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BrBRHUHu0011-52582015000100111

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National varietyBr
Year2015
SourceScielo

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Quem é Classe Média no Brasil? Um Estudo sobre Identidades de Classe* INTRODUÇÃO Nos últimos anos, tornou-se comum no Brasil ler, ouvir e discutir a respeito da chamada nova classe média brasileira, a famosa classe C. O debate sobre esse tema foi impulsionado primeiramente pela publicação dos resultados de uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV), coordenada pelo economista Marcelo Neri, na qual se afirmava que em 2008 o Brasil havia se tornado um país de classe média. Tal conclusão decorria da constatação de que entre os anos de 2003 e 2008, devido aos então recentes avanços socioeconômicos do país (Barros et_al.,_2010), a maior parte da população brasileira se encontrava na camada intermediária de renda–a classe C”.O estudo da FGV (Neri,_2008) chamava a atenção para o fato de que nos últimos anos milhares de indivíduos e famílias, que antes se encontravam nas camadas inferiores da escala de distribuição de renda, haviam atingido os níveis intermediários e, dessa maneira, foram identificados por Neri (ibidem:5) como a nova classe média brasileira, cuja emergência teria permitido ao Brasil tornar-se um país de classe média”1.

A pesquisa da FGV lançou luzes sobre uma grande transformação socioeconômica que, de fato, tem estado em curso na sociedade brasileira nos últimos anos.

Entre 2002 e 2008, milhares de indivíduos e famílias obtiveram aumentos substantivos em seus rendimentos e, como consequência, houve um crescimento importante de seu poder de consumo2. Essas pessoas atingiram níveis de rendimentos intermediários e passaram a fazer parte da camada da população que mais se assemelha ao brasileiro mediano não somente em termos de renda, mas também no que se refere à educação, ocupação etc.3 Baseando-se neste fato, Neri (2008) denominou essa camada social de classe média no sentido estatístico.

Iniciada, portanto, com a publicação dos resultados da pesquisa da FGV (Neri, 2008) e posteriormente seguida por autores como Souza_e_Lamounier_(2010), a tese da nova classe média brasileira, apesar de seu enorme sucesso nos meios de comunicação de massa (foram muitas as reportagens em jornais impressos, na internet, rádio e televisão a respeito da classe C) foi fortemente criticada por alguns autores (como por exemplo, Souza,_2010; Sobrinho,_2011). As críticas, que em geral provinham do campo da sociologia, tinham como principal alvo o critério adotado por Neri_(2008) para definir a classe média somente a renda , sob o argumento de que, segundo outras características, como categorias ocupacionais (Sobrinho,_2011; Pochman,_2012) e/ou capital cultural (Souza,_2010), aquele contingente de pessoas não poderia ser considerado classe média. Na esteira desse tipo de argumentação, também publicamos alguns trabalhos problematizando a tese da nova classe média brasileira pelo prisma sociológico (Scalon_e_Salata,_2012; Salata,_2012).

Em nossa opinião, a polêmica entre a perspectiva sociológica, mais estrutural, e a perspectiva econômica, mais focada nos rendimentos, deve ser aprofundada, e pode gerar resultados interessantes. No entanto, o empenho em desenvolver o presente trabalho surgiu da percepção de que, para além do embate entre essas duas perspectivas, outra importante disputa tem sido travada desde a divulgação da pesquisa da FGV. Trata-se de um embate que não poderia ser compreendido nem pelo prisma econômico de Neri_(2008), nem pela perspectiva sociológica que o vinha criticando (Sobrinho,_2011; Souza,_2010; Scalon_e_Salata,_2012).

Referimo-nos a uma grande discussão a respeito da própria definição da classe média brasileira. Afinal, quem se identifica, e é por sua vez reconhecido como classe média no Brasil? Essa é a questão principal que trataremos no presente artigo. Assim, apesar de reconhecermos a importância do debate a respeito das vantagens e desvantagens de utilizar diferentes critérios e variáveis como ocupação ou renda para a análise das desigualdades econômico-sociais, não temos, nesse trabalho, a intenção de tomar uma posição nesta discussão4. Para além dela, procuraremos chamar a atenção para a importância de analisar como os próprios indivíduos percebem sua posição socioeconômica.

Para examinar essa questão, usaremos metodologia quantitativa que será detalhada mais adiante. Antes de apresentar a análise empírica, faremos, na próxima seção, alguns breves comentários a respeito da literatura recente sobre identidades de classe.

IDENTIDADES DE CLASSE E CLASSE MÉDIA NO BRASIL Podemos identificar, na literatura sociológica, um grande número de trabalhos a respeito dos aspectos subjetivos da estratificação social, em especial no que se refere à consciência (ou identidade) de classes5. Tradicionalmente, a maior parte das pesquisas sobre identidade/consciência de classe baseava-se na famosa abordagem S-C-A (Structure-Consciousness-Action), de maneira que a esfera subjetiva era vista somente como uma consequência necessária ou contingente da estrutura objetiva (Devine_e_Savage,_2005). Nos últimos anos, entretanto, uma nova abordagem tem lançado dúvidas sobre essas ideias, atribuindo maior importância aos aspectos subjetivos e tomando-os não somente como uma consequência da estrutura objetiva, mas também como uma dimensão independente da estratificação que teria, por sua vez, consequências reais para a própria formação das classes sociais (Devine_et_al.,_2005; Charlesworth,_2000; Skeggs, 1997; Reay,_2005)6.

Com efeito, essa nova abordagem procura enfatizar as qualidades independentes das identidades de classe. Essas são tomadas não como etiquetas de dadas posições objetivas, mas sim como reivindicações de pertencimento e reconhecimento que são contestadas e disputadas. Assim, ao invés de interpretar os dados sobre localização subjetiva como um indicador que mediria o grau de consciência dos indivíduos em relação à sua posição objetiva, a identidade de classe é tomada como uma reivindicação de pertencimento a grupos sociais, e tais reivindicações poderiam ser endossadas ou negadas por outros indivíduos/ grupos, o que caracterizaria as disputas em relação às formações de classe.

