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BrBRHUHu0011-52582006000400003

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National varietyBr
Year2006
SourceScielo

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Regras eleitorais importam? Modelos de listas eleitorais e seus efeitos sobre a competição partidária e o desempenho institucional

O objetivo deste artigo consiste em analisar as conseqüências provocadas por diferentes modelos de listas eleitorais sobre a configuração dos sistemas partidários e o desempenho de instituições poliárquicas. Modelos alternativos de listas eleitorais podem ser compreendidos como regras que definem quem ordena a distribuição de cadeiras partidárias entre candidatos individuais, com variações entre o ranqueamento prévio dos candidatos legislativos ' fixado por lideranças partidárias ' até formatos que permitem maior influência dos eleitores na definição da composição das bancadas eleitas por cada partido através do voto nominal atribuído a candidatos individuais.

O debate sobre reforma política, de presença crônica na agenda institucional brasileira, justifica a pertinência de um estudo comparativo sobre o impacto produzido por diferentes modalidades de listas eleitorais, ao oferecer um recurso de controle sobre as hipóteses propositoras da adoção de modelos eleitorais alternativos. Desta forma, este artigo pretende avaliar até que ponto as conseqüências atribuídas ao modelo de lista aberta são, de fato, verificadas em outras democracias e se existe, realmente, uma associação entre listas partidárias fechadas e maior organização dos partidos. Em outras palavras, regras eleitorais de ordenamento de listas partidárias importam mesmo para a configuração de sistemas partidários e o desempenho institucional? Inicialmente, buscou-se reconstituir as interpretações encontradas nos estudos eleitorais sobre os efeitos produzidos pela adoção de diferentes modelos de ordenamento de listas partidárias. Na seqüência, procurou-se examinar as conseqüências associadas ao funcionamento de diferentes modalidades de lista eleitoral, organizadas em torno de dois grupos: regras eleitorais que (1) reservam aos partidos o monopólio do ranqueamento eleitoral e (2) oferecem aos eleitores a chance de interferir sobre a composição final das nominatas partidárias legislativas. Inicialmente, foi buscada a origem do sistema em vigor em cada caso nacional, considerando o período da implantação e o modelo eleitoral prévio. Em uma segunda etapa, descartando países não-democráticos (not-free, segundo a classificação Freedom House), fórmulas eleitorais majoritárias e mistas, a análise concentrou-se sobre 51 casos nacionais com regras de representação proporcional. Buscou-se, nesta parte, examinar o impacto exercido pelo voto preferencial sobre a dinâmica dos sistemas partidários (número de partidos efetivos, turnout e volatilidade eleitoral) e o desempenho institucional (accountability e corrupção). Os resultados evidenciaram que modelos distintos de listas eleitorais não são capazes de provocar diferenças significativas nestes quesitos, permitindo rediscutir as premissas e interpretações até aqui apresentadas pela literatura especializada.

CONSEQÜÊNCIAS POLÍTICAS DAS REGRAS ELEITORAIS: O ESTADO ATUAL DO CONHECIMENTO SOBRE O TEMA Até recentemente, as grandes controvérsias acerca dos efeitos produzidos pelas regras eleitorais sobre a competição partidária focalizaram a discussão sobre os fatores mecânicos e psicológicos produzidos pelas fórmulas de conversão de votos em cadeiras legislativas e seus incentivos ao voto estratégico (Duverger, 1954; 1986; Nohlen, 1981; Fisichella, 1984; Taagepera, 1984; Lijphart, 1990; Sartori, 1996; Blais e Massicotte, 1996; Cox, 1997; Blais, Young e Turcotte, 2005), nos mecanismos de alocação de sobras e nas conseqüências geradas pela magnitude eleitoral (Rae, 1967; Taagepera e Shugart, 1989). Menor atenção foi conferida às regras para a ocupação da cota de cadeiras parlamentares entre candidatos partidários. Um exemplo deste descaso pode ser registrado no recente e exaustivo estudo de Lijphart (1999) sobre as variações institucionais nas poliarquias institucionalizadas. O capítulo dedicado a descrever as alternativas disponíveis para a organização de sistemas eleitorais ' com detalhes acerca das regras eleitorais das 36 democracias em exame, como fórmula, magnitude, barreiras, dimensões do corpo legislativo, desproporcionalidade ' menciona variações no sistema de listas apenas em uma nota de rodapé.

Fórmulas para a conversão de votos em cadeiras legislativas correspondem a uma parte da engenharia institucional dedicada à produção da representação política. No caso das instituições de representação proporcional, torna-se relevante fixar como devem ser distribuídas as cadeiras da cota proporcional de cada partido entre seus candidatos parlamentares: conforme ranqueamento decidido previamente nas organizações partidárias ou pelo voto preferencial expresso pelo eleitor.

A forma mais freqüente de ordenamento promovido previamente pelo partido tem sido o modelo de listas fechadas, como registrado, entre outros casos, na Argentina, Indonésia, Noruega, Portugal, Espanha e África do Sul. Neste formato, partidos apresentam, antecipadamente, uma relação ordenada de seus candidatos, restando aos eleitores um sufrágio impessoal na lista (legenda) de sua preferência. As cadeiras são distribuídas entre os candidatos partidários conforme a ordem previamente estabelecida, até completar-se a cota proporcional partidária. O ordenamento partidário de listas pode ser encontrado, ainda, em sistemas eleitorais mistos, sejam paralelos como o da Geórgia, Japão, Coréia e Rússia, ou mistos-congruentes, como o da Alemanha, Hungria, Bolívia e Nova Zelândia.

O modelo mais usual de ranqueamento definido pela interferência do eleitor na definição da ordem final consiste na lista aberta, ou não-ordenada, encontrada em países como Brasil, Finlândia, Suécia, República Tcheca e Chile, e corresponde a um formato no qual partidos indicam seus candidatos sem uma ordem de preferências prévia, sendo prerrogativa dos eleitores definir esta hierarquia através de voto nominal conferido ao postulante de sua escolha.

