pode ser considerada mais um pilar na estrutura pela busca da redução da pobreza. Diante dessa perspectiva, Marió_(2005) menciona que, nas sociedades modernas, o mercado de trabalho passou a ser um dos principais mecanismos para efetivar a inclusão social de uma parcela significativa da população mundial. Singer_(1996) identificou que no Brasil fatores estuturais como desigualdade educacional, emprego informal e trajetória crescente nas taxas de empregos estão inter-relacionados com a exclusão social no país. Nesse sentido, o acesso ao mercado de trabalho passou a ser um fator de estudo para explicar a exclusão social em muitos estudos acadêmicos (WAGLE,_2008; BURCHARDT et_al.,_2002; OPEL,_2000). Dessa forma, a inclusão da parcela menos favorecida da sociedade enfrenta constantes desafios para superar as deficiências do meio social, lutando árdua e continuamente pela conquista de oportunidades no mercado de trabalho. As maneiras como o capital é utilizado e remunerado nas atividades econômicas do país acarretam forte impacto no nível de pobreza de grande parcela da população. Nesse contexto, o mercado de trabalho desempenha papel predominante na inclusão social desses atores sociais.

A exclusão social também pode ser analisada sob a ótica da precariedade das habitações. O dimensionamento da carência de muitos domicílios brasileiros evidencia uma segregação socioespacial que leva várias famílias de baixa renda a viverem em áreas desestruturadas e com a aprovação do poder público (BARBOSA; GAVIOLI;_YAMANISHI,_2003). Barros,_Carvalho_e_Franco_(2006), na elaboração do Índice de Pobreza Familiar (IPF), construído por meio de seis dimensões, verificaram que a dimensão carência habitacional4 tinha forte correlação com as dimensões acesso ao conhecimento, acesso ao trabalho, escassez de recursos e desenvolvimento infantil. No Brasil, especificamente, ainda existem milhões de famílias que vivem em moradias sob condições inadequadas. Nessa área, o setor público é o responsável pela infraestrutura ao redor dessas moradias, em termos de saneamento básico, coleta de lixo, procedência da água disponibilizada, segurança, etc. No entanto, a precária situação das condições sociais de muitas famílias no país pode, muitas vezes, ser verificada a partir das condições de habitação que refletem na saúde desses membros da sociedade (NERY,_2004; BARBOSA;_GAVIOLI;_YAMANISHI,_2003; BARRETO_et_al.,_2011; HOLANDA_et_al.,_2003; RODRIGUES,_2005).

O caráter multidimensional do fenômeno da pobreza dividido pelas quatro dimensões apresentadas nessa seção - bem-estar econômico, capacidade, inclusão econômica e inclusão por meio das condições de moradias - mostra aspectos estritamente inter-relacionados tanto pelo grau quanto pela intensidade com o fenômeno da pobreza. Diante de tal evidência, este artigo promove uma explicação de natureza relacional, ou seja, como a pobreza pode estar relacionada com esses vetores, por meio de uma abordagem quantitativa denominada de Modelagem de Equações Estruturais (MEE) (CODES,_2005).

Metodologia Tratar a pobreza a partir de distintas dimensões significa enfrentar um desafio metodológico. Isso porque as dimensões são, na verdade, construções teóricas, ou seja, não existem mensurações únicas ou viáveis às mesmas. A alternativa proposta neste artigo é abordar tais aspectos utilizando a metodologia da Modelagem de Equações Estruturais (MEE), que objetiva a análise da relação entre as variáveis observadas5 (contínuas, ordinais, dicotômicas ou censuradas) e as variáveis latentes - dimensões (variáveis não observadas), como abordado por outros autores (CODES,_2005).

A MEE é dividida em fases, conforme defendido por Hair_et_al._(2009) e identificadas por Lamare_(2002) e Silva_(2006). Estas fases são: desenvolver um modelo teórico com a justificativa sobre as escolhas das variáveis com embasamento teórico; demonstrar, a partir da representação gráfica, o caminho dessas relações causais; converter o diagrama de caminho em modelo de mensuração (em que as variáveis latentes - dimensões - são regredidas em relação às variáveis mensuráveis - measurement model), resultando em construtos e o modelo estrutural (structural model) em que se aplica a técnica de regressão múltipla, ou seja, analisa-se a inter-relação entre variáveis latentes; e avaliar as estimativas do modelo e qualidade de ajuste. Os procedimentos de ajuste dos modelos estão centrados na verificação, correção e confirmação do modelo proposto. Deve-se ressaltar que a MEE é baseada em relação de causa e efeito, ou seja, mesmo que não se conheça uma medida da causa, conhecem-se medidas (e elas estão disponíveis) dos efeitos. Assim, a técnica parte da variabilidade das variáveis de efeito e da estrutura causa- efeito para construir mensurações factíveis para as causas.

