Escolha institucional e a difusão dos paradigmas de política: o Brasil e a
segunda onda de reformas previdenciárias
INTRODUÇÃO
Este artigo discute abordagens atuais sobre mudanças institucionais e inovações
em um contexto mundial, fazendo referência específica a processos por meio dos
quais paradigmas ou modelos de políticas são adotados por diversos países. O
texto trata da questão mais ampla do papel do Estado-nação em uma economia
globalizada. A idéia de que há algum tipo de convergência em termos das
inovações de política ocorridas em todo o mundo é amplamente reconhecida, tendo
sido documentada em grande número de estudos empíricos; não se trata, portanto,
de um fenômeno novo (Collier e Messick, 1979). Todavia, tal convergência parece
ser resultado da globalização e do crescente papel global desempenhado por
organizações internacionais. No passado, os modelos institucionais eram o
resultado típico de nações conquistadoras que impunham suas instituições a
nações derrotadas, sendo o direito romano e as práticas legais e
administrativas britânicas exemplos expressivos. Nos anos 80 e 90, mudanças
maciças no papel dos governos conduziram a reformas do Estado no mundo inteiro,
sendo estas sugeridas e implementadas em uma vasta gama de setores. Não se pode
negar que essas reformas exibiram características similares como resultado,
inter alia, do papel desempenhado por organizações transnacionais e
multilaterais, tais como a União Européia ' UE, a Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômicos ' OCDE, o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional ' FMI. Entretanto, há uma tendência a se enfatizar a
homogeneização e a se deixar de lado várias heterogeneidades nas respostas
nacionais a essas influências. Tais respostas são modeladas de forma crucial
pelas instituições domésticas e por fenômenos de path dependency. Este artigo
examina não só os fundamentos teóricos das análises correntes sobre os
processos de difusão de políticas, mas também como essas explicações têm sido
aplicadas a uma área específica de política: a reforma previdenciária. Um
estudo de caso da reforma previdenciária no Brasil é apresentado de forma
sumarizada, como ilustração empírica dos argumentos desenvolvidos na discussão
teórica.
EXPLICANDO A MUDANÇA INSTITUCIONAL E A DIFUSÃO DE POLÍTICAS
As reformas de políticas públicas são vistas em diversas contribuições como
relacionadas diretamente à globalização. Algumas abordagens conceitualmente
menos refinadas sustentam que a globalização representa um mecanismo pelo qual
a inovação institucional é determinada por uma lógica sistêmica. Tal formulação
é claramente funcionalista e teleológica: as inovações institucionais e os
novos paradigmas de políticas são vistos em última instância como requisitos
funcionais do sistema global. O argumento prevê a convergência de políticas
como o estágio máximo a que se chega por via da mudança institucional, não
levando em conta trajetórias divergentes e tampouco explicitando os
microfundamentos das mudanças; ademais, é tautológico no sentido de que
qualquer estado do mundo deve ter uma razão funcional para vir a existir, ou
seja, ele não é falsificável.
Uma outra abordagem, que considera diretamente o elo entre globalização e
reforma de políticas, focaliza instituições internacionais como o Banco
Mundial, o FMI e a UE. Estas instituições globais são vistas como as principais
forças condutoras de mudança. Tal argumento abandona o foco funcionalista da
lógica sistêmica e enfatiza o elemento de coerção associado a esses atores. Nas
suas versões menos acabadas, o FMI e o Banco Mundial são vistos como
instrumentos diretos dos Estados hegemônicos e dos interesses econômicos
globais. Em tais análises, as instituições ou atores domésticos não são
incorporados à análise ou desempenham um papel reduzido na explicação.
A influência das idéias e crenças na disseminação de paradigmas de políticas
tem sido defendida em vários estudos. Por essa perspectiva, idéias, e não
interesses, são cruciais para se compreender a inovação de política. Em geral,
os estudos que adotam tal abordagem são de dois tipos. O primeiro integra a
análise de idéias e crenças com ações concretas de atores hegemônicos
fundamentais: instituições internacionais, por exemplo. As crenças, nessa
abordagem, surgem como um mecanismo de dominação ideológica ' concepções
neoliberais têm recentemente sido vistas como instrumentais na legitimação de
mudanças institucionais desejadas. O segundo tipo acentua as idéias e crenças
como variáveis independentes, as quais ajudam a explicar resultados não
antecipados, como, por exemplo, a predominância de reformas de interesse
público sobre interesses particularistas. Nessa perspectiva, adaptação,
aprendizado e resolução de problemas são os processos-chave que embasam as
mudanças institucionais, enquanto as elites burocráticas e as comunidades
epistêmicas são os típicos atores que impulsionam as mudanças (Haas, 1992;
Hall, 1993). Em sociedades complexas, nas quais os tipos de dominação racional-
legal prevalecem, o conhecimento técnico e aqueles que o detêm (comunidades
epistêmicas) cumprem um papel crucial. Estes últimos elucidam as relações de
causa e efeito e apontam os resultados prováveis dos vários cursos de ação
alternativos. Além disso, eles ajudam a compreender a natureza das ligações
complexas entre as questões de interesse e a cadeia de causalidade, que podem
resultar da inação ou da implementação de uma política pública particular. E
mais: as comunidades epistêmicas ajudam a definir os interesses próprios de um
Estado ou de facções existentes dentro dele, bem como a modelar políticas
(Haas, 1992:15). Este argumento está normalmente associado à visão de que as
burocracias desfrutam de relativa autonomia vis-à-vis os interesses sociais.
A ênfase nos modelos cognitivos tende a obscurecer questões de poder e
dominação. Enquanto o papel das idéias em setores nos quais a expertise é
crucial tem sido reconhecido em um grande número de contribuições, os
mecanismos por meio dos quais elas vêm a predominar em arenas de poder têm
recebido muito menor atenção. Onde a incerteza sobre a causalidade é
importante, crenças causais são cruciais. Sem dúvida, crenças e preferências
conduzem à ação. Contudo, em questões altamente distributivas, nas quais os
resultados das decisões estão claros para muitos atores, o papel das idéias é
muito mais problemático. Como será discutido adiante, a literatura sobre
transferência de políticas (policy transfer), paradigmas de políticas e difusão
de políticas fornecem uma explicação muito mais complexa, mas apresentam alguns
dos problemas das abordagens aqui indicadas. As perguntas centrais são: como
tratar questões distributivas e de quem são as idéias e políticas que realmente
importam.
Essas abordagens sobre mudança institucional têm em comum (com as exceções
observadas) uma série de deficiências. A mais importante delas é que os
governos são vistos como instrumentos de forças externas e fatores endógenos
virtualmente não desempenham papel algum na explicação. Tanto os governos
domésticos quanto os agentes externos (governos, organizações etc.) e as
instituições são vistos como atores unitários ou monolíticos. Essa imagem de
agentes externos coercivos e atores domésticos dependentes não dá conta das
coalizões transnacionais que emergem da interação de atores em processos de
difusão de políticas. Esse jogo de dois níveis ' entre os dois atores
principais no plano internacional (organizações multilaterais e o Executivo
nacional) e entre os atores internos (intra-Executivo, envolvendo, por exemplo,
ministérios da área econômica e social; ou entre o Executivo nacional e o
Congresso etc.) ' é crucial para se compreender tal interação (Putnam, 1993).
Outro problema importante e talvez mais fundamental em relação a essas análises
é que elas não consideram as escolhas dos atores e o seu comportamento
estratégico. Em muitos estudos sobre a influência de modelos cognitivos, a
difusão de políticas aparece simplesmente como um problema de tornar disponível
o conhecimento. Admite-se que as abordagens que enfatizam o papel de atores
hegemônicos na promoção de inovações institucionais consideram de fato as
escolhas racionais e o comportamento estratégico dos atores, mas isto é feito
muito superficialmente mediante referência a um conjunto limitado de atores: os
atores externos. A interação principal, ou seja, aquela entre os agentes
internos e externos, permanece tipicamente não especificada (Ikenberry, 1990;
Putnam, 1993). Uma terceira advertência contra essas abordagens (e que será
analisada mais detalhadamente) é que elas não consideram como as instituições
influenciam as escolhas institucionais. Os atores sociais são vistos como
interagindo em um vácuo institucional: uma arena na qual o fator principal é o
equilíbrio entre os seus respectivos poderes econômico e social.
A maior parte desses problemas foi bem explorada na literatura mais antiga
sobre as políticas públicas e as mudanças institucionais. Os debates atuais
envolvem análises que emergiram como respostas a essas críticas ou como novas
manifestações de suas conclusões principais. Modelos explicativos para as
questões de inovação institucional baseadas na escolha racional foram
formulados particularmente como uma alternativa interpretativa às explicações
funcionais (Knight, 1995; Shepsle, 1989). Todavia, muitas das conclusões dessas
explicações de escolha racional relacionadas à escolha institucional apresentam
o mesmo problema (Miller, 2000; Pierson, 2000a; 2000b). A economia neo-
institucional e a de custos de transação têm também explorado a questão
referente às falhas das explicações funcionais. Por sua vez, a sociologia neo-
institucional tem oferecido uma das explicações de mudança institucional mais
populares, a que se baseia na noção do isomorfismo institucional. Essas
abordagens têm em comum uma preocupação com os microfundamentos.