Somados os votos dos candidatos de cada partido, estabelecida a cota proporcional de cadeiras que cabe a cada legenda, estas são distribuídas conforme a ordem de votos nominais obtidos por cada candidato. Listas flexíveis, como a do sistema eleitoral belga, representam uma variação neste procedimento, quando partidos apresentam listas eleitorais previamente ordenadas, havendo, contudo, possibilidade de o eleitor alterar este ordenamento, na medida em que deposite votos preferenciais para algum candidato em quantidade suficiente para reposicioná-lo na lista final, ordenada após a apuração dos sufrágios. No sistema de lemas, o eleitor vota em uma lista subpartidária, determinando a cota proporcional partidária e, simultaneamente, a distribuição intrapartidária de cadeiras, entre os diferentes lemas. Embora cada sublema constitua uma lista pré-ordenada, a definição da nominata final dos candidatos partidários eleitos depende da distribuição intrapartidária de preferências do eleitorado, permitindo alocar o Uruguai entre os casos de voto preferencial (Colomer, 2004; Rose, 2000). A Colômbia apresenta mecanismo semelhante. No entanto, sua fórmula de conversão de votos em cadeiras baseada no quociente eleitoral, combinado à primazia das maiores sobras, elimina o recurso da transferência e compartilhamento intrapartidários dos sufrágios (Archer e Shugart, 1997). Por fim, o single transferable vote, aplicado na Irlanda e em Malta, permite uma ordenação prévia das preferências do eleitorado, dirigindo a transferência do voto, caso as primeiras opções sejam desperdiçadas. Após uma primeira apuração, descartam-se as primeiras opções dos candidatos menos votados, bem como dos votos em excesso daqueles que alcançaram o quociente eleitoral. Este procedimento é repetido sucessivamente, até que as vagas em disputa sejam preenchidas.

INTERPRETAÇÕES SOBRE LISTAS ELEITORAIS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS A matriz para os diagnósticos produzidos sobre os efeitos de diferentes regras de ranqueamento eleitoral de candidatos partidários pode ser localizada no modelo de electoral connection, originalmente formulado por David Mayhew (1974). Investigando as estratégias de carreiras de legisladores norte- americanos, Mayhew encontrou evidências de que a busca de reeleição os induziria a cultivar reputações personalizadas, e a promover uma oferta de incentivos seletivos e particularísticos para sua constituency como melhor resposta para esta estrutura de oportunidades. A relação entre manutenção de carreira política, busca de votos personalizados e mandatos legislativos orientados para a captura de recursos dirigidos para o reduto eleitoral ' com foco ainda em distritos uninominais ' foi identificada em outros contextos, além daquele observado originalmente (Cain, Ferejohn e Fiorina, 1987).

Um dos primeiros trabalhos a empregar o modelo de electoral connection para interpretar a dinâmica da competição sob voto preferencial foi apresentado por Scott Mainwaring (1991). Examinando as regras eleitorais operando no Brasil desde 1946, Mainwaring indicou que, ao anteceder à institucionalização de organizações partidárias nacionais, listas abertas teriam criado incentivos para a fraca disciplina e fidelidade dos candidatos em relação a seus partidos.

Não prevendo a possibilidade de as lideranças partidárias efetuarem uma hierarquia prévia dos candidatos, este procedimento teria reduzido custos eleitorais para a violação de identidades partidárias, uma vez que sua eleição dependeria da quantidade de sufrágios personalizados conquistados, principal condição para definir o ordenamento dos candidatos. Desta forma, ao incentivar a competição intrapartidária, o mecanismo de lista aberta seria o responsável por provocar infidelidade, migração interpartidos, menor disciplina legislativa, votos personalizados, reproduzindo uma situação endêmica de fragilidade partidária.

Um quadro comparativo mensurando incentivos institucionais promovidos por diferentes modelos de listas eleitorais sobre a geração de reputação partidária ou pessoal como recurso para carreiras políticas foi elaborado por Carey e Shugart (1996), criando um escore para medir os meios de controle à disposição da liderança partidária: prerrogativa das nominações e ordenamento dos eleitos (ballot), transferência de votos (pool), restrições à competição intrapartidária e a existência de barreiras à formação de novos partidos, promovida pela magnitude dos distritos eleitorais. Nesta direção, lista aberta, candidatos natos e elevada magnitude das circunscrições eleitorais incrementariam o potencial de competição intrapartidária, reduzindo, paralelamente, o controle da liderança partidária sobre seus membros e candidatos e ampliando o valor de reputações pessoais como capital político.

Nesta perspectiva, fórmulas majoritárias uninominais, com nominação partidária, como a do Reino Unido e Canadá, e representação proporcional ' RP com lista fechada (Israel, Espanha) seriam exemplos de instituições que, ao conferir maior estoque de recursos à disposição das lideranças partidárias, gerariam menor incentivo à manutenção de reputações partidárias. Em contraste, as múltiplas listas partidárias com transferência limitada da Colômbia constituiriam regras com maiores incentivos para a captura de votos pessoais.

Em um caso como o brasileiro, a transferência interpartidária de votos nominais poderia ser um fator capaz de mitigar o efeito reputacional causado pelo modelo de listas abertas. Por outro lado, conforme Carey e Shugart (1996), o incremento da magnitude eleitoral provocaria conseqüências opostas, ampliando o valor de votos personalizados como fator de distinção na competição intrapartidária.

Argumento distinto sobre as conseqüências relacionadas com a magnitude eleitoral pode ser encontrado em estudo em que Wessels (1999), examinando orientações de parlamentares em 15 países da União Européia, observou que o impacto da magnitude eleitoral sobre a reputação pessoal e a electoral connection teria direção inversa daquela prescrita por Carey e Shugart (1996).

Quanto menor (e não maior) a magnitude da circunscrição, mais forte a relevância da reputação personalizada e de orientações distributivistas nos representantes.