Neste artigo, o comportamento relacional entre as variáveis que identificam a pobreza é tratado com o uso da técnica estatística da Análise Fatorial Confirmatória (AFC), ou seja, quando os relacionamentos obtidos são predeterminados e, a partir daí, ocorre a confirmação ou rejeição das conexões levantadas como hipótese do modelo proposto diante de determinada teoria. Para a confirmação do embasamento teórico (descrito na seção anterior) sobre a abordagem multidimensional da pobreza, o modelo proposto desse estudo é repesentado pelo Diagrama de Caminhos (Figura_1), que mostra a pobreza e suas dimensões como variáveis latentes - por isso, marcadas com elipses - enquanto as variáveis que podem ser medidas (observadas) estão marcadas por retângulos.

Alterações nos níveis de pobreza afetam todas as dimensões, que, por sua vez, afetam as variáveis que podem ser medidas, o que é representado pelas setas.

Diante dessa perspectiva, é importante identificar o grau de correlação que a dimensão superior - pobreza - possui com os construtos (dimensões) de primeira ordem: bem-estar econômico (Bee); capacidade (Capac); inclusão econômica (Ie); e inclusão por meio das condições de moradia (Icm). Os elementos ζi são os erros de mensuração de Bee, Capac, Ie e Icm.

Nota: As variáveis observadas utilizadas no modelo (retângulos) estão descritas na seção de dados e variáveis.

FIGURA 1 Diagrama de Caminho do Modelo de análise fatorial do modelo proposto  Formalmente, o modelo multidimensional proposto pode ser representado pelas equações descritas a seguir. A equação_1representa as variáveis latentes - dimensões - de bem-estar econômico (ŋ1), capacidade (ŋ2), inclusão econômica (ŋ3) e inclusão por meio das condições de moradia (ŋ4), que são determinadas pelas variáveis observadas (y). A equação_2 determina as relações entre os fatores de primeira e segunda ordens - a pobreza (ξ). O termo da equação_2 deve ser desconsiderado quando existem somente fatores de segunda ordem e nenhum dos fatores de primeira ordem causa efeitos diretos sobre os de segunda ordem.

[/img/revistas/rbepop/v32n2//0102-3098-rbepop-32-2-0313-e01.jpg] [/img/revistas/rbepop/v32n2//0102-3098-rbepop-32-2-0313-e02.jpg] Assim, o modelo de segunda ordem passa a ser representado conforme a equação_3.

[/img/revistas/rbepop/v32n2//0102-3098-rbepop-32-2-0313-e03.jpg] ***EQ3 Em resumo, a equação geral do modelo AFC de segunda ordem deriva de uma combinação entre a equação_3 (representando o modelo estrutural de ordem mais elevada) e a equação_1 (representando o modelo de primeira ordem, modelo de medição). A decomposição pode se apresentar da seguinte maneira, segundo Byrne_ (1998): [/img/revistas/rbepop/v32n2//0102-3098-rbepop-32-2-0313-e04.jpg] É importante ressaltar que a MEE tem como premissa básica assumir distribuição normal das suas variáveis. Para isso, Muthén_e_Muthén_(2007) indicam utilizar o estimador WLSMV - estimador robusto ponderado - para corrigir a anormalidade da distribuição quando são empregadas variáveis categóricas (ou seja, dicotômicas ou politômicas) que venham compor os construtos na MEE. Vale salientar que o presente estudo fará uso do método WLSMV (Weighted Least Square Means and Variance Adjusted) para suas análises. Para realizar a estimativa sugerida, optou-se pelo pacote estatístico Mplus, que é capaz de lidar com o MLSMV em ambientes de amostras complexas, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

Vale destacar que, quando se trabalha com pesquisas amostrais complexas, como a PNAD, é preciso considerar os pesos das unidades amostrais (aqui, as pessoas) e as informações sobre desenho amostral, a fim de alcançar estimativas não viciadas dos parâmetros. Os pesos amostrais ajustados são informados nos microdados da PNAD.6 No caso do arquivo de pessoas, a variável de peso amostral é V4729 (peso), utilizada na análise.7 É importante ressaltar, também, que o software Mplus tende a oferecer as melhores opções para a modelagem de AFC com dados categóricos. Isso é devido, em parte, ao estimador WLSMV (mínimos quadrados ponderados robustos ajustados pela média e variância), que atualmente se encontra disponível apenas nesse programa (BROWN,_2006).