Para o institucionalismo da escolha racional, as instituições emergem como uma
resposta aos problemas dos custos de transação. As instituições (as estruturas
de governança e os arranjos políticos formais, bem como a legislação econômica
e social e as organizações que as corporificam) ajudam a superar não só esses
problemas, mas também aqueles de credibilidade intertemporal. Muitas análises
de mudança institucional ancoradas na escolha racional apresentam as mesmas
deficiências das explicações funcionais (Miller, 2000). Nessas análises,
instituições superiores substituem instituições inferiores por meios não
claramente especificados. Algumas contribuições consideram tais instituições
superiores como tendo sido propositalmente planejadas, enquanto, para outras,
elas surgem em decorrência de pressões vindas particularmente das forças de
mercado. Um novo equilíbrio institucional é então alcançado, o qual só será
alterado por intermédio de alguma forma de choque exógeno capaz de modificar os
"custos relativos" associados a arranjos institucionais distintos. Instituições
eficientes perduram pelo fato de a sua existência ser endossada por atores
sociais, os quais reconhecem o seu papel de reduzir custos de transação. Ao
postular algum tipo de "eficiência histórica" (March e Olsen, 1989) nos
processos de adoção de novas instituições, esses tipos de explicação falham em
fornecer um relato convincente dos microfundamentos da mudança.
A prevalência da suboptimalidade e dos resultados Pareto-inferiores na vida
institucional é o ponto de partida da sociologia neo-institucional. Ao
enfatizarem a racionalidade limitada dos atores sociais, March e Olsen (idem)
apontam para a inabilidade dos mesmos de anteciparem contingências sociais e
eliminá-las por meio do desenho institucional. A maioria das instituições é
vista como o produto de efeitos não antecipados e de comportamentos não
racionais.
Uma explicação influente para a adoção maciça de estruturas institucionais foi
proporcionada nesses moldes por DiMaggio e Powell (1983), que propuseram o
argumento de que o isomorfismo organizacional é produto do comportamento
mimético. Expostas às mesmas pressões do meio em que se encontram, as
instituições tornam-se cada vez mais semelhantes umas às outras. Modelos
institucionais são adotados porque os atores e as organizações tendem a copiar
os modelos bem-sucedidos das instituições das quais dependem. Mudança
institucional é produto de escolha, mas não de escolha maximizadora de
utilidade. Em vez disso, ela é governada pela "lógica da propriedade"
(appropriateness). Modelos institucionais são copiados porque aparentam ser
mais legítimos, bem-sucedidos ou apropriados. Embutidos nesses processos de
mudança estão "pressões coercivas" aplicadas por outras organizações das quais
tais instituições são dependentes.
Um argumento intimamente ligado a este, e que tem exercido considerável
influência sobre a literatura de políticas públicas, é o da transferência de
políticas. Tem-se devotado particular atenção à intensidade com que "os
formuladores de políticas públicas estão cientes das lições a serem extraídas e
reconhecem como essas experiências têm sido utilizadas nas reformas de
política" (Lodge, 2003:159; ver, também, Dolowitz e Marsh, 1996). Também em
conexão com isso, uma distinção útil foi feita por Ikenberry (1990) entre
processos de aprendizado social (associado ao comportamento voltado para a
solução de problemas das comunidades epistêmicas e às redes transnacionais de
políticas), coerção (por via de ameaças e condições impostas por atores
externos) e políticas de bandwagoning (emulação ativa de outras experiências
pelas burocracias). Políticas de bandwagoning constituem o comportamento
mimético típico que conduz ao isomorfismo institucional. Ao especificar
domínios (ou arenas) e atores para os quais esses argumentos são aplicáveis, é
possível fornecer uma explicação mais complexa.
Entretanto,de quem é a experiência a ser emulada e quando um modelo de política
deve ser copiado permanecem como questões-chave. Para o argumento do
isomorfismo organizacional, os atores agem propositadamente: eles imitam as
formas institucionais das organizações com as quais competem ou das quais
dependem. O mimetismo, dessa perspectiva, é visto não como um mecanismo
automático, como em muitos estudos de difusão, mas como representando uma
escolha. De fato, atores domésticos em processo de difusão perseguem ativamente
modelos de políticas e também usam atores externos de forma estratégica. Em
muitos casos, como sustentado por Ikenberry (idem), esses atores se engajam
ativamente na busca de pressões externas visto que estas ajudam as burocracias
executivas a pôr em prática políticas que elas desejam. Organizações
internacionais e outros atores externos fornecem informações e recursos que
servem para criar ou reforçar coalizões reformistas. O que pode então aparentar
ser pressões coercivas externas é, de fato, parte integral de um comportamento
estratégico que não é mimetismo no sentido de imitação automática. Em outras
palavras, pressões externas podem ser realmente bem-vindas e manipuladas por
elites reformistas de forma a fortalecer a sua posição política doméstica.
Agentes externos desempenham um papel no "fortalecimento da mão doméstica do
Estado" (idem:100).
Explicações neo-institucionais e racionais nem sempre utilizam argumentos do
tipo "eficiência histórica". Sem dúvida, instituições já estabelecidas podem
resultar de equilíbrios subótimos (Miller, 2000). Diferentemente de Pierson
(2000a), acredito que há fortes fundamentos para a conciliação de abordagens da
escolha racional com explicações de path dependency. Esta, de fato, é a forma
como North (1990), um dos mais proeminentes estudiosos neo-institucionalistas,
utiliza o conceito. Abordagens da escolha racional são particularmente úteis
para a análise de interações que envolvem atores estratégicos, tais como
políticos e tomadores de decisão. Ao fornecerem microfundamentos sólidos, elas
têm o potencial de oferecer graus razoáveis de previsibilidade. Para os
argumentos de path dependency, as instituições representam custos encobertos
(sunk costs) e "fontes de resiliência". Esta linha argumentativa é contrária à
noção de equilíbrio neoclássico e retornos decrescentes, mas não há nada nela
que seja inconsistente com a idéia de ação estratégica e escolha racional. Ao
proporcionar um modelo analítico persuasivo para a visão de que não apenas as
instituições, mas também a história importa, o argumento de path dependency
também fornece microfundamentos para a mudança institucional. Mas
diferentemente do suposto da eficiência histórica presente em muitas análises,
ele pode prever tanto convergências quanto divergências de resultados de
políticas. Pierson e co-autores têm feito uso intensivo desse conceito de path
dependency para explicar por que os resultados de reformas da seguridade social
diferem entre países (Myles e Pierson, 2001; Pierson e Weaver, 1993), os quais
se distinguem na sua habilidade de se engajar em comportamentos miméticos em
função de diversos fatores, dentre os quais a sua dotação institucional,
entendida como arranjos institucionais existentes, e os legados de políticas em
uma área.
Para essa literatura, a natureza distributiva das instituições tende a ser
ignorada (Knight, 1992). No entanto, as escolhas institucionais têm
conseqüências distributivas importantes. A maioria das questões de políticas
públicas mais salientes para os governos é de natureza claramente distributiva,
o que reduz o apelo a abordagens que amenizam a importância do conflito
político e põem ênfase exagerada em processos epistêmicos automáticos e
mecanismos de deliberação. Em domínios de políticas nos quais pode ocorrer uma
grande redistribuição concentrada de benefícios, a mudança institucional e a
adoção de políticas dependerão da habilidade da coalizão no poder que controla
o Executivo em impor perdas a grupos específicos.
A idéia de que as instituições políticas geram conseqüências distributivas e,
mais importante para o ponto em foco, dão forma às escolhas políticas
desempenhou um papel-chave na agenda de pesquisas da ciência política nos anos
90. Haggard e McCubbins (2001) lançaram mão da análise de Tsebelis sobre os
veto players(atores ou instituições detentores do poder potencial de vetar
legislação) para investigar instabilidade de políticas e mudanças. A inércia de
políticas é maior onde há um maior número de veto players e onde há separação
de objetivos entre esses atores. Uma elevação no número destes, ou um aumento
na distância ideológica entre eles, amplia a instabilidade política, impedindo
afastamentos significativos do status quo. Veto players institucionais típicos
(em alguns casos, atores institucionais coletivos) são o presidente da
República, o Senado e a Câmara dos Deputados. Veto players podem também ser
partidários: os partidos que controlam a Casa têm o poder de vetar legislação.
A própria escolha institucional e sua efetiva implementação são, portanto, em
grande parte, função das instituições políticas existentes.
Weaver e Rockman (1993) enfatizaram que os regimes presidencialistas e
parlamentaristas incorporam diferentes tipos de accountability política
(concentrada e difusa), os quais têm efeitos distintos sobre a habilidade do
Executivo de impor sua agenda. Pierson e Weaver (1993) foram mais além na
exploração dessa questão e mostram que, no caso das reformas que impõem custos
concentrados, a separação de poderes torna fácil a difusão da responsabilidade
pelas decisões tomadas e facilita a transferência do ônus político envolvido.
Em contraste, governos parlamentaristas são mais poderosos na aprovação de
mudanças legais, mas encontram problemas por serem facilmente responsabilizados
pelas decisões tomadas. Algumas contribuições teóricas feitas recentemente
enfatizam os determinantes institucionais da adoção de políticas, mas em
algumas análises as instituições têm sido definidas em termos muito amplos1.
Acima foram feitas diversas considerações gerais e específicas. No plano meso
de análise, a discussão aponta para a necessidade de se incorporarem questões
distributivas e fatores institucionais na pesquisa atual sobre mudança
institucional e paradigmas de reformas, o que ajuda a explicar: (1) de quem são
as políticas a serem imitadas; (2) quando isso deverá ocorrer; e, por último,
(3) até que ponto há uma base institucional para a tomada, a aprovação
legislativa e a implementação das decisões de políticas.
A seguir, argumenta-se que fatores domésticos são cruciais na determinação dos
resultados de processos de difusão de políticas. Não há dúvida de que as idéias
são importantes, mas até que ponto elas influenciam e modelam decisões
concretas de políticas é determinado fundamentalmente pelas instituições
políticas domésticas e por processos depath dependency. Idéias e paradigmas de
políticas proporcionam um "conjunto de possibilidades" para uma escolha sobre a
qual incidem constrangimentos de natureza institucional e de path dependency.
