A dinâmica produtiva recente da metrópole paulista: das perspectivas pós-
industriais à consolidação do espaço industrial de serviços
INTRODUÇÃO
Desde meados dos anos 1980, um crescente debate sobre o caráter industrial das
metrópoles, em geral, e da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, em
particular, tem sido trazido a lume pela literatura nacional e internacional.
Presente com mais força em um amplo conjunto de trabalhos que tratam da
regionalização da economia brasileira, podemos situar uma linha de pesquisa que
enxerga nas deseconomias de aglomeração plasmadas pelos elevados custos dos
fatores de produção na metrópole, bem como pelo esgarçamento infra-estrutural
de sua área, movimentos de sucessão regional da indústria no Estado de São
Paulo. Sob essa perspectiva, territórios alternativos de industrialização
estariam emergindo, em substituição à RMSP, como centros dinâmicos da indústria
brasileira. O espaço da metrópole paulista não seria mais o espaço da
indústria, uma vez que as (novas) economias de aglomeração do interior paulista
e de outras regiões brasileiras dela retirariam sua centralidade em termos da
dinâmica da indústria nacional, em uma suposta reversão da polarização
industrial – a qual, além dos fatores mencionados anteriormente, foi acentuada
pelas políticas de desconcentração regional da atividade econômica promovidas
pelo Estado brasileiro desde meados da década de 1970 (cf. Negri e Pacheco,
1994; Negri, 1996; Pacheco, 1999; Tavares, 2000; Caiado, 2002).
Simultaneamente a esse debate, podemos localizar uma outra tradição de pesquisa
sobre o papel produtivo dos grandes conglomerados urbanos – esta é tratada mais
intensamente pela literatura internacional e relativamente explorada na
imprensa brasileira. Nesta tradição, ainda que sob pressupostos metodológicos
distintos da abordagem anterior, também somos levados a concluir que o lugar da
metrópole não é mais o da indústria manufatureira. A intensificação da
globalização, a emergência de sociedades opulentas, as transações financeiras
internacionais e os investimentos diretos estrangeiros agiriam como elementos
condutores de uma mutação das megacidades em centros de serviços tradicionais e
modernos, em substituição aos setores industriais como motores do dinamismo
econômico regional (Cohen, 1981; Friedmann e Wolff, 1982; Feagin e Smith, 1987;
Sassen, 1998; 2001; Short, 1996).
Por entender que essas duas estratégias de investigação, embora por caminhos
teórico-metodológicos distintos, conduzem a interpretações equivocadas sobre o
papel que a indústria ainda desempenha nos processos de mudança que a RMSP vem
atravessando nos últimos anos, julgo relevante, neste artigo, tratar da
persistência dos setores industriais como motores do desenvolvimento no
território metropolitano paulista. Em poucas palavras, buscarei enfatizar que
as transformações socioeconômicas da metrópole não se dão contra ou a favor da
indústria, mas basicamente por causa dela.
Sempre tendo a literatura acima como referência, estruturei a pesquisa em três
eixos básicos de análise teórica e empírica, os quais explorarei doravante.
Em primeiro lugar, um de meus objetivos principais será aprofundar o diálogo
com a literatura em voga internacionalmente acerca das novas configurações dos
espaços urbanos. Segundo essa literatura, uma nova era baseada nos fluxos
globais de capital e informação transformaria o papel produtivo das metrópoles,
conduzindo-as, inexoravelmente, a uma etapa histórica pós-industrial na qual as
velhas engrenagens das manufaturas abandonariam os espaços urbanos para dar
lugar ao setor de serviços modernos como o agente causal básico dos processos
de desenvolvimento territorial. Nessa visão analítica, os setores industriais
são deslocados para um papel coadjuvante no que concerne às novas configurações
produtivas que tomam forma nas grandes metrópoles mundiais (cf. Short, 1996;
Beaverstock et alii, 1999; Sassen, 1998; 2001; Taylor et alii, 2002).
Com base em uma orientação teórica e empírica alternativa, combaterei a idéia
de que o caráter global das metrópoles seria capaz de agir, de modo ubíquo,
como força motriz do desenvolvimento socioeconômico metropolitano. No caso da
RMSP e seu entorno imediato, é possível verificar que as conexões causais entre
os crescentes movimentos de globalização da economia e a desindustrialização
metropolitana – impulsionada pela expansão do setor terciário moderno voltado
para as atividades de controle corporativo – não podem ser empiricamente
comprovadas no espaço urbano paulista (Acca, 2003).
Com efeito, a constatação empírica de que a indústria se constitui no motor do
desenvolvimento territorial no Estado de São Paulo não anula o fato de que o
setor de serviços avançados e o setor financeiro encontram na metrópole espaços
privilegiados de localização, visto que na RMSP estão instaladas as sedes das
principais multinacionais implantadas no Brasil e dos mais importantes bancos
nacionais e estrangeiros. Dessa forma, sob meu enfoque de análise, os recentes
movimentos de liberalização dos mercados financeiros internacionais e de
desregulamentação do setor financeiro nacional apenas reforçam o papel da
metrópole paulista como ponto de ancoragem dos capitais estrangeiros que
atracam no Brasil.
Diante disso, as configurações produtivas da RMSP baseiam-se em um tipo de
arranjo híbrido no espaço socioeconômico metropolitano, já que a consolidação
do setor de serviços avançados e dos circuitos de acumulação do capital
financeiro não é capaz de promover uma sucessão setorial na metrópole, com a
qual o segmento manufatureiro entraria em inevitável declínio como motor do
desenvolvimento territorial. Isto porque, tendo em vista o baixo grau de
internacionalização da economia brasileira (Unctad, 2002a; 2002b), os setores
apontados por vários pesquisadores como os novos dínamos da economia urbana –
quais sejam, os serviços modernos e as movimentações financeiras globais –
apresentam, evidentemente, um desempenho pífio quando comparados com os centros
financeiros internacionais, como Nova York e Londres. Assim, o caráter global
da metrópole paulista – e seu conseqüente aparato terciário avançado – parece
estar longe de se transformar no carro-chefe da economia regional, como muitos
pesquisadores observam (cf. Beaverstock et alii, 1999; Marques e Torres, 2000;
Sassen, 1998; 2001; Tavares, 2000; Taylor et alii, 2002).
Em segundo lugar, tentarei recolocar o debate sobre o suposto esvaziamento
industrial da metrópole – exposto em uma tradição de pesquisa bastante avançada
nacionalmente, que toma as trajetórias declinantes do Valor de Transformação
Industrial e do emprego industrial metropolitano como sinais indeléveis de seu
declínio na estrutura produtiva paulista, em favor de espaços de produção no
interior do Estado de São Paulo (ver, p.ex., Negri e Pacheco, 1994; Negri,
1996; Pacheco, 1999; Tavares, 2000; Caiado, 2002).
A partir de um esquema analítico alternativo, baseado em uma série de arranjos
empíricos sobre os padrões de expansão territorial da indústria paulista, meu
objetivo é demonstrar que o restrito processo de espraiamento da indústria em
São Paulo para regiões contíguas à metrópole evidencia o peso da RMSP nos
encadeamentos industriais do estado, de modo que as relações de proximidade
espacial continuam a exercer forte influência sobre os movimentos locacionais
do setor industrial estadual. Desse modo, buscarei avançar em relação às
estratégias de investigação que separam a RMSP do restante do estado –
construindo uma grande categoria denominada "interior" –, as quais apenas
superestimam as perdas industriais da metrópole em favor de outras regiões
(Negri e Pacheco, 1994; Negri, 1996; Pacheco, 1999; Tavares, 2000; Caiado,
2002).
Em terceiro lugar, será meu escopo ressaltar, com base nos dados disponíveis do
Valor Adicionado Fiscal – VAF e do Valor de Transformação Industrial – VTI, o
surgimento de novas economias de aglomeração metropolitanas estruturadas em
torno da integração produtiva entre os setores secundário e terciário (Veltz,
1997; 2002; Miles e Boden, 2000; Pollard e Storper, 1996; Storper, 2000;
Tomlinson, 2001).
As evidências disponíveis em termos empíricos nos encaminham para um tipo de
análise alternativa que, ao invés de colocar o crescimento dos serviços em
contraposição às atividades produtivas industriais, enfatiza que este
crescimento se dá, em boa medida, em razão das imbricações organizacionais e
produtivas existentes entre os segmentos industriais e de serviços –
reforçando, assim, um hibridismo socioeconômico que tem sido, há muitos anos,
uma das marcas distintivas da metrópole paulista, bem como de outras formações
megaurbanas em países em desenvolvimento. Em outros termos, ressaltarei, em
contraposição às vozes dominantes, a vocação industrial da RMSP, de sorte a
combater a idéia da terciarização metropolitana.