Variáveis de estudo Os dados empíricos que dão sustentação aos modelos de equações estruturais propostos baseiam-se na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009. O subconjunto da amostra utilizada foi montado a partir da junção dos dados dos responsáveis pelos domicílios (arquivo de pessoas)8 com dados dos domicílios. Foi feito corte para pessoas residentes nas três regiões metropolitanas estudadas: de Fortaleza, de Recife e de Salvador.

É importante mencionar a função de algumas variáveis observadas no modelo proposto, de acordo com a Figura_1. As variáveis TV em cores, geladeira e telefone móvel (celular) são utilizadas como proxies do consumo. A variável carro ou motocicleta para uso pessoal se apresenta como proxy do acesso ao crédito,9 no entanto, outras formas de medir acesso ao crédito poderiam ser previstas em outras pesquisas domiciliares. As variáveis do módulo para estimação da insegurança alimentar no domicílio foram obtidas a partir das perguntas "se os moradores tiveram a preocupação com o fato de que os alimentos acabassem antes de poderem comprar ou receber mais comida", "se os alimentos acabaram antes que os moradores deste domicílio tivessem dinheiro para comprar mais comida" e "se os moradores deste domicílio comeram apenas alguns alimentos que ainda tinham porque o dinheiro acabou".10 Nessa perspectiva, as escalas foram construídas de acordo com a proposta de Codes_(2005) em seu estudo para Salvador.11 As variáveis e suas respectivas categorias utilizadas neste trabalho se encontram dispostas no Quadro_1. A análise dessas relações mediante o Diagrama de Caminho (Figura_1) apresenta o modelo hipotético em duas ordens e é realizada em várias etapas, conforme exposição na seção subsequente.

QUADRO 1 Variáveis latentes e observáveis utilizadas, em nível domiciliar, no Modelo de Análise Confirmatória (AFC)  Variáveis latentes Variáveis observáveis In da renda domiciliar per capita mensal de todas as fontes de rendimento (R$) Domicílio possui TV a cores (1=não; 2=sim) Bem-estar econômico (Bee) Domicílio possui geladeira (1=não; 2=sim) Possui telefone móvel (1=não; 2=sim) Domicílio possui carro ou motocicleta de uso pessoal (1=não; 2=carro; 3=motocicleta; 4=carro e motocicleta) Anos de estudo completos do responsável pelo domicílio Nos últimos três meses, os moradores tiveram a preocupação com o fato de que os alimentos acabassem antes de poderem comprar ou receber mais comida (1=não; Capacidade (Capac) 2=sim) Nos últimos três meses, os alimentos acabaram antes que os moradores desse domicílio tivessem dinheiro para comprar mais comida(1=não; 2=sim) Nos últimos três meses, os moradores deste domicílio comeram apenas alguns alimentos que ainda tinham porque o dinheiro acabou (1=não; 2=sim) Grupamentos ocupacionais do trabalho principal do responsável pelo domicílio (1=trabalhadores agrícolas; 2=ocupações mal definidas; 3=outros) (1) Posição na ocupação principal do responsável pelo domicílio (1=sem remuneração; 2=sem carteira assinada - outros empregos e trabalho doméstico, produção e Inclusão econômica (le) construção próprio consumo -; 3=militar; funcionário público estatutário; conta própria e empregador; empregado com carteira assinada e trabalhador doméstico com carteira assinada).

Número de horas trabalhadas semanalmente pelo responsável do domicílio na semana de referência, numa escala que vai de 1 a 98 horas.

Domicílio possui banheiro ou sanitário (1=não; 2= sim) Forma de escoadouro do banheiro ou sanitário Inclusão por meio das condições de moradia (1=fossa rudimentar; valas; direto para o rio, lago ou mar; 2=fossa séptica não (lcm) ligada à rede coletora de esgoto ou pluvial; 3=rede coletora de esgoto ou pluvial e fossa séptica ligada à rede coletora de esgoto ou pluvial) Destino do lixo domiciliar (1=jogado em terreno baldio; jogado em rio; lago ou mar e outro destino; 2=queimado ou enterrado na propriedade; 3=coletado direta ou indiretamente).

