Determinantes do comportamento particularista de legisladores estaduais
brasileiros
"Todos os deputados do Congresso têm como primeiro
interesse serem reeleitos. Alguns deputados não têm outro
interesse" (Frank E. Smith apudMayhew, 1974;
tradução dos autores)1.
INTRODUÇÃO
O tema central deste artigo é a representação política em doze Casas
Legislativas dos estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Minas
Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso, Bahia, Pernambuco, Ceará, Tocantins
e Pará. O objetivo é analisar os efeitos: (a) das dinâmicas da competição
política; (b) da filiação partidária dos deputados, considerando o
posicionamento ideológico de seus partidos; (c) dos tipos de apoiadores
consistentes; e (d) de bases eleitorais sobre o comportamento legislativo dos
deputados investigados.
São utilizados os resultados produzidos na pesquisa Trajetórias, Perfis e
Padrões de Interação das Elites Estaduais Brasileiras, desenvolvida pelo Centro
de Estudos Legislativos do Departamento de Ciência Política da Universidade
Federal de Minas Gerais (CEL-DCP-UFMG)2. Entre os meses de setembro de 2007 e
fevereiro de 2008, foi aplicado um questionário com o objetivo de coletar
informações a respeito dos parlamentares daquelas Casas Legislativas; dos 624
deputados que constituíam o universo, 513 participaram da investigação3.Como
não foi construída uma amostra representativa desse universo, não se pretende,
nesta análise, fazer inferências para o conjunto dos deputados estaduais
brasileiros. O objetivo é examinar se certas proposições teóricas se sustentam
quando contrastadas com os dados coletados4.
Além das informações obtidas por meio do survey, foram levantadas e
sistematizadas aquelas sobre os sistemas partidários estaduais, as coalizões
eleitorais e os resultados do pleito de 2006 para a distribuição das vagas nas
Assembleias Legislativas e para os governos dos estados da Federação.
O projeto de pesquisa chamou a atenção para a carência de estudos sobre os
legislativos subnacionais no Brasil e, especialmente, para a necessidade de
realizar análises comparadas, longitudinais e transversais que contribuam para
o acúmulo de conhecimento sobre o comportamento, o processo e a produção
legislativa no âmbito dos estados federados. Seguindo sugestão de Loewenberg
(2008), acredita-se que trabalhos dessa natureza podem contribuir para o
desenvolvimento de uma teoria geral sobre o funcionamento de Casas
Legislativas. Afirma-se no referido projeto:
Nos últimos anos, coincidindo com o processo de estabilização
política, houve um enorme incremento da produção acadêmica sobre a
democracia brasileira, seus atributos e seu funcionamento. Quem quer
que esteja acompanhando tal produção pode presenciar um rico debate
em torno de como se governa o Brasil.
Nesse processo, os mais diversos temas têm chamado a atenção dos
pesquisadores [...] (Abranches, 1988; Ames, 2003; Anastasia e Melo,
2002; Anastasia, Melo e Santos, 2004; Avelar e Cintra, 2002;
Carvalho, 2003; Cheibub, Figueiredo e Limongi, 2002; Figueiredo e
Limongi, 1999; 2002; Mainwaring, 1993; 2001; Melo, 2004; Melo e
Anastasia, 2005; Nicolau, 2002; Samuels, 2003; Santos, 2003; Soares e
Rennó, 2006; Vianna, 2002).
No entanto, a produção acima mencionada, em sua maioria, tem se
voltado para o exame do sistema político brasileiro na sua esfera
nacional, contando-se, em bem menor número, os estudos até agora
realizados cujo foco esteja voltado para as unidades subnacionais.
Ainda mais rarefeita é a produção que busca comparar o quadro
encontrado em tais unidades, sejam elas estaduais ou municipais.
Foi Lima Júnior (1983) quem primeiro chamou a atenção, na ciência
política brasileira, para a necessidade de que se levasse às últimas
consequências o fato de que o Brasil é uma república federada. A
organização federativa do país, mais ainda após 1988, faz com que os
recursos disponíveis nos planos estadual e municipal sejam capazes de
alimentar dinâmicas políticas próprias, as quais se refletem, por
exemplo, em subsistemas partidários ou em padrões de carreira e de
produção legislativa bastante diferenciados. Mais recentemente,
trabalho organizado por Santos (2001) representou a primeira
tentativa de realização de estudos de caso tendo como objeto de
análise o Poder Legislativo em alguns estados da federação.
Ainda é, portanto, bastante incipiente o conhecimento produzido sobre os
legisladores estaduais e suas interações com os cidadãos e com os líderes de
coalizões (Arnold, 1990). A pesquisa em tela propôs-se, exatamente, a
contribuir para o preenchimento dessa lacuna por meio da análise comparada das
condições e das instituições sob as quais se desenvolve a competição política
nos diferentes estados. Investigouse, entre outras dimensões, o contexto
decisório em que atuam os legisladores, especialmente o formato dos sistemas
partidário eleitoral e parlamentar, a correlação de forças políticas em cada
estado, a conformação das bases eleitorais e os tipos de apoiadores
consistentes, segundo a percepção dos próprios deputados. Procurou-se averiguar
os efeitos desses fatores sobre o comportamento político, classificado em
termos do grau de particularismo versusuniversalismo que caracteriza a atuação
dos deputados na arena legislativa.
A análise multivariada foi a ferramenta utilizada para testar os impactos
combinados das variáveis independentes sobre o comportamento dos deputados.
Este artigo apresenta, inicialmente, o esquema analítico e as hipóteses do
trabalho. Propõe-se, a seguir, a operacionalização da variável independente
"competição política" e a classificação dos subsistemas estaduais nessa
dimensão, de acordo com a sugestão de Lima Júnior (1983). Na seção seguinte,
informa-se sobre a medida das outras variáveis independentes propostas acima;
segue-se a operacionalização da variável dependente "grau de comportamento
particularista dos deputados estaduais entrevistados". Procede-se, então, ao
teste das hipóteses, por meio de análise multivariada. Finalmente, é realizado
um esforço de interpretação dos resultados encontrados.
O ESQUEMA ANALÍTICO
Seguindo o percurso analítico trilhado pela literatura especializada, o
pressuposto central desta investigação é o de que os legisladores são atores
racionais, orientados para fins. As explicações informadas pela noção de
conexão eleitoralafirmam que o principal objetivo perseguido pelos legisladores
é o de sua reeleição (Mayhew, 1974; Fenno, 1973). Em Congressmen in Committees,
Fenno afirma que os legisladores procuram realizar três metas, sendo a primeira
delas a reeleição, seguida pela busca de poder no interior do Congresso e pela
produção de boa política pública (1973:1). Mayhew define os legisladores como
atores que têm na reeleição seu maior objetivo (1974:5), embora reconheça que
eles possam perseguir outras metas relacionadas e não necessariamente
incompatíveis com esse objetivo (ibidem:16)5.