TRANSFORMAÇÕES PRODUTIVAS RECENTES NA METRÓPOLE PAULISTA: A PERSISTÊNCIA DA
INDÚSTRIA COMO MOTOR DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
As transformações recentes sofridas pela economia metropolitana estão longe de
ser adequadamente compreendidas. O entendimento equivocado de que o espaço
produtivo metropolitano estaria seguindo uma senda sem retorno rumo a uma
economia terciária evidencia que as relações entre os setores industriais e de
serviços são analisadas de modo estanque pela literatura, de maneira a
engendrar confusões empíricas que têm conduzido a uma fantasia pós-industrial
que se distancia cada vez mais da complexa dinâmica produtiva e territorial.
Dinâmica que, por sua vez, está no centro de um movimento de reespacialização
das atividades econômicas na malha produtiva metropolitana.
A "ilusão estatística" – para a qual somos freqüentemente conduzidos – de que o
segmento terciário tenderia a dominar a paisagem socioeconômica metropolitana
tem suas raízes em uma compreensão inadequada das relações que movem o setor
industrial e o setor de serviços, as quais são caracterizadas, essencialmente,
por novos padrões de organização da indústria, que vem experimentando processos
intensos de reestruturação produtiva nos últimos anos. Assim, muitas atividades
que durante o auge da produção em massa eram executadas no interior da empresa
industrial foram externalizadas e atualmente são registradas como atividades do
terciário, ainda que mantendo uma relação de simbiose com os processos de
produção industrial. Dessa forma, o crescimento do setor terciário traz a lume
a sua complementaridade com o setor industrial na organização socioeconômica do
território, tornando a RMSP não um espaço metropolitano pós-industrial ou
terciário, mas uma metrópole industrial de serviços, na medida em que não se
trata de uma ruptura entre indústria e serviços ou de uma transição rumo aos
serviços, mas de arranjos produtivos baseados na complementaridade entre esses
dois setores da vida econômica (Moulaert et alii, 1997; Miles e Boden, 2000;
Tomlinson, 2001; Veltz, 2002), e cujas expressões territoriais se distanciam
daquelas trazidas à baila pelos teóricos da pós-industrialização (Sassen, 1998;
2001; Taylor et alii, 2002).
Diante da emergência de arranjos territoriais cada vez mais marcados pela
interdependência entre os setores econômicos, entendo que poucos autores têm se
debruçado sobre a relação entre os movimentos de aglomeração industrial em
áreas metropolitanas – e as regiões em seu entorno – e a formação, cada vez
mais intensa, de encadeamentos intersetoriais. O foco exclusivo no setor
industrial ou no segmento de serviços turva as perspectivas que se abrem a
novas possibilidades de configuração territorial que exorbitam as fronteiras
entre os municípios da RMSP e outras regiões do Estado de São Paulo. Nesse
sentido, o setor de serviços, muito longe de representar um deslocamento do
setor industrial como fonte de riqueza e desenvolvimento, age como um
determinante locacional basilar na construção de uma nova economia industrial –
altamente dependente do setor de serviços –, o que faz da metrópole fator
essencial nesse novo esquema de organização socioespacial (Veltz, 2002).
A expressão locacional dessa dependência pode ser verificada no Estado de São
Paulo, onde as crescentes deseconomias de aglomeração metropolitanas não
produziram nem desindustrialização, tampouco uma dispersão territorial
consistente das firmas industriais, ainda que observemos a expansão da infra-
estrutura de transporte estadual e o advento da "guerra fiscal" em meados dos
anos 1990.
É importante, dessa forma, explorar algumas características distintivas dos
serviços e sua organização produtiva para que possamos entender as interações
intersetoriais que estão na base de várias aglomerações produtivas
metropolitanas, as quais tendem a funcionar como amortecedores de processos
mais amplos de desconcentração regional da atividade produtiva. Em primeiro
lugar, a produção de serviços envolve uma grande quantidade de trabalho
intelectual que produz uma série de bens intangíveis e específicos para uma
gama diferenciada de clientes. Em segundo lugar, esse caráter customizado dos
serviços modernos envolve a interação freqüente entre produtores e clientes.
Nas palavras de Miles e Boden (2000:8), "os serviços são ‘cliente-intensivos’,
os quais requerem insumos do consumidor no processo de concepção/produção".
Como conseqüência desses dois fatores, a produção de serviços envolve, por um
lado, baixas economias de escala – uma vez que sua produção não é uniforme,
porque determinada pelas necessidades específicas do consumidor final – e, por
outro lado, uma constante necessidade de proximidade com o cliente, a qual
torna a aglomeração quase inevitável, mesmo com a evolução dos mecanismos de
transmissão de dados e dos meios físicos de transporte (Moulaert et alii, 1997;
Miles e Boden, 2000).
A concentração das atividades intensivas em conhecimento na metrópole está
baseada, destarte, em externalidades imateriais que se tornam componentes
basilares na geração e reprodução de conhecimento e inovação, tanto na
indústria como nos serviços. Em outros termos, a descontinuidade, a produção em
baixa escala e a necessidade constante de interações intra e intersetoriais
tornam essas externalidades componentes essenciais da atratividade econômica
metropolitana para os setores mais modernos da economia. Com efeito, essas
interações intersetoriais trazem à baila novas reflexões sobre o papel das
políticas públicas que visem a estimular a produção industrial, já que o foco
exclusivo nas manufaturas pode turvar ou mesmo enfraquecer os efeitos positivos
das relações sociais que exorbitam tanto as fronteiras entre os setores
econômicos como os limites territoriais formais estabelecidos nos mapas.
O crescimento do setor de serviços, desse modo, é indissociável da dinâmica
industrial, reforçando a construção de um caráter socioeconômico híbrido na
metrópole paulista, uma vez que os serviços se desenvolvem em um movimento
estritamente dependente das relações de produção plasmadas no interior da
indústria. Posto de outra forma, o avanço do terciário ocorre, em boa medida,
como resultado de processos de reordenação produtiva na indústria, não
trilhando um caminho paralelo ou contrário aos mecanismos da produção
manufatureira. É importante enfatizar, assim, que os processos de reorganização
das relações de produção no núcleo-base da economia paulista – entre os quais a
consolidação de um setor terciário moderno metropolitano – estão fortemente
relacionados às intensas transformações experimentadas pelo setor industrial
nos anos 1990.
Os diferenciais de produtividade entre as atividades industriais e de serviços
podem nos conduzir a uma falsa impressão de que estamos vivenciando um
inevitável declínio do setor industrial como setor-chave do desenvolvimento
econômico. Nesse sentido, as maiores taxas de produtividade no setor industrial
em comparação com os serviços contribuem não somente para uma participação mais
robusta desse setor na composição do valor adicionado ou do Produto Interno
Bruto – PIB, mas também para um declínio da contribuição do segmento industrial
na produção de valor adicionado e, conseqüentemente, do PIB. Ademais, o
aprofundamento das estratégias de reestruturação produtiva neste segmento
promove, inter alia, uma elevação considerável da produtividade, afetando
negativamente a base quantitativa do emprego industrial. Não por acaso, alguns
autores acertadamente alertam que a dinâmica do emprego deve ser analisada com
prudência quando se trata de apurar a emergência e a consolidação de uma
economia de serviços ou de metrópoles terciárias (Veltz, 2002; Comin e
Amitrano, 2003).
Nessa medida, a inevitabilidade da desindustrialização ou terciarização da
metrópole paulista, bem como sua transfiguração socioeconômica impulsionada
pelos serviços modernos, devem ser tratadas com cautela, sob pena de
caracterizações imprecisas da estrutura produtiva metropolitana. Diante disso,
somos levados a concluir que tomar o declínio do emprego manufatureiro como
sinal da decadência estrutural da indústria no território enseja um erro
metodológico que obscurece a compreensão adequada da dinâmica socioeconômica da
RMSP. Se é certo afirmar que o setor industrial apresenta níveis mais elevados
de produtividade em relação aos serviços, é também correto asseverar que a
indústria se move em torno de uma capacidade maior de poupar postos de trabalho
(Chang, 1996:57).
Como conseqüência direta das questões levantadas até este ponto, não posso me
esquivar de trazer à baila questões relacionadas às mudanças no quadro de
regulação macroeconômica levadas a cabo a partir do início dos anos 1990,
marcadas pela implementação de uma agenda de governo perpassada por estratégias
de abertura comercial e desregulamentação dos mercados nacionais, a qual
provocou impactos profundos sobre a principal base produtiva do país, qual
seja, a RMSP. As agressivas medidas de redução das barreiras tarifárias e não-
tarifárias que tomaram forma logo no início da década de 1990, associadas à
política de valorização cambial pós-Real, produziram sensíveis transformações
no ambiente regulatório ao qual se submetia o setor produtivo desde os anos
desenvolvimentistas, marcados por forte intervenção estatal e graus elevados de
proteção aos setores industriais (Hay, 1997).