Ao integrar atores sociais e políticos e aprimorar o conhecimento existente de
paradigmas de políticas, a globalização pode estender ou reduzir a gama de
opções disponíveis. A escolha política e institucional deveria ser vista como
incluindo capacidade administrativa, mas também habilidade política de iniciar,
aprovar e implementar políticas. Áreas temáticas também importam. Processos de
path dependency são inerentes a cada política setorial na medida em que são
causados por legados específicos de políticas. Áreas temáticas também importam
de diferentes maneiras: a aversão ao risco varia de acordo com a área temática
e, conseqüentemente, a velocidade de transferência de paradigma de política. Em
áreas como de políticas previdenciária ou tributária (Melo, 2000), nas quais a
aversão ao risco é alta porque os efeitos das decisões políticas são incertos e
as apostas também são altas, defensores de políticas específicas podem preferir
uma mudança incremental em vez de radical.
REFORMA PREVIDENCIÁRIA E DIFUSÃO DE POLÍTICAS
Esta seção examina a recente onda de reformas da previdência social como uma
ilustração empírica dos argumentos teóricos desenvolvidos na seção precedente.
Discuto aqui as políticas de reformas previdenciárias como um problema de
escolha institucional por conta dos efeitos de longo prazo da legislação
setorial nessa área, em oposição à natureza específica e de curto prazo das
decisões de políticas em outras áreas. A reforma da previdência tem sido
examinada como um exemplo expressivo da difusão maciça de políticas. Os
argumentos de path dependencyprevêem diferentes trajetórias nacionais, de
acordo com os legados de políticas de países individuais ou de grupos de
países. A heterogeneidade resulta das escolhas de políticas feitas no passado.
Em contraste, a literatura da difusão destaca as similaridades resultantes quer
do papel desempenhado por atores externos e comportamento mimético, quer da
proliferação de paradigmas de políticas em comunidades epistêmicas. A
literatura que destaca os determinantes políticos das reformas de políticas
prevê divergências de políticas de acordo com os arranjos institucionais
encontrados em cada país. Na parte restante desta seção, é apresentado um breve
resumo da chamada segunda onda de reformas. Os objetivos das reformas, a
evolução das mudanças que têm lugar na agenda de reformas e os debates
políticos subjacentes são brevemente esquematizados. No final discuto essa
experiência tendo como pano de fundo o quadro analítico apresentado na primeira
seção do artigo, sendo os diferentes argumentos examinados de forma sumária.
A Onda de Reformas e a Mudança no Debate sobre as Políticas
Nos anos 90, um grande número de países embarcou em processos de reforma
previdenciária. Em países da OCDE, a onda de reformas envolveu a Austrália, a
França, a Holanda, a Alemanha, o Reino Unido, a Dinamarca, a Itália, a Suécia e
muitos outros. Na América Latina, as reformas foram implementadas em dez
países, incluindo Argentina, México, Uruguai, Peru, El Salvador, Colômbia e
Bolívia. Essas reformas foram associadas à transformação generalizada das
previdências públicas de um regime de repartição (pay-as-you-go) de benefícios
definidos para um regime integral ou parcialmente capitalizado de contribuições
definidas.
A evolução da segunda onda de reformas previdenciárias (a primeira onda ocorreu
nas décadas iniciais do século XX) seguiu uma trajetória de difusão iniciada em
1981 com a experiência chilena. Os anos 80 correspondem ao primeiro estágio da
difusão internacional do novo paradigma. Os principais atores institucionais
foram, e continuam a ser, o Banco Mundial e o FMI, além de outras instituições
que desempenharam um papel de menor importância: a OCDE, a Organização
Internacional do Trabalho ' OIT e a Comissão Econômica para a América Latina '
CEPAL, da ONU. O segundo e mais importante estágio começou no início dos anos
90. Foi nesse contexto que o modelo chileno deixou de ser defendido como o
sistema ideal e o modelo de três pilares veio a substituí-lo. Um evento-chave
foi o relatório anual do Banco Mundial para o ano de 1994 dedicado à questão da
reforma previdenciária. O Relatório, intitulado Averting the Old Age
Crisis,tornou-se presumivelmente a mais importante fonte individual de
influência nos círculos de política pública. Tal mudança do Banco Mundial foi
decorrência de outras mudanças que o tornaram o ator principal de um grande
número de políticas na área social nos países do Leste Europeu e nos países em
desenvolvimento (Melo e Costa, 1994).
O Banco Mundial foi instrumental na promoção da agenda de reformas por via das
suas operações de empréstimos e, mais importante ainda, por promover a formação
de uma rede transnacional de especialistas em economia da previdência social.
Ele cumpriu papel decisivo ao estabelecer vínculos entre a agenda de
desenvolvimento e a administração fiscal da seguridade social. O impacto do
Relatório deu-se em dois níveis. Primeiro, ao criticar sistemas previdenciários
de repartição, considerando-os frágeis do ponto de vista fiscal, ele ajudou a
inserir a questão na agenda macroeconômica. O modelo de repartição é visto no
Relatório como um mecanismo de constrangimento fraco, vulnerável ao "populismo
econômico". Em segundo lugar, ele fornece um quadro geral para as reformas
baseado no modelo dos três pilares: um programa gerenciado pelo setor público e
financiado com recolhimento de tributos, destinado a assegurar uma rede de
segurança (que pode ser uma garantia mínima de pensão ou um benefício universal
ou baseado em means tests (testes de meios)); um sistema obrigatório gerenciado
pelo setor privado, capitalizado de forma integral e baseado em contribuições
definidas; e um subsistema voluntário gerenciado pelo setor privado,
capitalizado de forma integral e destinado a suplementar a renda oriunda do
segundo pilar.
Três críticas foram feitas aos sistemas de financiamento do tipo de repartição:
(1) ele poderia gerar uma "dívida implícita" (o valor presente do fluxo de
futuras pensões) de grande magnitude; (2) em razão de a variável de ajuste do
sistema ser a taxa de contribuição, há uma tendência embutida para o
crescimento das alíquotas de contribuição, gerando informalidade nos mercados
de trabalho; e (3) sistemas de repartição de benefícios definidos são passíveis
de manipulação política porque os trabalhadores atuais tendem a pagar por
benefícios futuros definidos politicamente. Ademais, esses sistemas foram
criticados por conterem incentivos perversos à aposentadoria precoce e por não
contribuírem para elevar o nível de poupança da economia.
O terceiro estágio do mecanismo de difusão teve início no final dos anos 90. O
consenso em torno dos sistemas de capitalização desapareceu. Muitos
especialistas e instituições começaram a questionar a visão negativa anterior a
respeito dos sistemas de repartição. No final da década, tornou-se evidente que
apenas um número limitado de países (a maior parte deles da América Latina)
havia adotado o sistema de três pilares. Em muitos outros, particularmente na
área da OCDE, os reformadores optaram por outras alternativas. A crítica mais
expressiva veio do então economista-chefe do Banco Mundial, Joseph Stiglitz,
com importante impacto nas comunidades epistêmicas setoriais. Em 1999, o Banco
Mundial promoveu um seminário no qual os dissensos vieram à tona. Quando
"Repensando a Reforma Previdenciária: Dez Mitos dos Sistemas de Seguridade
Social", escrito por Peter Orszag e Joseph Stiglitz (2001), além de outros
estudos na mesma linha, entraram em circulação, o consenso simbolicamente
acabou. As análises devastadoras de Stiglitz ajudaram a legitimar as visões
discordantes expressas por vários especialistas em políticas públicas e
macroeconomistas em relação à nova ortodoxia (Mesa-Lago, 1996). Esses autores
argumentaram que Averting the Old Age Crisis (World Bank, 1994) ajudou a
destruir mitos unicamente para substituí-los por outros. Um dos argumentos mais
vigorosos é que os sistemas de capitalização não produzem uma melhor
performance macroeconômica em comparação aos de repartição: eles não geram
ceteris paribus taxas nacionais de poupança mais altas2. Além disso, eles
desafiaram a visão de que os sistemas de capitalização são menos propícios à
manipulação política do que os de repartição.
Ao final da década de 90, um grande número de países havia aprovado reformas
que alteravam seus regimes previdenciários de maneira significativa. Muitos dos
regimes reformados recentemente são sistemas multipilares, porém os regimes que
sofreram reformas se enquadram em um dos três tipos, havendo extensas variações
de cada um deles (James, 2000). O primeiro tipo é o modelo latino-americano
implantado de forma pioneira pelo Chile em 1981 e seguido por Argentina, Peru,
Colômbia, México, Uruguai e Bolívia e El Salvador nos anos 90. Ele também
exerce influência fora da América Latina: Hungria e Cazaquistão adotaram-no
(idem) e ele tem sido alvo de discussão nos EUA já há algum tempo. Nesse
modelo, há livre competição entre os fundos privados de pensão por cada
trabalhador.