Analisando seis casos nacionais na América Latina, Crisp et alii (2004) isolaram duas variáveis como recursos explicativos para a geração de padrões de electoral connection: procedimentos partidários de seleção de candidaturas, de indicações centralizadas, como no Chile, Costa Rica e Honduras, até descentralizadas, como na Colômbia, passando pelos casos intermediários da Argentina e Venezuela; paralelamente, regras eleitorais de lista fechada ou com competição intrapartidária (compreendendo lista aberta e listas subpartidárias). Assim, decisões descentralizadas, combinadas à competição intrapartidária, constituiriam o contexto mais favorável à disputa por votos personalizados e políticas particularísticas.

Tem sido muito atraente, para a literatura, fixar uma conexão entre: (a) regras eleitorais baseadas em voto preferencial; (b) incentivos para a promoção de reputações personalizadas como estratégia dominante; e (c) um padrão de conexão eleitoral baseado no reforço de lealdades paroquiais e no uso do pork barrel de forma a reduzir a incerteza gerada por elevados custos de informação ao eleitor, provocados pelo incremento no número de candidatos individuais e pela competição intrapartidária. Assim, Carey e Shugart relatam que "a reputação pessoal é associada freqüentemente por cientistas políticos norte-americanos com o particularismo legislativo ' orientada para políticas do tipo pork barrel para beneficiar distritos específicos e serviços para resolver problemas de eleitores individuais com a burocracia governamental" (1996:419, tradução do autor).

Em direção semelhante, Norris é enfática a respeito ao afirmar que "onde os cidadãos exercem um voto preferencial (também conhecido como 'aberto' ou 'não-bloqueado'), um reforço nas possibilidades de alteração no ranqueamento original e, conseqüentemente, que determinados candidatos da lista sejam eleitos. Sob estas regras, os políticos têm incentivos moderadamente fortes para oferecer benefícios particularísticos como forma de ultrapassar seus rivais dentro de seu próprio partido" (2002:4-5, tradução do autor).

Em contraste, segue Norris, "espera-se que listas fechadas em distritos plurinominais, onde os eleitores podem apenas escolher legendas partidárias e não apoiar um candidato particular, gerem incentivos para a oferta de benefícios programáticos e coletivos, reforçando coesão e disciplina de bancadas parlamentares partidárias" (idem, tradução do autor). Por fim, Crisp et alii insistem que "procedimentos de seleção de candidatos e o tipo de cédula eleitoral determinam a natureza da conexão eleitoral entre deputados e eleitores. Deputados que devem satisfazer bases locais para entrar na lista ou que competem contra seus próprios correligionários terão um incentivo para focalizar sua atuação em projetos concentrados, com os quais possam reivindicar crédito junto a eleitores potenciais.

Deputados que integram organizações partidárias que contem mais no cálculo dos eleitores do que seus atributos individuais (porque os eleitores não podem escolher entre candidatos de um mesmo partido) têm a oportunidade de focalizar sua atuação em bens públicos ou em leis com impactos relativamente difusos" (2004:831, tradução do autor).

Pode-se extrair destas proposições que, enquanto uma oferta programática e partidária cultivaria reputações partidárias e avaliação retrospectiva segundo identidades e compromissos partidários, regras eleitorais que incentivam reputação pessoal como capital eleitoral reforçariam oportunidades para pork barrel, estimulando a indiferença dos eleitores em relação a políticas redistributivas e ao compromisso com lealdades partidárias pelos candidatos escolhidos personalizadamente (idem).

Ilustração para esta inferência pode ser reconhecida na reconstituição promovida por Ames (2003) das estratégias eleitorais e de diferentes padrões de distribuição espacial de votos dos candidatos eleitos no Brasil sob regra de RP com lista aberta. Induzidos a cultivar redutos eleitorais baseados em reputação personalizada, candidatos eleitos apresentariam quatro diferentes formatos de electoral connection no Brasil: (1) concentrado/dominante, correspondendo a redutos eleitorais exemplares de políticos tradicionais, baseados na patronagem, clientelismo e ligações familiares; (2) concentrado/compartilhado, encontrado em candidatos ligados a sindicatos e categorias profissionais, bem como a movimentos ambientalistas; (3) disperso/dominante, característico de políticos com carreiras construídas a partir de postos de direção na administração pública; e, por fim, (4) disperso/compartilhado, observado em candidatos eleitos a partir do apoio emprestado por igrejas evangélicas e também grupos étnicos (idem:65).

Em síntese, o argumento convencional produzido pela literatura sugere que, sob regras de voto preferencial, no qual a ordem dos candidatos a ocupar as vagas geradas pela cota proporcional de cada partido é definida pela votação individual de cada candidato, a conseqüência será estratégias baseadas na reputação pessoal, viabilizadas preferencialmente por políticas distributivistas de alocação concentrada de recursos públicos (verbas, empregos) na constituency a ser conservada como condição para a manutenção e/ou mobilidade na carreira política.

Diagnóstico ainda mais severo quanto à eficácia da lista aberta em promover não apenas reputações partidárias, mas qualquer modalidade de voto retrospectivo, e aptidão dos eleitores em punir ou recompensar seus representantes pode ser encontrado em estudo de Nicolau (2002). Nas eleições legislativas realizadas entre 1986-1998, no Brasil, apenas um terço dos eleitores teriam votado em candidatos eleitos. Os restantes dois terços teriam dispersado suas preferências em postulantes derrotados, embora estes votos tenham contribuído para, pelo mecanismo da transferência (pool), eleger outros candidatos. O efeito disto, conforme Nicolau (idem), seria um incremento no custo para monitorar o desempenho dos representantes. Como a reputação partidária, medida pelo voto na legenda, e a memória do voto não-desperdiçado representariam um contingente minoritário dos eleitores, seriam os cidadãos sem o registro de sua última escolha, que acompanham retrospectivamente vários deputados, ao lado dos que escolheriam com base na oferta existente no momento eleitoral, sem o uso de um mecanismo retrospectivo, que terminariam predominando no comportamento dos eleitores brasileiros, sob a estrutura de oportunidades oferecida pela configuração RP com lista aberta.