Dessa maneira, as ambivalências presentes nos resultados de estudos sobre a consciência/identidade de classe são analisadas em seus próprios termos, sem tomar parâmetros supostamente corretos como referência. Como as identidades de classe não são vistas somente como consequência das condições econômicas, mas também como reivindicações de pertencimento, não seria possível afirmar que um indivíduo não é consciente de sua posição, ou que ele possui uma consciência falsa ou equivocada, ou uma percepção distorcida de sua localização social. Nesse sentido, a identidade de classe de um indivíduo não seria um reconhecimento correto ou distorcido de sua verdadeira posição; tratar-se-ia, na verdade, de uma maneira de se diferenciar ou aproximar de outros, um modo de afirmar a que classe de indivíduos gostaria de estar próximo, e das quais pretenderia se distinguir.

que a subjetividade não é mensurada por um parâmetro objetivo, mas constitui uma informação importante por si mesma, tem havido uma crescente reorientação da ideia de consciência de classe em direção à noção de identidade (Devine e_Savage,_2005). Essa reorientação pode ser verificada nos trabalhos de autores como Devine_(1992); Scott_(1996); Charlesworth_(2000); Savage_et_al.(2001) e Lammont_(1992).

As identidades são compreendidas, portanto, como um processo em eterno movimento, nunca acabado, nunca resolvido, envolvendo o constante entendimento de quem somos e de quem as outras pessoas são, e, reciprocamente, o entendimento de outras pessoas sobre elas mesmas e sobre os outros7. Ou seja, o processo de identificação diria respeito ao sistemático estabelecimento e significação de relações de similaridade e diferença. Afinal, dizer quem eu sou é dizer quem eu não sou (diferença), e também dizer com quem creio ter coisas em comum (similaridade). Com efeito, seria através do processo de identificação que criaríamos a noção de nós e eles (Jenkins,_1996)8.

Tal processo envolveria sempre, portanto, disputas e negociações, num constante jogo de forças, e se daria através de afirmações, resistência, reivindicações, aceitação, imposição etc., em uma contínua relação entre seu momento interno (autoidentificação) e externo (categorização)9. Nesse sentido, a literatura recente busca interpretar as identidades de classe como parte de um processo de constantes disputas e negociações que envolvem tanto classificações quanto autoidentificações10.

Essa literatura tem reconhecido, portanto, a necessidade de considerar ambos os aspectos objetivo e subjetivo da estratificação. Classes sociais são entendidas não (somente) como um agregado de posições objetivas, mas (também) como [um] rótulo aplicado a um nexo de relações desiguais decorrentes da organização social da produção, distribuição, troca e consumo (Bradley,_1996: 46; tradução livre). Seria o próprio processo de identificação que entre outros fatores unificaria situações socioeconômicas relativamente heterogêneas, e que de outra maneira seriam um mero agregado de indivíduos ocupando posições objetivas similares11.

Além disso, conforme lembrado por parte dessa literatura (Skeggs,_1997; Savage et_al.,_2001; Eijk,_2012; Reay,_2005; Sayer,_2005), uma importante característica das identidades de classe seria seu conteúdo moralmente carregado. Argumenta-se que a ideia de pertencimento a diferentes classes estaria relacionada à percepção de uma distribuição desigual de reconhecimento social. Identificações de classe, portanto, além de diferenciar os indivíduos, também imprimiriam uma hierarquia a essa diferenciação, e por esse motivo não seriam propriamente classificações neutras, mas hierarquias de valor.

Tomaremos então as informações subjetivas não como percepções corretas ou equivocadas de uma definição de classe média a prioriestabelecida por nós, mas como reivindicações de pertencimento, que participam ativamente na própria formação, manutenção e questionamento dos contornos e fronteiras que definem a classe média no Brasil.

Na verdade, a questão das identidades de classe sempre foi fundamental no debate a respeito da(s) classe(s) média(s). Seja colocando-a em segundo plano, seja atribuindo-lhe um papel central, grande parte dos autores que trataram do tema da classe média tiveram que lidar com a esfera subjetiva. Algumas perspectivas têm, inclusive, se concentrado nessa esfera como uma maneira de enfrentar a principal questão ou dificuldade que perpassa todo debate em torno da classe média, que é o de sua formação enquanto categoria socialmente significativa (Butler_e_Savage,_1995), ou a identificação/definição de seus contornos (Wacquant,_1992).

Isso nos leva à principal questão deste artigo, que é analisar se aqueles indivíduos que ocupam posições intermediárias se identificam tipicamente na posição de classe média, ou se, numa hipótese alternativa, essa identificação seria mais comumente encontrada entre os mais abastados. Dessa maneira, queremos entender como os próprios indivíduos percebem sua posição, e qual o perfil socioeconômico que no Brasil mais tipicamente se identifica (e, por sua vez, é reconhecido) como classe média. Além disso, procuraremos também analisar qual imagem os brasileiros têm dessa classe.

Nossa hipótese alternativa é sustentada por parte da literatura sociológica mais recente a respeito da classe no Brasil (Owensby,_1999; O’Dougherty, 2002)12. Dado o caráter periférico da sociedade brasileira, tão bem caracterizado e analisado (Fernandes,_1975), a noção de classe média foi introduzida por aqui tardiamente, de fora para dentro. Importada do chamado mundo desenvolvido Estados Unidos e, principalmente, Europa nas primeiras décadas do século XX, e incorporada pelas camadas médio-superiores urbanas, que buscavam uma identidade social em meio às grandes transformações pelas quais o país passava, a concepção de classe média presente no Brasil se traduziria em uma imagem idealizada da classe média do mundo desenvolvido, à qual somente as camadas mais abastadas da população brasileira poderiam corresponder.

Buscaremos, no decorrer do artigo, testar esta hipótese.

DADOS E MÉTODOS A fim de conduzir as análises empíricas neste artigo, analisaremos os dados provenientes do surveysobre a classe média, produzido no Brasil no ano de 2008, que traz dados nacionais representativos sobre identidade de classes, percepções sobre estrutura social e informações socioeconômicas como renda, educação etc. O surveyfoi conduzido em 141 cidades, entre os dias 8 e 12 de setembro, e sua amostra é representativa para a população brasileira com 16 anos ou mais de idade, contendo 2.002 casos13. O critério de seleção foi probabilístico nos dois primeiros estágios (cidades e agregados geográficos), e para a seleção dos entrevistados no terceiro estágio foram utilizadas cotas de gênero, idade, escolaridade e setor de atividade. A margem de erro estimada é de dois pontos percentuais para os resultados do total da amostra14.