As conseqüências dessas medidas para o setor produtivo nacional e, mais
especificamente, para a indústria metropolitana paulista – que, devido ao seu
caráter multiespecializado e à complexidade de suas cadeias produtivas em
vários segmentos industriais, se tornou mais sensível à mudança brusca da
dinâmica macroeconômica – foram profundas, no sentido de que forçaram intensos
movimentos defensivos de reestruturação produtiva1 em vários setores da
indústria, para fazer face a um novo patamar de competitividade estabelecido
por um sistema de preços definido, em larga medida, por variáveis exógenas
advindas da dinâmica do mercado internacional e do câmbio. Acerca da
transformação profunda e rápida dos mecanismos de regulação da economia
brasileira, Carneiro (2002:317) observa que a mudança mais importante "[...] é
a diminuição das relações intersetoriais da economia brasileira. Na sua
operação corrente e, mais ainda, na sua reprodução, as articulações entre os
vários setores produtivos foram reduzidas. Ou seja, o padrão de crescimento
fundado no adensamento das relações interdepartamentais foi desarticulado".
Com efeito, inúmeros setores da cadeia produtiva ficaram desprotegidos,
passíveis de sucumbir à competição internacional estimulada por uma política
macroeconômica que favorecia um elevado grau de internacionalização dos bens
produzidos nacionalmente por meio de importações. Além disso, os novos
patamares de regulação erigidos pelo governo brasileiro contribuíram para
desagregar setores que não apresentavam as mínimas condições de enfrentar a
concorrência em um ambiente econômico fortemente liberalizado – como mostram os
casos dos segmentos têxtil e de autopeças, cuja presença é marcante na RMSP.
Nesse sentido, a relativa perda de dinamismo da indústria metropolitana,
revelada pelo decréscimo da participação desse setor na composição do valor
adicionado metropolitano e estadual, pode ser explicada, em considerável
medida, pelas escolhas e pelos processos que dominaram a agenda de governo nos
anos 1990, claramente orientada para a abertura comercial – que se revelou
traumática para a indústria da RMSP, em comparação com outras regiões.
Com base nessas questões, a análise da dimensão macroeconômica que caracterizou
os anos 1990 permite-nos algumas conclusões basilares no sentido de descartar
algumas hipóteses equivocadas sobre a terciarização da metrópole e sobre a
perda de dinamismo da indústria como motor do desenvolvimento na RMSP. Assim,
três considerações são peremptórias no sentido de deslocar o foco da análise de
uma suposta transição setorial para uma análise focada na integração indústria-
serviços.
Primeiro, os movimentos de abertura comercial tiveram um impacto profundo nos
níveis de produtividade da indústria paulista, intensificando os diferenciais
de produtividade entre os setores industrial e de serviços. Como corolário, a
liberalização da economia posta em marcha nos anos 1990 promoveu um choque de
preços relativos em favor do setor de serviços, o qual, por sua vez, passa a
refletir-se na composição do valor adicionado (Comin e Amitrano, 2003).
Segundo, as estratégias neoliberais dos anos 1990 ensejaram um vertiginoso
processo de reestruturação produtiva defensiva por parte do setor industrial, o
qual se lastreou em intensos processos de terciarização que, por seu turno,
resultaram na externalização de atividades antes desenvolvidas no interior das
empresas. Dessa forma, a reestruturação produtiva da década de 1990, longe de
plasmar uma transição setorial da metrópole em direção aos serviços, reforçou
os laços de funcionalidade entre o secundário e o terciário mediante uma
industrialização das atividades de serviços, gerando um grau crescente de
interpenetração organizacional entre os dois setores, assim como uma forte
integração espacial da produção no espaço metropolitano, a qual está na base da
formação de um espaço industrial de serviços por natureza híbrido2. Portanto, o
peso maior dos serviços na composição do valor adicionado deve ser visto com
mais cuidado, já que a transferência de atividades industriais – no âmbito dos
esquemas de industrialização dos serviços – para o setor terciário nos leva a
concluir que parte do valor adicionado produzido por este setor é indissociável
da produção manufatureira.
Terceiro, os padrões locacionais do novo ciclo de investimentos no setor de
serviços, que irrompeu após a abertura e desregulamentação dos mercados
nacionais e as privatizações, revelam o peso da malha produtiva da RMSP sobre
as demais regiões do Estado de São Paulo, uma vez que a metrópole paulista
absorve parcelas crescentes do investimento nos serviços diretamente
relacionados à produção industrial. Contrariamente às hipóteses da metrópole
terciária, é mister observar a emergência – impulsionada pela intensa
reestruturação produtiva na indústria – de economias de aglomeração derivadas
da integração espacial e organizacional entre o secundário e o terciário, a
qual reforça o espaço industrial de serviços na metrópole paulista. Sob minha
perspectiva de análise, os padrões de investimento e da produção de valor
adicionado na RMSP mostram que o setor de serviços moderno que nela se
configura só pode existir porque lá está instalado o maior e mais complexo
parque produtivo nacional. À guisa de ilustrar esse movimento, pode-se citar o
boom, nas cidades de São Paulo e do México, dos setores industriais intensivos
em conhecimento, os quais apresentam as mais intensas sinergias com o setor de
serviços (Bessa, 2003; Aguilar, 2002).
Isto posto, julgo relevante destacar que uma análise que não leve em conta a
complexa relação funcional entre os serviços e os ambientes de produção
industrial torna-se inócua na explicação das configurações produtivas da RMSP –
desta forma, a industrialização dos serviços, no sentido de que uma gama
variada de insumos intelectuais da produção industrial tem sido engendrada a
partir de relações sociais que exorbitam os muros da fábrica, transmutando-se,
estatisticamente, em atividades de serviços. Posto de outra forma, a economia
vem se organizando, de maneira cada vez mais intensa, em torno de mecanismos de
industrialização dos serviços, gerando novas e variadas configurações na
divisão do trabalho entre os agentes econômicos. A complementaridade entre
esses dois setores, que ganha corpo com novos paradigmas de reestruturação
produtiva da indústria, pode ser evidenciada pelo fato de que boa parte dos
serviços de alto valor agregado – como os serviços de consultoria jurídica;
contabilidade e auditoria; gestão empresarial; propaganda, publicidade e
marketing; atividades de informática; pesquisa e desenvolvimento (P&D) –
está diretamente relacionada ao setor manufatureiro da economia, tanto em
termos organizacionais como em termos espaciais (Pollard e Storper, 1996:2).
Neste ponto, algumas ressalvas são necessárias. Primeiro, a de que as
diferentes configurações espaciais e produtivas assumidas pelas atividades de
serviços não nos permitem incorrer em generalizações pobres sobre as estruturas
socioeconômicas das metrópoles, na medida em que o contato geográfico e
organizacional entre os setores industrial e de serviços é apenas um de uma
miríade de esquemas de regulação da produção no território. Desse modo, podemos
identificar espaços produtivos nos quais realmente existe um descolamento entre
esses dois setores, principalmente no que concerne às metrópoles que se
organizam em torno da exportação de serviços, como Nova Iorque. Nesta cidade,
diferentemente de São Paulo, as atividades de serviços não estão fortemente
integradas espacialmente com as empresas industriais – tomando como referência
a perda estrutural de dinamismo da indústria na região metropolitana organizada
ao redor de Nova York (Markusen, 1999).
A segunda ressalva visa a evitar uma generalização imprópria a respeito do
setor de serviços, pois a afirmação de que esse setor cresce na esteira da
indústria não significa dizer que todos os serviços são dependentes da produção
industrial em termos de sua configuração, tomando em linha de conta que o modus
operandi do universo econômico é composto por muitas atividades as quais nem
mesmo de maneira indireta fornecem insumos para a indústria (Pollard e Storper,
1996). Se as fronteiras entre as atividades industriais e de serviços são
tênues e difíceis de serem determinadas com acurácia, como observa Veltz
(1997), isso não significa que elas não existam.
Doravante, orientarei minha análise dos recentes padrões empíricos
metropolitanos a partir dos eixos de argumentação expostos até aqui.
