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BrBRHUHu0034-73292008000100001

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National varietyBr
Year2008
SourceScielo

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O papel da integração regional para o Brasil: universalismo, soberania e percepção das elites

Introdução A posição do Brasil no processo de integração regional, ao longo do tempo e atualmente, deve ser compreendida à luz de fatores estruturais e históricos da política exterior. Isso nem sempre implica rigidez e impossibilidade de mudança, mas são aspectos que devem ser considerados para a exata compreensão das dificuldades havidas. Essas não podem ser vistas, como às vezes se argumenta, como originadas apenas em questões econômicas ou em visões não convergentes em assuntos internacionais. Parece haver tensão entre necessidades estruturais da integração e atitudes e posições de importantes atores sociais e governamentais, não apenas da diplomacia. A origem está nas atitudes de parte das elites e de grupos de interesse que contribuem para formar a vontade do Estado.

Podemos considerar que dois conceitos muito importantes na formulação da política externa, autonomia e universalismo, enraizados na sociedade e no Estado, confluem para a construção de uma visão de inserção regional que dificulta o aprofundamento do Mercosul.

razões objetivas para explicar as dificuldades havidas ao longo de vinte anos. Uma refere-se ao desafio de integrar países em desenvolvimento, com significativas assimetrias, com baixo grau de interdependência e com tradição de instabilidade macroeconômica. O argumento diplomático e dos governos, nas administrações Alfonsín, Sarney, Collor de Mello, Menem, Itamar Franco e Cardoso, foi que a baixa institucionalização e o caráter intergovernamental do processo seriam fatores que garantiriam avanços rápidos, prescindindo de burocracias pesadas. A referência negativa à euro-burocracia de Bruxelas esteve presente. A defesa do princípio da intergovernamentalidade por parte do Brasil, não muito diferente da posição argentina, está ligada à concepção do lugar do Mercosul no conjunto das relações internacionais do país.

Na percepção de alguns dos formuladores de política exterior, a idéia de universalismo está associada às próprias características geográficas, étnicas e culturais do país. Representaria, segundo Lafer (2004), a pluralidade dos interesses do Estado e da sociedade, as afinidades históricas e políticas, simbolizaria a preocupação em diversificar ao máximo as relações externas do país, pluralizar, ampliar, dilatar os canais de diálogo com o mundo.

Consideramos hipótese deste trabalho que a estrutura do Mercosul, tal como construída em seus primeiros 15 anos, de 1991 até 2007, é adequada às percepções de parte das elites brasileiras, que teriam seus interesses atendidos nessa estrutura existente. Esse modelo seria suficiente para dar a sustentação considerada possível, ou a liberdade desejada, às ações internacionais do país na Organização Mundial do Comércio (OMC), nas relações com a União Européia (EU) e com os Estados Unidos, tornando o país independente dos constrangimentos de uma União Alfandegária e de um Mercado Comum apoiados sobre maiores níveis de institucionalização. Esses maiores níveis, nessa perspectiva, condicionariam os Estados-parte, mesmo considerando o diferencial de poder. Complementando, argumentaremos que esse modelo de integração seria compatível com o alargamento do bloco, viabilizaria a inclusão de novos membros, o que acaba por realimentar a forma intergovernamental e a baixa interação entre as políticas nacionais nos diferentes aspectos.

Em meados dos anos 80, quando a política brasileira empreendeu o caminho do estreitamento das relações com a Argentina, a idéia do universalismo não foi abandonada, mas ganhou novo significado. Houve a tentativa de entrelaçar interesse nacional com interesse regional do Cone Sul. No caso brasileiro, prevaleceu a idéia que o interesse nacional seria mais bem atendido num processo de integração abrangente. Para isso, confluíram diferentes perspectivas, inclusive empresariais. Em seguida, setores sindicais e outros grupos, inclusive intelectuais, somaram-se. Discutiremos como esse entrelaçamento parece correr o risco de dilapidação, tanto na Argentina quanto no Brasil, limitando decisivamente as possibilidades do Mercosul.

Ao mesmo tempo em que houve junção da idéia de interesse nacional com o regional do Mercosul, o conceito de autonomia conservou caráter primordial (GUIMARÃES, 12.05.2006a). Discutiremos que, numa perspectiva histórica, sendo a autonomia objetivo de qualquer Estado-nação, ela tem características que se adaptam ao longo do tempo. "As expressões do que é autonomia variam histórica e espacialmente, variam segundo interesses e posições de poder" (FONSECA Jr., 1998: 361). O conceito admite diferentes abordagens em função da configuração de um determinado período histórico, bem como das visões de mundo da população e das elites. A idéia de autonomia na segunda metade dos anos 80, e ainda para uma parte do Estado e da sociedade nos anos 90 e até hoje, significou autonomia frente ao mundo exterior, capacidade de decisão frente aos centros de poder internacional, viabilizando ao Brasil determinar suas escolhas. O Mercosul não seria visto como limitador de autonomia, ao contrário, o compartilhamento de interesses aumentaria as capacidades externas. Nosso objetivo será discutir como os dois conceitos, autonomia e universalismo, foram processados. Na nossa perspectiva, um movimento no sentido de estabelecer ou de restabelecer seus significados. Isso teria a conseqüência de desenhar uma política exterior pela qual se reduz o significado do Mercosul, sobretudo das relações com a Argentina. Isso contribui para explicar a crise do bloco regional e a dificuldade para sua afirmação.

Revisão do paradigma da inserção internacional: o significado do Mercosul Na década de 1980, ganhou força a idéia de repensar o modelo de desenvolvimento econômico do país, inclusive o seu relacionamento com o exterior. Contribuíam para isso o esgotamento do modelo de substituição de importações, a crise da dívida externa, a alta inflação e a estagnação econômica. A soma desses fatores abalou o padrão de desenvolvimento vigente, ao cortar o investimento externo, levando ao desinvestimento (SALLUM JR, 1999) e diminuindo a taxa de poupança interna, para a qual o Estado tinha tido papel importante.

Enquanto o mundo assistia à ascensão dos valores neoliberais, nos dois últimos anos do governo Sarney, foram realizados estudos sobre as relações econômicas internacionais, particularmente na Carteira de Comércio Exterior (Cacex) do Banco do Brasil, coincidindo com o desenrolar das negociações da Rodada Uruguai do Gatt, sobretudo a partir da Conferência Ministerial de Montreal, de dezembro de 1988 (PEREIRA, 1992; MELLO, 2000). Neles prevalecem visões críticas do anterior nacional-desenvolvimentismo e o direcionamento para uma perspectiva de maior abertura externa. Perspectiva essa que posteriormente orientou a abertura econômica intensificada no governo Collor de Mello.