Vale, no entanto, ressaltar especificidades que recobrem a análise do
comportamento dos deputados no Brasil. Em contraste com os colegas norte-
americanos, cuja principal meta é a reeleição, a ambição dos parlamentares
brasileiros é mais dinâmica, envolvendo diferentes percursos e trajetos que têm
por fim maximizar as chances de sucesso político, ainda que em diferentes
arenas (legislativa e executiva) ou em diferentes cargos (eletivos e não
eletivos)6.
Os argumentos de Fenno e de Mayhew inauguraram uma instigante agenda de
pesquisa relativa aos determinantes do comportamento legislativo, com ênfase
nos fatores exógenos (características dos sistemas eleitoral e partidário;
conexão eleitoral) e endógenos (regras formais que informam as interações dos
legisladores) às Casas Legislativas. Tal agenda desembocou, entre outras
veredas, nos três conhecidos modelos de organização legislativa:
distributivista (Mayhew, 1974), informacional (Krehbiel, 1990) e partidário
(Cox e McCubbins, 2005), cada qual postulando um tipo de associação entre as
regras que distribuem direitos, recursos e atribuições parlamentares entre os
legisladores e seu comportamento na arena legislativa. Nos três modelos, os
legisladores buscam maximizar suas chances de reeleição, mas em cada um deles
as regras formais do jogo afetam de formas diferentes a probabilidade de
consecução de tais fins, tendo em vista as diferentes condições institucionais
para a produção de ganhos de troca ou de informação7. Assim, a predominância do
comportamento particularista dos legisladores (caracterizado pela produção de
benefícios concentrados e de custos dispersos) seria esperada no contexto de
vigência do modelo distributivista, por contraste com a prevalência do
comportamento universalista, compatível com os modelos partidário e
informacional.
Outra importante contribuição registrada na literatura foi dada por Arnold
(1990), que se propôs a explicar, com uma única teoria, o triunfo de cada um de
três interesses em competição: geral, grupal e geográfico, mostrando por que o
mesmo deputado ora escolhe políticas voltadas para a produção de interesses
gerais, ora escolhe políticas voltadas para a produção de interesses grupais ou
de bases geográficas. Em suas palavras: "A teoria nem sempre prediz um único
resultado. Meu objetivo, portanto, é mostrar como os cálculos eleitorais
formatam todo o comportamento dos atores políticos, desde as decisões em
votações nominais às estratégias e táticas de líderes de coalizão"8 (Arnold,
1990:5-6; tradução dos autores).
Partindo da análise dos cálculos, ações e interações de cidadãos, legisladores
e líderes de coalizões, sua teoria explica a variação no comportamento de um
mesmo legislador durante seu mandato. Segundo Arnold, quando têm de tomar uma
decisão, os legisladores se perguntam, em primeiro lugar, qual das alternativas
em competição contribui mais para suas chances de reeleição. Sob essa
perspectiva, para tomar uma decisão, o legislador precisa: (a) identificar
todos os públicos atentos e desatentos que podem se preocupar com a questão em
pauta; (b) estimar a direção e a intensidade de suas preferências (reais e
potenciais); (c) estimar a probabilidade de as preferências potenciais serem
transformadas em preferências reais; (d) pesar todas essas preferências de
acordo com o tamanho dos vários públicos atentos e desatentos; e (e) dar um
peso especial às preferências de seus apoiadores consistentes (ibidem:82).
Nesse sentido, Arnold (ibidem) possibilita que seja feita uma distinção
importante entre as bases eleitorais dos legisladores e seus apoiadores
consistentes. Base eleitoral refere-se à dimensão espacial da distribuição dos
votos dos parlamentares. Assim, os legisladores podem ser caracterizados por
diferentes tipos de base, a depender do padrão de sua votação: regional,
segmentado ou universal. Os apoiadores consistentes, por sua vez, são os atores
decisivos para a campanha eleitoral do parlamentar; são aqueles que sustentam a
candidatura do deputado, podendo assumir o papel de formadores de opinião,
articuladores de apoio coletivo na sociedade e de financiadores de campanha. Na
política brasileira, os principais apoiadores consistentes que um deputado
estadual pode ter são prefeitos, vereadores, deputados federais, senadores,
empresários, líderes comunitários ou sindicais, religiosos, professores e
comunicadores de massa. Essa diferenciação remete à possibilidade de que um
parlamentar venha a ter base eleitoral de um tipo e apoiadores consistentes de
outro.
Vale sublinhar os ganhos analíticos produzidos por Arnold ao explorar, em uma
única teoria, os efeitos combinados dos padrões de interação entre
legisladores, cidadãos e líderes de coalizão e das regras e estratégias
procedimentais disponíveis para os legisladores em cada contexto institucional
em que eles interagem.
A partir da teoria proposta por Arnold, é possível investigar a variação de
comportamento entre os legisladores em um mesmo contexto decisório e explicar
por que, em uma mesma votação, alguns escolhem alternativas voltadas para a
produção de interesses gerais e outros, alternativas voltadas para a produção
de interesses grupais ou geográficos.
O enfrentamento dessa questão remete o argumento de volta para Mayhew e para a
necessidade de revisitar a explicação do comportamento informado pela conexão
eleitoral. Mayhew elencou as diferentes atividades a que se dedicam os
legisladores, visando maximizar suas chances de sucesso nas urnas: advertising,
credit claiminge position taking(1974:49-77). Tais atividades são direcionadas
a cimentar suas interações com seus eleitores e colher votos. Ele já
mencionava, no entanto, a necessidade de distinguir analiticamente o eleitorado
em geral dos atores políticos relevantes. Um ator político relevante é definido
como "[...] alguém que tem recursos que poderiam ser usados na eleição em
questão. Nas urnas, os únicos recursos utilizáveis são os votos, mas há
recursos que podem ser traduzidos em votos: dinheiro, habilidade de persuasão,
habilidade de organização etc."9 (ibidem:39; tradução dos autores).
As três atividades assinaladas por Mayhew - advertising, credit claiminge
position taking- relacionam-se, de forma complexa, com o foco da explicação de
Arnold, referente à produção de políticas voltadas para o interesse geral,
grupal ou geográfico e, especialmente, com a ênfase conferida pelo autor à
consideração, pelos legisladores, das preferências de seus apoiadores
consistentes.