Com o uso de estatísticas descritivas e modelos multivariados, buscaremos testar a hipótese de que, no Brasil, os indivíduos mais abastados (perfil AB) e não aqueles estatisticamente intermediários (perfil C) seriam os que tipicamente se identificam com a classe média; além disso, analisaremos a percepção dos brasileiros sobre essa classe e sobre as características que lhes parecem mais importantes para uma pessoa fazer parte dela.

RESULTADOS A base de dados do surveysobre a classe média, que usaremos nesta seção, traz duas variáveis principais relacionadas com a questão das identidades de classe.

Em primeiro lugar, os entrevistados deviam responder à seguinte pergunta, sem qualquer categoria de resposta prédefinida: hoje em dia muito tem se falado sobre classes sociais. A qual classe você acha que você pertence?. As respostas dadas foram codificadas nas seguintes categorias: classe alta, classe média alta, classe média, classe média baixa, classe trabalhadora, classe baixa/pobre e nenhuma classe. Em seguida, os entrevistados deviam responder à seguinte questão: e, entre a lista de opções abaixo (classe alta, classe média alta, classe média, classe média baixa, classe trabalhadora, classe baixa/pobre e nenhuma classe), a qual classe você acha que você pertence? Ou seja, havia primeiramente uma pergunta aberta, e, em seguida, uma pergunta estimulada em que as categorias de respostas eram pré-formuladas.

Trabalharemos neste artigo somente com as identidades de classe espontâneas.

que estamos analisando identidades de classe na qualidade de reivindicações de pertencimento, acreditamos ser mais adequado investigar como as pessoas se classificam espontaneamente, o que pode ser considerado um indicador melhor do que as respostas estimuladas quando suas alternativas de resposta são dadas a priori.

Segundo os dados apresentados no Gráfico_1, a maior parte dos brasileiros se identifica como classe baixa (32,6%), seguidos por aqueles que se reconhecem como classe média (24,5%), classe trabalhadora (19,1%), classe média baixa (16,2%), nenhuma classe (6%), classe média alta (1,5%) e, finalmente, classe alta (menos de 1%): Gráfico 1 Frequência das Identidades de Classe (Brasil, 2008)  Assim, a maior parte dos brasileiros se entre a classe baixa/pobre e a classe média. É importante ressaltar, desde , a pequena porcentagem de pessoas que se classificam como classe média alta ou classe alta, o que pode ser um primeiro indicador de que, no Brasil, a classe média é tomada quase como um limite superior.

Com o objetivo de estudar a relação entre as identidades de classe e o nível socioeconômico dos indivíduos, trabalharemos com quatro variáveis: rendimentos, nível de escolaridade, categoria ocupacional e tipologia de consumo. Nos próximos parágrafos teceremos breves comentários sobre as variáveis utilizadas, na intenção de facilitar a interpretação dos resultados.

Devido à natureza original da variável rendimentos da base de dados, as faixas de renda com que trabalhamos não coincidem exatamente com aquelas construídas por Neri_(2008). Nosso intervalo de renda E é formado pelas pessoas com rendimento domiciliar total mensal de até R$ 726,00; o nível D agrega os que têm renda entre R$ 726,01 e R$ 1.195,00, o que é próximo da mediana da distribuição em 2008 (que se situava em R$ 1.245,00); o nível C, por sua vez, agrega as pessoas com renda entre R$ 1.195,01 e R$ 3.474,00 (valor que delimita aproximadamente os 15% mais ricos no Brasil em termos de renda domiciliar); por fim, acima deste último valor, fica o nível AB”15. Ou seja, a principal diferença de nossas faixas de renda em relação àquelas utilizadas por Neri_(2008) é que o nosso limite superior da camada C ou o limite inferior da camada AB separa aproximadamente os 15%, e não os 10%, mais abastados.

Apesar de os níveis de rendimentos serem informações socioeconômicas muito importantes, outros dados, como nível educacional e categoria ocupacional, podem fornecer uma ideia mais confiável da posição social dos indivíduos, que tornam possível acessar os mecanismos mais estruturais que explicam as desigualdades de renda (Wright,_2005; Goldthorpe,_2009; Crompton,_2010). É por essa razão que, além dos rendimentos, também iremos trabalhar com categorias ocupacionais e anos de escolaridade.

A classificação ocupacional aqui adotada deriva do famoso EGP (Erikson_et_al., 1979)16. Para construir as categorias, trabalharemos com as informações ocupacionais dos chefes de domicílio17. Seguindo as instruções oferecidas por Ganzeboom_e_Treiman_(1996), classificamos as informações ocupacionais nas seguintes categorias: trabalhador rural; trabalhador manual não qualificado ou semiqualificado; trabalhador manual qualificado; trabalhador não manual de rotina; e profissionais e administradores18. os anos de escolaridade, por sua vez, foram categorizados da seguinte maneira: até5 anos de estudo; de5a8 anos de estudo; de 9 a 11 anos de estudo; e 12 ou mais anos de estudo.

Felizmente, além das informações sobre rendimentos, educação e ocupação, a base de dados do surveysobre a classe média também traz algumas informações a respeito do padrão de consumo dos entrevistados. Mais precisamente, eles deviam responder, separadamente, se estavam planejando comprar uma casa, um carro, mobília e eletrodomésticos nos próximos 12 meses. Além disso, se tinham plano de saúde particular, previdência privada, poupança/investimentos, filhos estudando em escolas/universidades privadas, e se haviam ido ao teatro ou viajado para o exterior nos últimos 12 meses.

Com o objetivo de facilitar a utilização deste conjunto de variáveis19, criamos uma tipologia. O primeiro passo foi a aplicação de uma Análise de Correspondência Múltipla; a partir dela, extraímos os dois primeiros eixos, que juntos explicavam 39,8% da inércia. Posteriormente, salvamos as coordenadas dos indivíduos nas duas dimensões extraídas e utilizamos essas informações em uma análise de Cluster20, que resultou na criação de três tipos de indivíduos.

Como se pode ver no Gráfico_7 (Anexo), o primeiro tipo baixo é caracterizado pela não participação nas práticas de consumo analisadas; o segundo intermediário , apresenta uma tendência a participar dessas práticas, mas especialmente naquelas relacionadas a bens de consumo como casa, mobília e eletrodomésticos; por fim, o terceiro tipo alto é caracterizado pela tendência a participar de todas as práticas e, principalmente, daquelas de caráter mais distinto como viagens internacionais, educação particular, plano de saúde, poupança etc.