Observe-se que o início da integração com a Argentina (Declaração de Iguaçu, novembro 1985; Programa de Integração e Cooperação Econômica ' Pice, julho 1986; os 24 Protocolos decorrentes; Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, (novembro 1988) correspondeu a uma lógica desenvolvimentista, visava estimular a emulação empresarial, para a modernização e a inserção competitiva no sistema econômico internacional (PEÑA, 1991). O mercado interno ampliado era considerado um pressuposto. Essa fase fortaleceu em parte das elites brasileiras, incluindo grupos empresariais e funcionários do Estado, a percepção de que o compartilhamento de interesses melhoraria a inserção internacional, viabilizando maior auto-estima. Mesmo no momento do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, que desenhou o Mercosul e deu caráter estável e forte à aliança Argentina ' Brasil, prevaleceu a perspectiva intergovernamentalista. Utilizando as palavras de Moravcsik (2005: 376), ao falar hoje da União Européia (EU), nas relações Argentina ' Brasil sempre houve a idéia de que "there is, moreover, an undeniable normative attraction to a system that preserves national democratic politics for those issues most salient in the minds of citizens". Alguns autores consideram que a preocupação pela estabilidade democrática jogou papel fundamental para a integração no Cone Sul. Provavelmente se trate de uma forte atração pela vida política nacionalmente estabelecida, como indica Moravcsik (2005). O desenho que foi adquirindo o Mercosul corresponderia às preferências que se manifestam nas sociedades política e civil nacionais.

No processo de revisão que se processava em órgãos com o ministério da Fazenda, os Bancos do Brasil e Central, paulatinamente absorvida pela diplomacia brasileira, a aproximação Brasil ' Argentina era vista como fundamental em termos de política internacional, conquistava adeptos em parte na diplomacia e ao mesmo tempo apresentava-se ligada à estratégia do paradigma universalista (FLECHA DE LIMA, 1989: 30-31). Ela parecia fortalecer a idéia de uma melhor presença no mundo, política e econômica, assim como parecia viabilizar maior peso na formulação de regimes e nas instituições internacionais. A aliança estaria relacionada com a capacidade em reformar diretrizes econômicas. Para alguns, avançar no processo de integração regional aumentaria a capacidade nas relações com os maiores centros de poder, particularmente com os Estados Unidos (AMORIM e PIMENTEL, 1996). Essas diferentes perspectivas viabilizaram que a aliança fosse partilhada tanto por setores ligados à tradição nacionalista, quanto por setores que consideravam a inserção do Brasil na ordem internacional liberal inevitável.

Estabelece-se, dessa forma, o nexo entre a integração regional, o Mercosul e a aliança com a Argentina, com a preservação dos valores universalismo e autonomia. O regionalismo não diminuiria, mas reforçaria o paradigma universalista de inserção internacional brasileiro. A idéia da "modernização via internacionalização" (PRZEWORSKI, 1993), que traria reflexos diretos ao paradigma de inserção internacional, nessa fase, ao longo dos anos 90, não se chocou com o regionalismo. O conceito de regionalismo aberto foi utilizado na perspectiva da plena inserção internacional, aproveitando as vantagens de uma área de livre comércio, sem criar os instrumentos necessários para políticas regionais de desenvolvimento e de complementaridade, portanto, sem políticas públicas voltadas ao objetivo da sustentabilidade da integração. O valor autonomia permaneceu enraizado nas esferas da administração e dos empresários, agora sob a égide de um conceito importante, elaborado, a autonomia pela integração (FONSECA Jr., 1998).

O valor autonomia, portanto, com o Mercosul, não foi anulado. Ele se reapresenta sob outras formas. preocupação pela reafirmação de papel próprio, soberano, no mundo. Manifesta-se, da mesma forma, em relação aos países ricos, com os quais se procura maior integração, sem abdicar dos interesses nacionais considerados fundamentais (CARDOSO, 2001). Paradoxalmente, nas relações do Brasil com o seu entorno mais próximo, o Mercosul e a América do Sul, a idéia de autonomia se manifesta sob a forma de insistente revalorização da potencialidade de ação nacional especifica, não sujeita às amarras que uma integração institucionalizada poderia acarretar.

A tradicional posição brasileira buscando ter um papel relevante no mundo, não essencialmente diferente da posição argentina e do governo Menem, reflete-se no objetivo permanente de buscar um papel destacado para o Brasil. Lafer (1993a) fala da necessidade do Brasil ter uma participação mais ativa na cena internacional. Queremos sublinhar que após uma fase, de 1985 em diante, em que as relações com a Argentina ganharam proeminência efetiva para a estratégia internacional do Brasil, mantendo seu grande significado na década de 90, parecem agora serem temperadas pela forte preocupação universalista de novo tipo. Uma manifestação significativa dessa evolução surge no governo Itamar Franco: a iniciativa de articular um novo projeto de integração sul-americana.

Apresentada como não antagônica ao Cone Sul, ao contrário, como complementar, a proposta de criação da Área de Livre-Comércio da América do Sul (ALCSA) indica haver espaço para o surgimento de iniciativas que terão curso nos anos sucessivos, até os dias de hoje. Sinalizam relativa atenuação do forte desejo inicial de estruturar sinergias focalizadas no Mercosul, criando complementaridade e um sistema produtivo integrado visando o mercado comum.

Parece ter-se diluído o impulso inicial pelo desenvolvimento em comum, mas subsiste a busca de possíveis vantagens econômicas proporcionadas pelo adensamento do intercâmbio e outras.

Na perspectiva brasileira, visto retrospectivamente, o Mercosul surge de forma claramente ambígua, o que não é essencialmente diferente na parte argentina.

Colocado no topo das prioridades internacionais, no caso brasileiro, onde a força do universalismo permanece, ele é apresentado como instrumento muito importante, mas sempre instrumento. Não haveria uma clara especificidade da integração, não seria um fim em si mesmo. No momento da constituição do Mercosul os governos explicitam isso: ao firmar o Tratado de Assunção, os quatro presidentes partem da percepção comum de que o aprofundamento do processo de integração pode ser a chave para uma inserção mais competitiva de seus países num mundo em que se consolidam grandes espaços econômicos e onde o avanço tecnológico-industrial se torna cada vez mais crucial para as economias nacionais (Ministério das Relações Exteriores, 1991: 279).

A lógica instrumental vai-se afirmando e prevalece.

O Mercosul é um processo essencialmente aberto ao exterior. No caso do Brasil, o desenvolvimento do Mercosul é parte de um amplo esforço de abertura econômica, liberalização comercial e melhor inserção na economia mundial. O processo de integração não é concebido como um fim em si mesmo, mas como instrumento para uma participação mais ampla no mercado global" (LAMPREIA, 1995: 135).