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009.

(1)Outras ocupações incluem: dirigentes em geral; profissionais das ciências e das artes; técnicos de nível médio; trabalhadores de serviços administrativos; trabalhadores dos serviços; vendedores e prestadores de serviços do comércio; trabalhadores da produção de bens e serviços e reparação e manutenção; membros das forças armadas e auxiliares.

Análise dos resultados Verificou-se empiricamente que a pobreza possui características complexas, resultantes de uma inter-relação entre vários fatores que se manifestam na mesma sincronia e intensidades muito próximas, conforme pode ser comprovado pelos resultados apresentados nesta seção.

As análises subjacentes dos modelos mostraram que, no conjunto das formulações focalizadas na teoria, de maneira geral, as articulações dos fatores tendem a se aproximar do modelo proposto. No primeiro momento, constata-se que a confiabilidade das variáveis latentes que compõem o modelo hipotético sob a análise do Coeficiente de Crombach (α),12 em que valores superiores a 0,70 indicam que elas podem ser utilizadas na modelagem, foi observada para as três regiões metropolitanas estudadas.

Nessa perspectiva, analisa-se que a construção do modelo sinaliza uma boa estrutura teórica que, primeiramente, será estudada a partir da avaliação dos critérios de ajuste apresentados na Tabela_1. O RMSEA (Root Mean Square Error of Approximation) indica ajustamento13 global do modelo para grandes amostras, além de ser um dos mais indicados para modelagens que utilizam estruturas de covariâncias (CODES,_2005; SILVA,_2006). Neste estudo, foram empregados, como referência para esse índice com ajuste satisfatório, valores menores ou iguais a 0,08 (MACDONALD;_RINGO_HO,_2002; HAIR_et_al.,_2009). Todos os modelos apresentaram bom ajuste, ao tomar como referência os índices de ajuste incremental CFI (Comparative Fit Index), que possui em sua estrutura muitas propriedades satisfatórias, tais como seu alto poder de medir a sensibilidade relativa no ajuste, e o TLI (Índice de Tucker-Lewis). Ambos índices de ajuste incremental (CFI e TLI) têm seus valores variando de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1 melhor é o ajuste. Diante dos valores expostos na Tabela_1, é possível verificar que todos os modelos propostos, tanto de primeira quanto de segunda ordem, apresentaram bons ajustes, ou seja, os dados empíricos sinalizam estar representando de forma satisfatória a teoria estudada.

TABELA 1 Índices de ajuste para os modelos de Análise Confirmatõria (AFC) de primeira e segunda ordens Regiões Metropolitanas de Fortaleza, Recife e Salvador - 2009  Regiões AFC - primeira ordem  AFC - segunda ordem metropolitanas RAMSEA CFI TLI  RAMSEA CFI TLI Fortaleza 0,074 0,972 0,964  0,074 0,972 0,964 Recife 0,067 0,963 0,953  0,065 0,965 0,956 Salvador 0,068 0,942 0,927  0,066 0,944 0,931 Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009.Nota: RAMSEA - Root Mean Square Error of Approximation; CFI - Comparative Fit Index; TLI - Índice de Tucker-Lewis.

As cargas fatoriais, que mostram a relação de cada variável mensurável com a respectiva dimensão da pobreza, são apresentadas na Tabela_2. Verifica-se, por exemplo, que na Região Metropolitana de Recife a aquisição do bem material "carro ou motocicleta"14 está relacionada com o aumento do bem-estar econômico do chefe do domicílio em torno de 77%, sendo que as outras duas regiões metropolitanas apresentam cenário parecido. Percebe-se que nas três regiões estudadas o aumento do bem-estar econômico está associado ao aumento das variáveis observadas: renda, TV, geladeira, celular e carro/motocicleta. Nesse caso, renda e consumo despontam como materialização da redistribuição dos recursos materiais e financeiros disponíveis na economia, destacando-se como variáveis preponderantes para analisar a magnitude da satisfação bem-estar econômico do indivíduo (ROCHA,_1997, 1998, 2005; BARROS;_FERES,_1998; BARROS; MENDONÇA,_1995; NERI,_2008, 2011; NERI;_SOARES,_2010).