Regras eleitorais exercem, nesta perspectiva dominante, efeitos do tipo positive feedback (Pierson, 2004): votos personalizados em distritos de magnitude elevada reforçam a importância de reputações pessoais como critério de escolha e, no fim do mandato, de avaliação retrospectiva. A importância marginal de reputações partidárias incentiva estratégias de migração interpartidárias ' dado o baixo risco de punição pelo eleitor ' o que, por sua vez, incrementa os custos para a formação de reputações partidárias, reforçando reputações pessoais como parâmetro de distribuição de votos. Por fim, custos elevados para a informação necessária à escolha pelos eleitores ' em decorrência da precariedade de reputação partidária ' incentivam a transferência concentrada de recursos como moeda eleitoral, gerando efeitos distributivos agregados. Em resumo, competição intrapartidária implicaria que reputações personalizadas e lealdades paroquiais deveriam sobrepor-se a identidades e fidelidade partidária, repercutindo em maior fragilidade nas legendas partidárias.

Uma das poucas proposições em direção contrária à condenação corrente da lista aberta pode ser localizada no argumento de Fabiano Santos (2003). Uma vez que um contingente residual de candidatos é eleito com número de sufrágios que corresponde ao quociente eleitoral, Santos (idem) indica que, efetivamente, a maioria dos parlamentares deve sua eleição à transferência de votos que pode ocorrer dentro de um partido ou mesmo entre vários partidos que compõem uma coalizão eleitoral legislativa. Isto significaria, segundo Santos, que a constituency eleitoral destes candidatos seria virtual, ou desconhecida mesmo para o candidato, uma vez que é composta por votos conferidos a outros. Mais do que a conexão eleitoral com um reduto geograficamente delimitado e alimentada pelo pork, a condição de êxito dos políticos brasileiros estaria no desempenho do conjunto do partido ou coalizão, quer dizer, os votos obtidos por candidatos que atingem ou ultrapassam o quociente, bem como por aqueles que, ficando muito distantes deste, terminam sendo derrotados, mas têm seus votos transferidos para candidatos melhor posicionados no ordenamento individual. Neste caso, enfatiza Santos (idem), a estratégia mais racional consistiria não em maximizar a conexão com o reduto eleitoral, mas em apostar no desempenho partidário, o que incentivaria disciplina, em vez de comportamentos do tipo free rider. O problema, contudo, deve-se ao fato de o valor do pool de votos não ser simétrico entre todos os candidatos de um partido/coalizão. Em outras palavras, para efetivamente beneficiar-se com a transferência de votos daqueles candidatos que tenham ultrapassado o quociente, e também dos derrotados, é imprescindível que o aspirante alcance posição privilegiada (determinada pela cota proporcional partidária) na ordem nominal de votos da legenda. E, para isso, precisará de votos personalizados que, se podem ser insuficientes para assegurar a eleição direta do candidato, não o são na competição intrapartidária (ou coalizacional) pelos votos transferidos.

Uma interpretação distinta acerca da conversão de reputação pessoal em reputação partidária nos sistemas de voto preferencial poderia ser buscada através do isolamento dos efeitos exercidos pelo tempo sobre a competição intrapartidária. Em outras palavras, trata-se de considerar a possibilidade de que a rotina eleitoral, gerada pela estabilidade da oferta partidária, possa contribuir para uma gradual conversão de prestígio personalizado em identidade partidária. Ou seja, a partir de escolhas eleitorais originais baseadas "na pessoa e não no partido" ' provavelmente em decorrência de custos mais baixos de informação decorrentes desta modalidade ', o eleitor, uma eleição após a outra, termina transferindo as qualidades atribuídas ao candidato de sua preferência para o partido deste. A redução nas taxas de volatilidade eleitoral observadas no Brasil (PNUD, 2004) poderia, assim, indicar um processo incremental de assimilação de conversão de reputações pessoais em reputações partidárias, a despeito dos incentivos gerados pelo voto nominal.

LISTAS ELEITORAIS EM PERSPECTIVA COMPARADA A severidade dos diagnósticos pronunciados contra sistemas de lista aberta ou flexíveis contrasta com a escassez de exames comparativos capazes de por à prova estes argumentos, examinando até que ponto existe uma conexão regular entre a competição intrapartidária gerada pelo ordenamento nominal dos candidatos eleitos e os efeitos supostos, na forma de enfraquecimento dos laços partidários e incentivos a políticas de cunho distributivo como resultado agregado do comportamento de candidatos buscando reforço de reputações pessoais e apoios eleitorais seguros.

Para mensurar as conseqüências efetivas de distintos modelos de lista eleitoral, este estudo buscou realizar um exercício comparativo a partir das instituições eleitorais contemporâneas. Foram descartados da análise países apontados como "not free", segundo a classificação da Freedom House para o período 2003-2004, desconsiderando, assim, casos nacionais em que eleições e regras eleitorais, embora eventualmente com existência formal, não configuram competição eleitoral efetiva. Por outro lado, foram excluídos, igualmente, países democráticos ou semidemocráticos com fórmula eleitoral majoritária (60) ou mista (19). Neste caso, considerou-se que as singularidades significativas estabelecidas neste procedimento de competição eleitoral produziriam uma comparação artificial com sistemas de representação proporcional, quando observado o problema do ordenamento partidário ou preferencial de candidaturas legislativas.

Feitas estas exclusões, foram examinados 51 casos nacionais, compreendendo instituições free (39) e partly free (12). Considerando a fórmula eleitoral, o conjunto está dividido em representação proporcional de lista (49) e single transferable vote (2). A amostra foi dividida em dois grupos: o de instituições eleitorais nas quais o ranqueamento dos candidatos legislativos é promovido exclusivamente pelas instâncias partidárias, previamente à disputa pelo voto do eleitorado, designadas, na seqüência, de lista fechada (28 casos), e procedimentos eleitorais que oferecem diferentes modalidades de interferência dos eleitores na definição da ordem final dos candidatos que deverão ocupar a cota partidária de cadeiras legislativas, compreendendo lista aberta, lista flexível, voto em lemas, single transferable vote, ou, ainda, panachage, englobados, por economia analítica, sob a rubrica voto preferencial (23 países).