A crítica ao liberal-intergovernamentalismo produziu idéias importantes no tocante à interpretação da lógica instrumental da integração. Sandholtz e Sweet (1998: 26) afirmam que a análise da integração européia exige considerar variáveis que não subestimem relações que produzem resultados aceleradores do processo de integração. Para eles, a integração interfere em variáveis políticas. Quando isso não acontece, é preciso buscar explicações. Em outras palavras, a integração não é um fenômeno estático, tem aspectos auto- propulsores, alguns os chamam de fenômeno da bicicleta.

Nardin (1987) desenvolve conceitos úteis para o nosso objetivo. Ao discutir as formas de associação internacional, sintetiza as possibilidades em duas: associação prática e associação de objetivos. A associação prática seria aquela em que as relações entre Estados não estão necessariamente engajadas em qualquer busca comum, mas que, apesar disto, têm de conviver um com o outro.

Portanto, a associação é instrumental. Ao contrário, a associação de objetivos é aquela em que os Estados cooperam para o fim de assegurar certas crenças, valores e interesses partilhados, que têm objetivos comuns. O próprio Nardin mostra-se cético quanto à possibilidade de no sistema internacional encontrarmos associação de objetivos.

O desenvolvimento do Mercosul não se apresenta uniforme. Podem-se apontar três fases distintas. A primeira, que antecede o primeiro mandato de Cardoso, vai de 1991 a 1994: do Tratado de Assunção ao Protocolo de Ouro Preto, é durante esse período que se consolida o desenho institucional. Em seguida, de 1995 a 1998, observa-se a continuidade da expansão comercial intra-bloco, que alcança o seu ponto máximo. A partir de 1999, com a crise do real e sua desvalorização e a posterior recessão Argentina, de 2001, o Mercosul evidencia crise, cujos desdobramentos não eram e ainda não são claros. Como iremos argumentar, além dos elementos conjunturais, que se expressam por seguidos contenciosos comerciais e políticos, questões estruturais, relativas às economias dos países envolvidos, e valores enraizados nos Estados e nas sociedades, devem ser considerados na busca de explicações consistentes.

As crises econômicas, de diferentes matizes, vividas pelos países do Mercosul expressam esta lógica. As crises nacionais não foram momentos de ajustes no processo de integração, ocasiões de busca oportunidades. De fato, elas redundaram em debilitamento da integração e redução do esforço de complementaridade.

As dificuldades nas economias nacionais podem explicar determinadas posições e contribuíram para a atitude de grupos empresariais e de setores das elites.

Nosso ponto de vista é que os elementos materiais não são por si explicativos. O fato de Brasil e Argentina, alternadamente, terem entre si déficits comerciais, contribuiu para a percepção de que a integração regional poderia ser nociva para as economias locais. Cada vez que isso se em determinada direção, as posições protecionistas voltaram a brotar. No caso brasileiro, a crise argentina de 2001 reacendeu a sempre latente e enraizada concepção de que o Mercosul representa uma perspectiva estreita para a potencialidade econômica e política brasileira. Inversamente, o superávitdo Brasil, após a desvalorização do real de janeiro de 1999, é apontado na Argentina como uma das causas principais de sua própria crise do final de 2001.

A partir daí, a desvalorização do peso, após ter estado de 1991 a 2001 ancorado ao dólar, gerou uma queda no PIB argentino de 10,9% (KUME e PIANI, 2005), fortalecendo, do lado brasileiro, a crença de que a instabilidade macroeconômica não oferece bases duradouras para a integração.

A experiência do Mercosul sugere que os benefícios econômicos da integração são elementos necessários, mas não suficientes para garantir continuidade e aprofundamento. Da mesma forma, essa experiência demonstra os limites de uma integração fundamentada apenas em aspectos utilitários, esses são insuficientes para garantir a dinâmica, ainda que sejam condição sine qua non. A integração não pode ser pensada apenas enquanto projeto de política externa, exige forte intersecção com um projeto de política interna (BUENO DE MESQUITA, 2005). A percepção de que o partner estaria em situação de vantagem no que diz respeito aos benefícios obtidos com o processo de integração foi sempre prejudicial à continuidade dos esforços de consolidação do Mercosul. Se isso valeu para Argentina e Brasil, o mesmo pode ser dito para Paraguai e Uruguai. Desse modo, pode-se afirmar que elementos da perspectiva realista de relações internacionais, que prevaleceu secularmente nas relações do Cone Sul, não desapareceram totalmente. Isto é, manteve-se no seio dos aparelhos do Estado e em setores da sociedade a preocupação pela necessidade de incrementos nos benefícios que não alterassem as relações pré-existentes.

Expectativas teóricas da integração regional e o caso do Mercosul Entre as contribuições teóricas para compreender a integração regional, destacam-se a neofuncionalista e a intergovernamentalista. Buscaremos dialogar criticamente com essas teorias e, ao mesmo tempo, demonstrar as particularidades do processo de integração do Cone Sul que estabelece tensão entre as variáveis centrais dessas teorias, formuladas no bojo do processo de integração europeu, ainda que lhe reconheçamos, obviamente, validade geral.

Haas (1964), que teve papel central na consolidação dos estudos e da agenda de pesquisa sobre integração regional, particularmente do europeu, reconsiderou alguns pressupostos funcionalistas, condicionando-os aos impulsos políticos dos centros decisórios. Ele apontou que a integração regional é essencialmente um processo de transferência de funções e lealdades dos Estados para instituições supranacionais. Na sua percepção, a partir de determinado impulso inicial burocrático-estatal, que teve muita importância para o inicio do Mercado Comum Europeu, antes e após o Tratado de Roma de 1957, o processo de integração transbordaria para a sociedade como um todo, que, por sua vez, buscaria formas de melhor intervir e participar do processo. Num determinado momento, a integração ganharia uma dinâmica própria, menos dependente da vontade política dos governos, e mais relacionada com as expectativas de ganhos e perdas dos principais grupos internos dos países envolvidos.

Ao mesmo tempo, Haas (1964) incorpora o pressuposto funcionalista que as lealdades políticas estariam relacionadas com a eficiência de determinada agência, seja ela nacional ou regional. No caso do Mercosul, apesar de uma razoável eficiência do bloco, com adensamento das relações a partir de 1991, não se desenvolveram agências ao redor das quais desenvolver lealdades. Ao mesmo tempo, a dinâmica manteve-se fortemente ligada às iniciativas dos governos e dos presidentes, o que atenuou aos poucos a expectativa dos agentes quanto à possibilidade de ganhos. O forte papel do executivo como principal agente do processo, se confirma pelo fato da reunião semestral dos presidentes, o Conselho do Mercosul, ser o órgão centralizador das decisões, em relação ao qual convergem todas as expectativas. Essa situação, apesar de reconhecidamente positiva para a integração (MALAMUD, 2000), no final dos anos 90 e no início do século XXI torna-se um problema, sobretudo se pensarmos, como fazem os funcionalistas, que o parâmetro de sucesso é sua capacidade de modificar a realidade anterior à constituição de um bloco regional, produzindo novos comportamentos.