TABELA 2 Cargas fatoriais das variáveis observadas em suas correspondentes variáveis latentes no modelo de primeira ordem Regiões Metropolitanas de Fortaleza, Recife e Salvador - 2009  Variáveis RM de Fortaleza  RM de Recife  RM de Salvador observadas   Bee Capac Ie Icm  Bee Capac Ie Icm  Bee Capac Ie Icm Renda 0,797        0,765        0,847       TV 0,580        0,571        0,575       Geladeira 0,609        0,582        0,654       Celular 0,632        0,560        0,447       Carro/ 0,726       0,770       0,567       motocicleta Educação  0,548       0,536       0,558     Alimentos   -        -        -     acabar 0,947 0,945 0,878 Alimentos   -        -        -     acabar antes 0,996 0,964 0,964 Comeram - - - alguns  0,942       0,955       0,938     alimentos Grupo    0,752       0,723       0,408   ocupacional Posição na    0,532       0,513       0,456   ocupação de horas     -       0,615       0,677   trabalhadas Banheiro      0,782        0,260        0,611 Escoamento      0,417        0,667        0,415 sanitário Lixo      0,598        0,432        0,310 Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009.Nota: Bee - bem-estar econômico; Capac - capacidade; Ie - inclusão econômica; Icm - inclusão por meio das condições de moradia.

Ao analisar a dimensão capacidade, verifica-se que nas três regiões metropolitanas foi possível constatar forte presença de algum tipo de insegurança15 alimentar na população-alvo do estudo. Se for considerada uma média da variância para todas variáveis que registram a insegurança alimentar nas regiões analisadas, chega-se a um valor negativo acima de 0,90, sinalizando que o aumento na capacidade será alcançado se a insegurança alimentar for reduzida. Tal fato indica a fragilidade que essas condições desfavoráveis podem acarretar para a saúde da população, principalmente quando se verifica que essa deficiência nutricional tende a prejudicar principalmente as crianças em idade escolar (MACHADO,_2007). A dimensão capacidade, no modelo proposto, aumenta a educação.

No quesito mercado de trabalho dos chefes dos domicílios, foi na RM de Salvador que as variáveis mensuradas referentes à posição na ocupação e grupo de ocupação apresentaram as menores cargas fatoriais, na dimensão inclusão econômica. Vale salientar algumas características sobre o mercado de trabalho nesta região, de acordo com os dados da PNAD 2009. No que tange ao construto inclusão econômica, a tendência dos resultados foi muito similar à encontrada para a RM de Recife, ou seja, o "número de horas trabalhadas" registrou o maior impacto nesta dimensão (0,677), seguido por "posição na ocupação do trabalho principal" (0,456) e "grupo de ocupação no trabalho principal da ordem" (0,403). Em termos comparativos, tanto a RM de Salvador como a de Recife registraram chefes de domicílios trabalhando com carteira assinada em proporções maiores do que a encontrada na RM de Fortaleza: 44,10%, 43,62% e 38,14%, respectivamente. Na posição diametralmente oposta, os indivíduos que trabalhavam sem carteira assinada correspondiam a 16,42% na RM de Salvador, 16,97% na de Recife e 22,22% na de Fortaleza, ou seja, o mercado de trabalho nesta última região se mostrou mais frágil do que nas outras duas.

A Tabela_3 traz a intensidade das intercorrelações entre as dimensões de primeira ordem: bem-estar econômico; capacidade; inclusão econômica; e inclusão por meio das condições de moradia. Constata-se que, para a RM de Fortaleza, as correlações entre todas as dimensões se mostram relativamente altas. Nas RMs de Recife e Salvador, o construto inclusão econômica apresentou a menor intensidade na correlação com as outras dimensões que compõem o modelo de primeira ordem. Diante desse fato, são necessários alguns posicionamentos dessa dimensão - inclusão econômica - com as outras - bem-estar econômico, capacidade e inclusão por meio das condições de moradia.

TABELA 3 Correlação entre fatores latentes no modelo de primeira ordem Regiões Metropolitanas de Fortaleza, Recife e Salvador - 2009  Variáveis RM de Fortaleza  RM de Recife  RM de Salvador latentes Bee Capac Ie Icm  Bee Capac Ie Icm  Bee Capac Ie Icm Bee 1        1        1       Capac 0,669 1     0,696 1     0,717 1     Ie 0,598 0,445 1   0,345 0,194 1   0,207 0,183 1   Icm 0,668 0,497 0,892 1  0,592 0,469 0,166 1  0,749 0,546 0,145 1 Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009.Nota: -Bee - bem-estar econômico; Capac - capacidade; Ie - inclusão econômica; Icm - inclusão por meio das condições de moradia.