Se se verifica, de fato, um processo de fragmentação territorial da produção no
Estado de São Paulo à medida que avança a produção industrial em outras regiões
do estado, às expensas da RMSP, não podemos dizer que esse processo seja
independente da estrutura produtiva metropolitana, nem asseverar que essa
desconcentração relativa da produção se faça sob os auspícios de um
deslocamento da vocação industrial metropolitana rumo ao terciário moderno. A
configuração de uma região metropolitana expandida denota, portanto, uma
reorganização das economias de aglomeração no território – em razão das
deseconomias de aglomeração que surgiram no núcleo metropolitano, motivando uma
dispersão limitada da indústria – e uma densa integração organizacional e
territorial das indústrias com os provedores de serviços que adotaram
estratégias locacionais predominantemente fundadas nas economias de urbanização
fornecidas pela RMSP e, mais especificamente, pelo município de São Paulo
(Bessa, 2003).
PADRÕES EMPÍRICOS NA METRÓPOLE PAULISTA: TENDÊNCIAS RECENTES DO VALOR
ADICIONADO FISCAL
De acordo com as premissas teóricas e empíricas que orientam este artigo,
buscarei, nesta seção, ilustrar a persistência da natureza industrial da
metrópole paulista. Para tanto, concentrar-me-ei nos indicadores fornecidos
pelo VAF do Estado de São Paulo. Assim, seremos capazes de perceber que as
transformações sofridas pela estrutura produtiva metropolitana estão
fundamentalmente relacionadas às modificações orgânicas experimentadas pela
empresa industrial como resposta às pressões competitivas derivadas da
transição institucional operada na economia brasileira na década de 1990.
Ao considerarmos a trajetória da composição setorial do VAF da RMSP desde 1995
(ver Gráfico_1), poderemos perceber que os movimentos da metrópole rumo à
configuração de uma economia de serviços estão longe de serem consumados. Os
dados empíricos disponíveis não nos permitem afirmar que as transformações
sofridas em tempos recentes pela metrópole paulista desembocarão em uma
metrópole predominantemente de serviços.
Corroborando a minha hipótese de que a indústria não perdeu seu papel
estrutural de motor do desenvolvimento territorial – e de que tampouco existe
uma tendência clara para isso –, os dados do Gráfico_1 mostram que o segmento
industrial metropolitano reina absoluto na produção do VAF gerado na RMSP.
Destarte, o crescimento do setor de serviços não pode ser dissociado da
dinâmica industrial na metrópole paulista, uma vez que, como principal região
industrial do país, sofreu mais intensamente os efeitos da abertura econômica e
da conseqüente mudança dos padrões competitivos, aos quais teve de se adaptar
rapidamente. Em consonância com o apontado anteriormente, o pequeno declínio da
indústria no VAF tem muito menos a ver com uma transição setorial terciária do
que com os movimentos de reestruturação produtiva das empresas industriais, os
quais agiram como fatores causais essenciais na construção de uma economia
industrial de serviços na qual as fronteiras entre o secundário e o terciário
se tornam fluidas. Desta forma, se uma larga camada dos serviços cresce em
função da produção industrial, podemos dizer, com efeito, que houve uma
migração de valor da indústria para os serviços – pois a indústria responde, em
termos organizacionais, pela geração desse valor.
O choque de preços relativos em favor dos serviços, como evidenciam Comin e
Amitrano (2003), foi um fator fundamental para o crescimento desse setor na
composição do VAF da RMSP a partir da década de 1990. Certamente, uma parte
desse crescimento é resultado de diferenciais de produtividade – que se
intensificaram com a abertura da economia brasileira na década de 1990 – entre
a indústria e os serviços, os quais provocam uma mudança na relação de preços
entre os dois setores em favor deste último segmento.
No que tange ao município de São Paulo (ver Gráfico_2), o contexto econômico de
abertura comercial, desregulamentação dos mercados financeiros nacionais,
redução tarifária, estabilização monetária baseada em altas taxas de juros e
privatizações produziu um efeito mais profundo, tendo em vista a maior
sensibilidade do município às mudanças de ordem macroeconômica, uma vez que a
cidade conta com uma extensa base produtiva nos setores industrial e de
serviços. Decerto, os graus de concentração das atividades econômicas mais
complexas no município de São Paulo o converteram no epicentro das
transformações produtivas metropolitanas e nacionais que marcaram a década de
1990.
A composição setorial do VAF do município de São Paulo apresenta uma alteração
significativa no período que se estende de 1993 a 2000, demonstrando um
acentuado declínio da participação relativa da indústria na sua geração. A
indústria continua sendo a principal fonte de geração do VAF municipal, ainda
que a tendência a curto prazo seja a superação do segmento industrial pelo de
serviços na composição setorial do VAF paulistano. A despeito disso, as
transformações que ocorrem na zona nuclear da metrópole paulista não podem ser
descoladas da dinâmica produtiva industrial, uma vez que a cidade de São Paulo
vem se configurando como um complexo centro de serviços produtivos, os quais
apresentam uma forte dependência da indústria tanto em termos territoriais como
em termos organizacionais – em um padrão produtivo territorial muito diferente
daquele verificado nas cidades globais, onde os serviços voltados às
movimentações financeiras internacionais e ao controle corporativo das empresas
transnacionais ofuscam a indústria dessas regiões como motores das
transformações econômicas recentes (Markusen, 1999b).
Nesse sentido, os padrões empíricos verificados no município de São Paulo são
aqueles que mais se aproximam de um esquema híbrido de organização produtiva –
ou seja, baseado em uma complexa integração secundário-terciário e no qual a
dinâmica do setor financeiro não promove uma substituição do setor industrial
como elemento dinâmico da economia territorial.
Entre 1993 e 2001, podemos verificar na RMSP um padrão de expansão da produção
industrial para fora dos centros industriais tradicionais da metrópole – como a
própria capital e a região do ABC –, uma vez que as maiores taxas de
crescimento do valor adicionado da indústria se encontram nos municípios não
pertencentes ao eixo produtivo capital-ABC: o município de Guarulhos, que entre
1993 e 2000 eleva de 9,4% para 10,6% sua participação no bolo do VAF da RMSP, e
os demais municípios da RMSP (excetuando-se o complexo São Paulo-ABC-
Guarulhos), que de 18,0%, em 1993, passam a contribuir com 22,6% do VAF da
indústria da RMSP em 2000, um ganho relativo de 25,5% em oito anos (ver Tabela
1).
Os municípios do ABC, a despeito do intenso processo de reestruturação
produtiva levado a cabo pelas empresas da região, como resposta às pressões
competitivas derivadas do contexto macroeconômico dos anos 1990, mantêm
praticamente inalterada a sua participação na geração do VAF da RMSP (27,6% em
1993 e 28% em 2001). Assim, longe de confirmar as previsões funestas acerca do
futuro da indústria no ABC, os dados do VAF confirmam uma vocação marcante dos
municípios da região para a alocação de atividades industriais.
Especificamente no que toca ao município de São Paulo, notamos um padrão de
desconcentração de seu parque produtivo para outras regiões do estado, ainda
que isso não caracterize uma redefinição de suas funções econômicas, ao modo
das cidades globais ou mundiais. O caráter industrial do município pode ser
evidenciado pela elevada participação de sua base produtiva na composição do
VAF da indústria metropolitana – 38,8% em 2000. Não obstante o município tenha
sofrido as maiores perdas relativas de participação no valor adicionado da
indústria – perdeu 6,2 pontos percentuais de sua contribuição entre 1993 e 2000
–, vale ressaltar que esse processo tem uma forte relação com a fragmentação da
produção na metrópole – com a expansão da malha produtiva metropolitana para
regiões contíguas à capital e à RMSP – e com a tendência da consolidação de um
fenômeno metropolitano que abarca as regiões no entorno da metrópole paulista,
redefinindo-a (Lencioni, 2003a; 2003b).
Do ângulo da indústria, podemos observar um processo de dispersão limitada em
termos territoriais que coincide com a consolidação de um espaço produtivo no
entorno da RMSP que não ultrapassa um raio de 150 km do núcleo metropolitano
(Azzoni, 1986; Storper, 1991; Matteo e Tapia, 2002).
A primeira tendência dessa nova configuração produtiva no Estado de São Paulo é
o reforço da centralidade do setor de serviços no núcleo metropolitano.
Capitaneada pela cidade de São Paulo, que apresentou um crescimento acentuado
de sua participação, já elevada, na produção do VAF dos serviços do Estado de
São Paulo – de 28,5% em 1993 para 41,3% em 2000 –, a RMSP aumentou a sua
participação na composição do valor adicionado dos serviços do estado em quase
10 pontos percentuais entre os anos de 1995 e 2000 – passando de 50,1% para
60,0% (ver Tabela_2).