Propõe-se, aqui, examinar, em primeiro lugar, se as variáveis de contexto
elencadas pela literatura como variáveis independentes, especialmente o "grau
de competição política nos diferentes estados da Federação", implicam variação
no grau de particularismo do comportamento dos deputados10. Em segundo lugar,
propõe-se verificar se: (1) a filiação partidária dos deputados, considerando o
posicionamento ideológico de seus partidos; (2) os tipos de apoiadores
consistentes; e (3) os tipos de base eleitoral são atributos dos legisladores
que constituem explicação robusta para as variações no comportamento
legislativo dos parlamentares, também tomados individualmente.
Vale assinalar que a primeira variável independente - "competição política nos
estados" - é de natureza contextual e, portanto, distinta das demais variáveis
que se referem ao legislador individual.
As hipóteses a serem testadas, portanto, são as seguintes:
H1: quanto maior a competição política estadual, menor o grau de
comportamento particularista11;
H2: deputados tenderão a se comportar de forma particularista quanto
mais à direita estiver o partido ao qual é filiado, quanto mais
regional for o perfil de seus apoiadores consistentes e quanto mais
suas bases eleitorais forem de tipo regional.
Variável Independente I: Competição Política
A operacionalização da variável independente, "grau de competição política
estadual", foi proposta a partir de um diálogo com Lima Júnior (1983),
referente a seu estudo dos subsistemas partidários estaduais da democracia de
1946. O autor classificou os subsistemas partidários brasileiros, no período de
1945 a 1962, utilizando especialmente dois indicadores de competitividade: o
número médio de partidos efetivos e a fragmentação eleitoral média nas eleições
legislativas estaduais do período. Neste artigo, propõe-se classificar os casos
analisados por meio de dois índices, o de competição eleitoral e o de
competição legislativa, que levam em conta uma série de variáveis, além das
utilizadas por Lima Júnior.
A decisão de medir o conceito de competição políticapor meio da construção
desses dois índices está informada pela percepção de que é logicamente
plausível a existência de diferentes combinações entre competição eleitoral e
competição legislativa nos diversos contextos (os doze estados da Federação
investigados)12.
Os índices para expressar a competição política foram construídos levando-se em
conta três dimensões consideradas relevantes na literatura:
a) a dimensão governoversus oposição;
b) a dimensão ideológica (esquerdaversus direita);
c) o grau de dispersão das forças políticas.
Em relação à primeira dimensão, considera-se que: 1) com referência à
competição eleitoral, quanto maior a proporção de votos obtidos por partidos
que não participaram da coligação eleitoral vitoriosa para o governo dos
estados, maior o grau de competição política estadual; 2) com referência à
competição legislativa, quanto maior a proporção de deputados que afirmam se
aproximar da oposição ao governo, maior é o grau de competição política
estadual. Na segunda dimensão, supõe-se que: 1) quanto maior a distância
ideológica entre o partido do governador eleito e a média das posições dos
partidos da principal coligação de oposição que concorreu ao governo dos
estados, maior a competição política estadual; 2) quanto maior o grau de
polarização ideológica dos partidos que compõem as Assembleias Legislativas,
maior é o grau de competição política estadual. Considera-se ainda que graus
maiores de dispersão das forças políticas no processo eleitoral e nas Casas
Legislativas indicam também mais competição política estadual.
Assim, para a construção do índice de competição eleitoral (ICE) foram
utilizados os seguintes indicadores:
(a) na dimensão governo versusoposição, calculou-se a proporção de votos dados
aos candidatos a deputado estadual, pertencentes a partidos que não
participavam da coligação vitoriosa para o governo dos estados, sobre o total
de votos válidos na eleição legislativa estadual de 200613.
(b) na dimensão esquerda versusdireita, utilizou-se uma adaptação do índice de
distância ideológica de Sani e Sartori (1980). Os autores propuseram, como
medida de distância ideológica entre dois partidos, a diferença entre as
posições de cada um deles na escala de direita versusesquerda, dividida pela
diferença máxima possível, que é de nove (9), uma vez que a escala varia de um
(1) a dez (10). Aqui, interessa utilizar a medida como indicador da distância
entre as duas principais forças políticas em competição na arena eleitoral.
Dessa forma, calculou-se o seguinte índice:
Em que DI= distância ideológica;
Pp1 = posição ideológica do partido do governador eleito;
Pcp2 = média da posição ideológica dos partidos que compuseram a
coligação eleitoral que ficou em segundo lugar (no primeiro ou no
segundo turnos), em cada um dos estados da Federação, na eleição de
2006.
O índice de distância ideológica pode variar de zero (0) - situação que
ocorreria na ausência de diferença entre a posição ideológica do partido do
governador eleito e a média da posição dos partidos da coligação que ficou em
segundo lugar - a um (1) - situação em que as duas posições acimaocupam os
extremos na escala ideológica de direita versusesquerda.
A medida da posição ideológica dos partidos políticos no eixo esquerda
versusdireita foi feita a partir das respostas dadas pelos entrevistados a três
perguntas incluídas no questionário: sua auto-classificação na escala que varia
de um (1) - esquerda-a dez (10) - direita, a posição que atribuiu ao próprio
partido e a avaliação feita sobre outros partidos, na mesma escala - nesse
caso, só foram considerados os oito maiores partidos do país (PP**, PDT, PT,
PTB, PMDB, DEM, PSB, PSDB e PR). Calculou-se a média dos dois ou três números -
no caso dos maiores partidos - resultantes das respostas médias dadas pelos
deputados e, dessa forma, os partidos políticos foram distribuídos na escala
que, empiricamente, variou de 1,38, para o PC do B, a 7,33, para o DEM14.
Os números resultantes parecem medir de forma bastante aceitável e coerente a
posição ideológica dos partidos políticos brasileiros considerados na análise,
levando-se em conta a tendência, já conhecida, de os políticos brasileiros
utilizarem raramente, para se localizarem na escala, as posições mais extremas
à direita15.
(c) como indicador da dispersão das forças políticas nos estados, utilizou-se o
índice de fragmentação eleitoral proposto por Rae (1971)16. Esse indicador leva
em conta a distribuição das proporções de votos obtidos pelos partidos que
apresentaram candidatos para o cargo de deputado estadual e o número de
partidos em competição. Pode variar de zero (0) - situação em que um partido
teria obtido todos os votos - a um (1) - se todos os partidos tivessem o mesmo
número de votos17.
O ICE apresentado no Quadro1 foi calculado por meio da soma dos três
indicadores acima, que foram padronizados para terem o mesmo peso no índice18.
Dessa maneira, ele varia de zero, o mínimo de competição, a três, situação de
competição máxima. Os estados investigados foram ordenados do menor ao maior
valor. É importante lembrar que os dados a respeito 1) da proporção de votos da
coligação de oposição ao governador eleito e 2) da fragmentação eleitoral se
referem às eleições de 2006, mas o segundo indicador, distância ideológica, foi
calculado levando-se em conta também as respostas dadas pelos entrevistados na
pesquisa realizada em 2007 e em 2008.