Note-se que na América Latina houve importantes variações. Mesa-Lago (2001)
distingue três subtipos ou "modelos": os modelos "substitutivo", "paralelo" e
"misto". O modelo substitutivo foi implementado no Chile, México, Bolívia e El
Salvador. Nele, o regime de repartição do setor público é deixado de lado e
substituído por um regime obrigatoriamente de capitalização gerenciado pelo
setor privado. No modelo paralelo, adotado no Peru e na Colômbia, o sistema
público não é substituído e os dois sistemas competem entre si. No modelo
misto, o sistema público de repartição não é abandonado e sim integrado a um
sistema privado (no qual instituições públicas também competem), dando origem a
um sistema previdenciário complementar. O sistema público oferece uma pensão
básica. Adotado na Argentina, no Uruguai e, recentemente, na Costa Rica, sua
implementação difere de país para país ao serem aplicadas diferentes regras na
transição para o novo sistema. No Uruguai, os jovens (indivíduos com menos de
40 anos) deverão aderir ao novo sistema misto, ao passo que os mais velhos
podem escolher o anterior; enquanto na Argentina eles podem optar por mudar do
sistema público para o novo sistema misto, mas não podem retornar para o
anterior (Mesa-Lago, 1996; 2001).
O segundo tipo é o chamado modelo OCDE no qual sindicatos e empregadores devem
escolher os administradores dos seus investimentos. Isto é exemplificado com os
casos do Reino Unido, Dinamarca, Austrália e Suíça (Brooks e James, 1999;
James, 2000). O terceiro tipo é o sistema de capitalização virtual (ou notional
regimes) de benefícios definidos, desenvolvido nos países que tiveram grandes
sistemas de repartição e enfrentaram o chamado "problema da transição". Este
surge em virtude dos requisitos de financiamento de sistemas existentes quando
os trabalhadores mudam do velho para o novo sistema. Os países que tiveram
regimes de repartição pequenos e financiados com receitas gerais não tiveram
que lidar com a questão da transição. Em contraste, os países com grandes
sistemas, financiados com impostos incidentes na folha de pagamento, tiveram
que encontrar alternativas para financiar os custos do estoque de pensões
(como, por exemplo, em muitos países, as receitas dos programas de
privatização), o que significava que o Tesouro teria que pagar pensões até que
o último contribuinte do sistema antigo morresse. Isto ocorre porque, quando o
novo sistema é introduzido, as contribuições existentes são interrompidas e os
trabalhadores começam a contribuir para o novo sistema. O valor presente das
promessas de pensão (a dívida previdenciária implícita ' conhecida em inglês
pela sigla IPD ' que é devida aos pensionistas atuais) é função direta do
estoque de pensões, o que, por sua vez, é função do nível de cobertura, da
idade da população e da generosidade dos seus benefícios3.
A capitalização virtual ou de regime de contas virtuais de benefícios definidos
foi originariamente desenvolvido na Suécia e implementado com adaptações em
diversos países, incluindo Itália, França, China e Brasil. A lógica desse
sistema é essencialmente de repartição, mas ele introduz o que vem sendo
denominado na literatura especializada de contas virtuais ou nocionais, que são
usadas para calcular benefícios de acordo com o montante das contribuições
capitalizadas durante a vida laboral (mais juros), assim como outras variáveis
demográficas.
Há amplas variações nos modelos adotados, resultado de diversas respostas
nacionais ao sistema multipilar defendido pelo Banco Mundial. Desenvolvimentos
importantes na agenda de reforma aconteceram no final dos anos 90. Primeiro, a
idéia de um modelo único associado ao sistema previdenciário chileno e ao
sistema multipilar defendido pelo Banco Mundial foi gradualmente cedendo espaço
à noção de que havia três modelos de políticas. Não há um modelo estrutural
único de reforma previdenciária. Em segundo lugar, e em estreita ligação com o
que se acabou de dizer, os custos de transição e os obstáculos políticos às
reformas do tipo de repartição pareciam insuperáveis em muitos países, sendo
que o gradualismo passou a ser visto como a melhor maneira de se levar a cabo
as reformas. Terceiro, as críticas direcionadas ao tipo de repartição perderam
sua validade cognitiva e os sistemas mistos implementados passaram a ser vistos
como alternativas atraentes. Sistemas capitalizados só deverão ser recomendados
se uma série de pré-requisitos for cumprida.
EXPLICANDO DIFUSÃO EM REFORMA PREVIDENCIÁRIA: IDÉIAS, INSTITUIÇÕES E PATH
DEPENDENCY
Está claro que na difusão de reformas previdenciárias muitos dos fatores
causais discutidos anteriormente desempenharam prima facie um papel importante.
De fato, a existência de um ator externo na difusão de reformas é muito clara.
O Banco Mundial foi instrumental na divulgação de um paradigma de políticas: o
modelo multipilar (Deacon, 1997; Madrid, 2000; Orenstein, 2003); ele foi também
fundamental na disseminação da reforma chilena como um caso paradigmático. Na
América Latina, a CEPAL foi um ator relevante, juntamente com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento ' BID. O papel do Banco Mundial é igualmente
visível no padrão espacial de reformas que Orenstein (2003) denominou "política
de atenção global". A ausência de agendas de reforma na Ásia e na África pode
ser explicada pelo foco exclusivo das instituições multilaterais no Leste
Europeu e na América Latina (idem). Brooks e James (1999) também encontraram
evidências de que variáveis associadas à literatura de difusão e inovação
(proximidade cultural, lingüística e geográfica com os países que tomaram tal
iniciativa) desempenham um papel essencial na explicação de como as idéias de
reformas se difundem entre os países.
Em segundo lugar, o papel desempenhado pelos especialistas se mostrou
especialmente relevante. Uma comunidade epistêmica passou a existir durante
esse processo, sendo acompanhada de uma mudança cognitiva e disciplinar
importante: especialistas em seguridade social que estiveram associados no
passado a profissões legais e atuariais em diversos países eram
predominantemente macroeconomistas e especialistas em economia da seguridade
social (ver Papadopulos, 2001)4. As críticas que formularam contra o sistema de
repartição se tornaram praticamente unânimes durante mais de uma década nos
círculos técnicos e de políticas públicas, proporcionando com isso legitimidade
para as propostas de reforma. O papel cumprido pelo Banco Mundial combinou dois
fatores identificados na discussão: ele foi tanto um ator externo, promovendo
ativamente um modelo multipilar por intermédio de suas operações de
empréstimos, quanto um ponto focal para as discussões de políticas tecnicamente
informadas por meio dos relatórios dos seus especialistas. Foi também peça-
chave em um tipo de "aliança tríplice de reformas" que se originou entre
agências externas, funcionários de Estado e outros atores domésticos ligados às
reformas. Embora o Banco Mundial seja bastante influente, ele falhou em muitos
casos ao tentar "trazer o cavalo para a água" (Nunberg, 1999). Mecanismos de
indução transnacional são efetivos só até o ponto em que tais constrangimentos
externos reduzam os obstáculos e impedimentos domésticos às políticas. Ou seja,
sua efetividade depende da capacidade das elites internas em mobilizar
estrategicamente compromissos externos para alcançar seus objetivos. Os Estados
buscam ativamente esses compromissos externos, conforme sugerido por Ikenberry
(1990).
Também o mimetismo institucional foi um processo essencial na disseminação do
novo modelo. Muitos países reformistas, particularmente na América Latina,
rivalizaram com a história de sucesso dos seus vizinhos. No passado, conforme
afirmam Collier e Messick (1979), muitos países em desenvolvimento foram
"adaptadores" ou mesmo "inovadores". Como esses autores sugerem, esses países
adotaram, por via de um comportamento mimético, as inovações da seguridade
social européia em tempo anterior ao previsto pelas teorias que enfatizavam o
papel dos pré-requisitos sociais e econômicos na difusão das instituições de
seguridade social.
Os processos de aprendizado de políticas destacados na literatura de difusão
também desempenharam um papel na evolução dos modelos de políticas
previdenciárias. Nesse caso, o mecanismo de aprendizado cumpriu o papel oposto:
ele ajudou a deslegitimar modelos hegemônicos. As críticas à proposta dos três
pilares no final dos anos 90 propiciaram validar outras opções, inclusive as
dos não reformistas. Além disso, a disseminação das informações pela OIT e por
especialistas individuais (tais como Mesa-Lago e Stiglitz) sobre os problemas
associados aos sistemas privatizados na América Latina recentemente (tais como
taxas de cobertura declinantes, atrasos crescentes no recolhimento de
contribuições, altos custos administrativos e desempenho precário de portfólios
de fundos) exerceu importante papel no debate setorial da política (Melo,
2002a).
A literatura sobre a difusão de políticas e mimetismo institucional tem
contribuído para explicar o ritmo e o padrão espacial da difusão das idéias,
mas não consegue dar conta do fato de que os estudos de reformas nunca foram de
fato convertidos em propostas legislativas em diversos países. A discussão nos
círculos de especialistas e na mídia é determinada, presumivelmente, pela
dinâmica das comunidades epistêmicas e das redes de políticas. A introdução de
fato e a aprovação legislativa de reformas demandam muito mais do que isso:
requerem a avaliação das crenças causais, a mobilização de apoio político e a
tomada efetiva de decisões no âmbito do Executivo. Mais importante ainda, a
literatura da difusão falha ao não dar conta da variabilidade dos modelos e
resultados das reformas previdenciárias.
A escolha de políticas depende não apenas do conhecimento das opções de
políticas existentes, mas também das escolhas já feitas e das instituições
estabelecidas no passado (legados de políticas). Como já discutido intensamente
(Green-Pedersen e Lindbom, 2002; Myles e Pierson, 2001; Palier e Bonoli, 1999),
as reformas previdenciárias são processos de path dependency. As opções
correntes são determinadas em grande medida por escolhas anteriores relativas
aos planos de benefícios e mecanismos de financiamento. Sistemas de repartição,
em particular aqueles que introduziram no passado esquemas que articulam
benefícios a contribuições efetivas, são muito difíceis de serem reformados
quando atingem a maturidade por razões econômicas e políticas. Eles enfrentam o
problema da transição ou do pagamento em duplicidade ao mudarem para regimes de
capitalização. Ademais, encontram a resistência de grupos que tentam bloquear
as reformas. A probabilidade de adoção de reformas é portanto inversamente
proporcional à maturidade do sistema.