Uma dúvida que poderia ocorrer a esta altura seria a da possibilidade de classificar-se, em uma categoria única de voto preferencial, procedimentos distintos como listas inteiramente não-ordenadas, listas previamente ordenadas, mas sujeitas a alteração pelos eleitores, doble voto simultáneo, panachage e, ainda, single transferable vote. Sem desconhecer as peculiaridades de cada um dos procedimentos disponíveis que prevêem a interferência do eleitor na distribuição das cadeiras partidárias, sua equivalência parte da premissa de que qualquer esforço analítico de interpretação de processos políticos implica um exercício de redução pelo qual algumas propriedades são subsumidas, enquanto outras, salientadas. O mesmo se passa ao utilizar "representação proporcional" como categoria de análise: a despeito das singularidades existentes nas instituições que empregam RP, decorrentes de diferentes fórmulas para a distribuição de sobras, magnitude eleitoral, threshold, tipos de listas e preenchimento das cadeiras partidárias, ela tem sido utilizada como uma variável para explicar graus de proporcionalidade, dispersão partidária ou desempenho institucional1. O que se está acentuando ao empregar-se "voto preferencial" como uma categoria analítica são suas semelhanças quanto à possibilidade de interferência do eleitor e a competição intrapartidária como condições para a definição da ocupação de cadeiras partidárias2, procurando, a seguir, testar se os efeitos decorrentes deste modelo correspondem àqueles previstos pela literatura.

América do Sul (8), África (7) e Centro/Leste europeu (5) constituem os continentes de maior presença de procedimentos eleitorais de lista fechada, enquanto a Europa ocidental (12) é responsável por 34,8% dos casos de voto preferencial nas democracias contemporâneas. Quando se considera o tipo de Executivo (presidencialismo/parlamentarismo), verifica-se uma associação maior entre lista fechada e presidencialismo (67,9%) e mais equilibrada nos casos de RP com voto preferencial.

O ponto de partida para o exame foram os procedimentos eleitorais de ocupação de cadeiras partidárias vigentes nos 70 casos em funcionamento no ano de 2004, procurando identificar as condições de implantação de cada caso. Para isto, foram considerados os procedimentos de ranqueamento prévios ao sistema vigente e o período em que ocorreu a reforma para a fórmula presente. As informações obtidas foram divididas, considerando os grupos lista fechada e voto preferencial.

Dois elementos destacam-se na observação dos casos nacionais com regras eleitorais de lista fechada vigentes em 2004: na grande maioria dos casos, sua adoção ocorreu no período do segundo pós-guerra, sendo que quase metade das eleições vigentes sob lista fechada foram implantadas somente após 1990. Mais ainda, entre as 27 nações com regras que atribuem aos partidos a prerrogativa de decisão sobre o ranqueamento de candidatos legislativos, apenas três (Noruega, Holanda, Islândia) estabeleceram-nas antes de 1945 e permaneceram desde então sob esta configuração eleitoral.

Em segundo lugar, a preferência por listas fechadas parece estar associada a contextos marcados por um antecedente de ausência de competição eleitoral: 23 dos 27 casos sob este formato foram adotados logo após processos de independência ou da transição de regimes autoritários, sem prévia competição eleitoral efetiva. Nesta situação pode ser encontrada a Espanha, que, tendo conhecido diferentes tipos de sistemas majoritários (com voto em bloco ou limitado, em distritos plurinominais ou uninominais) entre 1836 e 1931, adotou RP com lista fechada em 1977, após um longo intervalo eleitoral de quatro décadas produzido pelo franquismo; ou, ainda, Portugal, que alterna sistemas majoritários e mistos, entre 1822 e 1915, adotando fórmula proporcional de lista fechada após ciclo autoritário de 46 anos. Nações da América Latina (Argentina, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Guiana, Nicarágua, Paraguai), África (África do Sul, Benin, Burkina-Faso, Moçambique, Namíbia, Níger, Serra Leoa), Ásia (Indonésia, Turquia) e Leste Europeu (Bósnia- Herzegovina, Romênia, Iugoslávia) completam o grupo de casos nacionais que adotaram ranqueamento de candidatos efetuado pelas organizações partidárias em contexto imediatamente pós-autoritário. Considerando fórmulas de maioria uninominal como caracterizadas por graus mais restritos de disputa eleitoral, pode-se agregar nesta direção, ainda, outros dois casos de adoção do procedimento de lista fechada em substituição a um sistema de competição mais concentrada. Em outras palavras, 92,6% dos casos nacionais contemporâneos de lista fechada constituíram alternativa face ao status quo de restrita ou ausente competição eleitoral.

Em contraste, a introdução de lista fechada em substituição à regra anterior de voto preferencial possui apenas um registro, na Polônia, com a reforma implementada em 2001 que substituiu a fórmula de lista aberta, vigente desde 1991, pela prerrogativa partidária de ranqueamento dos candidatos legislativos.

Embora o contexto prévio à introdução de sistemas de voto preferencial não apresente um padrão nitidamente predominante, como no caso de regras de lista fechada, é possível identificar uma freqüência significativa de casos em que procedimentos que atribuem ao eleitor alguma margem de interferência no ordenamento de candidatos são adotados em substituição à anterior prerrogativa partidária de definição do ranking de candidatos, configurado pelo modelo de listas fechadas. Combinado à reforma no procedimento de ocupação das cadeiras partidárias, verifica-se em quatro dos seis casos que substituem lista fechada por voto preferencial uma ampliação paralela na magnitude eleitoral, alcançando valores médios de magnitude eleitoral (M) superiores a nove.

Deve-se destacar, igualmente, presença relativamente mais significativa de longevidade em instituições eleitorais com voto preferencial. Isto pode ser comprovado tanto pelo número de casos cuja adoção desta modalidade eleitoral é anterior a 1945, quanto, principalmente, quando se compara o tempo médio de funcionamento de regras em vigor em 2004: 39,9 anos para os sistemas de voto preferencial contra 25,5 anos em instituições baseadas em lista fechada.