Os autores que desenvolveram essa matriz teórica destacam que, para o objetivo da integração, os atores sociais e econômicos devem participar ativamente do processo, nele interferindo a partir de determinado ponto após o take offinicial, buscando pressionar e convencer as elites nacionais a transferirem ou não parcelas de soberania para a esfera regional. Um aspecto importante é a participação, o efeito mobilizador da integração, que, por sua vez, está ligado à satisfação de interesses. Essa situação possibilitaria o aprofundamento do processo e facilitaria sua propagação e manutenção. O incremento da ação dos atores sociais e econômicos e das elites faria com que aumentassem as demandas visando o gerenciamento comum de interesses, exatamente o spillover. A espiral crescente de intervenção e integração para regulamentação destes interesses constituiria o motor que garantiria a continuidade da integração. Para esta abordagem, que implica expansão, se o impulso parar, ou seja, se a retroalimentação baseada no movimento cessar, todo o processo poderá ser colocado em risco. Essa visão da integração não significa necessariamente ausência de conflitos e de dificuldades, mas transmite bem a idéia da continuidade, que alguns, como dissemos, chamam de teoria da bicicleta. Ou seja, essa perspectiva de análise é fundamentalmente dinâmica. Os níveis de integração regional são muito diferentes, de área de livre comércio a união política, formas federativas ou confederativas. Nos níveis inferiores de integração, a idéia de espiral crescente é também importante, como pode ser visto pelas dificuldades existentes no caso da Área de Livre Comércio da América do Norte (Nafta).

A partir de determinado momento, mesmo antes de 1998, houve uma diminuição do interesse da sociedade e das empresas pela integração. Isso foi particularmente visível no setor automotivo. As multinacionais, General Motors, Volkswagen, Fiat, Ford, desde 1986 e mais acentuadamente no inicio da década de 90, planejaram produção e investimentos integrados, inclusive visando a utilização do Mercosul como possível plataforma global de exportação de uma parte de seus produtos, sobretudo caminhões e carros médios e pequenos. A partir de metade da década de 1990, mais acentuadamente a partir de 1997, com as dificuldades comerciais e políticas, a perspectiva de atuar regionalmente foi se atenuando.

O que contribuiu para aumentar a crise no bloco, pois, frente a riscos protecionistas, parte das empresas privilegiou o mercado maior, o Brasil. No que se refere ao interesse da opinião pública e dos políticos, também foi atenuando-se.

Se, como afirma Kratochwil (2006), a forma como as idéias são construídas internamente se relaciona com o quadro normativo que estabelece as diretrizes de ação externa, então, para o entendimento das ações externas de um país, faz- se necessário analisar as normas e as regras que orientam suas escolhas. As percepções e valores justificam e tornam aceitáveis ou não determinadas ações externas. Em outras palavras, uma forma de medir a dinâmica da integração regional reside em verificar se as questões relativas ao partner se tornam problemas da própria política interna.

De acordo com os autores neofuncionalistas, desde Haas (1964; 1975) até Schmitter (2003), a integração regional ocorre efetivamente quando os interesses das principais elites são atendidos. Se as expectativas desses setores convergirem com a da integração, surgiria então uma mobilização que daria sustentação ao processo. Por outro lado, caso isso não ocorra, a tendência é o retrocesso. Portanto, aprofundamento e expansão da integração estariam relacionados com a capacidade dos governos em garantir a continuidade dos ganhos materiais e simbólicos para as elites, visto seu papel de fiador da integração. Da mesma forma, a implementação de políticas que visem conter as pressões dos grupos prejudicados pelo processo de integração são muito importantes, visto que os grupos e as elites prejudicadas têm grande capacidade de pressão, proporcionalmente maior que o das beneficiadas. Estes últimos, os beneficiados, em geral se apresentam sob forma de interesses difusos (PASTOR e WISE, 1994). Essa perspectiva é fundamental para a nossa análise, pois nossa hipótese, como vimos, refere-se exatamente ao fato de que a percepção de mundo das elites brasileiras, políticas, econômicas, sociais, tem papel de grande significado para explicar as dificuldades estruturais do Mercosul no século XXI.

A utilização desse quadro analítico para interpretar a integração do Cone Sul exige reflexão. Moravcsik (2005) considera que essa abordagem pouco nos diz sobre as origens das preferências dos Estados e sobre os resultados das barganhas inter-estatais. O Mercosul obteve relativo sucesso em termos de crescimento do seu intercâmbio extra-bloco. Isso se expressa nos números da balança comercial, quando a evolução do comércio exterior total do bloco foi razoavelmente positiva, passando de US$ 73,8 bilhões em 1990, para US$ 148,2 bilhões, em 2002, chegando a mais de US$ 300 bilhões em 2006. O incremento percentual nas relações comerciais intraregionais manteve-se acima daquele total, apesar da crise de 2001 ' 2002. Portanto, o comércio intraregional cresceu proporcionalmente mais (KUME e PIANI, 2005). O Mercosul teve significações além do comércio, gerando interesse além desta esfera. Ainda que de forma limitada, o processo de integração atingiu grupos de diferentes esferas: centrais sindicais, universidades, cultura, políticos, funcionários, etc..

A evolução do Mercosul permaneceu indefinida ao longo da década de 1990: mesmo os acontecimentos de 1999 e 2001 não trouxeram como conseqüência um aprofundamento insuportável da crise. No entanto, o interesse pela integração não cresceu a ponto de criar uma dinâmica própria, como sugere a análise neofuncionalista. Não foi gerado impacto significativo na sociedade. A dinâmica do bloco não levou ao início de um efetivo processo de institucionalização, ainda que haja iniciativas embrionárias e parciais, como o Tribunal Permanente de Revisão, com sede em Assunção, instalado em agosto de 2004. A lógica intergovernamental, associada a um papel importante dos governos e das presidências, viabilizou que fosse mantido um determinado equilíbrio, que acaba por garantir níveis de integração de baixa intensidade. Figurativamente, a bicicleta parece estar em equilíbrio, mas parada. Para a diplomacia brasileira, idéia consolidada nas análises dos funcionários, seja na perspectiva liberal seja na nacionalista, prevaleceu a confiança de que os contatos entre os Estados-parte poderiam ocorrer com um mínimo de burocratização, priorizando a forma não institucionalizada, ao invés de procedimentos e regras de qualquer natureza.