Brooks e James (1999) testaram a hipótese de que reformas são determinadas pelo
tamanho da dívida previdenciária implícita (implicit pension debt ' IPD), tendo
usado dados sobre um grande número de países (vinte reformistas e 44 não
reformistas de áreas onde as reformas aconteceram [América Latina, OCDE e a
antiga União Soviética] e 85 não reformistas em todo o mundo). Eles descobriram
que uma IPD alta é um forte indicativo de inclusão de reforma previdenciária na
agenda de reformas e de uma pequena participação do setor privado no sistema
pós-reforma. Em outras palavras, uma IPD alta ajuda a inserir a reforma
previdenciária na agenda política, mas restringe o grau de financiamento e de
privatização que pode ser alcançado: evidência de path dependency.
Madrid (2000) propõe uma explicação baseada na combinação de path dependency e
fatores institucionais externos, incluindo constrangimentos impostos pela
economia internacional. Ele argumenta que reformas previdenciárias recentes são
respostas a uma severa e também recente escassez de capital que afeta países da
América Latina, e não a problemas financeiros enfrentados por alguns sistemas
de pensão. Sustenta, ainda, que a probabilidade de privatização do sistema
previdenciário é determinada em grande parte pela vulnerabilidade dos países à
escassez de capital, bem como pela influência exercida por instituições
financeiras internacionais, especialmente o Banco Mundial. Para ele, a força
motriz para as reformas é a promessa de taxas de poupança mais altas no futuro,
o que é necessário para o desenvolvimento sustentado. Sua análise repousa,
então, na suposição de que os atores políticos no poder em países da América
Latina não são afetados por pressões fiscais e políticas de curto prazo. Na
verdade, eles implementam reformas que produzem perdas financeiras e políticas
de curto prazo (resultantes da elevação dos gastos públicos e desequilíbrios
fiscais), mas que geram benefícios (taxas de poupança mais altas) que se tornam
politicamente tangíveis no longo prazo, quando eles já estão fora do poder.
Madrid (idem) também menciona que a viabilidade política das reformas depende
da força dos interesses associados ao trabalho organizado e do grau de controle
do presidente sobre o Legislativo.
Contudo, conforme se argumenta neste artigo, o caso brasileiro parece sugerir
que um ambiente financeiro desfavorável e problemas fiscais (uma parte
significativa dos quais resultou do próprio déficit da seguridade social)
levaram os tomadores de decisão a evitar os riscos em vez de propor reformas
abrangentes (Melo, 2002a). As reformas eram vistas como potencialmente
perigosas para a credibilidade do país nos mercados internacionais, o que
causaria uma crise financeira da qual se levaria muito tempo para se recuperar.
O papel das instituições políticas nos resultados de políticas de reforma na
América Latina tem sido discutido por vários autores (Kay, 1999; 2001; Madrid,
1997; 2002). Nesses estudos, um grande número de variáveis institucionais é
examinado, inclusive sistemas partidários e legislações eleitorais. Os autores
fornecem evidências convincentes de que os resultados das reformas
(privatização e sistemas mistos) podem ser explicados em grande medida por
regras institucionais que facilitaram o bloqueio de reformas por grupos de
interesse. A discussão do caso brasileiro nesses estudos é, contudo, baseada em
suposições empiricamente questionáveis sobre o sistema político brasileiro e
(como será discutido na seção seguinte) as suas conclusões falham na tentativa
de explicar por que o modelo de três pilares nunca foi sequer proposto (e muito
menos ainda aprovado) no Brasil.
BRASIL: INSTITUIÇÕES, PATH DEPENDENCY E "IMITAÇÕES DECEPCIONANTES"
Brasil e Chile foram pioneiros na primeira onda de reformas ocorrida nos anos
20. Entretanto, na segunda onda, nos anos 80 e 90, eles seguiram trajetórias
divergentes. O Brasil foi um dos retardatários. Baseado em um formato de
repartição, em meados dos anos 80 o sistema previdenciário brasileiro era um
dos mais desenvolvidos da América Latina em termos de cobertura e benefícios,
inclusive taxas de substituição. Em 1999, nada menos do que 79% da população
com 60 anos ou mais de idade recebia pensões públicas. Dessa população, a
parcela dos benefícios da seguridade social na renda total de aposentados
masculinos e femininos era de 55% e 77%, respectivamente (dados de 1999). Na
América Latina, a parcela da seguridade social no gasto público social do
Brasil era menor apenas do que a do Uruguai (Vélez e Ferreira, 2002).
A reforma previdenciária entrou na agenda pública no início dos anos 90, como
um esforço reformista para compensar as generosas inovações constitucionais
introduzidas na constituição democrática de 1988. Sua elaboração foi o ápice do
processo de democratização iniciado na metade dos anos 70 e direcionado para
uma transição do regime militar para o civil na metade dos anos 80. As
disposições constitucionais refletiram as demandas dos servidores públicos,
sindicatos e políticos clientelistas, resultando em um sistema de repartição
ainda mais desigual se comparado com o estabelecido na década de 30. Após um
efêmero esforço reformista durante o governo Collor de Mello (1990-1992),
quando o sistema chileno foi debatido pelo Ministério de Previdência e
Assistência Social ' MPAS, somente durante o primeiro mandato de Fernando
Henrique Cardoso (1994-1998) é que a reforma foi proposta, principalmente para
eliminar as distorções do sistema. Por quatro anos, o Congresso esteve
envolvido na discussão da mesma, tendo aprovado uma reforma paramétrica que
refletia a maioria das disposições da proposta original. Por meio de lei
complementar aprovada em 1998-1999, o governo propôs um sistema sueco ajustado
de contas especulativas para as pensões privadas.
O processo de reforma foi marcado por uma resistência ferrenha por parte de
sindicatos dos setores público e privado, pensionistas, partidos de esquerda e
numerosos grupos de interesse, tendo o governo sido derrotado em disposições
específicas no decorrer da votação ' a única área em que isto ocorreu durante a
reforma constitucional abrangente implementada pelo governo FHC. Após uma
efêmera tentativa de estabelecer negociações coletivas com confederações
sindicais, o governo conseguiu aprovar parte de seu pacote de reformas e foi no
decurso da votação da legislação regulamentar que ele conseguiu introduzir o
"fator previdenciário", ou seja, o formato para o estabelecimento de contas
escriturais5. O governo conseguiu aprovar com facilidade esse dispositivo
porque, em virtude de suas tecnicalidades, os custos que acarretava para os
futuros aposentados se tornaram politicamente invisíveis (Melo, 2002a).
A atual direção do Partido dos Trabalhadores submeteu ao Congresso uma proposta
de reforma das pensões dos servidores públicos com o objetivo de eliminar
desigualdades adicionais do sistema. O aspecto mais radical da reforma é a
fusão, na prática, das pensões dos setores público e privado. Para os
servidores públicos, que desfrutavam de aposentadorias que igualavam (ou até
excediam) os salários do período de pré-aposentadoria, a reforma impôs o mesmo
teto de remuneração dos trabalhadores do setor privado, reduzindo drasticamente
o valor de futuras pensões em comparação com o sistema antigo. Um segundo
pilar, administrado e financiado publicamente, foi proposto com um formato
voluntário ao invés de um modelo obrigatório que suscitava oposição. Na
prática, todos os novos e atuais servidores públicos devem contribuir para o
novo pilar, devendo as instituições governamentais complementar o valor de suas
contribuições. O futuro sistema é um híbrido: ele será um sistema público e
nocional expandido (o teto foi elevado em 60% aproximadamente) somado a um
sistema privado suplementar e voluntário, além de um segundo pilar voluntário
para os servidores públicos.
As instituições internacionais desempenharam importante papel no
desenvolvimento da seguridade social no Brasil (Hochman, 1988; Malloy, 1979). O
Banco Mundial e a CEPAL substituíram a OIT como principais fontes de influência
no contexto da segunda onda de reformas. A CEPAL organizou um seminário
internacional no Brasil em 1993, fornecendo uma plataforma para a discussão da
reforma da previdência no país e estabelecendo um acordo de cooperação técnica
com o MPAS. Além disso, ela contribuiu para a organização de dois outros
influentes seminários (em dezembro de 1998 e dezembro de 2000) com o MPAS, o
Banco Mundial, a OIT e o FMI. O Banco Mundial e o BID também ofereceram
empréstimos para a contratação de assessoria técnica na área6.
Na administração do presidente Collor de Mello, o Brasil constituiu, prima
facie, um caso clássico de mimetismo institucional. Em 1991, uma equipe de
especialistas foi enviada para estudar o sistema chileno, com o intuito de
extrair lições daquela experiência e sugerir uma reforma do sistema
previdenciário brasileiro. Todavia, a proposta jamais foi considerada pelos
especialistas de políticas previdenciárias no Brasil. Durante a revisão
constitucional de 1993-1994, grupos de interesse apresentaram diversos
projetos, nenhum dos quais entrou na agenda política (para uma reconstituição
detalhada, cf. Melo, 1997).
O Brasil também copiou de forma um tanto explícita o modelo especulativo sueco-
italiano: mais uma vez, um exemplo prima facie de comportamento mimético. Nas
palavras do arquiteto da reforma brasileira:
"Inicialmente, quando estudávamos a reforma previdenciária, várias
alternativas foram analisadas. Estudamos os modelos de privatização
na América Latina, estudamos os modelos das contas nocionais da
Suécia e outros modelos mistos, como o da Argentina e do Uruguai, e
analisamos estudos feitos pela Cepal" (Pinheiro, 2001:32).