No que se refere ao bem-estar econômico e à capacidade, fez-se uma busca nos dados para entender o porquê desse comportamento da dimensão inclusão econômica nas RMs de Recife e Salvador. Primeiramente, como o bem-estar econômico na RM de Recife tem seu crescimento em maior grandeza atribuído à "proxy" acesso ao crédito - carro/motocicleta -, é importante mencionar o trabalho de Galeano_e Feijó_(2011). Nele, as autoras afirmam que existe forte indicativo de que a maior disponibilidade de crédito e financiamento está diretamente ligada a maiores taxas de crescimento econômico. Essa linha de raciocínio pode ser sustentada pela análise do crédito disponível para o consumo por meio do saldo de operações de crédito do sistema financeiro nacional para pessoa física, em 2009, sendo possível constatar que o Estado do Ceará demandou aproximadamente R$ 99.051 milhões, Pernambuco R$ 127.459 milhões e Bahia R$ 201.682 milhões desses recursos.16 Se compararmos o crescimento econômico desses Estados, verifica-se que o Ceará cresceu menos (9,33%) do que Pernambuco (11,34%) e Bahia (12,81%). Assim, é possível observar a existência de correlação entre crescimento econômico e disponibilidade de crédito para pessoas físicas, conforme defendido pelas autoras. Sob esse prisma, é justificável perceber que o consumo de bens nesse período (2008-2009) ficou mais atrelado ao acesso ao crédito do que propriamente à inclusão econômica.

Seguindo essa ótica, verifica-se que a inclusão econômica na atividade econômica na RM de Recife tende a estar fortemente ligada ao crescimento econômico desse período. Nesse sentido, o crescimento econômico passa a ser o determinante na alocação de mão de obra, o chamado efeito multiplicador17 de Keynes_(1992). E a mesma visão pode ser estendida para a RM de Salvador, pois se trata da região do Nordeste que mais recebe investimentos estruturadores, tanto os instalados quanto os novos, como, por exemplo, o polo petroquímico de Camaçari, a montadora Ford Motors do Brasil e a fábrica de matéria-prima para herbicida Monsanto. Esses investimentos se tornaram um dos principais propulsores da expansão e diversificação da base produtiva do Estado da Bahia e principalmente da RM de Salvador.

No que se refere à ocupação dos espaços urbanos, a RM de Salvador apresenta certa similaridade com a de Recife e, por isso, um aumento em infraestrutura em bairros mais centrais implicará também melhorias nas condições de moradia da população menos favorecida, pois parte dessas moradias está localizada nesses bairros ricos/nobres, ou seja, é possível visualizar em Salvador ou Recife moradias de alto padrão muito próximas de moradias bem precárias/favelas.

De acordo com a Tabela_4, a dimensão de ordem superior - nível de pobreza - na RM de Fortaleza explica a variância das dimensões de nível inferior: bem-estar econômico com 88,5%; capacidade com 49,6%; inclusão econômica com 46,8%; e inclusão por meio das condições de moradia com 55,3%. Na RM de Recife verifica- se que o bem-estar econômico tem sua variância explicada pela dimensão superior em 92,4%, a capacidade em torno de 52,40%, a inclusão econômica aproximadamente 9,20% e a inclusão por meio das condições de moradia em 66,40%. Na RM de Salvador esses valores são de 71,23%, 52,85%, 5,20% e 51,84%, respectivamente.

TABELA 4 Correlação do construto de segunda ordem (pobreza) com os construtos do modelo de primeira ordem Regiões Metropolitanas de Fortaleza, Recife e Salvador - 2009  Variáveis latentes   Pobreza   RM de Fortaleza RM de Recife RM de Salvador Bee 0,941 0,961 0,988 Capac 0,704 0,724 0,727 Ie 0,684 0,304 0,228 Icm 0,744 0,815 0,720 Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009.Nota: Bee - bem- estar econômico; Capac - capacidade; Ie - inclusão econômica; Icm - inclusão por meio das condições de moradia.

No que tange ao construto inclusão econômica, a baixa correlação em relação às outras dimensões no modelo de primeira ordem - nível inferior - das RMs de Recife e Salvador foi captada pela dimensão de segunda ordem - pobreza. Essa linha de raciocínio pode ser sustentada a partir do momento em que se analisa a baixa intensidade na correlação da dimensão inclusão econômica em relação a bem-estar econômico, capacidade e inclusão por meio das condições de moradia.