O Gráfico_8 do Anexo, traz o cruzamento entre as variáveis socioeconômicas (rendimentos, nível de escolaridade, categoria ocupacional e tipologia de consumo) com as identidades de classe. Conforme podemos verificar, se por um lado as categorias inferiores apresentam uma clara tendência de identificação com a classe baixa/pobre, por outro a identificação com a classe média é destacadamente mais comum entre profissionais e administradores, pessoas com rendimentos elevados (AB), 12 anos ou mais de escolaridade, e práticas de consumo distintas. Entre as categorias intermediárias, no entanto, a distribuição das identidades de classe é mais apagada, menos clara, de modo que nenhuma categoria se destaca das demais.

A fim de analisar e expor as relações entre identidades de classe, nível de escolaridade, intervalos de renda, categorias ocupacionais e práticas de consumo de maneira integrada, facilitando a exploração dos dados, rodamos uma Análise de Correspondência Múltipla21, resultando em dois eixos extraídos que, juntos, explicavam 75% da inércia (variação), sendo 47% explicados pelo primeiro eixo e 28% pelo segundo. Apresentamos a seguir o Gráfico_2 formado por esses dois fatores22.

[/img/revistas/dados/v58n1//0011-5258-dados-58-1-0111-gf02.jpg] Gráfico 2 Análise de Correspondência Múltipla** (categories plot): Identidades de Classe*, Categorias Ocupacionais, Tipologia de Consumo, Anos de Escolaridade e Intervalos de Renda (Brasil, 2008)  Como se pode ver no Gráfico_2, o primeiro eixo ordena as categorias desde o intervalo de renda AB, 12 ou mais anos de escolaridade, tipo alto de consumo e profissionaise administradores”–à direita até o intervalo de renda E, 0a 4 anos de escolaridade, tipo de con sumo baixo e trabalhadores rurais ou inativos e desempregados à esquerda. Ou seja, este fator discrimina, em termos de nível socio econômico, do mais alto para o mais baixo da direita para a esquerda, respectivamente. em relação ao segundo eixo, enquanto as catego rias intermediárias se encontram na parte superior, as categorias extre mas baixas ou altas estão na parte inferior. Ou seja, esse segundo eixo separa as categorias intermediárias das demais.

Podemos então identificar quatro tipos no Gráfico_2: o primeiro, lo calizado no quadro inferiorà esquerda, possui rendimentos baixos (E) e pouca escolaridade (0-4), tende a não participar nas práticas de consumo analisadas (baixo), está na categoria de trabalhador rural (ou inativo/desempregado) e se percebe como classe baixa/pobre; o segundo tipo, localizado no quadro superiorà esquerda, possui rendi mentos na faixa D, 5 a 8 anos de escolaridade, tende a participar das práticas de consumo (intermediário), se encontra na categoria de trabalhador manual não qualificado e se percebe como classe traba lhadora; o terceiro, por sua vez, localizado no quadro superior à di reita, possui rendimentos intermediários (C), 9 a 11 anos de escolari dade, tipo intermediário de consumo, ocupação não manual de rotina e se identifica com a classe média baixa; finalmente o quarto tipo, localizado no quadro inferior à direita, apresenta rendimentos altos (AB), 12 ou mais anos de escolaridade, está na categoria dos profissionais ou administradores, participa de práticas distintas de consumo (tipo alto) e se identifica com a classe média.

Assim, verificamos que o tipo E está mais perto da identidade de classe baixa/pobre, o D está mais próximo da identidade de classe trabalhadora, o C encontra-se mais próximo da identidade de classe média baixa, e o tipo AB localiza-se próximo da identidade de classe média.

Um fato interessante a se observar no Gráfico_2: as categorias de nível socioeconômico superior encontram-se tão distantes da identidade de classe média quanto as categorias intermediárias. Isso ilustra o fato de que o nível AB é o único que está completamente distante de outras identidades de classe que não a identidade de classe média. Assim, apesar de podermos encontrar uma proporção substantiva de indivíduos se identificando como classe média, no perfil C, por exemplo, também podemos encontrar uma grande proporção de pessoas se reconhecendo como classe baixa/pobre, classe trabalhadora e, especialmente, classe média baixa nesse perfil. Mas é somente entre os indivíduos do perfil AB que a identidade de classe média ofusca todas as outras, fazendo deste tipo algo muito mais fechado e unificado em sua identidade de classe (média).

Com efeito, a análise acima nos fornece um quadro geral, e bastante relevante, da relação entre posição social e identidade de classe no Brasil. Além disso, serve também como forte indicador de que é somente entre os indivíduos que ocupam posições superiores (com renda alta, educação universitária, ocupação de prestígio e consumo distinto) que encontramos uma forte e clara identificação com a classe média.

A Análise de Correspondência Múltipla, entretanto, não testa nossas hipóteses de uma maneira formal. Para fazer isso de modo mais apropriado, também trabalhamos com análise de regressão (logit multinomial23), tomando as identidades de classe como variável dependente, na intenção de examinar as diferenças nas chances (e probabilidades) de identificação com a classe média de acordo com as variáveis de nível socioeconômico.

O Quadro_1 descreve as variáveis utilizadas em nossos modelos24, e a Tabela_2 em anexo apresenta a descrição dos modelos rodados e suas respectivas estatísticas de ajuste25.

Quadro 1 Modelos Multinomiais para Identidades de Classe: Descrição das Variáveis (Brasil, 2008)  Posição Nome Tipo Categorias/Unidades Idade Contínua Anos Região Geográfica Dummies Reg1: NO/CO (ref=Sul) Reg2: NE (ref=Sul) Reg3: SE (ref=Sul) Localização Dummies Loc1: Cap. (ref=int) Gênero Dummy Loc2: Per. (ref=int) Gênero: Masc. (ref=fem) Escolaridade Dummies Esc1: 0-4 (ref=12+) Esc2: 5-8 (ref=12+) Esc3: 9-11 (ref=12+) Independente Tipologia de Consumo Dummies Tipo1: baixo (ref=alto) Tipo2: interm. (ref=alto) Renda Dummies Renda1: E (ref=AB) Renda2: D (ref=AB) Renda3: C (ref=AB) Categoria Ocup1: Inativos (ref=Prof. Adm.) Ocup2: Trab. Rural (ref=Prof. Adm.) Ocupacional (EGP) do Dummies Ocup3: Trab. Manual N-Qualif. (ref=Prof. Adm.) Ocup4: Trab. Manual Chefe de Domicílio Qualif. (ref=Prof. Adm.) Ocup5: Trab. Não Manual de Rotina (ref=Prof.