Ele então concluiu que o sistema de capitalização escritural ou virtual era o
modelo a ser escolhido:
"Passamos, assim, a estudar o sistema sueco, adotado também em alguns
países do Leste, como a Polônia e a Lituânia, além da Itália [ ] um
sistema em que cada pessoa tem sua conta individual onde são
creditadas as suas contribuições e, ao final da vida laboral, os
segurados têm direito a requerer uma anuidade calculada com base
nesse esforço contributivo" (ibidem).
A altíssima IPD do Brasil sugeria que o país iria inserir a reforma na sua
agenda muito em breve. Isto sem dúvida aconteceu no governo Collor de Mello,
mas nenhum esforço determinado ocorreu até a reforma constitucional proposta
pela administração Fernando Henrique (1994-2002). A reforma foi aprovada ao
final de um processo extremamente prolongado. Todavia, Fernando Henrique jamais
propôs um sistema misto ou um segundo pilar obrigatório.
A ausência de reforma no Brasil e a aparente paralisia decisória sugerem um
processo de path dependency. Sem dúvida, os constrangimentos impostos pela alta
dívida previdenciária implícita estavam muito claros para os formuladores de
políticas brasileiros. Os desenvolvimentos ocorridos no decorrer do processo de
reforma da seguridade social entre 1994 e 1999 são inspiradores. Em 1997,
Fernando Henrique encarregou um dos seus principais assessores econômicos e
arquiteto intelectual do Plano Real, André Lara Resende, de examinar a questão
da reforma previdenciária após esta ter sido enviada ao Congresso. Resende e
sua equipe examinaram a possibilidade de usar os recursos da privatização de
empresas estatais do país para cobrir os custos da transição para um sistema de
capitalização ou misto7. A proposta foi vetada pelo Banco Central por ser tida
como potencialmente danosa à credibilidade do país junto aos mercados
financeiros internacionais, em um ambiente financeiro altamente instável8.
Embora a maioria dos especialistas em políticas acreditasse que um sistema de
capitalização pudesse levar a poupanças mais altas no futuro, medidas
destinadas a implementar o sistema foram vistas como prejudiciais à frágil
credibilidade do país no curto prazo.
O secretário de Previdência Social e co-autor do esquema do fator
previdenciário Vinícius Pinheiro descreveu nos seguintes termos a importância
dos custos de transição na decisão de não embarcar em uma reforma mais
ambiciosa:
"Os estudos nos mostraram que, em primeiro lugar, a transição para um
regime de capitalização, a privatização do sistema, não era uma
alternativa viável. Temos vários estudos que mostram que o custo de
transição de um sistema para outro, caso fosse adotado um sistema
puramente de capitalização, seria da ordem de 200% do PIB. Há vários
estudos do Banco Mundial que calcularam 205% em 98; a Cepal calculou
201,6% em 1999; a FIP/USP calculou 255% do PIB; IBGE/IPEA, 218%; FGV,
250%, Banco Mundial, em estimativa anterior, 188%, e a própria Cepal
calculou um custo que poderia ser diferido no tempo de 6% do PIB em
40 anos" (Pinheiro, 2001:31).
O processo de tomada de decisão subjacente às políticas adotadas no Brasil
destaca dois fatores. Primeiro, os custos de transição, de acordo com o
arquiteto da reforma: "claro que nessa discussão houve um debate acerca das
melhores formas de organização, seu impacto sobre o mercado de trabalho, seu
impacto sobre a poupança, mas o que realmente pesou na decisão sobre que tipo
de reforma adotar foi justamente o custo de transição" (ibidem). O segundo
fator foram os constrangimentos impostos pelos mercados financeiros
internacionais:
"Isso ocorreu em momento de vulnerabilidade das nossas contas
externas e internas, pois tínhamos acabado de passar pelo furacão da
crise da Rússia e não poderíamos adotar qualquer tipo de medida que
abrisse endividamento interno ou reduzisse superávit primário. Então,
esse caminho de reforma foi, de imediato, descartado" (ibidem)9.
Alta aversão ao risco nesse tipo de reforma e em um contexto como esse
desencorajaram os reformistas a embarcar em tentativas de reforma mais
audaciosas10.
O testemunho do presidente Fernando Henrique deixa claro que o comportamento
mimético não pode ser visto como um processo de difusão livre de
constrangimentos e determinado por outros fatores, tais como mecanismos
culturais ou de difusão por comunidades epistêmicas. Comportamento mimético
implica necessariamente escolhas feitas por atores, sobre as quais incidem
constrangimentos de várias ordens:
"É claro que a situação brasileira não pode ser comparada à chilena,
pois a massa de segurados do Brasil é muito maior, o problema da
transição é mais difícil, mesmo os bônus de transição são mais
complicados, e qualquer imitação teria resultado decepcionante"
(presidente Fernando Henrique, Anais do Seminário Internacional da
Reforma da Previdência, 1999:40, ênfase no original).
As reformas previdenciárias da segunda onda não apenas sofrem constrangimentos
de path dependency, mas também o problema de imposição de perdas. Como o
presidente Fernando Henrique colocou:
"[a reforma previdenciária] é matéria espinhosa. Não é fácil dizer:
faça como em tal país, porque cada país tem suas peculiaridades e
aqui há um problema ' e creio que os senhores terão alguma
contribuição a dar ' que é a chamada transição. Mesmo que se imagine
um sistema diferente do atual, é preciso ver o que se fará na
transição com os que já contribuíram, com os que têm expectativa de
direito, com os que organizaram sua vida em função de que poderiam
ter tal ou qual benefício, tal ou qual momento de aposentadoria"
(idem:39-40).
Os formuladores brasileiros de políticas públicas também aprenderam com a
experiência de outros países, conforme exemplificado por inúmeras referências
não apenas aos altos custos de transição de outras experiências, mas também aos
elevados custos administrativos, à reduzida cobertura dos regimes novos e à má
performance dos fundos de pensão latino-americanos (Melo, 2002a). É
interessante notar que o Banco Mundial teve uma participação na disseminação de
informações que envolveram o processo de aprendizagem11.
Explicando a "Inércia de Políticas" no Brasil
A trajetória errática da reforma previdenciária no Brasil tem sido interpretada
como uma reforma obstaculizada, conseqüência do sistema político fragmentado.
De acordo com esse argumento, partidos fracos e estruturas partidárias
fragmentadas, os efeitos desagregadores do federalismo na formação
universalista de políticas e o clientelismo combinam-se para debilitar os
esforços reformistas (cf. Kay, 2001; Madrid, 2000). Essa linha de argumentação
enfatiza a fragmentação no Brasil e prevê um impasse nas reformas e se baseia
nos efeitos de diversos traços do sistema político brasileiro. A representação
proporcional de lista aberta encoraja o comportamento individualista dos
políticos e mina a habilidade dos líderes dos partidos em promover linhas
partidárias de caráter nacional. Ademais, esse tipo de representação debilita
as orientações ideológicas e programáticas da parte dos legisladores. Os
partidos tornam-se assim um conjunto de facções e grupos restritos necessitados
de um mínimo de coerência. Além disso, alguns afirmam que a representação
proporcional dá origem ao multipartidarismo e obsta a formação de coalizões
estáveis. O presidencialismo é também, nessa linha de argumentação, fator
concorrente para isto. Em razão de os presidentes e os parlamentares serem
eleitos separadamente, eles respondem a diferentes grupos de eleitores, gerando
uma separação de propósitos entre esses atores institucionais, o que,
conseqüentemente, produz impasse. Recentemente, Figueiredo e Limongi (1999),
entretanto, desafiaram esse consenso, ao argumentarem que os partidos exibem,
surpreendentemente, altos níveis de coerência nas votações e estão distribuídos
consistentemente ao longo de um continuum ideológico. O segredo do
multipartidarismo presidencialista brasileiro reside na organização interna do
Congresso e na forma como os direitos e o poder de agenda dos parlamentares são
organizados. Isto se encontra fortemente estruturado de acordo com as linhas
partidárias e tende, inerentemente, a favorecer o Executivo. Tais fatores
respondem pela grande previsibilidade nas relações entre o presidente e o
Legislativo no Brasil, e sugere altos níveis de sucesso nas iniciativas de
reformas de políticas.
O argumento do "sistema político fragmentado" apresenta várias deficiências na
explicação da ausência de reformas no Brasil ou da opção por um sistema de
contas nocionais. Primeiro, ele não explica por que o sistema multipilar jamais
foi proposto e não entrou na agenda legislativa de reformas (restringindo-se à
agenda de vários grupos de interesse) em ocasião alguma. Ao contrário de países
como Chile ou Uruguai, o Brasil nunca teve um defensor para esse modelo de
políticas, nem mesmo nos círculos de políticas ou no governo. Não obstante o
grande número de estudos feitos por think tanks, nenhum dos principais
macroeconomistas brasileiros ou especialistas em previdência (com poucas
exceções) endossou completamente o modelo. Em 1994, o MPAS e a Comissão de
Valores Mobiliários ' CVM, formaram um grupo de trabalho com especialistas da
Universidade de São Paulo e do Instituto Atlântico (um think tank diretamente
ligado a instituições financeiras). A iniciativa foi tomada porque "tentativas
anteriores de rever a questão não avançaram, ou porque a inviabilidade do
sistema de seguridade social não havia sido ainda estabelecida, ou por conta da
dificuldade de financiamento dos custos de transição" (CVM, 1994:2). A
conclusão da equipe foi que os custos de transição seriam excessivamente altos.