Diante do que foi apresentado, é possível verificar que a dimensão pobreza - modelo de segunda ordem - demonstra a multidimensionalidade das características do fenômeno da pobreza por meio da forte correlação com bem-estar econômico, capacidade, inclusão econômica (exceto nas RMs de Recife e Salvador que apresentaram baixa correlação) e inclusão por meio das condições de moradia.

Considerações finais Percebe-se, ao longo das análises, que em todas as regiões metropolitanas estudadas o aumento do bem-estar econômico está associado ao aumento principalmente das variáveis renda e consumo. E este construto tem forte impacto imediato na pobreza. Tal fato faz a privação econômica se tornar um dos instrumentos de análise para identificar o fenômeno da pobreza (ROCHA,_2005).

No entanto, a análise do modelo de segunda ordem demonstra a multidimensionalidade das características do fenômeno da pobreza por meio da forte correlação com bem-estar econômico, capacidade, inclusão econômica (exceto nas RMs de Recife e Salvador) e inclusão por meio das condições de moradia.

Na perspectiva exposta, a estrutura teórica - a pobreza - se depara com uma realidade complexa. Somente por meio de ações e execuções de políticas públicas mais amplas que venham focalizar as outras dimensões de forma eficiente é que se poderá realmente promover a redução da pobreza de grande parcela da sociedade. Em síntese, este artigo mostra uma medição quantitativa das múltiplas facetas do fenômeno da pobreza e sinaliza o caminho a ser percorrido para o enfrentamento desse estágio de privação, procurando colaborar com as propostas metodológicas que fazem uso da PNAD para o estudo multidimensional da pobreza, sob a ótica de algumas dimensões, como a geração de emprego e a ampliação do acesso a serviços públicos e moradia.

1O objetivo desse trabalho não foi comparar as diferentes abordagens multidimensionais, mas sim apenas indicar algumas delas: conjuntos fuzzy; teoria da informação; análise de eficiência; e derivação dos axiomas de índices de pobreza.

2Essa metodologia determina um limite de renda e, caso o indivíduo esteja abaixo desse limite, ele é considerado pobre.

3Sen_(2011,_p._293) cita, como exemplo de "desvantagem de conversão", dados empíricos sobre a pobreza no Reino Unidolevantados por Wiebke Kuklys (2005), mostrando que 17,9% dos indivíduos viviam com renda abaixo da linha de pobreza.

Essa proporção passa para 23,1% quando se constata que existe pelo menos um membro incapacitado na família. Logo, segundo o autor, esse hiato de cinco pontos percentuais está diretamente relacionado à deficiência de renda, resultado da privação de capacidades.

4Essa dimensão engloba: propriedade do imóvel; déficit habitacional; capacidade de abrigar; acesso inadequado a água; acesso inadequado a esgotamento sanitário; falta de acesso a coleta de lixo; falta de acesso a eletricidade; e faltade acesso a bens duráveis 5Conhecidas também como variáveis independentes, covariáveis, variáveis preditivas. Os valores das variáveis exógenassão assumidos como dados, ou seja, o modelo não tenta explicá-los (CODES,_2008, p. 31).

6Dados faltantes (missings) ficaram sem tratamento prévio (imputação de dados), mas não comprometem a análise, uma vezque o software Mplus oferece uma opção para lidar com dados faltantes. Para mais informações, ver Muthén_e_Muthén_ (2007).

7Para detalhes de como o Mplus lida com amostras complexas, ver Asparouhov e Muthén_(2010). Basicamente informam se o peso e dados do desenho amostral, que estão disponíveis na documentação da PNAD. Os autores descrevem que o procedimento é suficiente para resolver a maioria dos problemas de estimação de modelos para situações em que o desenho amostral complexo extrapola a intenção inicial. O software permite uso de procedimentos como bootstrap e jackknife para resolver eventuais problemas de mal entendimento do desenho amostral original. Neste artigo não foram utilizados estes procedimentos.

8O uso de informações dos responsáveis pelo domicílio pressupõe que as informações socioeconômicas desses são boas aproximações das condições de todos os moradores do domicílio.

9Vale ressaltar que não se deve afirmar que essa seja uma boa proxy, mas foi o possível nesta base de dados.

10É importante ressaltar que a pesquisa suplementar sobre Segurança Alimentar foi publicada pela PNAD mais recentemente em 2009, fato que se mostrou relevante para esse estudo e que procura justificar a utilização da amostra do ano em referência.