A segunda tendência diz respeito à perda de participação da RMSP na composição
do valor adicionado fiscal da indústria estadual em benefício das regiões de
Campinas, Santos, São José dos Campos e Sorocaba, demonstrando um movimento de
dispersão-integração da malha produtiva metropolitana, fator fundamental na
reorganização da metrópole em termos urbanos e produtivos.
Dispersão porque estamos diante de um avanço da industrialização para outras
regiões do estado – ressaltando que as regiões contíguas à RMSP são as maiores
absorvedoras do VAF da indústria anteriormente produzido no interior da
metrópole tradicional, constituída sob o projeto desenvolvimentista nos anos
1950.
Integração porque a dispersão do aparato industrial metropolitano não se faz
sem a influência da RMSP como centro de gravidade da malha produtiva que se
forma na esteira da expansão da metrópole, principalmente se tomarmos como
referência a densidade das cadeias produtivas que dependem vitalmente de um
setor de serviços intensivo em conhecimento do qual a RMSP é a principal
provedora. Ademais, a RMSP continua sendo o principal centro industrial do
país, ainda que tenha reduzido sua participação na estrutura produtiva estadual
e nacional.
Se é certo que verificamos na RMSP um declínio relativo de sua participação no
VAF estadual da indústria – de 50,2% em 1995 para 41,2% em 2000 –, devemos
enfatizar que a porção da metrópole ainda se mantém elevada, mostrando seu
forte caráter industrial (ver Tabela_2).
A consolidação da "metrópole expandida" pode ser comprovada com base nos dados
do VAF do Estado de São Paulo no período compreendido entre os anos de 1995 e
2000. Ao tomarmos como referência de análise a "metrópole expandida", notamos
que sua participação no VAF cresce nos segmentos industrial, comercial e de
serviços (ver Tabela_3).
No caso do setor industrial, é interessante notar que, diferentemente do que
verificamos em relação à RMSP, a contribuição da "metrópole expandida" para a
composição do VAF desse setor no Estado de São Paulo praticamente se mantém
inalterada no espaço temporal considerado. A participação da "metrópole
expandida" no VAF da indústria estadual, que era de 88,5% em 1995, passa a
88,3% em 2000, demonstrando uma preponderância inquebrantável dessa região na
produção industrial paulista. Além disso, a dependência espacial e
organizacional em relação ao aparato produtivo localizado no núcleo
metropolitano revela-se evidente, pois a RMSP tem perdido participação para
regiões no seu entorno imediato (ver Tabelas_3 e 4). Com relação ao segmento de
serviços, o crescimento da participação da "metrópole expandida" no VAF do
Estado de São Paulo foi significativo – de 77,6% em 1995 para 82,8% em 2000
(ver Tabela_3).
O motor dinâmico da economia paulista, nesse sentido, não se constrói a partir
de uma economia de serviços, mas sim de interações socioeconômicas no âmbito do
território que apontam para uma economia industrial de serviços, na qual a
integração intersetorial se faz essencial para o funcionamento da produção no
espaço (Moulaert et alii, 1997; Miles e Boden, 2000; Veltz, 2002).
Nesse contexto, a capital paulista, mesmo perdendo participação no VAF da
indústria e reordenando suas engrenagens socioeconômicas, faz da indústria seu
modo de vida. Cabe observar que a indústria da capital foi responsável por
16,0% do VAF gerado pela indústria no Estado de São Paulo em 2000, o que a
colocou no segundo posto como região industrial e na primeira posição como
município industrial – perdendo apenas para a Região Administrativa de
Campinas, que produziu 23,6% do VAF industrial estadual (ver Tabela_4).
Nesse sentido, os dados empíricos disponíveis, longe de indicar uma
terciarização da metrópole, parecem nos conduzir a interpretações alternativas
sobre a dinâmica metropolitana, baseadas em uma análise intersetorial das
cadeias produtivas e no movimento de industrialização dos serviços.
Meu escopo, doravante, é trazer à baila os padrões locacionais da indústria
paulista, no sentido de evidenciar que o setor industrial está no centro das
transformações socioeconômicas experimentadas pela metrópole nos últimos anos.
PADRÕES LOCACIONAIS DA INDÚSTRIA PAULISTA (1970-2000): A AMPLIAÇÃO DAS
ECONOMIAS DE AGLOMERAÇÃO METROPOLITANAS
Nesta parte do trabalho, buscarei explicitar empiricamente os padrões
locacionais da indústria paulista desde os anos 1970, pico da concentração
industrial na RMSP. Demonstrarei, com base nos dados do VTI das indústrias
extrativas e de transformação, que os movimentos de expansão industrial no
Estado de São Paulo não representam uma interiorização ampla da indústria
paulista, tampouco sustentam uma suposta perda de centralidade da indústria da
RMSP, não obstante os profundos processos de reestruturação urbano-regional das
últimas três décadas, os quais engendram perdas significativas da participação
relativa da metrópole paulista na composição do VTI estadual e nacional.
Os Movimentos Regionais da Indústria Paulista com Relação ao VTI Estadual
Do ponto de vista das participações relativas das 16 microrregiões que compõem
a categoria que denomino "metrópole expandida"3 no VTI estadual, percebemos um
intenso movimento de reorganização da indústria no espaço, uma vez que a
indústria localizada na RMSP, que em 1970 perfazia 74,5% do VTI produzido no
Estado de São Paulo, declinou, em 2000, para 42,8% desse total (ver Tabela_5).
Ademais, cabe notar o vertiginoso processo de desconcentração industrial da
microrregião São Paulo, formada pelo município de São Paulo e as cidades que
compõem o ABC paulista, visto que, entre 1970 e 2000, o declínio desses
municípios na composição relativa do VTI estadual foi de 36,3 pontos
percentuais – de 67,0% em 1970 para 30,7% em 2000 (ver Tabela_5).
Interessante notar que houve crescimento relativo de todas as outras cinco
microrregiões que compõem a RMSP, a saber: Guarulhos, Osasco, Mogi das Cruzes,
Itapecerica da Serra e Franco da Rocha4. Dessa forma, as perspectivas que tomam
a desindustrialização da RMSP como um processo inevitável e que corre a passos
largos necessitam de uma série de ponderações de ordem empírica. Em primeiro
lugar, é relevante apontar que, entre 1970 e 2000, as cinco regiões que estão
no entorno da microrregião São Paulo aumentaram a sua participação relativa no
VTI do Estado de São Paulo de 7,5% para 12,1% (ver Tabela_5)5.
Destarte, esses dados evidenciam que o processo de industrialização tem sofrido
alterações consideráveis dentro dos próprios limites territoriais da RMSP, de
forma que uma parte da expansão da indústria no Estado de São Paulo tem sido
absorvida pelos espaços econômicos no entorno do núcleo metropolitano, composto
pela capital e o ABC – ou seja, a microrregião São Paulo.
O processo de desconcentração da metrópole não é, portanto, homogêneo, mas
determinado pelo desmonte parcial do espaço de produção que foi fortalecido nos
anos desenvolvimentistas, qual seja, a conjunção da cidade de São Paulo com os
municípios do ABC.
Não obstante, o crescimento das regiões no entorno da microrregião São Paulo
foi muito inferior ao aumento relativo de participação das microrregiões
contíguas à RMSP. Assim, por exemplo, a região de Guarulhos, que em 1970
contava com uma produção industrial similar à da região de São José dos Campos
(com 2,6% do VTI do estado para ambas), foi responsável, em 2000, pela terça
parte da produção de São José dos Campos. Neste fato se expressa o crescimento
industrial acentuado de regiões nas bordas da RMSP (ver Tabela_5).
A análise da Tabela_5 é importante para que possamos perceber que o movimento
de desconcentração da indústria paulista tem se restringido, maciçamente, às
áreas contíguas à RMSP, evidenciando que o processo não se constitui em uma
expressão industrial alternativa à RMSP, mas complementar a ela, conforme as
proposições teóricas e empíricas que tenho explorado neste artigo.
Embora em um ritmo menos acelerado do que outras regiões da "metrópole
expandida", as microrregiões da RMSP, excetuando-se São Paulo, também
aumentaram sua participação na indústria paulista, fato este que derruba o mito
de um declínio industrial homogêneo da RMSP, explicado, de maneira simplista,
por deseconomias de aglomeração associadas ao gigantismo assumido pela
metrópole como expressão das políticas desenvolvimentistas.
Assim, podemos identificar três padrões macrorregionais de reorganização da
indústria no território paulista desde os anos 1970. Em primeiro lugar, é
possível apontar um padrão relativamente intenso de desconcentração industrial
na RMSP, uma vez que a indústria da região participa com menos da metade do VTI
do setor industrial comparativamente ao ano de 1970 (ver Tabela_5).