A lógica da baixa intensidade vale para as relações entre os governos e entre as esferas da sociedade civil. Aplicou-se aos órgãos do Mercosul, o Conselho, o Grupo Mercosul, os Fóruns, as Comissões, os sub-grupos de trabalho. As mediações e as resoluções dos problemas seguiram este percurso. Foram-se criando as condições para que questões ordinárias em processos de integração, conflitos entre setores, entre cadeias produtivas ou mesmo entre empresas, fossem levados à arbitragem daqueles que eram tidos como as instâncias mais capazes e confiáveis para resolver ou arbitrar problemas, ou seja, os presidentes (MALAMUD, 2000). A crise das papeleras, a partir de 2005, mostra a debilidade dos mecanismos regionais, onde se recorre a arbitragens extra- regionais. A montagem de um tecido de relações que operacionalizasse a integração não avançou. Isso viabilizou que interesses setoriais, corporativos, regionais pudessem ter grande visibilidade. Permitindo uma nova espiral que viria a fortalecer as perspectivas nacionais, como se mostrou ao final dos governos Menem e Cardoso, nos governos De La Rua, também depois, nas presidências Kirchner e Lula da Silva. Vaz (2002) considera que desde o Cronograma de Las Leñas, de 1992, criaram-se pressupostos, que se demonstraram definitivos, para a natureza intergovernamental das negociações e do próprio Mercosul.

Nas teorias de integração regional, o papel dos Estados e das elites está entrelaçado com a disponibilidade da sociedade em geral. O Mercosul, num certo sentido, tem características específicas. Não invalida a afirmação a respeito do entrelaçamento, mas acentua um fato que é difícil encontrar em outros processos de integração. O Mercosul foi impulsionado pelos chefes de Estado, no caso do Brasil, amparado pela diplomacia, em alguns casos com apoio de grupos do ministério da Fazenda, com a ausência de pressões ou de demandas por cooperação por parte das elites e dos grupos de interesse. Alguns setores empresariais no despontar da cooperação Argentina ' Brasil, a partir de 1986, aderiram com interesse, mas não mantiveram a força de sustentação ao longo do tempo.

No núcleo do Estado brasileiro não se desconhecem as implicações do formato intergovernamental da integração. Surgem sinais de haver ao menos preocupação pelos limites colocados, que o baixo nível de institucionalização parece ter sido o resíduo natural dessa estratégia adotada. Cardoso escreveu: "Creio que estamos chegando ao limite do que é possível fazer antes de dar um passo maior no sentido da institucionalização" (CARDOSO e SOARES, 1998: 266). A verificação dos limites e as importantes implicações para a estratégia internacional do Brasil não são desconhecidas. Lima (2007) mostra que uma real erosão da coalizão doméstica em relação ao que classifica como patrimônio da política exterior do Brasil, a aliança estratégica com a Argentina e o Mercosul. Ao mesmo tempo, mostra como essa política havia sido o resultado da convergência de setores favoráveis à abertura econômica e setores desenvolvimentistas. Após uma trajetória de vinte anos, pode-se afirmar que os setores que compuseram a coalizão não souberam produzir políticas suficientes de integração. Ao contrário, em razão de interesses econômicos e políticos, não quiseram dar-lhe o suporte necessário. A escassez de recursos simbólicos e financeiros investidos confirma a conclusão: em 2006, 15 anos depois do Tratado de Assunção, implementa-se o Fundo de Convergência Estrutural, com recursos de US$ 100 milhões, visando atenuar as conseqüências desfavoráveis da integração nos Estados menores, Paraguai e Uruguai.

Frente a isso, os sinais de preocupação pelos limites colocados pelo formato da integração, se sucedem, mas não parecem suficientes para superar as debilidades estruturais. O presidente Lula da Silva parece aproximar-se da questão: "O Mercosul tem diante de si o desafio de reinventar-se e atender às expectativas de todos os seus membros. Temos de desenhar mecanismos que equacionem em definitivo as assimetrias, inclusive com o aporte de novos recursos." (SILVA, 2006). Sabemos que na sociedade brasileira essa perspectiva não apenas não é consensual, enfrenta resistências reais. Em 2005, a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, em evidente ato inconstitucional, votou o bloqueio da importação de arroz do Uruguai em razão dos prejuízos advindos aos produtores riograndenses.

Segundo Moravcsik (1994), a coordenação política negociada, ou seja, a estrutura organizacional baseada em baixo enraizamento institucional e em negociações diretas entre os governos envolvidos, num processo de integração regional poderia servir como uma forma de controle do processo por parte dos participantes. Isso serviria como um incentivo aos países menores para aceitarem participar de um bloco assimétrico e, ao mesmo tempo, para os países maiores aceitarem a idéia de cooperação, na medida em que os riscos da integração seriam menores com a perda mínima de soberania. No caso do Mercosul, vistas as assimetrias de poder, inclusive sob o ponto de vista econômico, o liberal intergovernamentalismo poderia parecer instrumento explicativo dos limites que estamos discutindo. Essa explicação é importante, diríamos decisiva, como vimos para a parte brasileira, para explicar a integração de Argentina e Brasil, mas também para explicar a adesão do Uruguai logo depois do Tratado de novembro de 1988, e do Paraguai em 1990.

Um paradoxo que surge da aplicação do liberal intergovernamentalismo ao Mercosul, resulta da tendência histórica dos processos de integração. Esses processos, mesmo quando são áreas de livre comércio ou outras formas de baixa intensidade, tendencialmente criam alguma forma de institucionalização para coordenar seu funcionamento ou para outros fins, como acontece em qualquer organização internacional. Um processo de integração regional tende a ultrapassar o objetivo inicial ao desencadear alterações nos Estados participantes em razão do movimento inicial (MATLARY, 1994). No caso do Brasil, o enraizamento dos conceitos de autonomia e universalismo consegue contrarrestar essa tendência. Com isso, explicar-se-ia a irregularidade teórica, a dificuldade de analisar o Mercosul de acordo com as teorias consolidadas.

O liberal intergovernamentalismo considera a interdependência como uma condição necessária e motivadora da integração. Mesmo com o desenvolvimento da integração, os constrangimentos resultantes da cada vez maior interdependência não afetariam a condição dos Estados de controlar as principais decisões referentes à integração e a outras ações internacionais. No caso do Mercosul, a relação entre interdependência e integração não ocorreu da forma como defendida por esses autores.

A inicial motivação política, com o desdobramento econômico adquirido, não teve o fôlego que tanto o intergovernamentalismo quanto o funcionalismo apresentam como conseqüência inevitável da integração. Também a idéia de coleção de contratos, contribuindo para ampliar o grau de interdependência entre os membros e reforçando a legitimidade do processo, não se confirma totalmente.