11A autora propõe utilizar as seguintes categorias para medir as dimensões relacionadas à pobreza multidimensional: "i) conforto no lar (variável latente): existência de geladeira no domicílio (1=não; 2=sim); existência de televisão no domicílio ( 1=não, 2=sim); existência de banheiro (1=não, 2=sim); ii) saneamento básico (variável latente): abastecimento de água, origem (1=outra; 2=poço ou nascente; 3=rede geral); abastecimento de água, canalização (1=não canalizada; 2=canalizada na propriedade ou terreno; 3=canalizada em pelo menos um cômodo); iii) tipo de inserção no mercado de trabalho (variável latente): qualidade da ocupação / grau de garantias e proteção social (1=desocupado; 2=trabalhador não contribuinte; 3=trabalhador contribuinte); condição de inserção na organização social do trabalho (1=desinserido; 2=conta- própria; 3=empregado/trabalha para terceiros), incluindo as variáveis observadas: renda domiciliar per capita mensal (R$); educação (anos completos de estudo )" (CODES,_2005, p.188), entre outras.

12Codes_(2005,_p.179) menciona que "quando se trata de estimar a confiabilidade de um fator, que é composto por um grupo de variáveis observáveis, o cálculo é feito com base nas correlações entre elas. A medida mais comum de confiabilidade é o Coeficiente Alfa de Cronbach (?), que afere a consistência interna entre aqueles itens que compõem o fator. De modo simplificado, tal coeficiente fornece a proporção da variação da variável latente que é comum entre os itens que a compõem. Em outras palavras, ele indica a proporção da informação social verdadeira ou confiável existente naquele fator. Em geral, variáveis latentes que tenham valores de ? iguais ou superiores a 0,70 são consideradas satisfatórias. A partir desse patamar, as variáveis latentes são vistas como suficientemente confiáveis para participarem das modelagens".

13O RMSEA é também conhecido como índice de ajuste parcimonioso e foi elaborado por Stiger e Lind (1980).

14A demanda por "carro/motocicleta" está em trajetória crescente no país desde o final de 2008 com a facilidade do crédito, aumentando, nesse momento, o nível de confiança dos consumidores em relação ao comprometimento de parte da sua renda (SILVA;_MORAES,_2012, p. 3).

15Segundo Nota Metodológica da PNAD 2009: "Insegurança alimentar está diretamente relacionada com a incapacidade ou incerteza de se obter o alimento com qualidade e quantidade suficientes, por meios socialmente aceitos. Está relacionada com escassez de alimentos, falta de acesso aos alimentos, desnutrição e pobreza e, também se expressa pelo medo ou preocupação da pessoa com a possibilidade de vir a ter fome" (IBGE,2009) 16Segundo o Banco Central do Brasil. Disponível em: <www.bacen.gov.br>.

17"Matematicamente, a expressão é dada da seguinte maneira: ΔYw> ΔCw , onde Yw representa a renda em unidades de salário e Cw denota o consumo imediato em unidades de salário. Assim, a propensão marginal a consumir é dada pela expressão dCw/dYw e sinaliza como se dividirá o próximo incremento da produção entre o consumo e o investimento. Isso porque ΔYw = ΔCw + ΔIw, onde ΔCw e ΔIw são incrementos do consumo e do investimento, de maneira que podemos escrever ΔYw = k ΔIw, onde 1 - 1/k é igual à propensão marginal a consumir. E k representa o multiplicador de investimento, o mesmo indica que, quando se produz um acréscimo no investimento agregado, a renda sobe num montante igual a k vezes o acréscimo do investimento" (KEYNES;_1992, p. 101).

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Received: April 25, 2015; Revised: July 19, 2015; Accepted: August 25, 2015 Lucilena Ferraz Castanheira Corrêa, Rua Frei Leandro, 70, 51011-600 - Recife- PE, Brasil Lucilena Ferraz Castanheira Corrêa é doutora em Economia pelo Programa de Pós- Graduação em Economia (Pimes) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Professora adjunta da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - campus Agreste.

João Policarpo Rodrigues Lima é PhD em Economia pela University College London.

Professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Luís Henrique Romani de Campos é doutor em Economia pelo Programa de Pós- Graduação em Economia (Pimes) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Pesquisador titular e diretor de Pesquisas Sociais da Fundação Joaquim Nabuco.


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