Em segundo lugar, podemos perceber que as regiões que mais cresceram no estado,
em termos de sua produção industrial, nas últimas três décadas foram as
microrregiões que se situam no entorno da RMSP. Destarte, os setores
industriais desse anel externo da RMSP, os quais, em 1970, já detinham uma
participação importante na indústria paulista, perfazendo 16,8% do VTI
estadual, passam, em 2000, a responder por 43,0% do VTI estadual – um
crescimento relativo de 155,9%, superando, inclusive, a indústria da RMSP em
termos relativos.
Em terceiro lugar, as outras regiões do Estado de São Paulo fora da "metrópole
expandida" apresentaram um crescimento relativo considerável, ainda que sua
indústria nem de longe se assemelhe ao dinamismo tanto da RMSP quanto do
entorno metropolitano: sua participação no VTI estadual, que em 1970 era de
8,7%, passa a 14,2% em 2000. Em suma, o movimento de expansão da indústria
metropolitana foi absorvido com muito mais força pelas regiões em seu entorno,
evidenciando processos de integração produtiva e economias externas que são
metropolitanos por excelência, como apontado anteriormente neste artigo.
A análise dos dados do VTI sob o enfoque metodológico da "metrópole expandida"
mostra que praticamente não houve alteração nos padrões de concentração
territorial da indústria em uma área bastante restrita do Estado de São Paulo.
Se, do ponto de vista da dinâmica interna dessa macrorregião urbano-industrial,
puderam ser verificadas intensas mudanças – como a desconcentração industrial
na RMSP em favor de seu anel externo –, a perspectiva conjunta dessas regiões
evidencia que a categoria "metrópole expandida" sofreu perdas mínimas na sua
participação relativa na composição do VTI do Estado de São Paulo.
Em 1970, as indústrias localizadas na "metrópole expandida" – devido ao enorme
peso dos encadeamentos industriais da cidade de São Paulo e municípios do ABC e
das políticas desenvolvimentistas que favoreceram as indústrias de bens de
capital e consumo duráveis, maciçamente presentes nessa região – respondiam por
91,3% do VTI do Estado de São Paulo, evidenciando a quase inexistência da
indústria em outras regiões do estado. Os dados do VTI disponíveis para o ano
de 2000 não deixam margens a dúvidas a respeito do caráter restrito do processo
de interiorização da indústria paulista, pois os setores industriais situados
na "metrópole expandida" perderam apenas 5,5 pontos percentuais em relação à
sua participação relativa em 1970 – passaram de 91,3% para 85,8% durante esses
anos.
Tendo em vista que todas as microrregiões da "metrópole expandida", excetuando-
se São Paulo, crescem ou se mantêm estáveis com relação à sua indústria, cabe
observar que foi a perda de dinamismo da indústria da RMSP, impulsionada pelas
perdas da capital e do ABC, a principal causa das perdas relativas observadas
na "metrópole expandida" entre 1970 e 2000 (ver Tabela_5).
Do ponto de vista da distribuição do VTI no Estado de São Paulo entre os anos
de 1970 e 2000, podemos notar que as transformações mais intensas no que
concerne ao setor industrial processaram-se no interior da "metrópole
expandida", na medida em que as perdas sucessivas da RMSP em termos do VTI
foram absorvidas, em grande parte, pelas regiões no seu entorno (ver Gráfico
3).
Ademais, o Gráfico_3 mostra que a distância entre os níveis de produção
industrial da "metrópole expandida" e de outras regiões do Estado de São Paulo
não nos permite asseverar que um processo de interiorização da indústria esteja
ocorrendo no estado, visto que os ganhos das regiões externas à "metrópole
expandida" são mínimos em relação a 1970.
Dos quatro arranjos regionais considerados no Gráfico_3, as regiões do entorno
metropolitano são as únicas que combinaram crescimento acelerado em termos
industriais com uma expressiva participação no VTI estadual desde 1970.
Destarte, se em 1970 existiam profundas desigualdades no que tange à
participação da RMSP e do anel externo metropolitano na produção industrial
estadual – os setores da indústria da RMSP contribuíam com 74,5%, e o entorno
metropolitano, com 16,8% do VTI estadual –, em 2000 podemos observar uma
situação de equilíbrio entre as indústrias localizadas na RMSP e no entorno da
metrópole, pois as primeiras participaram com 42,8% do VTI estadual, e as
últimas, com 43,0% – de sorte que o entorno metropolitano tende a tornar-se a
principal sub-região industrial nacional. Nesse novo arranjo territorial,
portanto, a RMSP, tomada isoladamente, deixa de ser a região industrial
predominante no Brasil, já que divide esse papel com as regiões em seu entorno,
em um forte movimento de integração produtiva.
Na próxima seção, percorrerei o mesmo caminho de análise empírica dos padrões
de expansão da indústria paulista, sob o enfoque da participação relativa das
microrregiões do estado no VTI nacional.
Os Movimentos Regionais da Indústria Paulista com Relação ao VTI Nacional
Em que pese o movimento de desconcentração relativa da indústria paulista,
resultado, em boa medida, do deslocamento da matriz setorial de investimentos
produtivos estatais nos anos 1970 – que privilegiou setores intensivos em
recursos naturais, de modo a favorecer uma certa dispersão territorial da
indústria para várias unidades da Federação (Negri, 1996) –, podemos verificar
que, excetuando-se a RMSP, houve crescimento relativo da indústria tanto no
entorno metropolitano quanto nas regiões exteriores à "metrópole expandida".
Desse modo, o gigantismo metropolitano, essência do crescimento econômico
desenvolvimentista, bem como os esforços do Estado autoritário para refrear a
concentração regional no Brasil produziram efeitos consideráveis de
deslocamento industrial da RMSP para outras regiões do país.
No que se refere à participação relativa no VTI nacional, observamos uma
profunda reordenação territorial no Estado de São Paulo, uma vez que a
microrregião São Paulo, que em 1970 participava com 38,9% do VTI nacional,
passa a contribuir com 13,9% em 2000. Nesse período, as outras cinco
microrregiões que conformam a RMSP mantiveram-se praticamente estáveis em
relação ao VTI nacional: em 1970, contribuíam com 4,2% do VTI nacional, ao
passo que em 2000 perfaziam 5,5%, indicando que, ao contrário do que se possa
pensar, o processo de desconcentração industrial não é homogêneo na metrópole,
ainda que o Estado de São Paulo tenha perdido produção industrial nessas
últimas três décadas (ver Tabela_6).
Não obstante as sucessivas perdas estaduais na composição relativa do VTI
nacional, as microrregiões do estado que mais cresceram nacionalmente
localizam-se no anel externo metropolitano. Os setores industriais desse
conjunto de regiões, que em 1970 já possuíam participação expressiva no VTI
nacional (9,6%), em 2000 dobraram sua participação, perfazendo 19,5% do VTI
nacional e superando a metrópole (ver Tabela_6).
De outro lado, as regiões que se situam fora da "metrópole expandida" avançaram
apenas 1,6 ponto percentual na composição do VTI nacional entre 1970 e 2000,
passando de 4,8% para 6,4% nesse período, o que mostra que devemos ponderar o
processo de interiorização da indústria no Estado de São Paulo, apesar da
importância da indústria localizada nessas regiões (ver Tabela_6).
Quando analisada em conjunto, a "metrópole expandida" também apresenta perdas
relativas consideráveis no que concerne ao VTI nacional, principalmente devido
à queda da RMSP, o que indica que o epicentro da desconcentração regional da
indústria paulista foi exatamente a área metropolitana que emergiu do
desenvolvimentismo. A despeito de suas perdas relativas, a distância entre a
"metrópole expandida" e outras regiões industriais brasileiras evidencia que os
seus encadeamentos industriais continuam a ter papel central nos rumos da
industrialização brasileira, principalmente do ponto de vista dos setores
industriais intensivos em tecnologia e conhecimento.
Como resultado da intensidade da dispersão territorial da indústria da RMSP
para outras regiões do estado e do país, a "metrópole expandida" apresentou um
ritmo de desconcentração industrial um pouco superior à média do Estado de São
Paulo.
No entanto, a desagregação dos movimentos de desconcentração do VTI da
indústria por microrregiões do estado em relação ao VTI nacional mostra que
houve intensos processos de concentração industrial tanto no anel externo à
RMSP quanto nas áreas mais distantes do estado (ver Tabela_6). No que tange aos
processos de crescimento regional no Estado de São Paulo, devemos notar que
todos os arranjos regionais analisados apresentaram acentuado crescimento
relativo do VTI do estado em relação ao VTI nacional, não obstante esse
crescimento seja muito mais intenso em regiões contíguas à RMSP (ver Tabela_6).