Assim, as duas correntes teóricas não são aplicáveis plenamente, nem podem ser totalmente refutadas com base nos dados concretos do processo de integração no Cone Sul.

No caso do Brasil, parece ter havido uma deliberada vontade, como veremos adiante, no sentido de evitar ultrapassar os compromissos iniciais ou mesmo os seguintes, que se mantiveram na trilha da prudência. Ao mesmo tempo, a integração regional foi considerada como necessária para alcançar credibilidade. Talvez, a integração tenha sido utilizada de forma seletiva.

Útil em parte na resistência às negociações para a Alca e com a União Européia, não necessária para as negociações na OMC ou mesmo na ONU.

Autonomia, Universalismo e a posição brasileira no Mercosul A diplomacia brasileira teve papel significativo no modelo de integração construído ao longo dos anos, caracterizado pela baixa institucionalização e por sua essência basicamente intergovernamental. Papel central, mas não único.

No Brasil, essa posição foi, ainda que passivamente, compartilhada pelo conjunto do governo nacional em diferentes administrações, em sua esfera política e burocrática, pelos empresários, pelo Congresso, pelos governadores do estados, etc.. Como afirma Vaz (2002: 223), se essa posição era a do Brasil, não essencialmente diferente era a Argentina. Para o Brasil, dado seu peso majoritário no bloco, não interessava a cessão de soberania a uma instância supranacional, em que teria diluída a capacidade de forjar decisões e de preservar seus interesses em relação ao bloco, cuja importância para o país extrapolava o domínio comercial. Para a Argentina, a cessão de soberania, em matéria de política econômica e comercial implicava perder, definitivamente, a capacidade de exercer algum grau de liberdade na condução da política comercial, que era precisamente o que o governo argentino buscava resguardar naquele momento.

Para Mariano (2007: 194), no caso do Brasil, trata-se de um efetivo padrão de comportamento "baseado na busca de autonomia enquanto princípio fundamental e do desenvolvimento enquanto objetivo central".

Em pesquisas desenvolvidas (CEDEC e PUC/SP, 2002; CEDEC, UNESP, PUC/SP E FGV/ SP, 2004), pudemos medir o baixo índice de adaptação e de sensibilidade dos governos estaduais e municipais no Brasil às questões internacionais e da integração. Comprovamos que as elites políticas e administrativas regionais não consideram essas questões como atinentes à própria ação de governo. Isso tem forte implicação para a política nacional, refletindo-se na representação parlamentar, levando ao não entrelaçamento de temas com clara repercussão para a integração regional, com temas nacionais, como, por exemplo, a reforma fiscal. Isso fortalece uma tendência pela qual o Brasil buscaria sempre as formas intergovernamentais, com isso buscando manter bom grau de autonomia.

Pinheiro (2000: 326-327) considera que o grau de comprometimento que o Estado brasileiro assume nas questões internacionais varia conforme seus recursos de poder. A postura do Brasil no entorno geográfico seria pautada por uma lógica de ganhos, de usufruto das vantagens oriundas de relativa assimetria. Ao passo que a atuação multilateral seria lastreada numa lógica de ganhos absolutos na busca de manutenção da autonomia e da possibilidade de exercício do universalismo. Assim, o institucionalismo pragmático supõe que ' e trabalha no sentido de ' quanto maior a presença brasileira no sistema internacional através de instituições, maior o acesso ao desenvolvimento e à autonomia de ação. Ocorre que, tendo a busca de autonomia maior peso na diplomacia brasileira que a busca de justiça, se admite que aquela possa ser buscada tanto mediante arranjos de cooperação com alto grau de institucionalização, quanto por outros, cujo grau de institucionalização é mantido propositalmente baixo a fim de garantir a posição de liderança do país.

Para a autora, isso permite conciliar as naturezas hobbesiana e grociana, reforçando o institucionalismo, viabilizando a adesão a normas e a regras. O tratamento graduado e variável tem finalidades instrumentais. Desse modo, é possível no quadro de um subsistema de poder alcançar maior autonomia e, ao mesmo tempo, reforçar com a ação multilateral a própria voz no sistema universal.

Nas atas das reuniões do Grupo Mercado Comum, nos anos iniciais, surgem sinais que, embora não tenham tido conseqüências efetivas, devem ser interpretados como dirigidos a favorecer formas de integração onde superposição entre interesse nacional, Projeto Nacional e integração, permitindo a autonomia, mas sem statusprivilegiado. Por exemplo, em 1992, o Grupo aprovava agenda de ministros da Economia e presidentes de Bancos Centrais em que deveria ser tratada "a situação econômica e a análise da convergência das políticas econômicas nacionais" (GRUPO MERCADO COMUM, 1992: 18). No entanto, a partir de 1996 e 1997, período em que se combinaram problemas comerciais específicos com significativos desencontros relativos à inserção internacional, ganham peso no Brasil os setores que na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), na Confederação Nacional da Indústria (CNI), nas entidades representativas do agribusiness, entre altos funcionários, na imprensa, têm a percepção de que o Mercosul estreitaria a capacidade universalista do país.

Contribuem para esta inflexão razões objetivas, que não são objetivo de nossa análise: o avanço das negociações para a criação da Alca, as negociações para o início de uma nova Rodada na OMC, o começo da discussão sobre o papel dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China). Estas negociações ou orientações não necessariamente deveriam enfraquecer o Mercosul. Mas isso acabou acontecendo pois, como vimos, a idéia da integração nunca chegou a ser assimilada com a devida profundidade no conjunto das elites brasileiras.

A potencial perspectiva de ganhos de escala em termos econômicos e comerciais, estimulou a concentração de esforços na busca de acesso aos maiores mercados, levou à retomada dos temas da autonomia e do universalismo, que nunca foram abandonados, agora com um sentido restritivo em relação ao Mercosul. O argumento maior utilizado foi a necessidade de garantir liberdade para agir no sistema internacional. Apenas a relação com a União Européia parece evoluir em sentido diferente, vista a decisão da União de negociar com o Mercosul, não separadamente com cada país.

Neste início de século XXI, os governos Kirchner e Lula da Silva não apresentam sinais ideológicos muito diferentes, no entanto, isso não viabilizou o aprofundamento do Mercosul, ainda que tenha viabilizado políticas comuns em casos específicos. A concordância entre os dois governos em alguns temas, demonstra certas identidades, mas não suficientes para sustentar formas de integração com ações de cooperação que aprofundem de modo irreversível o processo. No quadro de referência conceitual do Estado brasileiro existe essa preocupação, mas não consegue tornar-se realidade.

A pedra angular [da integração regional] é a relação bilateral com a Argentina.