Pode-se observar variação entre os estados quanto ao grau de competição
eleitoral, pelo menos no contexto do pleito de 2006. A posição na escala que
resultou do índice contrapôs, de um lado, os estados de Santa Catarina, Rio de
Janeiro e Ceará, que apresentam menor competição eleitoral, aos estados de
Pernambuco, Pará e Rio Grande do Sul, com mais competição eleitoral. O índice
indica variedade nos subsistemas políticos estaduais brasileiros, sugerindo que
esse fator pode ser importante para explicar outros traços do processo político
estadual.
Para medir o grau de competição parlamentar, foi construído o índice de
competição legislativa (ICL), utilizando-se os seguintes indicadores:
(a) Na dimensão governo versusoposição, considerou-se a proporção dos deputados
que, em cada um dos estados, posicionou-se como de oposição. Esse indicador
resultou de pergunta, incluída no questionário, em quesepedia para o deputado
se autoclassificar em uma escala de um (1) a dez (10), em que 1 indicava
"máxima aproximação do governo" e 10, "máxima aproximação da oposição". A
partir da observação das distribuições de frequência dessa variável em cada um
dos estados investigados, decidiu-se considerar como de oposição os deputados
que se localizaram nas posições de sete (7) a dez (10) na escala.
(b) Na dimensão ideológica, utilizou-se o índice de polarização proposto por
Francisco A. Ocaña e Pablo Oñate (apudDíez e Barahona, 2002:348). Tal medida
considera a soma das diferenças entre as posições de cada partido na escala
direita versusesquerda, em relação à média da posição do conjunto de partidos
do plenário, elevada ao quadrado e ponderada pelo peso dos partidos na
Assembleia. Esse peso, por sua vez, é indicado pelo número de cadeiras que cada
um deles obteve nas urnas em 200619. O resultado, para cada uma das Casas
Legislativas, foi padronizado de forma a variar de 0 a 1, para que esse
indicador contasse, na construção do índice, como mesmo peso dos outros dois20.
(c) Com relação à terceira dimensão, a dispersão política, considerou-se o
índice de fragmentação parlamentar proposto por Rae e Taylor (1970). A
fragmentação parlamentar resulta da relação entre a fracionalização, medida
proposta anteriormente por Rae, e a fracionalização máxima, que mede a relação
entre o número de cadeiras e o número de partidos parlamentares21.
O Quadro_2 mostra os resultados obtidos nos indicadores considerados na
construção do índice de competição legislativa para os estados analisados.
Também nesse caso o valor foi calculado pela soma dos três indicadores,
padronizados de forma a terem o mesmo peso. Assim, o índice de competição
legislativa pode variar de zero (0), situação em que não haveria nenhuma
competição, a três (3), caso de máxima competitividade.
Também no grau de competição legislativa, há diferença entre os casos
analisados. A leitura do Quadro_2 permite observar que Ceará, Goiás e Mato
Grosso apresentam menor competição legislativa, em contraste com Bahia,
Pernambuco e Rio Grande do Sul, com maior competição legislativa.
Os dois índices distribuem os estados de forma diferente. Esse resultado indica
que eles devem ser tratados como dimensões separadas. Embora os dois índices
estejam correlacionados (R2=0,67), parece relevante distinguir, para analisar
os subsistemas estaduais, a competição na arena eleitoral, de um lado, e a
competição na arena legislativa, de outro.
A Classificação dos Subsistemas Partidários Estaduais
Seguindo os passos de Lima Júnior (1983), interessa fazer a classificação dos
sistemas políticos estaduais em termos dos graus de competição política. No
Gráfico_1, os estados analisados foram colocados em dois eixos: o primeiro
apresenta os resultados no índice de competição eleitoral, o segundo mostra os
valores do índice de competição legislativa. Pode-se observar que a maioria dos
casos se encontra nos dois quadrantes inferiores, de baixa competição
eleitoral; não há casos na posição de alta competição eleitoral e baixa
competição legislativa, embora o estado do Pará se aproxime dessa posição;
Minas Gerais, Tocantins, São Paulo e Rio de Janeiro têm baixa competição
eleitoral e alta competição legislativa, embora todos esses casos se encontrem
próximos dos centros das distribuições; Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e
Pará são os estados que têm posição alta nos dois índices.
Esses resultados confirmam que a heterogeneidade dos subsistemas partidários
encontrada por Lima Júnior (1983) para o período de 1945 a 1964 vale também
para o atual período. Se os resultados das eleições legislativas de 2006 não
têm características específicas, diferentes das dos outros pleitos da atual
democracia brasileira, os dados acima mostram a permanência de tipos diferentes
de subsistemas estaduais, com referência aos graus de competição política nas
unidades federadas. Resta examinar, como proposto na hipótese formulada
anteriormente, se esse fator, que distingue os estados investigados, tem algum
impacto sobre a variável dependente, particularismo versusuniversalismo do
comportamento dos deputados estaduais entrevistados.
Variáveis Independentes II: Posicionamento Ideológico, Apoiadores Consistentes
e Tipo de Base Eleitoral
Além da possibilidade de que a competição política (eleitoral e legislativa)
tenha alguma influência sobre o comportamento particularista dos deputados
estaduais analisados, aventam-se as hipóteses, formuladas no início, de que o
partido de filiação do deputado, os tipos de apoiadores consistentes e de bases
eleitorais tenham também efeito sobre o grau de particularismo do comportamento
dos legisladores. A seguir, apresenta-se a forma como essas últimas variáveis
foram medidas.
(a) Como indicador da filiação partidária do deputado utilizou-se a medida da
posição ideológica dos partidos políticos no eixo esquerda versusdireita, como
informada acima, quando se explicitou a construção dos índices de competição
política. Espera-se que deputados de partidos de direita tenham comportamento
mais particularista que deputados de partidos de esquerda22. A distribuição
dessa variável é apresentada no Gráfico_2.
(b) Para classificar os tipos de apoiadores consistentes, seguindo a orientação
de Arnold (1990), foram utilizadas três variáveis indicadoras (dummies),
construídas a partir da seguinte pergunta incluída no questionário: "Na opinião
do(a) Sr.(a), qual dos seguintes fatores foi o mais importante para sua vitória
na última eleição?". Aresposta "o apoio do partido" foi classificada como apoio
de tipo geral; as respostas "o apoio de prefeitos de sua região" e "o apoio de
vereadores de sua região" foram tomadas como indicadores de apoio de tipo
regional, e "o apoio de líderes empresariais", "da Igreja" e "de líderes
comunitários ou sindicais", tomadas como apoio de tipo grupal. As demais
respostas foram consideradas "outros apoios". As três variáveis indicadoras,
"apoiadores de tipo geral", "apoiadores de tipo regional" e "apoiadores de tipo
grupal", foram calculadas em contraposição ao "apoio de outros". Espera-se, a
partir do esquema analítico proposto, que respostas indicando o apoio regional
como o fator mais importante para a vitória eleitoral dos deputados estejam
associadas com comportamento mais particularista. No Gráfico_3 pode-se observar
a distribuição dos deputados na variável "apoiadores consistentes".