REGRAS ELEITORAIS E SISTEMAS PARTIDÁRIOS Os prognósticos mais insistentes sobre o desempenho de regras eleitorais de representação proporcional com lista aberta ou voto preferencial sugerem que a conseqüência provável deste formato consistiria no incentivo à competição intrapartidária, fenômeno que contribuiria, por sua vez, para minar lealdades organizacionais e identidades partidárias. O resultado da competição interna por votos personalizados seria, sempre nesta perspectiva, menor controle exercido pelos órgãos dirigentes partidários sobre a seleção de candidatos a postos legislativos, redução nas taxas de disciplina parlamentar e maior importância atribuída ao prestígio e reputação pessoal em detrimento de reputações partidárias, como recurso para a competição na arena eleitoral. Em síntese, as várias modalidades de voto preferencial tenderiam a vir acompanhadas por precária institucionalização partidária e legendas frágeis.

Considerando institucionalização partidária como processo correlato à capacidade dos partidos em controlar a oferta de representação política, implicando congelamento de estruturas organizacionais e estabilidade no comportamento político (Mair, 1997), pode-se isolar um elenco de critérios utilizados para a mensuração do fenômeno. Em primeiro lugar, a institucionalização dos partidos políticos é resultado de maior estabilidade nas escolhas efetuadas pelos eleitores, indicando uma relação mais continuada entre partidos e votantes tradicionais, com um eleitorado flutuante marginal. A seu lado, a ocupação do espaço de competição por organizações mais longevas reduz as possibilidades para o surgimento de novos partidos relevantes. Disto resulta uma situação em que partidos e candidatos são constrangidos, por custos elevados, a defecção e transgressão a identidades firmadas, e eleitores não recebem novas ofertas eleitorais.

Este quadro pode ser verificado quando se mensura a consistência dos vínculos entre eleitores e legendas e a dispersão na oferta partidária na arena eleitoral. Três indicadores** são convencionalmente utilizados para medir a estabilidade existente na arena eleitoral e foram utilizados aqui como variáveis dependentes: número efetivo de partidos, participação eleitoral e volatilidade partidária (Nicolau, 1997)3.

Ao lado das conseqüências inferidas do modelo de voto preferencial sobre a dinâmica dos respectivos sistemas partidários, a literatura tem sugerido a existência de efeitos colaterais provocados por sufrágios personalizados: perdas de eficácia no monitoramento e accountability exercidos pelos eleitores sobre seus representantes; um padrão de electoral connection no qual a manutenção ou mobilidade na carreira política depende da capacidade em cativar redutos eleitorais geograficamente concentrados, incentivando estratégias eleitorais e de carreira política voltadas para o pork barrel, o que, por sua vez, seria responsável por gerar condições favoráveis a políticas distributivas e corrupção. Como a constituency de cada legislador seria insensível a apelos programáticos, respondendo apenas a contrapartidas seletivas do tipo transferência concentrada de recursos, parlamentares mover-se-iam entre agentes privados interessados em concessões públicas e autoridades públicas, detentoras da prerrogativa de liberar as verbas de interesse dos eleitores e financiadores eleitorais. Paralelamente, o número de candidatos e os procedimentos de transferência de votos dificultariam o acompanhamento e o controle de mandatos parlamentares, além de tornar difusa a clareza de responsabilidade de cada representante individual em relação às políticas governamentais.

Buscando testar este argumento, o procedimento adotado consistiu em considerar a relação entre voto preferencial e accountability. Para isto, foi utilizado o índice voice and accountability do World Bank, que atribui notas a 190 países, de acordo com seu desempenho neste quesito. No grupo das nações aqui analisadas (free e partly free, com representação proporcional), os piores desempenhos foram encontrados em países como Serra Leoa, Colômbia e Paraguai, e as melhores performances localizadas na Suécia, Finlândia e Dinamarca.

A última etapa consistiu em examinar a relação entre voto preferencial e corrupção governamental. Para isto, foi utilizado mais uma vez o indicador do World Bank, que classifica 191 países no mundo entre os valores 0 (altamente corrupto) e 10 (altamente transparente). Na amostra de 51 nações analisadas neste artigo, os piores desempenhos nesta dimensão foram representados por Paraguai, Indonésia e Moçambique, e os melhores, novamente, Suécia, Finlândia e Dinamarca.

Como variáveis independentes, foram utilizados lista eleitoral (1 para voto preferencial, 0 para lista fechada), tempo médio de existência dos partidos em cada caso nacional e desenvolvimento econômico, mensurado através do Produto Interno Bruto ' PIB per capita, valores de 2000. Os resultados podem ser verificados na Tabela_3.

Inicialmente, procurou-se testar o efeito isolado de regras de ordenamento eleitoral baseadas em voto preferencial com as variáveis escolhidas. A primeira questão a ser respondida é se haveria uma relação entre a ausência de mecanismos que assegurem o monopólio das direções partidárias sobre a definição da ordem dos candidatos a ocupar a cota de cadeiras partidárias (voto preferencial) e o incentivo para defecções, com a criação de novos partidos.

Facções e candidaturas personalizadas podem constituir elemento potencial de dispersão partidária, repercutindo em aumento no número de legendas efetivas? Os resultados mostraram relação moderadamente significativa entre este procedimento eleitoral e a dispersão na oferta partidária.

Se a relação entre voto preferencial e incremento nominal de legendas não parece controversa, a questão passa a ser o sinal atribuído a esta associação.

Em outras palavras, a variação no número efetivo de partidos em instituições eleitorais com regra de voto preferencial representa um atributo positivo ou negativo a ser creditado a esta modalidade? A premissa que orienta a interpretação aqui desenvolvida é que a dispersão partidária das preferências deve ser considerada um handicap negativo quando representar incremento no custo de informação para os eleitores, a ponto de constituir incentivo para a alienação eleitoral ou para a flutuação acentuada na distribuição temporal das preferências partidárias do eleitorado, ou seja, se o número de partidos implicar um aumento no volume de informação relevante e necessária para o eleitor decidir participar da competição eleitoral e que direção conferir ao seu voto, a ponto de, ante a impossibilidade de diferenciar entre uma oferta demasiado elástica de legendas, optar por abster-se ou, quando votar, o fizer de forma errática e imprevisível entre as legendas disponíveis.