Adm.) Dependente Identidade de Classe CategóricaClasse Média Classe Média Baixa Classe Trabalhadora Classe Baixa/Pobre (espontânea) (referência) Nenhuma Classe Obs.: Quadro elaborado pelo autor.

Na base do Quadro_1, vemos que nossa variável dependente possui cinco categorias: nenhuma classe, classe baixa/pobre (categoria de referência)26, classe trabalhadora, classe média baixa e classe média. Entre as variáveis independentes, temos a idade (contínua, em anos), gênero (dummy), região geográfica (dummies), localização27 (dummies), renda domiciliar (dummies), anos de escolaridade (dummies), tipologia de consumo (dummies) e categorias ocupacionais (dummies).

Por fim, a Tabela_3, em anexo, apresenta os parâmetros (razões de chance) estimados pelo modelo rodado (aquele que inclui todas as variáveis descritas acima). É possível verificar que possuir nível superior de escolaridade ao invés de primário, fundamental ou secundário aumenta as chances de os indivíduos adotarem uma identidade de qualquer outra classe que não seja a classe baixa. Por exemplo, ter um nível básico de escolaridade ao invés de superior reduz em 77% as chances de adotar uma identidade de classe média em vez de classe baixa. Além disso, possuir nível secundário de escolaridade em vez de superior, reduz em 50% as chances de identificação com a classe média, em lugar da classe baixa”28.

O nível de rendimentos também se revelou muito importante. Até mesmo quando controlamos os efeitos das demais variáveis (como escolaridade e ocupação) é possível ver que o fato de um indivíduo estar na faixa C e não na AB reduz em 78% suas chances de adotar uma identidade de classe média em oposição à de classe baixa; e estar na faixa D reduz essas chances em mais de 90%. Além disso, estar nas faixas C ou D (ao invés de AB) também reduz, porém de maneira menos acentuada, as chances de os indivíduos se reconhecerem como classe média baixa, e não classe baixa.

Conforme esperado, variáveis como escolaridade, consumo e, principalmente, renda, produzem fortes efeitos sobre as identidades de classe. De uma maneira geral, a identidade de classe média está bastante associada à escolaridade superior, a um nível elevado de rendimentos (AB) e a práticas distintas de consumo.

Mas, como o modelo multinomial trabalha com razões de chance, e dado o número de categorias na nossa variável dependente quatro parâmetros explícitos para cada variável independente , seria muito difícil interpretar a grande quantidade de informações que o modelo fornece29. Além disso, como deve estar claro, estamos interessados na relação entre identidades de classe e perfis socioeconômicos, e não exatamente nos coeficientes relativos a variáveis específicas.

A fim de melhor atender aos objetivos do estudo e relativizar as dificuldades de interpretação impostas pelo modelo multinomial, faremos uso das probabilidades preditas (Long_e_Freese,_2006). Assim, a partir do nosso modelo, extraímos as probabilidades preditas das diferentes identidades de classe para quatro casos fictícios (simulados), empregados como proxiesdos quatro diferentes tipos socioeconômicos (E, D, C e AB), analisados anteriormente.

Todos eles compartilham algumas características básicas, como: ter 35 anos de idade, ser do sexo masculino e viver em uma capital no sudeste do Brasil30. Por outro lado, eles são bastante diferentes no que se refere às características socioeconômicas.

O tipo E caracteriza-se por nível educacional baixo (0-4 anos), poder de consumo baixo, nível E de rendimentos e situação ocupacional de trabalhadores rurais; o tipo D, por ter de5a8 anos de escolaridade, poder de consumo intermediário, encontrar-se na camada de renda D e na categoria ocupacional dos trabalhadores manuais não qualificados; o tipo C tem nível educacional médio (9-11 anos), poder de consumo intermediário, rendimentos na faixa C e situação ocupacional de trabalhadores não manuais de rotina; por fim, o tipo AB apresenta nível superior de escolaridade (12 anos ou mais), poder de consumo alto, encontra-se na camada AB de rendimentos e na categoria ocupacional dos profissionais e administradores.

Esses casos fictícios, simulações, podem ser vistos como proxies ou tipos médios dos diferentes perfis socioeconômicos agregados pelos intervalos de renda de Neri_(2008), e também captados anteriormente por meio da Análise de Correspondência Múltipla.

O Gráfico_3 mostra as probabilidades preditas das identidades de classe para cada um desses tipos31. Podemos ver que, de acordo com as probabilidades preditas pelo modelo representadas no Gráfico_3 , o tipo E apresenta uma probabilidade de 0,55 de se reconhecer como classe baixa/pobre, sendo caracterizado pela predominância desta categoria. A probabilidade da identidade de classe baixa/pobre diminui conforme caminhamos em direção aos outros tipos, chegando a 0,02 para o tipo AB, no qual, por sua vez, encontramos uma predominância da identidade de classe média probabilidade de 0,68. Enquanto o tipo AB é marcado pela identidade de classe média e o tipo E pela de classe baixa, os tipos D e C não apresentam nenhuma probabilidade que se destaque das demais.

[/img/revistas/dados/v58n1//0011-5258-dados-58-1-0111-gf03.jpg] Gráfico 3 Modelo Logit Multinomial para Identidades de Classe: Probabilidades Preditas por Tipos Socioeconômicos (Brasil, 2008)  Se, por um lado, o tipo E se destaca pela alta probabilidade de identificação com a classe baixa/pobre, o tipo AB se distingue pela predominância da identidade de classe média. De fato, é somente para o tipo AB que a probabilidade predita para classe média ultrapassa 0,50 e que a probabilidade para classe baixa é menor que 0,10.

Como vemos na Tabela 7 em anexo, a diferença nas probabilidades de identificação com a classe média entre os tipos C e AB é estatisticamente significativa32. Além disso, vemos, ainda na Tabela 7 que, para o tipo C ao contrário do que acontece para o tipo AB , as probabilidades de identificação com a classe média não são significativamente33 superiores às probabilidades de identificação com a classe média baixa nem com a classe trabalhadora.