(c) Para a criação do indicador de "base eleitoral" utilizou-se o que se
chamou, no questionário, de "representação prioritária" dos deputados. Três
variáveis indicadoras foram construídas a partir da seguinte pergunta: "Nesta
legislatura, o(a) Sr.(a) acredita representar prioritariamente os interesses
de:". Foram classificados como representantes de interesses gerais os deputados
que responderam "dos eleitores de seu partido"; como representantes de base
regional os que afirmaram "dos eleitores de sua região"; e como representantes
de interesses grupais os que responderam "de determinado segmento (social,
religioso, econômico) de cidadãos de seu estado". As variáveis "representantes
de interesses gerais", "representantes de bases regionais" e "representantes de
interesses grupais" foram calculadas em relação às "outras" bases apontadas
pelos parlamentares. Espera-se comportamento mais particularista entre os
deputados que afirmam representar prioritariamente os interesses dos eleitores
de sua região e, em menor medida, entre os que afirmam representar grupos
sociais. A distribuição dos deputados nessa variável é apresentada no Gráfico
4.
Variável Dependente: O Grau de Particularismo dos Deputados
A variável dependente" o grau de particularismo do comportamento dos deputados
tomados individualmente" foi medida por meio de um índice somatório23, criado a
partir dos seguintes itens incluídos no questionário:
(a) a importância atribuída pelo deputado à função de "propor emendas ao
orçamento estadual que beneficiem sua região". Foram atribuídos quatro (4)
pontos ao deputado se ele afirmou dar importância "em primeiro lugar" a essa
função, dois (2) pontos se afirmou "em segundo lugar" e zero (0) se não citou
essa função entre as duas mais importantes;
(b) a frequência com que os deputados afirmam ter realizado, na atual
legislatura, a atividade de "atender ou encaminhar pleitos de seus eleitores".
A resposta a esse item foi medida, no questionário, utilizando-se a seguinte
escala: muitas vezes, algumas vezes, poucas vezes ou nunca; os números, de zero
(0) a quatro (4), foram atribuídos aos deputados de acordo com o grau crescente
em sua resposta sobre a frequência dessa atividade;
(c) a frequência com que os deputados afirmam ter realizado, na atual
legislatura, a atividade de "tratar, junto à burocracia, das demandas de
prefeitos de sua região". Esse item foi medido da mesma forma que o anterior;
(d) a importância atribuída pelo respondente a "conseguir recursos para sua
base eleitoral", para o candidato se reeleger à Assembleia Legislativa. Os
valores de zero (0) a quatro (4), nesse item, foram atribuídos de acordo com a
ordenação, feita pelos deputados, de um conjunto de cinco itens alternativos;
(e) a frequência com que o deputado utiliza "visitas às suas bases eleitorais"
como meio para informar seus eleitores sobre sua atuação parlamentar. Os
pontos, de zero (0) a quatro (4), foram atribuídos aos deputados de acordo com
uma escala de resposta que variava de "nunca" a "frequentemente".
O índice construído tem um resultado estatisticamente consistente24. Para o
conjunto dos deputados, o grau de particularismo parece alto: a medida variou
de 2,67 a 20 pontos, com média de 14,77 e desvio padrão de 3,38. O Gráfico_5
mostra a distribuição do índice de particularismo para todos os entrevistados.
No Gráfico_6, pode-se observar a variação do comportamento particularista entre
os estados da Federação investigados. Os casos foram ordenados dos menores aos
maiores valores em relação à média. Note-se que não há um padrão regional claro
na distribuição do comportamento particularista médio dos parlamentares. Os
menores graus médios de comportamento particularista aparecem no Rio de Janeiro
(Sudeste)25, no Rio Grande do Sul (Sul), mas também em Pernambuco (Nordeste); a
maior presença média de particularismo foi encontrada no Tocantins (Norte), no
Pará (Norte) e em Goiás (Centro-Oeste).
A Tabela_1 apresenta os partidos ordenados de acordo com o grau de
particularismo médio de seus deputados. O índice ordena os entrevistados,
classificados por partidos políticos, de forma compatível com a que se poderia
esperar: note-se que essa classificação corresponde de perto à distribuição dos
partidos na escala direita versusesquerda apresentada anteriormente. De acordo
com a literatura especializada em partidos políticos (Melo, 2000; 2004),
aqueles mais à direita apresentam média de grau de particularismo maior do que
a observada nos posicionados mais à esquerda.
O Teste das Hipóteses
As tabelas_3 e 4 trazem os resultados dos testes das hipóteses, feitos por meio
de quatro modelos de regressão linear múltipla26, a fim de analisar o impacto
dos diversos fatores tratados como variáveis independentes sobre o grau de
comportamento particularista dos deputados nas doze Casas Legislativas
pesquisadas.
>
No primeiro modelo foram incluídos os índices de competição eleitoral (ICE) e
legislativa (ICL). O coeficiente do ICE é positivo e o do ICL, negativo, o que
mostra a importância de se levar em conta as duas medidas separadamente. Com o
controle do ICL, o efeito da competição eleitoral tem sinal positivo: o grau de
particularismo do comportamento dos deputados aumenta com mais competição
eleitoral, ao contrário do que se esperava. Contudo, a competição legislativa,
controlada a competição eleitoral, implica diminuição, como se propôs na
hipótese, do grau de particularismo do comportamento legislativo. Esse é um dos
achados interessantes deste trabalho. Embora teoricamente se esperasse que o
efeito das duas dimensões de competição política se desse na mesma direção,
empiricamente foram observados efeitos em sentidos opostos27. Como o erro de
estimação encontrado não permite afirmar algo, com segurança, a respeito da
magnitude da associação entre competição eleitoral e parlamentar e o
comportamento particularista dos deputados, só é possível dizer que a
competição política estadual não provocou o efeito esperado.