Um fenômeno de elevada abstenção eleitoral pode representar potencial de instabilidade no sistema partidário, uma vez que este contingente de eleitores represente incentivo para estratégias de defecção eleitoral de dentro para fora das organizações partidárias existentes, ou para o ingresso de outsiders na arena eleitoral. Assim, trata-se de testar se existe uma relação negativa entre voto preferencial e participação eleitoral: em que medida a suposta relação entre voto preferencial e reputações personalizadas pode incrementar os custos de informação para a escolha partidária, contribuindo para a indiferença dos eleitores em relação aos partidos, uma vez que não sejam capazes de estabelecer os contrastes efetivos entre eles. Ou, ainda, que o incremento da competição intrapartidária entre candidaturas personalizadas possa representar um maior volume de informação relevante (as diferenças entre os candidatos, não apenas entre os vários partidos, como também dentro de cada legenda), incentivando a evasão e apatia do eleitorado.

Se as sentenças sobre modalidades de voto preferencial e sua associação com reputação personalizada estiverem corretas, deve-se encontrar uma relação significativa entre regras eleitorais que permitem a interferência dos eleitores na determinação da ordem final dos candidatos eleitos e, com isto, competição intrapartidária e instabilidade na distribuição partidária das preferências eleitorais. Isto porque, se reputações personalizadas (em detrimento de partidárias) constituírem o melhor recurso de arregimentação de votos sob esta configuração eleitoral, deve-se esperar uma variação longitudinal significativa no desempenho partidário agregado, uma vez que este irá sofrer a influência da entrada e saída de nomes e biografias das nominatas apresentadas por cada legenda em cada eleição. Inversamente, quando reputações partidárias são relevantes, parece razoável prever estabilidade no comportamento do eleitorado, menos sensível à oferta nominal em cada ocasião.

Volatilidade eleitoral pode constituir, nesta perspectiva, uma proxy para a presença de reputações exclusivamente pessoais no interior da arena eleitoral.

Não foi possível confirmar nenhuma destas suposições. A relação entre voto preferencial e participação eleitoral é positiva e significativa a 10%, indicando moderada associação entre sufrágios nominais, competição intrapartidária e maior proporção de eleitores que participam da disputa eleitoral. Da mesma forma, não foi possível detectar relação entre voto preferencial e maiores taxas de volatilidade eleitoral. Contrariando a suposição de que a competição intrapartidária por votos nominais preferenciais pudesse provocar flutuação temporal de preferências partidárias, o coeficiente encontrado apresenta sinal negativo, embora não seja estatisticamente significativo. Chama a atenção que as relações entre lista, participação e volatilidade tenham apresentado valores referentes ao erro padrão significativamente elevados. O tamanho do N observado e a presença de outliers representados pelos casos de Burkina-Faso, Serra Leoa e Colômbia (participação eleitoral), Malta e Chipre (volatilidade) provavelmente contribuíram para este resultado. Uma alternativa para corrigir esta distorção poderia ser promovida com a supressão dos outliers. Contudo, mesmo com este procedimento, os coeficientes permaneceram estatisticamente não significativos com altos valores do erro padrão, não indicando uma inferência precisa sobre o impacto do modelo de lista eleitoral nos níveis de turnout e de volatilidade eleitoral. O que, de qualquer forma, não compromete a direção da interpretação que orienta esta análise, uma vez que se sugere, justamente, a relevância marginal das fórmulas de listas eleitorais para explicar padrões de comportamento eleitoral, neste caso, decisão e direção do voto, e a relação mais eficiente a ser verificada por outros fatores.

A questão seguinte passa a ser os efeitos sobre o desempenho institucional. Com base na literatura, dever-se-ia esperar que, sob procedimentos de voto preferencial, fosse encontrada uma relação negativa com a performance referente ao quesito accountability. Contudo, isto também não ocorre. Contrariando a suposição de que a competição intrapartidária por votos preferenciais ' sobretudo quando combinada à transferência nominal destes sufrágios ' pudesse significar maior custo para a identificação das conexões entre voto-partido- governo-políticas e para a percepção das responsabilidades decorrentes do exercício do mandato legislativo e da posição em relação às políticas nacionais, instituições com mecanismos de interferência do eleitorado na confecção das listas parlamentares apresentam significativa (a 1%) relação positiva com o indicador de accountability.

Uma competição intrapartidária por votos preferenciais, ao criar incentivos para reputações personalizadas, (supostamente) reforçar pressões distributivas e alocação particularística de benefícios, possuir a necessidade de arrecadação para financiar campanhas eleitorais individuais e, ainda, (supostamente) com custos mais elevados para o monitoramento institucional, terminaria por criar uma estrutura de oportunidades mais favorável à geração de corrupção nas instituições públicas? Contrariando esta suposição, o coeficiente obtido pela relação entre voto preferencial e as notas atribuídas pelo World Bank quanto à presença de práticas ilícitas e desvio de recursos públicos indicam uma associação inversa entre democracias que adotam regras de competição intrapartidária e sufrágios nominais e corrupção.

Contudo, quando controlada pelas variáveis "idade média dos partidos" e "PIB per capita", os efeitos provocados pela variação nos procedimentos de ranqueamento eleitoral deixam de ser estatisticamente significativos, indicando a inexistência de relação entre modelo de lista eleitoral proporcional, estabilidade partidária e desempenho institucional. Mais uma vez, os valores relativos ao erro padrão da associação entre lista, turnout e volatilidade apresentaram-se expressivamente elevados.