A importância do entorno da metrópole no que diz respeito aos setores
industriais que abriga pode ser verificada no Gráfico_4, o qual mostra que as
regiões do Estado de São Paulo que mais ganharam participação no VTI nacional
são aquelas conformadas por 10 microrregiões no anel externo metropolitano. O
dinamismo industrial dessa região pode ser destacado no contraste com os outros
arranjos territoriais analisados no Gráfico_4, uma vez que este apresenta
quedas relativas do Estado de São Paulo e da RMSP e um pequeno aumento da
participação relativa das microrregiões no exterior da "metrópole expandida".
Assim, claro está que uma separação territorial entre RMSP e o restante do
estado para caracterizar os processos de desenvolvimento industrial no Estado
de São Paulo é teoricamente inconsistente e metodologicamente inadequada para
que captemos os padrões setoriais diferenciados da indústria paulista, por um
lado, e as territorialidades engendradas pelos diferentes setores industriais,
por outro. Uma nova agenda de estudos, baseada nas diferentes regiões do
estado, deve buscar o entendimento dos mecanismos de aglomeração que agem
distintamente em termos setoriais e regionais no Estado de São Paulo. A
participação das diferentes regiões de São Paulo na composição do VTI nacional
indica a necessidade da construção de um novo arcabouço de pesquisa para que
possamos nos aprofundar nas potencialidades e fraquezas de várias sub-regiões
industriais. Somente assim o poder público poderá intervir positivamente no
sentido de impulsionar os encadeamentos industriais presentes no estado,
superando a noção do senso comum de que a metrópole paulista não tem mais na
indústria seu centro nervoso.
CONCLUSÕES
Neste artigo, procurei trazer à baila um debate teórico e metodológico que se
verifica entre as principais correntes de pesquisa que tratam das tendências
produtivas da RMSP. Meu objetivo, nesta conclusão, é não somente sistematizar
esse debate no que concerne aos seus pontos principais, mas também apontar
algumas questões que se mantêm para as futuras pesquisas que vierem a ser
desenvolvidas sobre os processos de transformação socioeconômica na metrópole
paulista.
Em um primeiro conjunto de hipóteses que foram tratadas neste texto podemos
situar a tradição de pesquisa que compreende a literatura das cidades globais
ou mundiais, tendo como escopo oferecer,ainda que parcialmente, uma agenda
alternativa de estudo dos problemas metropolitanos.
Entendendo as metrópoles como espaços de produção pós-industrial, a literatura
sobre as cidades globaisecidades mundiais observa uma tendência de crescimento
vertiginoso do setor de serviços, na esteira da intensificação do papel do
capital financeiro e do terciário intensivo em conhecimento como elementos
dinâmicos basilares dessa nova economia. Assim, as cidades globais ou mundiais
centralizariam os grandes conglomerados do setor financeiro e de prestação de
serviços avançados, que se tornam extremamente dependentes da infra-estrutura,
da mão-de-obra altamente especializada e da disponibilidade de informações
presentes nos grandes centros urbanos. Nesse sentido, o setor de serviços
tenderia a superar a indústria em termos de geração de dinamismo econômico e
social nos principais conglomerados urbanos (Beaverstock et alii, 1999; Taylor
et alii, 2002; Sassen, 2001). Tendo essa literatura alternativa como
referência, busquei testar suas hipóteses empiricamente, bem como avançar na
direção de novas abordagens teórico-metodológicas sobre a metrópole paulista.
Pude, destarte, perceber que a dinâmica socioeconômica da metrópole paulista
está longe de apresentar os mesmos padrões verificados nas chamadas cidades
globais ou cidades mundiais de primeira ordem. Por um lado, os dados da
produção e investimentos do setor industrial evidenciam que a indústria se
insere como elemento motor principal do desenvolvimento no território. Por
outro lado, o setor financeiro e o terciário intensivo em inovação localizam-
se, primordialmente, na metrópole paulista – com supremacia da cidade de São
Paulo, que se fortalece cada vez mais como o principal centro financeiro e de
serviços da América Latina, juntamente com a cidade do México (Beaverstock et
alii, 1999; Parnreiter, 2002).
Os resultados empíricos obtidos nesta pesquisa nos encaminham para uma outra
perspectiva acerca do desenvolvimento socioeconômico da RMSP. Devemos
considerar que a dinâmica mais recente da acumulação capitalista, estribada em
um grau mais acentuado de internacionalização e integração das atividades
econômicas, não foi capaz de engendrar circuitos de acumulação de capital que
deslocassem a indústria para um papel secundário. As imagens da sociedade pós-
industrial que estariam dominando a paisagem urbana atual mancham-se no
primeiro contato com as evidências empíricas, como procurei demonstrar ao longo
deste artigo.
Os fluxos de investimentos diretos estrangeiros, a desregulamentação do setor
financeiro nacional, a frenética busca de ganhos no curto prazo nas principais
bolsas de valores do mundo subdesenvolvido e a expansão do escopo das empresas
transnacionais revelaram-se componentes causais ineficazes em assegurar que um
novo espaço urbano, impulsionado pelo setor financeiro e pelo terciário
intensivo em informação e conhecimento, surgiria nesse novo arranjo econômico.
Desse modo, em um contexto de inadequação dos modelos teóricos e empíricos
dominantes para explicar a dinâmica socioeconômica da RMSP, devemos buscar
construir um tipo de pesquisa urbano-regional voltada para os contextos
nacionais e regionais específicos (Markusen, 1999a). O foco de análise é assim
deslocado de visões generalizantes acerca dos impactos da globalização para as
trajetórias particulares dos Estados nacionais e das unidades subnacionais no
que tange à produção do espaço, de modo a apreender como a ação do Estado –
principalmente por meio de suas políticas de desenvolvimento –, a dinâmica da
acumulação capitalista na região e os contextos sociais tornam-se, no caso da
RMSP, elementos de análise que precedem a globalização e sua suposta primazia
causal na explicação das realidades contemporâneas da metrópole paulista.
Não obstante apoiar-se em elementos ontológicos distintos da literatura sobre
as cidades globais, uma segunda linha de pesquisa que procurei abordar neste
artigo refere-se às teses da reversão da polarização em São Paulo, que seria
levada a cabo por um processo de interiorização da indústria no estado. Não se
trata, aqui, de substituição estrutural da indústria como motor do
desenvolvimento, mas de sucessão regional da indústria como expressão das novas
formas de organização da produção no estado. Assim, o espaço metropolitano
deixaria de ter precedência sobre os arranjos produtivos.
Obviamente, não estou negando o movimento de desconcentração industrial
verificado na RMSP a partir dos anos 1980 (Cano, 1998). A tibieza desse
movimento, entretanto, tem reforçado um espaço de aglomeração radial cingindo a
metrópole, conferindo à RMSP extrema importância em termos industriais,
traduzida por sua elevada participação no VTI nacional. Assim, cabe notar que
os movimentos da desconcentração industrial se limitam a espaços de produção
dependentes da RMSP, como Campinas, São José dos Campos, Santos e Sorocaba,
evidenciando o papel da RMSP como centro irradiador do desenvolvimento
brasileiro (Diniz, 1994). Esse macroespaço urbano praticamente mantém
inalteradas suas altas participações no VTI brasileiro, tornando infundadas as
hipóteses sobre movimentos intensos de desindustrialização no Estado de São
Paulo e na metrópole paulista.
Busquei, em resumo, demonstrar que a metrópole ainda se coloca como o centro
irradiador do desenvolvimento industrial estadual e nacional, uma vez que a
análise dos dados de produção industrial não nos revela a formação, no Estado
de São Paulo, de significativos espaços produtivos afastados do peso da malha
produtiva metropolitana. Assim, uma parcela substancial do VTI brasileiro é
produzida em uma macroaglomeração urbano-industrial que não ultrapassa um raio
de aproximadamente 150km da capital paulista (Azzoni, 1986; Storper, 1991;
Matteo e Tapia, 2002). Ademais, cabe observar que os dados do produto
industrial paulista mantêm praticamente os mesmos níveis de produção do VTI
verificados em meados da década de 1980 (IBGE, 2002: 23). Sob esse aspecto,
analisamos as configurações produtivas recentes da RMSP, demonstrando o extremo
dinamismo da indústria no território e a formação de um macroespaço de produção
urbano-industrial como resultado da expansão da malha produtiva metropolitana.