Os resultados obtidos, portanto, alimentam a discussão sobre a direção da
associação entre distributivismo e competição política e indicam que o
incremento da competição eleitoral contribui para a elevação do grau de
particularismo dos deputados, reforçando o argumento de Lindbeck e Weibull
(1993). Segundo esses autores, recursos particularistas são enviados em maior
grau para lugares onde há predominância de "swing voters". Isso implica que,
ali onde a competição política é maior (os eleitores são mais disputados, não
há predomínio de nenhum partido ou facção, os resultados são incertos), são
também maiores as chances de conquistar eleitoresque votavam em outros
candidatos. Esses seriam, portanto, os locais que tendem a receber maior
atenção dos incumbents.
Conforme mencionado acima, os resultados mostraram ainda que, quanto maior a
competição legislativa estadual, menor tende a ser o grau de particularismo dos
deputados. A contribuição deste artigo para a polêmica, portanto, diz respeito
às particularidades das duas arenas aqui analisadas: a eleitoral e a
legislativa. A literatura que aborda o tema do distributivismo tem considerado
a dimensão da competição política unitária; e talvez por isso venha encontrando
resultados discrepantes. Na verdade, o que este trabalho sugere é que a
competição política impacta o grau de particularismo de incumbents, dependendo
da arena política em que ela é medida.
No Modelo 2, foi incluída a variável "partido do deputado", medida por
posicionamento na escala esquerda versusdireita. O resultado mostra que o
posicionamento ideológico do partido do parlamentar afeta seu comportamento:
quanto mais à direita se localiza o partido, maior a probabilidade de que o
deputado se comporte de forma particularista (um ponto a mais na escala eleva
0,62 ponto na escala de particularismo). Esse dado certamente sugere a
relevância de se levar em conta essa variável na explicação da atividade
parlamentar.
Se for possível considerar, com esse resultado, que o partido do candidato
influi sobre seu comportamento mais ou menos particularista, duas
interpretações relacionadas parecem plausíveis: 1) os políticos com
experiências, origens e bases políticas que incentivam o particularismo tendem
a se filiar mais provavelmente aos partidos de direita; ou 2) pode ser que
partidos de posição ideológica à esquerda impeçam, com frequência maior, o
ingresso, em seus quadros, de políticos de tradição regional, em contraste com
representantes de interesses de grupos específicos e com políticos de
orientação programática e ideológica.
Já o Modelo 3 inclui os chamados "apoiadores consistentes" dos deputados. Nesse
caso, ter apoiadores consistentes tipicamente regionais (prefeitos, vereadores)
faz aumentar, como se esperava teoricamente, a chance de comportamento
particularista dos deputados (ter apoiadores consistentes de tipo regional
eleva em 1,63 ponto a posição na escala de particularismo). Levando-se em conta
o tamanho do erro padrão estimado, frente aos estimadores calculados, ter apoio
de grupos específicos (líderes sindicais, comunitários e religiosos,
empresários etc.) tem efeito pequeno sobre o comportamento particularista dos
deputados, assim como ter apoio geral, de tipo partidário.
O próximo passo foi testar o Modelo 4, no qual foram consideradas as variáveis
indicadoras da representação prioritária, mantidas as que se referem ao
posicionamento ideológico dos partidos dos deputados e aos apoiadores
consistentes de tipo regional, e reintroduzidas as variáveis de competição
política. Os resultados mostram que, se o deputado afirma representar
prioritariamente os interesses de sua região, aumentam as chances de seu
comportamento particularista, controlando-se as demais variáveis. No entanto,
se o parlamentar afirma representar algum grupo social, diminuem tais chances.
O valor do beta estimadopara "representante de interesses gerais" é baixo e não
significativo, enquanto o coeficiente para "representantes de bases regionais",
ao contrário, é alto e significativo28. Importa também observar que o
posicionamento ideológico dos partidos dos deputados e os "apoiadores
consistentes de base regional" continuam tendo efeito importante sobre o grau
de comportamento particularista dos entrevistados.
Os resultados da regressão apontam para a consistência da conexão entre o tipo
de representação prioritária, o tipo de apoiadores consistentes, o
posicionamento ideológico do partido ao qual o parlamentar é filiado e seu grau
de comportamento particularista.
Se os parlamentares são atores racionais que pretendem maximizar suas chances
eleitorais por meio do comportamento legislativo, faz sentido encontrar uma
relação positiva entre base eleitoral de tipo regional, marcada por
concentração espacial de demandas, e comportamento particularista,
caracterizado pela busca de benefícios localizados e paroquiais. Assim também é
razoável que a relação entre apoiadores consistentes regionais e particularismo
seja positiva. Afinal, o atendimento às demandas particulares dos que apoiam o
deputado manterá o vínculo que, na opinião dos parlamentares, foi decisivo para
sua vitória eleitoral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Alguns resultados do esforço de pesquisa sobre os Legislativos estaduais aqui
relatados parecem relevantes.
Em primeiro lugar, foi possível, utilizando-se variáveis obtidas por diferentes
técnicas de pesquisa, classificar os estados da Federação estudados levando-se
em conta duas dimensões consideradas na produção internacional: os graus de
competição na arena eleitoral e na arena legislativa. Reforça-se a conclusão de
Lima Júnior (1983) para o período 1945-1964: existem diversos subsistemas
político-partidários nas unidades federadas brasileiras; há estados com altos
graus de competição eleitoral e legislativa; há casos com baixos graus nos dois
índices; e há ainda outros com alto grau de competição eleitoral e baixo grau
de competição legislativa. Apesar de as mesmas regras eleitorais valerem para
todos eles, os padrões de competição eleitoral e legislativa variam, o que
sugere o desenvolvimento de hipóteses explicativas para tal fenômeno. Note-se,
no entanto, que a tipologia proposta por Lima Júnior para a democracia de 1945-
1964 - sistemas de dois partidos, de três a cinco partidos e de seis ou mais
partidos - não é mais adequada para distinguir os tipos de subsistemas
partidários estaduais atuais, uma vez que todos os doze casos examinados, em
2006, seriam classificados na terceira categoria (o menor número efetivo de
partidos para os estados aquianalisados é de 5,7, caso do Estado do Ceará).
Em segundo lugar, foi possível classificar a grande maioria dos partidos
políticos brasileiros na escala direita versusesquerda, também de forma
coerente com o conhecimento acumulado e, importa lembrar, a partir da opinião
de atores politicamente relevantes: as elites políticas estaduais (deputados
das Assembleias Legislativas das unidades pesquisadas). A medida proposta pode,
certamente, ser útil em outros estudos sobre o funcionamento do sistema
político brasileiro.
Identificou-se, em terceiro lugar, uma dimensão relevante para distinguir o
comportamento dos deputados: o grau de particularismo em contraposição ao
universalismo de sua atuação política, questão tradicionalmente considerada na
produção teórica sobre estudos legislativos.