A grande convergência entre os pontos de vista dos presidentes Lula e Kirchner, nas questões mais urgentes que enfrentamos, foi expressa no 'Consenso de Buenos Aires', adotado em outubro de 2003. Esse documento reflete nossa aspiração em comum pelo crescimento econômico unido à justiça social, e manifesta nossa determinação de transformar o bloco comercial Mercosul (...) em um catalisador para a construção de um futuro compartilhado (AMORIM, 2004: 158).

Em situações específicas as referências conceituais produzem resultados comuns.

Na Cúpula de Chefes de Estado das Américas, em Mar del Plata, em 2005, houve coincidência na ação visando o adiamento sine diedas negociações da Alca, contrariando o que parecia ser o interesse, ao menos de uma parte, da administração norte-americana.

No caso brasileiro, as dificuldades da integração não podem ser atribuídas apenas ao governo. na sociedade interesse reduzido, em alguns casos abertamente contrário, pelo Mercosul e por seu possível aprofundamento. Por exemplo, encontro realizado em novembro de 2004, que reuniu empresários de diversos segmentos e entidades como FIESP, Abicalçados (Associação Brasileira dos Fabricantes de Calçados), Eletros (Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos) e AEB (Associação Brasileira de Comércio Exterior) demonstrou ser razoável a adversidade ao bloco regional. As discussões giraram em torno da idéia da defesa de um passo atrás em relação ao Mercosul: entre empresários uma intensa discussão sobre a necessidade de retroceder de uma união alfandegária, imperfeita e perfurada, para uma área de livre comércio.

Segundo os representantes daquelas entidades, o Mercosul seria uma âncora que seguraria o Brasil nas negociações internacionais, dificultando acordos bilaterais com Estados Unidos e União Européia (Valor Econômico, 16.11.2004).

As análises que resultam das preocupações empresariais confirmam essa tendência à redução do significado da integração para o Brasil. Nota-se nelas interesse em reduzir o papel que o Mercosul tem para a política exterior e como referência para parte da estratégia econômica e comercial internacional. Os valores da autonomia e do universalismo sobressaem.

Estudar a política de integração regional do ponto de vista brasileiro, implica compreender o papel do ministério das Relações Exteriores e as formulações dos funcionários. Isso explica porque a continuidade da postura do país em relação ao Mercosul, uma razoável estabilidade na condução do processo, juntamente com a incorporação dos bloqueios que surgem paralelamente de um padrão de política externa e do interesse/desinteresse da sociedade civil e das forças políticas.

A soma desses fatores tem conseqüências aparentemente paradoxais: por um lado, viabiliza certa estabilidade, por outro, juntamente com as conseqüências da prevalência presidencial, dificulta exatamente o desencadeamento do fenômeno do spillover, para os funcionalistas considerado determinante da afirmação da integração. Ao mesmo tempo, tampouco se fortalecem na medida necessária os laços intergovernamentais. No caso brasileiro, a baixa intervenção do Congresso, em geral a aprovação sem maiores discussões dos projetos do governo, acaba dificultando a porosidade das idéias. Quando na sociedade desenvolvem-se outros interesses e posições, apresentam-se não sob a forma de propostas, mas emergem como resistências. No caso do Mercosul, a posição do governo, visando uma continuidade de baixa intensidade, parece atender a média das expectativas e das necessidades das elites brasileiras, dentro e fora do Estado.

Motivações da política brasileira em relação à supranacionalidade Devemos considerar que os conceitos de autonomia e de universalismo presentes em parte das elites e na memória institucional do ministério das Relações Exteriores, colocam questionamentos ao Mercosul. Wendt (1994: 386), recolhendo idéias de Ruggie (1993), afirma que "identidade coletiva não é essencial nem equivalente a uma instituição multilateral mas fornece um fundamento importante para ela por fortalecer a expectativa de ação com base em princípios de conduta compartilhados e em reciprocidade difusa". Cabe, portanto, afirmar que a debilidade dos grupos epistêmicos pró-integração, viabilizou o fortalecimento de outros que, mesmo não contrários a ela, passaram a valorizar idéias, projetos, interesses que nela não confluíam e não a fortaleciam. A percepção, que é verdadeira, de que, na medida em que se projeta maior aprofundamento do bloco, perda de soberania e de autonomia na relação do Brasil com o mundo, nunca desapareceu e acabou sendo um componente importante da ação do Estado e da sociedade. Conseqüentemente, rejeita-se uma opção que parece limitar a movimentação internacional do Brasil e ser contrária ao universalismo: resulta uma posição que estabelece limites ao Mercosul. Lima (1994; 2003) afirma que o padrão brasileiro em relação ao Mercosul tem sido semelhante ao tido em outros aspectos de política externa, contrário ao aprofundamento da institucionalização, prevalecendo a aspiração em converter o país em ator internacional relevante e a crença, especularmente presente na Argentina, em especificidade frente aos demais países latino-americanos. As elites brasileiras têm sido educadas nessa cultura política.

Para o objetivo que nos propomos, de discutir as razões estruturais da política brasileira de integração, é interessante mostrar a racionalidade, segundo um ponto de vista, da posição de defesa dos princípios de autonomia e de soberania. Pierson (1998) considera que os governos nacionais, quando delegam determinadas funções às instituições ou a órgãos comunitários regionais, com o tempo tendem a perder o controle do processo de integração para essas instituições. As instituições ou órgãos regionais abririam espaço para novos atores domésticos participarem do processo decisório, sem a intermediação dos governos, fato que tenderia a fortalecê-las e a fornecer-lhes novas fontes de legitimidade. Uma vez alcançada, por essa instituição ou órgão, certa autoridade no processo de integração, torna-se difícil para os governos fazê-lo recuar, viabilizando a recuperação do poder original dos Estados-parte. O custo dessa ação de recuperação, de certa forma, inviabilizaria a sua concretização.

Gradualmente, a dinâmica decisória da integração tende a adquirir mais autonomia em relação aos Estados nacionais. Assim, pode-se entender a baixa disposição brasileira quanto ao fortalecimento institucional do bloco, que se traduz na defesa constante do intergovernamentalismo, que o Estado, pelas razões discutidas, parece não conceber a possibilidade de perder o controle do processo. Como analisa Schmitter (2003) para a União Européia, o nível de convencimento e de consenso para trilhar caminhos que mudam convicções enraizadas é complexo, não apenas demorado.

A estrutura do bloco, definida pelo Tratado de Assunção de 1991, concentra o poder decisório e a governabilidade no Conselho do Mercado Comum (CMC), que conta com os presidentes e os ministros das relações exteriores e da economia, atribuindo ao Grupo Mercado Comum (GMC), composto pelos vices ministros das relações exteriores ou sub-secretários, a direção executiva da integração. Essa engenharia institucional mostrou-se, por um lado, eficaz, mas, por outro, inadequada para permitir o desenvolvimento de um corpo que pudesse acumular afinidades.