A probabilidade de o tipo C identificar-se com a classe média é de 0,35, e de 0,24 para identificar-se com a classe média baixa; no entanto, esse tipo também apresenta probabilidade de 0,23 e 0,15 de se identificar com a classe trabalhadora e com a classe baixa/pobre, respectivamente.

Assim, o modelo utilizado nos informa que os indivíduos do tipo C, uma proxydo setor da população que nos últimos anos tem sido definido como a nova classe média brasileira, não se percebem claramente como integrantes da classe média ou reivindicam pertencer a essa classe. Embora seja esta a identidade de classe mais provável para esse tipo, as outras identidades também estão muito presentes, inclusive a classe baixa. Pode-se dizer, então, que não uma identidade de classe muito clara para este perfil socioeconômico intermediário. Somente no tipo AB formado por indivíduos com nível superior de escolaridade, profissionais, administradores, com maiores chances de possuir plano de saúde, previdência privada, cujos filhos estudam em colégios particulares, e que frequentam teatros e fazem viagens internacionais é que a identificação com a classe média se mostra nitidamente. O tipo AB, perfil mais abastado da população brasileira, é o único em que as pessoas se identificam de modo bastante claro com a classe média.

Complementando nossa análise, com o objetivo de tornar mais palpável a consideração dos efeitos de cada uma das principais variáveis independentes sobre as probabilidades de identificação com a classe média, o Gráfico_4 traz algumas outras simulações com as probabilidades preditas, as quais nos ajudam a entender os efeitos das variáveis socioeconômicas (ocupação, escolaridade e renda) sobre a probabilidade de identificação com a classe média.

[/img/revistas/dados/v58n1//0011-5258-dados-58-1-0111-gf04.jpg] Gráfico 4 Modelo Logit Multinomial para Identidades de Classe: Probabilidades Preditas para Classe Média, por Tipos Socioeconômicos (Brasil, 2008) (%)  O gráfico mostra as variações na probabilidade de os indivíduos adotarem uma identidade de classe média de acordo com seu nível de escolaridade (até 4 anos de estudo; de 5a8 anos; de 9a 11 anos; 12 anos ou mais), categoria ocupacional (trabalhadores rurais; manuais não qualificados; manuais qualificados; não manuais de rotina e profissionais e administradores) e nível de renda (E, D, C e AB) que são as variáveis socioeconômicas que mais contribuem para o poder explicativo do modelo34.

No conjunto de gráficos acima, cada quadro representa um nível educacional,e dentro de cada quadro, da esquerda paraa direita, temos os níveis de renda (do E para o AB). Além disso, cada linha nos gráficos representa uma categoria ocupacional. Consequentemente, o espaço entre linhas representa os efeitos da categoria ocupacional, a inclinação das retas representa o efeito da renda, e as diferenças entre os quadros representa o efeito da escolaridade.

Conforme esperado, verificamos uma inclinação positiva a partir do nível de renda E até o nível AB para todas as linhas em todos os quadros, o que representa visualmente o efeito positivo dos rendimentos sobre a probabilidade de identificação com a classe média. Além disso, vemos que o efeito da renda sobre essas probabilidades é maior que o efeito da escolaridade ou da ocupação; isso é verdade especialmente pela inclinação mais acentuada que verificamos entre os intervalos de renda C e AB.

É possível verificar que, apesar de uma inclinação quase constante do nível E até o C, um aumento bastante acentuado da inclinação entre o nível C e o AB. Isso significa que esse último intervalo de renda, que agrega os indivíduos e famílias mais abastados do país, possui probabilidades muito maiores que os demais de identificação com a classe média controlando pelos efeitos de outras variáveis, inclusive o grau de escolaridade e a categoria ocupacional, conforme exposto no Gráfico_4.

Essas observações nos permitem tirar duas conclusões. A primeira é que os indivíduos situados em posições superiores (perfil AB) são os que possuem probabilidades mais altas de se identificarem com a classe média no Brasil; enquanto os que ocupam posição intermediária e que vêm sendo denominados nova classe média não apresentam identificação muito clara com nenhuma classe. Em segundo lugar, nosso modelo também mostrou que a principal influência sobre a probabilidade de identificação com a classe média provém da renda mesmo quando comparada com escolaridade, consumo e ocupação , e que alcançar o nível AB de rendimentos se mostra extremamente relevante para que o indivíduo se perceba como integrante da classe média.

As análises apresentadas neste trabalho indicam que os indivíduos que nos últimos anos têm sido reconhecidos como a nova classe média brasileira ouo agregado de renda C não possuem uma clara identidade de classe. Ao contrário, vimos que somente entre os indivíduos agregados pelo intervalo AB, os mais abastados, é que se pode encontrar uma predominância da identidade de classe média.

O QUE É NECESSÁRIO PARA FAZER PARTE DA CLASSE MÉDIA NO BRASIL? Conforme comentamos anteriormente, o chamado processo de identificação poderia ser dividido em dois momentos, interno e externo, correspondentes à autoidentificação e à classificação externa. Apesar de empiricamente não ser possível separá-los de todo, trata-se na verdade de uma importante distinção analítica, que, por exemplo, identificar-se como pertencendo à classe média não significa, necessariamente, ser aceito ou reconhecido por terceiros enquanto tal. Por essa razão, consideramos importante tratar, também, da percepção dos brasileiros sobre esta classe, verificando o que eles acreditam ser necessário para ser reconhecido como parte dela35.

No surveysobre a classe média brasileira, pediu-se aos entrevistados que declarassem em que medida (essencial, muito importante, mais ou menos importante, ou nada importante) eles acreditavam que, para fazer parte da classe média, seria importante possuir os seguintes atributos: ter nível superior de escolaridade; ter uma ocupação de prestígio; possuir rendimentos altos; ter casa própria; ser dono do próprio negócio; ter acesso a lazer e diversão; possuir um padrão de vida estável; e ter acesso a escolas/ universidades privadas.