Certamente, esses resultados já compensariam o esforço de pesquisa realizado
pela equipe do CEL-DCP. Entretanto, o objetivo de verificar os efeitos dos
fatores acima sobre o grau de comportamento particularista, como atributo dos
deputados, baseado nos pressupostos analíticos e nas teorias em voga na ciência
política contemporânea, não foi tão bem-sucedido. Os resultados mostraram, em
geral, baixa capacidade preditiva de alguns dos fatores considerados na
análise. Não foi possível sustentar, com evidências suficientes, que os graus
de competição política estadual têm efeito relevante sobre as tendências de
comportamento particularista dos representantes eleitos.
Como apontado neste artigo, a variação do grau de particularismo entre
deputados de uma mesma Casa Legislativa relaciona-se: 1) ao posicionamento
ideológico dos partidos a que são filiados; e 2) à dimensão explorada pelos
estudos sobre conexão eleitoral. Vale assinalar a maior probabilidade de
comportamento particularista dos deputados filiados a partidos mais à direita e
a associação encontrada entre o tipo de apoiadores consistentes e de base
eleitoral dos deputados e o grau de particularismo de seu comportamento
legislativo. A prudência recomenda, no entanto, a necessidade de se examinar
essas conclusões à luz de dados sobre a distribuição geográfica da votação
obtida pelos parlamentares, assim como de informações sobre o modelo de
organização legislativa e o grau de desenvolvimento institucional apresentados
por Casas Legislativas de diferentes estados.
Os resultados apontam, ademais, para a relevância de se aprofundar a
investigação do objeto aqui proposto por meio de estudos comparativos
longitudinais que incluam informação sobre os outros estados da Federação. É
preciso considerar também outras dimensões que possam definir e distinguir as
condições em que se dá a atuação política dos deputados estaduais: pode ser
importante levar em conta, além de outros fatores da dimensão político-
institucional, a diversidade econômica e social existente entre os estados da
Federação.
NOTAS
1. "All members of Congress have a primary interest in getting re-elected. Some
members have no other interest" (Frank E. Smith apudMayhew, 1974:16).
2. O projeto foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Minas Gerais (Fapemig), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes). Agradecemos a essas instituições.
3. Os autores agradecem aos outros membros da equipe coordenadora da pesquisa,
Carlos Ranulfo F. de Melo e Magna Inácio, a possibilidade de utilização dos
resultados para a elaboração deste artigo. Agradecem também a colaboração de
todas as Casas Legislativas e dos deputados na aplicação do questionário. São
gratos, especialmente, à equipe de alunos do Programa de Pós-Graduação do
Departamento de Ciência Política e do Curso de Graduação em Ciências Sociais,
que trabalhou voluntariamente e com especial envolvimento em todas as etapas de
realização da pesquisa.
4. Encontram-se no Apêndice, Tabela_A1, o número e a porcentagem de deputados
entrevistados em cada um dos estados pesquisados.
5. "Another kind of difference appears if the initial assumption of a
reelection quest is relaxed to take into account the 'progressive' ambitions of
some members - the aspirations of some to move up to higher electoral offices
rather than keep the ones they have" (Mayhew, 1974:75).
6. Além das diferenças nas trajetórias de carreiras dos parlamentares e nas
estratégias empreendidas por eles para a manutenção de seus mandatos, os
sistemas eleitorais de Brasil e Estados Unidos têm diferenças marcantes. Como
se sabe, no Brasil a representação é proporcional de lista aberta, com
distritos de alta magnitude que incentivam a manutenção do multipartidarismo e
a relação personalista entre eleitores e representantes. Embora esse último
resultado seja semelhante em ambos os casos, o sistema eleitoral norte-
americano é majoritário, com distritos uninominais e apenas dois partidos com
cadeiras no Legislativo. A combinação dessas regras pode implicar explicações
alternativas para o padrão de comportamento dos parlamentares nos dois países.
7. Há extensa literatura sobre os modelos de organização legislativa. Ver,
entre outros, Shepsle e Weingast (1994); Krehbiel (1990); e Cox e McCubbins
(1993).
8. "The theory does not always predict a unique outcome. My aim is to show how
electoral calculations shape everything from legislator's roll-call decisions
to the strategies and tactics of coalition leaders" (Arnold, 1990:5-6).
9. "[...] anyone who has a resource that might be used in the election in
question. At the ballot box the only usable resources are votes, but there are
resources that can be translated into votes: money, the ability to make
persuasive endorsements, organizational skills, and so one" (Mayhew, 1974:39).
10. Pretendia-se, originalmente, examinar, também como variável independente, o
grau de desenvolvimento institucional das Casas Legislativas considerando duas
dimensões principais: os recursos disponíveis para a atuação eficiente dos
deputados e a existência e a operação efetiva de mecanismos de interlocução
continuada entre legisladores e cidadãos. Em versões anteriores deste estudo,
procurou-se medir esses indicadores por meio das opiniões e avaliações dos
deputados entrevistados sobre o funcionamento da Casa Legislativa. No entanto,
verificou-se que tais informações são passíveis de diferentes interpretações,
motivo pelo qual foram retiradas da análise aqui apresentada. O exame dos
Regimentos Internos das Assembleias mostrou alguma variação, no plano das
normas, nos indicadores dos recursos e procedimentos existentes para a atuação
dos deputados, mas não há informações disponíveis sobre a efetividade desses
mecanismos. Ademais, não foi possível obter informações sistematizadas, para
todos os casos, sobre a existência e a operação efetiva de mecanismos de
interlocução continuada entre legisladores e cidadãos. Por esses motivos a
variável "desenvolvimento institucional" não foi incluída no teste empírico,
apesar do reconhecimento de sua provável importância para explicar o
comportamento dos legisladores.
11. Há controvérsias, na literatura, sobre a natureza e a direção da associação
entre grau de competição política e grau de particularismo de atores políticos
em democracias. O debate entre Lindbeck e Weibull (1993), Dixit e Londregan
(1996; 1998), de um lado, e Cox e McCubbins (1986), de outro, constitui uma boa
ilustração dessa polêmica e está apresentado em Dahlberg e Johansson (2002). No
presente artigo, optou-se por submeter a teste empírico, para os estados
brasileiros estudados, hipótese sustentada nos argumentos de Cox e McCubbins
(1986) e de Cox (2008), de que os incumbentsinvestem especialmente naquelas
regiões em que têm maior proporção de apoiadores consistentes.
12. Para analisar comparativamente o "desperdício eleitoral", Wanderley
Guilherme dos Santos (2008) propôs um índice de competitividade partidária e
eleitoral levando em conta o número de candidatos, a magnitude dos distritos e
o número de partidos que concorrem às eleições. Neste artigo, decidiu-se propor
dois índices, um de competição eleitoral e outro de competição legislativa,
levando em conta outros indicadores, além dos propostos por aquele autor.