Isto vale também para o círculo interno de especialistas do governo
pertencentes a instituições como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada '
IPEA, que eram, todavia, mais favoráveis a uma transição baseada em recognition
bonds e em um modelo misto. Embora a questão de uma reforma radical tenha sido
suscitada pela mídia, nenhuma proposta governamental alcançou a agenda
legislativa. O consenso dos especialistas em políticas referia-se à eliminação
de traços perversos do sistema previdenciário brasileiro (subsistema diferente
para os servidores públicos, pensões especiais e mais generosas para vários
grupos ocupacionais, aposentadorias por tempo de serviço independentemente de
requisitos de idade mínima, e assim por diante).
Em segundo lugar, o quadro de impasse nas reformas do Brasil pressupõe que: (1)
ou o governo tinha uma proposta que acabou sendo bloqueada, (2) ou o governo,
antecipando a derrota, desistiu de sua proposta em favor de uma versão bem
menos radical. Não há base empírica para qualquer dessas afirmações. A ausência
de reformas deveu-se mais a uma escolha política do que a uma incapacidade
institucional para reformar. As mudanças em relação às propostas efetivamente
apresentadas consistiam em alterações em uma proposta originalmente não radical
e de caráter paramétrico.
Em terceiro, o argumento é baseado em uma interpretação errônea das relações
Executivo-Legislativo no país. A imagem de um sistema político fragmentado tem
sido desafiada pela literatura recente. O Executivo no Brasil dispõe de uma
variedade de instrumentos para a imposição unilateral de sua agenda e o seu
sucesso em vencer resistências em outras áreas de políticas, como, por exemplo,
a reforma administrativa e a privatização, não é consistente com a imagem de um
Executivo não reformista (Figueiredo e Limongi, 1999; Melo, 2002a; 2002b). O
Congresso desempenhou um importante papel na aprovação do programa de
privatizações (Almeida, 1995), mas mesmo nos trabalhos congressuais o Executivo
prepondera. O papel deste último no controle do Congresso durante a reforma da
previdência ficou dramaticamente claro quando o presidente do Congresso
interveio para enviar a proposta do Executivo diretamente para o plenário, já
que ficou óbvio que nem o relator nem o presidente da comissão especial para
onde a proposta havia sido encaminhada apoiavam a emenda (para detalhes, cf.
Melo, 2002a). (Por uma variedade de razões, a habilidade do Executivo em impor
sua agenda no plenário do Congresso é muito maior do que nos trabalhos da
comissão.)
Em quarto lugar, o argumento do "sistema político fragmentado" ignora que a
inércia de reformas é largamente determinada por path dependency. A escolha
feita pelos reformadores brasileiros do sistema sueco de contas especulativas
foi determinada pelos enormes custos de transição com os quais uma eventual
reforma deveria arcar.
Se o Executivo tivesse capacidade de impor sua agenda (conforme exemplificado
em uma série de reformas ambiciosas feitas em outros domínios de políticas que
também exigiram mudanças na Constituição: a reforma administrativa, a lei de
responsabilidade fiscal e a desvinculação de recursos da União), por que não
houve então uma proposta de reforma igual às implementadas na Argentina ou no
Uruguai? Path dependency também desempenha um papel fundamental na explicação
desse fenômeno. A seqüência brasileira de democratização e estabilização
econômica não teve paralelo na América Latina: a liberalização precedeu a
estabilização da economia. As reformas de mercado foram retardadas uma vez que
tiveram que ser implementadas em um ambiente democrático em que os atores
políticos pudessem resistir às mudanças. Isto se refletiu no processo
constitucional de 1988, no qual as forças políticas de centro-esquerda e de
centro-direita eram os líderes da coalizão. Além do mais, o Brasil foi um dos
modelos mais bem-sucedidos de Estado desenvolvimentista até o final dos anos
70. Grandes grupos político-eleitorais da sociedade e das elites burocráticas
apoiavam uma intervenção ativa do Estado na economia e em áreas sociais,
incluindo aí a seguridade social. Ambos os fatores explicam por que nenhum
equivalente das agressivas equipes econômicas neoliberais que conduziram as
reformas em outros países pode ser encontrado no Brasil (Almeida, 1995; Almeida
e Moya, 1997). O Estado desenvolvimentista brasileiro reflete-se na sua carga
tributária extremamente elevada (mais de 33% do PIB no final dos anos 90), o
que representa pelo menos o dobro da média latino-americana. No Brasil, os
benefícios da seguridade social foram expandidos, havendo crescido em termos
reais nos anos 90, em flagrante contraste com o quase colapso do valor real das
aposentadorias em outros países latino-americanos. Isso ajudou a deslegitimar a
renovação estrutural do sistema de previdência. As preferências de políticas
dos especialistas do governo (e sua avaliação dos custos de transição que
teriam de ser assumidos em um ambiente de risco) e o amplo apoio da sociedade
em torno da seguridade social ajudam a explicar a aparente inércia do país
nessa área. Note-se que ao longo do tempo isso foi sendo reforçado pela perda
gradual de legitimidade do sistema de três pilares na comunidade epistêmica
setorial. A carga tributária crescentemente elevada no Brasil também ajuda a
explicar a sua maior capacidade de suportar déficits da seguridade social no
período.
A negação do argumento de que as instituições bloquearam a reforma não é o
mesmo que dizer que a habilidade do país de impor perdas não é um fator-chave
na explicação da reforma da seguridade social. De fato, ocorreram diversas
derrotas do governo no processo legislativo da reforma. A própria proposta de
desconstitucionalização do cálculo dos benefícios e o subseqüente esquema do
fator previdenciário foram aprovados com facilidade porque a amplitude de seu
impacto não foi percebida pelos atores envolvidos. Elas representaram uma
escolha política disfarçada de escolha técnica12. Contudo, nenhuma delas
envolveu propostas radicais, mas, pelo contrário, a eliminação de privilégios e
distorções específicas. A pergunta relevante é por que muitas das iniciativas
de reforma eram de natureza incremental e marginal e não abrangente.
O Banco Mundial e a Excepcionalidade do Brasil
A trajetória de reformas do Brasil não é consistente com a visão de que um ator
externo ' o Banco Mundial ' pressiona por uma agenda de reformas, a qual passa
a ser combatida por formuladores de políticas nacionais. Na verdade, reformas
mais radicais não eram defendidas pelo Banco Mundial exceto no início dos anos
90, no ápice do modelo chileno. Em 1995, o Banco Mundial sugeriu, ao contrário,
uma seqüência de reformas em três estágios:
"Levando-se em conta tanto os objetivos quanto os constrangimentos da
reforma previdenciária do Brasil, a seguinte seqüência pode ser
considerada. Durante a primeira fase, todas as reformas que tenham ou
implicações fiscais pequenas ou que reforcem o ajuste fiscal poderiam
ser implementadas [...] isso exige que se traga o nível de benefícios
a um nível mais sustentável. Durante esse processo, medidas
adicionais para o aperfeiçoamento da administração do [...] seguro
social e de seus benefícios podem ser introduzidas. A fragilidade do
sistema de previdência privada pode ser enfrentada durante a fase
inicial da reforma. Na segunda fase o governo poderia considerar a
formação de reservas técnicas para o sistema de seguro social que
possibilitem a redução gradativa da alíquota da contribuição
incidente sobre a folha de pagamento. Durante o terceiro estágio, o
pilar obrigatório integralmente capitalizado poderia ser introduzido"
(World Bank, 1995:xxi, ênfases no original).
Ainda em 1997, no contexto em que a reforma brasileira estava sendo discutida
no Congresso Nacional, o Banco Mundial insistia que o Brasil deveria utilizar o
modelo de três pilares, espelhando-se na Argentina (Gill, 1997), ou seja, o
país deveria completar a seqüência que o próprio Banco sugeria. A opção de
contas nocionais era vista como uma alternativa inferior ao modelo latino-
americano, por não ter impacto sobre o nível de poupança e por requerer aumento
de contribuições em resposta ao envelhecimento da população. A alternativa de
países como a Alemanha ' a de não reformar ' não era vista como atraente porque
simplesmente o país não era rico o suficiente para financiar o sistema com a
receita pública (idem:4). No entanto, percebe-se uma mudança de ênfase em
relação à solução proposta no início da década. Após a adoção pelo Brasil do
regime de capitalização escritural em 1999, o Banco Mundial, definitivamente,
muda de perspectiva. Nas recomendações feitas em seu relatório setorial de
2001, o Banco afirma que o crescimento do terceiro pilar ' que já se observava
como tendência ' tornaria "desnecessário o segundo pilar obrigatório". No
relatório de políticas do Banco Mundial argumenta-se que havia poucas razões
ligadas ao mercado de trabalho para o governo exigir um componente
capitalizado. Em suas recomendações, o relatório conclui que "mantendo um
primeiro pilar reduzido e tendo um pilar voluntário bem regulamentado pode ser
suficiente para o Brasil, assim como tem sido para os EUA" (World Bank, 2001a:
17).