O Gráfico_5 apresenta a porcentagem de pessoas que disseram ser essencial ou muito importante possuir cada uma das características citadas: [/img/revistas/dados/v58n1//0011-5258-dados-58-1-0111-gf05.jpg] Gráfico 5 Características Importantes para se Fazer Parte da Classe Média: Porcentagem Afirmando que é Essencial ou Muito Importante (Brasil, 2008)  Podemos verificar que todas as características mencionadas são altamente valorizadas. Aquela que apresentou a menor porcentagem de respostas positivas foi possuir seu próprio negócio, com aproximadamente 70% dos entrevistados afirmando ser este um fator essencial ou muito importante para ser da classe média. Por outro lado, possuir um padrão de vida estável foi a característica mais valorizada, com quase 95% de respostas positivas. Ela é, então, seguida por casa própria, acesso a lazer e diversão, renda alta, acesso a educação particular e, finalmente, negócio próprio.

Assim, no Brasil, a imagem do que é fazer parte da classe média envolve, em grande medida, possuir um padrão de vida estável, ter feito universidade, ter renda alta, ter acesso a lazer e diversão etc. Como vimos, essas são características que dificilmente se encaixam no perfil do brasileiro mediano; ao contrário, trata-se de uma imagem que é muito mais próxima da camada mais abastada, de perfil AB.

Mas, talvez, o fato mais surpreendente é que parece haver uma espécie de consenso, que atravessa as camadas sociais, a respeito da importância de diferentes fatores que caracterizam o integrante da classe média. O Gráfico_6 corrobora esse argumento ao mostrar as porcentagens de avaliações positivas (essencial ou muito importante) entre os diferentes níveis de renda e escolaridade: [/img/revistas/dados/v58n1//0011-5258-dados-58-1-0111-gf06.jpg] Gráfico 6 Características Importantes para se Fazer Parte da Classe Média: Porcentagem Afirmando que é Essencial ou Muito Importante, por Níveis de Renda e Anos de Estudo (Brasil, 2008) (%)  Pode-se ver que, com algumas exceções, a porcentagem de avaliações positivas para cada uma das características é alta e similar em todos os níveis de escolaridade e rendimentos. De qualquer maneira, algumas variações devem ser consideradas. Por exemplo, enquanto somente 50% dos indivíduos agregados pelo nível de renda AB ou também pelo nível superior de escolaridade (12 anos ou mais) acreditam que negócio próprio é uma importante característica para se fazer parte da classe média, entre os indivíduos agregados pelo nível E de renda ou também com baixa escolaridade esse percentual chega a quase 80%.

Um padrão similar, embora menos acentuado, ocorre no que se refere a renda alta e educação privada, com porcentagens menores para o nível AB de renda ou superior de escolaridade. Por outro lado, níveis mais elevados de rendimentos e educação tendem a apresentar percentuais mais altos de avaliação positiva em relação a características como padrão de vida estável e acesso a lazer e diversão.

Assim, se por um lado parece haver um consenso entre os diversos níveis socioeconômicos de que as características mencionadas seriam todas importantes para uma pessoa ser considerada de classe média, por outro, os indivíduos de nível socioeconômico mais elevado apresentam uma tendência um pouco maior a negar a importância de características como ocupação de prestígio, negócio próprio e renda alta, e a atribuir maior importância a fatores como padrão de vida estável e acesso a lazer e diversão.

Uma vez mais devemos lembrar, no entanto, que o fato mais marcante é que a grande maioria dos brasileiros, independentemente de seu nível socioeconômico, tende a considerar as características analisadas como muito importantes ou essenciais para uma pessoa fazer parte da classe média. Isso é ainda mais surpreendente quando levamos em conta a natureza das características avaliadas, que incluem renda alta, nível superior de escolaridade, ocupação de prestígio, acesso a lazer e diversão, padrão de vida estável etc. Consequentemente, quando são estimulados a revelar suas identidades de classe, esses indivíduos têm em mente a imagem de uma classe média que dificilmente corresponde ao perfil do brasileiro mediano. Isso nos ajuda a compreender por que somente entre as camadas mais abastadas a proporção de pessoas que se identificam como de classe média se destaca.

Dessa maneira, os dados apresentados nesta seção evidenciam que a ideia de classe média no Brasil não parece corresponder às características dos setores intermediários intervalo de renda C da população brasileira. Ao contrário, ela se encontra muito mais próxima do perfil AB, de indivíduos e famílias mais abastados. Nesse sentido, parece pouco provável que aqueles milhões de pessoas que nos últimos anos alcançaram níveis intermediários de rendimento possam vir a ser reconhecidos como membros da classe média brasileira.

CONCLUSÕES Neste artigo tratamos de uma questão central para a compreensão das mudanças pelas quais a sociedade brasileira passou nos últimos anos: o surgimento do que vem sendo denominado de nova classe média brasileira. Trata-se, como vimos, da ampliação daquela camada estatisticamente intermediária da população em termos socioeconômicos, e cuja participação no seio da população brasileira ultrapassou os 50% no ano de 2008. Por esta razão, foi feita a afirmação de que o Brasil havia se tornado um país de classe média.

Essa declaração foi o estopim de um enorme debate, no qual se travaram disputas a respeito da interpretação desses movimentos recentes na estratificação social, havendo basicamente duas posições contrárias: a primeira, mais próxima dos estudos econômicos, e que tomava esta camada estatisticamente intermediária como proxyda classe média brasileira; e a segunda, que discordava dessa interpretação ao lembrar da importância de outros fatores além da renda, como categorias ocupacionais e/ou capital cultural, para o estudo e definição das classes. Assim, segundo esta última perspectiva, não seria correto identificarmos essa camada intermediária e seus integrantes como classe média, tendo em vista que eles careceriam seja de uma posição ocupacional-estrutural, seja do aporte de capital cultural, supostamente típicos dessa classe.

Em trabalhos anteriormente publicados, argumentamos que a análise de classes feita através de categorias sócio-ocupacionais mostrava que a estrutura de desigualdades da sociedade brasileira não teria passado por transformações substantivas nos últimos anos, lançando dúvidas então sobre a tese da nova classe média (Scalon_e_Salata,_2012). No entanto, se por um lado é verdade que as informações ocupacionais, e também aquelas relativas ao capital cultural, nos permitiam uma análise e compreensão mais profundas da estrutura de desigualdades e de sua reprodução, quando comparadas com os estudos que focam somente em informações de rendimentos, por outro, percebíamos que esse tipo de análise também não conseguia dar resposta a importantes questões: esses indivíduos, a agora famosa classe C, se reconheceriam como integrantes da classe média? Seriam eles considerados por outros indivíduos como parte dessa classe? Afinal, qual estrato no Brasil tipicamente se identificaria, e seria identificado, com a classe média? Essas questões, que, a nosso ver, assinalam pontos essenciais deste debate, não podiam ser respondidas somente com as informações de renda, escolaridade ou ocupação.