A meu ver, o peso dos encadeamentos produtivos da RMSP na estrutura industrial
do estado e do país tem sido subestimado por estratégias de investigação
inadequadas do ponto de vista da regionalização do Estado de São Paulo. Ao
regionalizar o estado em duas grandes categorias socioeconômicas, a saber,
"metrópole" e "interior", os trabalhos que se baseiam na proposição da
interiorização da indústria tornam-se empiricamente inadequados por não
deixarem perceber que os processos de expansão da indústria paulista são muito
diferenciados em termos regionais, com o predomínio das microrregiões e regiões
administrativas do entorno metropolitano. A grande categoria "interior" apenas
confunde a análise e subestima o papel da RMSP na geração de economias de
aglomeração industriais e intersetoriais. Como vimos aqui, análises
empiricamente mais detalhadas por microrregiões ou regiões de governo em São
Paulo mostraram, em grande medida, um movimento de dispersão integrada da
indústria paulista. Portanto, busquei relativizar, por exemplo, afirmações como
as de Caiado (2002:175), que diz que "o interior paulista se consolidou como a
segunda região mais industrializada do Brasil e, se consideradas as trajetórias
de redução da participação da RMSP e expansão do interior, pode-se inferir que
em poucos anos o interior de São Paulo será a área de maior concentração
industrial brasileira".
Os autores que tratam dos movimentos regionais da indústria em São Paulo não
explicam as profundas desigualdades existentes na área que compreende todas as
regiões do estado excetuando-se a RMSP – o chamado "interior paulista" (Negri e
Pacheco, 1994; Negri, 1996; Tavares, 2000; Caiado, 2002). Espero ter
demonstrado empiricamente, no decorrer deste artigo, que o caráter da
industrialização é muito distinto entre essas regiões e que há um evidente
predomínio da RMSP e seu entorno imediato em quase todos os segmentos da
indústria, num padrão territorial similar ao que vem tomando forma na cidade do
México, outra importante megacidade da América Latina (Aguilar, 1999; 2002;
Aguilar e Ward, 2003). Além disso, o trabalho buscou questionar a tese de que
existe, de fato, uma interiorização da indústria em São Paulo, com base na
evidência de que 39% do VTI nacional são produzidos em uma área de 14% do
território paulista (IBGE, 2002:23), indicando uma penetração limitada da
indústria em áreas mais afastadas da metrópole desde os anos 1970.
Embora tenha ocorrido, de fato, um processo de interiorização da indústria em
determinados segmentos da cadeia produtiva – como, por exemplo, os setores de
produtos alimentícios e bebidas, madeira e fabricação de produtos relacionados
ao couro –, isso é muito pouco para afirmar que estamos diante de um processo
de interiorização do desenvolvimento industrial em São Paulo, principalmente se
levarmos em conta o fato de que os segmentos mais complexos das cadeias
produtivas continuam apresentando padrões metropolitano-dependentes de
localização.
Em uma terceira vertente de análise, visei tratar da indústria e dos serviços
como setores economicamente integrados na metrópole, o que não tem sido
percebido por grande parte da literatura que trata das mudanças produtivas
metropolitanas.
Entendo, assim, que a "ilusão estatística" de que o setor de serviços tenderia
a dominar a paisagem socioeconômica metropolitana – para a qual somos
freqüentemente conduzidos – tem suas raízes em uma compreensão inadequada das
relações que movem o setor industrial e o setor de serviços, as quais são
caracterizadas, essencialmente, por novos padrões de organização da indústria,
que vem atravessando processos intensos de reestruturação produtiva nos últimos
anos. Assim, muitas atividades que durante o auge da produção em massa eram
executadas no interior da empresa industrial foram externalizadas e atualmente
são registradas como atividades do terciário, ainda que mantendo uma relação de
simbiose com os processos de produção industrial. Dessa forma, o crescimento do
setor terciário traz a lume a sua complementaridade com o setor industrial na
organização socioeconômica do território, tornando a RMSP não um espaço
metropolitano pós-industrial ou terciário, mas uma metrópole industrial de
serviços, na medida em que não se trata de uma ruptura entre indústria e
serviços, mas de arranjos produtivos baseados na complementaridade entre esses
dois setores da vida econômica.
A relativa perda de dinamismo da indústria metropolitana, revelada pelo
decréscimo da participação desse setor na composição do VAF metropolitano e
estadual, pode ser explicada, em considerável medida, pelas escolhas e pelos
processos que dominaram a agenda de governo nos anos 1990, claramente orientada
para a abertura comercial – que se revelou traumática para a indústria da RMSP,
em comparação com outras regiões. Em outros termos, vimos que as renitentes
trajetórias de queda da renda e dos níveis de emprego no espaço da metrópole se
mostraram extremamente nocivas para setores industriais sensíveis à queda da
renda como, por exemplo, os setores de bens de capital e consumo duráveis. Em
resumo, é possível afirmar que a perda de fôlego da indústria da RMSP está
menos ligada a um processo de transição setorial para os serviços modernos –
como nos quer fazer crer a tradição de pesquisa das cidades mundiais – do que a
variáveis macroeconômicas como, por exemplo, as taxas de câmbio e os níveis de
crescimento do PIB nas últimas décadas.
Em uma visão distinta, noto que as novas economias de aglomeração estribadas em
interações indústria-serviços deverão, nos próximos anos, reforçar o caráter
industrial da RMSP, principalmente em setores dependentes de serviços modernos
como insumos produtivos, na medida em que essas interações são baseadas,
primordialmente, na proximidade geográfica entre os agentes econômicos (Miles e
Boden, 2000; Storper, 2000). Certamente, o entendimento desses encadeamentos
entre os setores industriais e de serviços para a produção de bens intensivos
em conhecimento é um dos principais desafios colocados aos pesquisadores que se
debruçam sobre as trajetórias socioeconômicas recentes da metrópole paulista. O
foco exclusivo nos arranjos industriais não é mais suficiente, a meu ver, para
dar conta das relações sociais complexas que se desenvolvem nos mundos da
produção. Como corolário, as políticas de desenvolvimento industrial que não
capturem essas redes de conhecimento mútuas e intersetoriais provavelmente
elevarão os custos de aprendizado na implementação de medidas que visem ao
apoio à produção
NOTAS
1. Os movimentos defensivos de reestruturação produtiva estão fortemente
baseados no aumento de produtividade derivado da terceirização das funções
produtivas. Nesse sentido, a elevação dos níveis de produtividade não é
extraída primordialmente de movimentos inovadores na produção, mas de processos
mais intensivos de exploração da mão-de-obra, estribados na ruptura das antigas
alianças entre capital e trabalho (Lipietz, 1986).
2. Claro está, portanto, que, no que diz respeito às recentes configurações
produtivas assumidas pela RMSP, há um forte movimento de integração
organizacional e espacial entre indústria e serviços, como temos observado
neste artigo. Não se trata, destarte, da formação de um espaço metropolitano
como expressão de uma "economia de serviços" – que dispensaria a proximidade
espacial entre secundário e terciário por conta dos elevados custos de
aglomeração na metrópole e do avanço nas tecnologias de comunicação (cf.
Sassen, 2001). A "economia de serviços" na RMSP conforma uma contradição em
termos, uma vez que tal economia não existe sem seus complexos encadeamentos
espaciais e organizacionais com o setor industrial. O legado dos anos 1990 para
a RMSP, na abordagem que proponho, é a economia industrial de serviços nos
termos de Veltz (2002).
3. Para a análise do VTI, o termo "metrópole expandida" refere-se à RMSP
(formada pelas microrregiões de São Paulo, Guarulhos, Osasco, Mogi das Cruzes,
Itapecerica da Serra e Franco da Rocha), além de 10 microrregiões no seu
entorno, a saber: Bragança Paulista, Campinas, São José dos Campos, Sorocaba,
Santos, Jundiaí, Piracicaba, Limeira, Mogi Mirim e Tatuí. Ainda que com um
enfoque regional levemente distinto da análise do VAF, por conta do desenho
amostral dos dados disponíveis, a tese da expansão integrada da indústria
metropolitana não é de modo algum prejudicada, já que os arranjos espaciais
utilizados no VAF e no VTI abarcam os principais territórios industriais da
"metrópole expandida".
4. Para a microrregião Franco da Rocha, só possuo dados dos anos entre 1970 e
1985, embora os dados do VAF da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo
sugiram que a participação da região na indústria paulista permaneça inalterada
desde 1985.
5. Para chegar a esses números, somei o VTI das microrregiões Guarulhos,
Osasco, Mogi das Cruzes, Itapecerica da Serra e Franco da Rocha nos anos de
1970 e 2000, de modo a notar que houve expansão da indústria no anel regional
formado pela RMSP, excetuando-se a capital paulista e o ABC.