O desenvolvimento econômico, medido através da renda média, mostrou-se uma variável significativa para mensurar a dinâmica da arena eleitoral e o desempenho institucional. Inicialmente, convergindo com as teorias da modernização, foi possível encontrar relação entre renda, dispersão na oferta partidária e participação eleitoral. A capacidade preditiva do fenômeno desenvolvimento econômico parece indicar um contexto antigamente batizado como sociedade afluente, revelando vínculos cognitivos e dispersão de recursos econômicos e culturais necessários para instrumentalizar o eleitor potencial a identificar os vínculos entre as decisões públicas e seus interesses particulares.

A intuição de que o incremento no PIB per capita ' acompanhado por moderação, julgamento retrospectivo governamental, dinâmica centrípeta ' pudesse afetar positivamente a estabilidade na distribuição das preferências eleitorais e menor deslocamento rotineiro do eleitorado não foi confirmada. O coeficiente obtido apresenta sinal negativo, embora não seja estatisticamente significativo. Em contraste, o desenvolvimento econômico apresenta uma robusta relação com o desempenho institucional, indicando que bem-estar social e incremento na renda, ao ampliar o acesso a informações e recursos de monitoramento, podem ampliar a capacidade de responsabilização pública e inibir fenômenos de corrupção.

Sugestiva parece ser a relação entre a antiguidade do sistema partidário e a estabilidade na distribuição das preferências partidárias do eleitorado. Foi possível captar uma relação estatisticamente muito significativa entre maior tempo médio de vida de partidos em cada caso nacional e a redução no número de partidos efetivos, sugerindo um efeito temporal sobre a sedimentação da oferta partidária. Mais revelador, ainda, foi a associação detectada entre a idade de cada sistema partidário e menores taxas de volatilidade eleitoral. Isto parece indicar que o custo da informação necessária para o eleitor incorporar o significado associado às diferentes legendas partidárias é maior quanto menor o tempo de existência partidária, contribuindo para a instabilidade na distribuição longitudinal dos votos. Inversamente, parece válido extrair a conclusão que o incremento no tempo de vida dos partidos pode exercer um efeito de positive feedback (Pierson, 2004), permitindo economia dos custos para a aquisição de informação relevante e gerando maior previsibilidade eleitoral. Na mesma direção, o cotejo das médias simples relativas ao tempo de vida dos sistemas partidários nos grupos de representação proporcional com lista fechada e voto preferencial não confirma a relação suposta entre lista fechada/maior sedimentação partidária: enquanto a idade média dos partidos em instituições com ordenamento baseado no procedimento de lista fechada era, em 2004, de 32,4 anos, nas democracias com representação proporcional e diferentes modelos de voto preferencial, o tempo médio de vida de suas respectivas organizações partidárias alcançava 48,6 anos.

CONCLUSÃO Modelos de lista eleitoral proporcional nos quais a definição da ordem dos candidatos com direito a preencher a cota proporcional de cadeiras partidárias é ditada pela competição intrapartidária por votos preferenciais podem ser considerados responsáveis por fragilidade partidária e déficits no desempenho institucional de democracias, traduzidos em menor accountability e maior corrupção? A julgar pelo mainstream dos estudos eleitorais e pela agenda dos reformadores políticos brasileiros, sim. Considerando os resultados apresentados neste artigo, não.

Regras eleitorais baseadas em votos preferenciais não apresentaram associação com maior instabilidade na distribuição temporal de sufrágios e demonstram pequena probabilidade de vir acompanhadas por incremento no número efetivo de legendas partidárias. Paralelamente, este modelo de lista eleitoral indicou relação com aumento nas taxas de participação eleitoral, responsabilização das instituições políticas e menor presença de casos de corrupção.

Quando controlada por outras variáveis ' desenvolvimento econômico e antiguidade partidária ', listas mostraram-se irrelevantes para explicar diferenças partidárias e institucionais observadas nos casos analisados. Estes fatores apresentaram associação mais significativa com a competição eleitoral e o desempenho institucional: o desenvolvimento econômico confirmou exercer influência sobre a dispersão partidária e o incremento na participação eleitoral, paralelamente à robusta relação com accountability e baixa corrupção. A antiguidade das organizações partidárias mostrou-se um forte preditor sobre a estabilidade na distribuição temporal de votos: quanto maior o tempo de vida médio dos partidos, menores as taxas de volatilidade eleitoral.

Se a estabilidade na distribuição partidária das preferências eleitorais constitui um indicador apropriado sobre a consistência dos vínculos entre eleitores e partidos e, em decorrência disto, as oportunidades para estratégias de deserção e infidelidade partidária (Marenco dos Santos, 2003; 2004), então, a criação de incentivos para a geração de votos estáveis e identidades partidárias parece resultar menos de reformas institucionais ' a indiferença dos modelos de listas sobre a volatilidade demonstram isto ' e mais da rotina eleitoral provocada pela manutenção, uma eleição após a outra, durante largo período de tempo, das mesmas legendas. Esta parece constituir a indicação mais favorável para a conversão de reputações personalizadas em reputações partidárias.

NOTAS 1. Dentro dos modelos de sistemas eleitorais classificados como proporcionais, listas RP e voto único transferível são freqüentemente unidos e tratados como opostos a fórmulas eleitorais de pluralidade (Grofman, 2005:736, tradução do autor).

2. Em direção semelhante à empregada por Crisp et alii: "Múltiplas (ou sub) listas partidárias e, ainda, listas abertas significam que candidatos a cadeiras legislativas devem não apenas distinguir-se de candidatos de outros partidos, mas também de candidatos de suas próprias legendas" (2004:830, tradução do autor).

3. Número de partidos efetivos (Np) = 1/Spi2, onde p corresponde à proporção partidária de votos; Participação eleitoral = votos válidos/população em idade de votar; Volatilidade Partidária (Vp) = [(P1-P1')+(P2-P2')+...(Pn-Pn')]/2.

4. Como a escala 0 a 10 de valores do Índice World Bank atribui valores mais baixos (próximos de 0) a casos de maior corrupção, os coeficientes positivos encontrados indicam, na verdade, associação das variáveis independentes com menor corrupção.


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