Não se trata, como vimos, de um problema novo na bibliografia, muito pelo contrário. A definição dos contornos da classe média tem sido uma das tarefas mais desafiadoras da sociologia. Assim, em vez de adotarmos uma definição teórica, dada a priori, para então verificarmos se aquela crescente camada intermediária poderia ou não ser considerada como a classe média brasileira, decidimos nos dedicar à análise de como os próprios indivíduos se percebem, identificando-se ou não com essa classe.

Ao seguir este caminho, nos inserimos em um importante movimento que tem ocorrido dentro dos estudos internacionais a respeito das desigualdades e classes sociais. Tendo sido por alguns anos relegada a segundo plano, a esfera subjetiva da estratificação foi retomada como aspecto central dos estudos de classe (Devine_e_Savage,_2005), conforme procuramos evidenciar nas primeiras seções deste artigo.

Os resultados por nós alcançados mostram que a classe média no Brasil diz respeito não àquela camada estatisticamente intermediária a classe C de Neri_(2008) , mas sim aos indivíduos mais abastados (camada AB) da população: pessoas com renda domiciliar elevada, nível superior de escolaridade, inseridas em categorias ocupacionais de prestígio médio-alto, com maiores probabilidades de possuir plano de saúde, poupança, frequentar teatros, viajar para o exterior, ter os filhos estudando em escolas privadas etc. São essas pessoas que formam a classe média brasileira, embora estejam longe de ser a imagem mais próxima do brasileiro mediano, ou a camada intermediária.

Além disso, foi também possível verificar, através de nossa análise, que a renda é a variável mais importante para a identificação com a classe média, quando comparada com escolaridade, ocupação etc. Atingir um nível AB de rendimentos se mostra como condição fundamental para a identificação com a classe média, mesmo quando mantemos constantes as outras variáveis independentes.

A fim de aprofundar nossa análise, no decorrer deste artigo tomamos como objeto não somente as identidades de classe, mas, também, as percepções dos indivíduos sobre o que os mesmos consideram ser necessário para fazer parte da classe média. Como resultado, vimos que parece haver um consenso, que percorre os vários estratos sociais, acerca da importância de algumas características que uma pessoa deve ter a fim de fazer parte da classe média no Brasil; e isso é ainda mais surpreendente quando levamos em conta a natureza das características avaliadas, que incluem renda alta, nível superior de escolaridade, ocupação de prestígio, acesso a lazer e diversão, padrão de vida estável etc. Essas são características que, com algumas ressalvas, poderiam facilmente ser compartilhadas pelos indivíduos e famílias provenientes das camadas mais abastadas da sociedade brasileira (perfil AB), mas dificilmente corresponderiam à realidade daqueles que estão situados em posições intermediárias, ou seja, a chamada classe média estatística (Neri,_2008).

Esses resultados corroboram os argumentos levantados pela literatura sociológica mais recente sobre a classe média brasileira (O’Dougherty,_2002; Owensby,_1999). Tais autores, como vimos, afirmam que a ideia de classe média no Brasil teria sido formada tendo como referência a imagem um tanto idealizada da classe média europeia e norteamericana. Isso significa que, conforme verificado em nossas análises empíricas, apenas os setores mais abastados da população brasileira seriam capazes de corresponder àquele ideal.

Dessa maneira, a análise aqui empreendida corrobora nossa hipótese, mostrando que no Brasil a classe média ao menos na condição de uma coletividade com a qual os indivíduos se identificam, e são identificados não corresponde às características dos setores intermediários (intervalo de renda C) da população brasileira; ao contrário, ela estaria muito mais próxima do perfil AB, dos indivíduos e famílias mais abastados.

Deve-se ter em vista, portanto, que dada a posição periférica de países como o Brasil, a ideia de classe média surgiu nos chamados países centrais, e foi posteriormente absorvida pela sociedade brasileira no contexto específico de meados do século XX. Conforme argumentado por autores como Owensby_(1999), numa situação em que os países centrais eram vistos como ápice do desenvolvimento em direção ao qual, acreditava-se, o Brasil estava começando a caminhar, ser reconhecido como pertencente à classe média significava ser reconhecido como parte desse mundo desenvolvido. Significava, portanto, uma posição social superior, que deveria corresponder a certo grau de prestígio ou statussocial.

Afirmava-se, dessa maneira, aquilo que Souza_(2003) identificara como a separação simbólica entre europeizados e não europeizados; e se reconhecer e ser reconhecido como membro da classe média significa(va) também fazer parte da primeira categoria.

Conforme procuramos argumentar anteriormente, baseando-nos na bibliografia recente sobre o tema, as identidades de classe devem ser tomadas não como percepções corretas ou equivocadas de uma dada posição objetiva definida a priori, mas como reivindicações de pertencimento que participam ativamente na própria formação, manutenção e questionamento dos contornos das classes e hierarquias sociais. Com efeito, os resultados por nós alcançados, mostrando que somente a camada mais abastada da população possui uma identificação bastante clara e profunda com a classe média no Brasil, indicam que, ao menos enquanto um grupo socialmente significativo (ou uma formação social), a classe média brasileira seria composta pelos setores mais abastados (AB) da população, e não pelos setores intermediários (C). Nesse sentido, não haveria uma coincidência entre a classe média estatística de Neri_(2008) e a formação de classe média no Brasil.

Apoiada no discurso oficial, a tese da nova classe média brasileira ganhou força nos meios de comunicação de massa e no debate público de uma maneira geral. No entanto, conforme verificamos no presente trabalho, uma aparente desconexão entre a denominação que vem sendo utilizada e as percepções dos brasileiros em geral e, mais especificamente, dos indivíduos que fazem parte da camada intermediária de renda. Dada essa discrepância entre parte do discurso acadêmico (e oficial) e as percepções dos indivíduos, acreditamos ser pouco provável que, nos próximos anos, esse contingente de indivíduos estatisticamente intermediários venha a ser incorporado à formação de classe média.

Esperamos, assim, que as análises e resultados apresentados neste artigo, ao ressaltarem a esfera subjetiva da estratificação, possam trazer uma importante contribuição para o debate em curso sobre a classe média no Brasil.


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