Incluiu-se, especialmente, a distribuição dos votos dos eleitores entre os
partidos políticos classificados nas dimensões de direita versusesquerda e
oposição versussituação.
13. Os dados foram obtidos no sítio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
consultado em 10 de março de 2009. No Apêndice, pode-se examinar a Tabela_A2,
que contém as informações e os passos seguidos para o cálculo desse indicador;
nela, encontram-se dados sobre o governador eleito, os partidos que
participaram da coligação vitoriosa para o governo de cada estado, o número de
votos válidos para as Assembleias Legislativas e o número de votos nos partidos
que não participaram daquela coligação, na eleição de 2006, nos doze estados
pesquisados.
14. No Apêndice, pode-se examinar a Tabela_A4, com as médias e os desvios
correspondentes, assim como as médias gerais e a ordenação dos partidos
políticos que têm representantes nas Assembleias Legislativas, na escala de
direita versusesquerda. Somente um dos partidos com representação nas
Assembleias Legislativas pesquisadas, o PRTB, não pôde ser classificado porque
seus deputados (três) não foram encontrados ou se recusaram a responder o
questionário.
15. No Apêndice, é possível examinar a Tabela_A3, com todas as informações
sobre os passos seguidos para a construção do índice de distância ideológica.
16. Índice de fragmentação eleitoral:
. Subtrai-se 1 do somatório da
proporção de votos que cada partido obteve na eleição, elevado ao quadrado x
100. O resultado é dividido pela razão entre partidos (n) e votos (N).
17. Na Tabela_A5, no Apêndice, podem ser observados os passos seguidos para o
cálculo da fragmentação eleitoral para cada um dos estados analisados.
18. Agradecemos ao professor José Francisco Soares por nos ter sugerido adotar
o procedimento da padronização dos três indicadores para a construção dos
índices de competição eleitoral e de competição legislativa. A simples soma,
sem essa padronização, dava menor peso especialmente ao indicador de distância
ideológica.
19. A medida é: <formula/>, em que PI =
polarização ideológica; Ci= proporção de cadeiras controladas pelo partido ina
posse (2007); Pi= posicionamento ideológico do partido i; e Ppl= média do
posicionamento ideológico do plenário. Ver Francisco A. Ocaña e Pablo Oñate
(apudDíez e Barahona, 2002:348).
20. A Tabela_A6, no Apêndice, traz os dados referentes à construção dessa
medida. Em versões anteriores deste artigo, calculou-se esse indicador somando-
se as proporções de cadeiras de direita e de esquerda e dividindo-se esse
resultado pelo total de deputados da Casa. Tal medida foi criticada por alunos
e professores em seminário da disciplina Legislativos Subnacionais em
Perspectiva Comparada, da pós-graduação em Ciência Política da UFMG, pelo fato
de que valores iguais poderiam ocorrer para casos inteiramente diferentes.
Outra tentativa de medir a polarização foi considerar a razão entre a proporção
da maior bancada, de direita ou de esquerda, e a proporção da menor bancada,
também classificada como de direita ou de esquerda, depois padronizada para
variar de 0 a 1. Finalmente, encontrou-se a medida de polarização proposta em
Ocaña e Oñate, utilizada por Díez e Barahona (2002).
21. A Tabela_A7, no Apêndice, traz esses dados para cada um dos estados
analisados. Em versão anterior deste artigo, utilizou-se como indicador de
dispersão o número efetivo de partidos políticos em cada estado, dividido por
100 e padronizado em relação ao valor máximo encontrado nas Assembleias
Legislativas em 2006. Decidiu-se utilizar a fragmentação parlamentar para que o
indicador de dispersão fosse semelhante nos dois índices, de competição
eleitoral e parlamentar, e porque a padronização criou problemas para a
comparabilidade dos casos. Na versão original do artigo, apresentada no 32º
Encontro da Anpocs, incluiu-se no índice de competição legislativa o resultado
de uma questão do questionário em que se perguntava aos deputados se as
interações entre governo e oposições "têm sido predominantemente competitivas
ou predominantemente cooperativas". Decidiu-se excluir esse indicador e
considerar somente medidas que dissessem respeito às características agregadas
das Casas Legislativas, seguindo sugestão de Fabiano Santos, que analisou o
artigo no Encontro.
22. Ver, a respeito, Nunes (2008).
23. Para medir o comportamento particularista versusuniversalista, em versão
anterior deste artigo, utilizou-se um índice padronizado resultante de análise
fatorial dos itens especificados anteriormente. A mudança para um índice
somatório foi feita para facilitar a análise e a compreensão dessa variável.
Agradecemos ao professor José Francisco Soares por ter observado que todos os
indicadores de comportamento particularista deveriam ter o mesmo peso no
índice, se não há razão teórica para justificar que um deles pese mais.
24. O alpha de Cronbach foi igual a 0,6. Segundo o Academic Technology
Services, Statistical Consulting Group da UCLA, disponível em http://
www.ats.ucla.edu/stat/sas/notes2/ e acessado em 24/11/2007, "o Alpha de
Cronbach representa quão bem um conjunto de variáveis mensura um construto
latente unidimensional simples. Quando os dados apresentam uma estrutura
multidimensional, o alpha de Cronbach é geralmente baixo" (tradução dos
autores).
25. Pode causar estranheza o baixo grau de particularismo apresentado pelos
deputados do Estado do Rio de Janeiro, em virtude do comportamento conhecido de
outras variáveis, como a alta fragmentação do sistema partidário estadual.
Talvez esse resultado se deva à configuração demográfica da população desse
estado, que se concentra na cidade do Rio de Janeiro, em contraste, por
exemplo, com Minas Gerais, estado em que há maior dispersão populacional entre
seus 853 municípios.
26. Não foi considerado o R2ajustado, dadas as controvérsias sobre sua
capacidade preditiva. Sobre o tema, ver King (1986) e Gelman e Hill (2007).
27. Tais resultados sugerem novas agendas de pesquisa, incluindo outras
variáveis explicativas, além das consideradas neste artigo. Especial
consideração merecem as variáveis endógenas à organização legislativa, que
podem distribuir diferentes incentivos - positivos e negativos - ao
comportamento particularista, a depender do modelo prevalecente na Casa:
distributivo, informacional ou partidário (Shepsle e Weingast, 1995; Krebhiel,
1990; Cox e McCubbins, 1993).
28. Comparando-se os betas padronizadosdesse último modelo, pode-se afirmar que
"representação de bases regionais" e "apoiadores consistentes de tipo regional"
são as variáveis, entre aquelas testadas neste artigo, que apresentaram a
associação mais forte com o grau de comportamento particularista.