Essas passagens deixam claro que o Banco Mundial modificou suas recomendações
de políticas para o Brasil. Embora insistindo que um movimento em direção a um
sistema obrigatório capitalizado não deveria ser ignorado por ter vantagens
sobre o sistema nocional, o Banco Mundial passa a ser muito menos crítico das
opções de políticas do Brasil. Ao considerar as alternativas de uma reforma
paramétrica mais profunda ou de um sistema multipilar, a posição do Banco é bem
menos assertiva; limita-se a afirmar que: "simulações de um cenário de reforma
multipilar indicam que esta opção não deve ser ignorada." (ibidem)
Prima facie, a trajetória de reformas do Brasil nos anos 90 tem expressivas
similaridades com a seqüência recomendada pelo Banco Mundial no início da
década. Ela se realizou a partir de uma série de reformas paramétricas
consistentes com os dois primeiros estágios sugeridos. No entanto, nunca se deu
o passo final para a criação de um sistema de capitalização obrigatório,
optando-se, em vez deste, por um modelo de contas escriturais. O Banco Mundial
jamais recomendou o estabelecimento imediato de um segundo pilar (em oposição a
um formato incremental e seqüencial), e praticamente concluiu que ele seria
desnecessário. Na verdade, o padrão de interação entre o Banco Mundial e os
formuladores de políticas públicas brasileiros pode ser caracterizado mais
adequadamente como um diálogo permanente de políticas, no qual os atores
domésticos fizeram escolhas constrangidas pela path dependency e por
instituições políticas. Tais escolhas foram, em grande parte, aprovadas pelo
Banco Mundial. A reforma no Brasil refletiu uma mudança na agenda de políticas,
onde o sistema multipilar perdeu o encanto gradualmente, e isto também se
manifestou na agenda do próprio Banco Mundial13.
CONCLUSÕES
Neste artigo discuti os tipos de explicação presentes na literatura recente
sobre mudança e inovação institucional em um contexto global, ilustrando a
argumentação com o caso da difusão internacional da política de reforma da
previdência. Nessa discussão apresento argumentos contrários às explicações que
destacam unilateralmente o papel de atores externos e mostro as limitações das
abordagens baseadas nos modelos de difusão, nos quais tipicamente o espaço de
escolha dos atores não é examinado. Embora os fatores externos sejam
importantes, os fatores domésticos continuam cruciais na determinação dos
resultados dos processos de difusão de políticas. Embora idéias e modelos de
políticas cumpram um certo papel nos processos de difusão de reformas, o
alcance de sua influência e a forma como modelam escolhas políticas concretas
são determinados primariamente por instituições políticas e por fatores
domésticos de path dependency. Nesse sentido, idéias e paradigmas de políticas
proporcionam um conjunto de possibilidades para escolhas que sofrem restrições
institucionais e de path dependency.
Com relação à difusão das reformas da previdência no Brasil, argumento que não
foram resistências e pontos de veto doméstico que impediram a adoção durante o
governo Fernando Henrique Cardoso dos modelos preconizados internacionalmente.
As vicissitudes da reforma no Brasil podem ser mais bem explicadas por path
dependency(tal como refletido nos custos de transição) e pelas dificuldades
naturais de processos de "imposição de perdas". O modelo de três pilares
preconizado pelo Banco Mundial, na realidade, não foi adotado nem sequer
considerado seriamente pelos policy-makers. Os reformadores brasileiros
copiaram um modelo existente no mercado de idéias ' o de capitalização virtual
', mas tal comportamento emulativo pode ser melhor considerado como um exemplo
de escolha institucional constrangida por path dependency do que como um
comportamento mimético ou resultante de pressões.
As idéias importam, mas não como previsto em parte da literatura da difusão:
elas estabelecem os termos para o debate de políticas, mas não necessariamente
o conteúdo de uma iniciativa de reforma. No artigo, sustento também que a
inércia reformista do Brasil tem pouco a ver com as vicissitudes das reformas
em um sistema político fragmentado. A interpretação da reforma brasileira pela
literatura que considera as instituições políticas, embora enfatize o papel
crucial dessas instituições no processo, padece de problemas empíricos e
conceituais. A visão do sistema político brasileiro como fragmentado ignora a
organização interna do Congresso e os poderes de agenda do presidente.
NOTAS
1. Lodge (2003), por exemplo, observa o impacto de três fatores institucionais
que contam nos diferentes resultados de reformas na regulação de estradas de
ferro no Reino Unido e na Alemanha: poderes coercivos (associados à
europeização da regulação), a base institucional das pressões da sociedade
sobre os reformadores e o nexo político-administrativo. As instituições
políticas (incluindo o Legislativo, os partidos e as organizações territoriais
do Estado) não são discutidas.
2. Para a história intelectual recente da controvérsia sobre o papel dos
regimes de capitalização na poupança nacional, ver Holzmann e Stiglitz (2001).
3. A IPD é uma característica dos sistemas de repartição (conhecidos como pay-
as-you-go), em que os trabalhadores esperam receber uma pensão específica como
retorno pelas suas contribuições, independentemente do montante atual de
recursos, os quais podem não cobrir os custos totais de suas pensões. Deve-se
notar que os custos de transição nos sistemas mistos adotados na América Latina
podem ser parcialmente diferidos porque o sistema público continua a pagar uma
pensão básica. Como o sistema público retém membros contribuintes, os custos
fiscais são reduzidos, pelo menos por um dado período de tempo. A dívida
previdenciária implícita torna-se explícita no sistema previdenciário
suplementar.
4. Para um processo paralelo no setor de atenção à saúde, ver Melo e Costa
(1994).
5. Neste formato, introduzido em 1999, o valor do benefício é calculado usando-
se uma média dos 80% mais altos salários anuais durante um período inteiro de
contribuição. A fórmula inclui um coeficiente atuarial que multiplica o salário
médio. O coeficiente atuarial é calculado de acordo com o tempo de contribuição
do trabalhador, idade e expectativa de vida após a aposentadoria. Esta nova
fórmula cria uma ligação mais estreita entre as contribuições e os benefícios e
encoraja os trabalhadores a continuarem trabalhando, mesmo após cumprirem todas
as qualificações legais para a aposentadoria. Uma forma de transição foi
incluída mediante a aplicação gradual do coeficiente atuarial em um período de
cinco anos. De acordo com estimativas oficiais, com essa nova fórmula de
benefícios o regime geral do setor privado geraria um superávit que subiria a
quase 1% do PIB por volta do ano de 2010, em vez de um déficit de 2% do PIB sem
a reforma.
6. O BID e o Banco Mundial estabeleceram uma divisão de trabalho segundo a qual
o primeiro iria fornecer assessoria e empréstimos para a reforma dos sistemas
previdenciários no plano estadual, enquanto o último concentraria seu foco na
esfera federal (Elena, 1998). Essa divisão de trabalho mudou ao longo do tempo,
uma vez que o Banco Mundial começou a concentrar seus esforços nas reformas da
previdência pública dos estados e municípios. Tal iniciativa foi inicialmente
objeto de resistência por parte do MPAS.
7. Entrevistas com Francisco Barreto e José Cechin, então secretário-executivo
do Ministério de Previdência e Assistência Social e ministro interino da
Previdência. Barreto, entretanto, permaneceu um defensor isolado de um sistema
misto parecido com o da Argentina (cf. Oliveira, Beltrão e Ferreira, 1997:68).
O forte tom de indignação desse texto é proporcional ao grau de isolamento dos
autores em relação aos policy-makers do Executivo. Para uma análise detalhada
da evolução das propostas na década de 90, cf. Melo (1997; 2002a:121-150).
8. José Cechin, entrevista ao autor. Segundo Cechin, o grupo apresentou o
projeto ao presidente do Banco Central, Francisco Lopes, que teria perguntado
quanto custaria: "Quando lhe disseram que custaria 2,5% do PIB, Chico Lopes
afirmou no way!'". Para uma análise da aversão ao risco como inibidor de
mudanças no contexto da reforma tributária, cf. Melo (2000).
9. José Cechin, entrevista ao autor.
10. Já em 1996, o secretário-executivo do Ministério de Previdência e
Assistência Social assegurou que a reforma chilena não poderia ser imitada pelo
Brasil. "Basta lembrar o impacto fiscal que a transição [para um modelo novo]
implica, para reconhecer sua inviabilidade no Brasil sem que se reformule o
sistema existente. O governo chileno, excluída a previdência, gerava 10% de
superávit fiscal antes da reforma, e 11,9% oito anos depois" (Cechin, 1996).
11. O Banco Mundial concedeu dois empréstimos de reforma setorial da seguridade
social (SS SECAL PO63340 e PO64601) e mais três empréstimos para,
respectivamente, a reforma do INSS (PO62619), a reforma dos sistemas
previdenciários dos estados (PARSEP 57910) e a reforma dos sistemas
previdenciários municipais (PO74777). Por meio desses empréstimos, a alta
burocracia técnica do MPAS pôde participar de seminários de treinamento em
reforma da seguridade social em Harvard, com o grupo de consultores do Banco.
12. Segundo Cechin, "tomamos enorme cuidado para não dar visibilidade ao fato
de que havíamos retirado o artigo relativo à média dos últimos 36 meses como
base do cálculo de benefício. Só os nossos parceiros sabiam" (entrevista ao
autor). Para o testemunho de vários atores envolvidos no processo decisório,
cf. Melo (2002a, cap. 6).
13. O Banco Mundial teve um papel provavelmente mais importante na criação dos
fundos de pensão estaduais que foram objeto de um empréstimo setorial
específico, o Programa de Apoio à Reforma dos Regimes Estaduais de Previdência
' PARSEP. No contexto desse empréstimo, foi criado o Departamento dos Regimes
de Previdência do Serviço Público ' DEPSP. O próprio Banco expressou sua
relação com o MPAS da seguinte forma: "O Ministério da Previdência, que era
responsável pelo resto do sistema previdenciário, estava preocupado com o
envolvimento do Banco e que uma solução imposta pelo Banco fosse imposta ao
Brasil", mas resolveu fazer um teste (World Bank, 2001b). Para a adesão dos
estados à reforma, a estratégia do Executivo foi semelhante ao que ocorreu no
caso das privatizações e negociação das dívidas estaduais: o governo federal
aportou recursos muitas vezes de forma antecipada pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social ' BNDES e por meio de empréstimos.