Um Mercosul mais institucionalizado parece não atender os interesses de parte considerável das elites, de grupos sociais, econômicos e regionais, de setores políticos, que consideram ter suas necessidades atendidas na atual estrutura.

Redimensionados os objetivos, permanece o interesse em aumentar o comércio e, em alguns casos, aumentar o investimento transfronteiriço, como é o caso da Petrobras, do Banco Itaú, Bunge, Gerdau, AmBev e de outras empresas. Ao mesmo tempo, o bloco permanece tendo significado em algumas circunstâncias. É útil para uma parte das relações com os Estados Unidos, tem importância nas relações com a União Européia, parcialmente no caso da OMC e em algumas negociações com países emergentes, particularmente nos casos de dialogo bloco a bloco. No entanto, evita-se a tomada de posições que para alguns limitariam as possibilidades abertas pela maior autonomia e pelo maior universalismo.

Conseqüentemente, "O grande obstáculo, no Brasil e na Argentina, para um efetivo 'investimento' no projeto Mercosul é a ambigüidade com que, para além da retórica do discurso pró-integração, diversos setores das duas sociedades e dos dois governos avaliam o bloco" (GONÇALVES e LYRA, 2003: 14).

Considerações finais Na tentativa de extrair conclusões da análise que fizemos das razões da posição brasileira frente ao Mercosul, devemos ter em conta que as naturais aspirações protagônicas e universalistas das elites do país implicam a necessidade de estar livre para agir com desenvoltura no cenário internacional, sem acordos restritivos no âmbito regional e sem os condicionamentos que derivariam das necessárias concessões aos sócios de menor poder. A integração regional não é rejeitada, ao contrário, é considerada benéfica, mas sem os custos do que Burges (2005) chama "cooperative economic growth". Nossa análise sugere de forma clara não existir adequada densidade na sociedade brasileira que estimule o aprofundamento da integração. Consideramos que, por mais que o Mercosul figure no alto das prioridades do Estado, do governo, do ministério das Relações Exteriores, de fato, hesitação em arcar com os custos e enfrentar as assimetrias existentes. O sistema político brasileiro, a representação parlamentar, a pobreza em muitas regiões e localidades, contribui para isso.

A expansão combinada com o baixo comprometimento governamental, no sentido de trabalhar as assimetrias existentes, levou a uma integração que não pode ser muito ambiciosa quanto ao seu grau de aprofundamento. Ao mesmo, o limite dado por uma união alfandegária que não se consolida e as dificuldades inerentes na gestão das novas demandas oriundas desta situação, podem tornar a integração pouco atraente para os governos e importantes setores domésticos envolvidos, criando uma situação de impasse que levaria ao fortalecimento de forças desintegradoras, que por sinal parece ser o estágio atual do bloco (MARIANO, 2007: 194).

No Brasil baixa sensibilidade para o tema regional, o que se explica pela atratividade que num país continental têm as questões internas. "Na Argentina, para o bem ou para o mal, o Brasil é um tema: é assunto cotidiano, matéria permanente de imprensa. No Brasil, em contrapartida, a Argentina desperta muito menor interesse, salvo em momentos de crise aguda" (GONÇALVES e LYRA, 2003: 21).

Para a sociedade brasileira, para suas elites, entender as perspectivas do Mercosul tem a ver com o debate sobre o futuro da posição do Brasil no mundo.

Como discutimos, coloca-se a necessidade de definir melhor se a integração deve ser considerada útil e importante. Se a resposta é positiva, trata-se de verificar a disponibilidade de assumir os custos dela. Supondo-se a necessidade de paymaster(MATTLI, 1999) na integração, nesse caso o papel caberia ao Brasil.

Isso obrigaria a um novo desenvolvimento analítico: a capacidade ou não de desempenhar esse papel. Para países pobres, limites objetivos, pagar os custos pode estar acima da capacidade de fazê-lo. Mattli (1999) afirma que o papel de paymaster não se relaciona apenas com a economia, mas também tem a ver com outros parâmetros, como a delegação de algumas funções para instituições comunitárias, o que significa aceitar e confiar na integração regional, considerando-a parte da própria política interna. Algumas medidas, como a criação do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM), com aproximadamente US$ 100 milhões, estariam na perspectiva de fortalecer a integração, do mesmo modo que a criação do Parlamento do Mercosul, em substituição à Comissão Parlamentar Conjunta. Mas a pequena dimensão das ações, econômicas e políticas, parece confirmar a análise que desenvolvemos no sentido que no bloco do Cone Sul não surgem os pressupostos da integração que tanto funcionalistas quanto intergovernamentalistas identificaram, com interpretações conflitantes, na União Européia. Diferentemente da análise de Burges (2005), provavelmente não se trate do interesse, até certo ponto, egoísta do Brasil, que visaria uma liderança sem contrapartida para os países envolvidos, mas de dificuldades estruturais, de fundo, econômicas e políticas.

Um eventual retrocesso do Mercosul na direção de uma área de livre-comércio, que vimos ser posição defendida por setores sociais significativos no Brasil, na nossa perspectiva significaria, ao contrario do que uma determinada leitura do universalismo supõe, enfraquecimento do poder de barganha do país e do Mercosul no sistema internacional. Maior institucionalização do bloco, como discutimos, traria custos para o Brasil, mas é fundamental também considerar os custos da não institucionalização, além dos ônus decorrentes da situação de indefinição, existente ao menos desde 1997, talvez inata ao processo.

Da análise que desenvolvemos, decorre a necessidade de acordos que viabilizem medidas comprometidas com algum grau de supranacionalidade, ou seja, ações, regras, normas que garantam aprofundamento do bloco. Isso implica o reprocessamento de conceitos fundadores da política brasileira, autonomia e universalismo, de modo a que possam absorver os princípios da integração, inclusive a idéia de associação de objetivos (NARDIN, 1987). Isso implica a criação e o estímulo de uma cultura de valorização de ganhos de longo prazo e alguma aceitação de custos no curto prazo. Se o Mercosul, como os documentos afirmam, é base da estratégia de inserção internacional do Brasil, é necessário que essa base alcance níveis razoáveis de afirmação. Do mesmo modo, as relações com a Argentina, as únicas afirmadas como estratégicas nos documentos da República.

Políticas industriais setoriais de integração, ações de apoio a cadeias produtivas regionais, o aperfeiçoamento de instrumentos institucionais, pensados ainda nos anos 80, quando assinados os 24 protocolos setoriais no âmbito do Programa de Integração e Cooperação Econômica (Pice) de 1986, permitiriam atenuar as assimetrias e uma lógica que tende a favorecer a alocação de recursos onde maiores potencialidades de mercado. Isso exige mudar o sistema decisório, em outros termos, fortalecer a normatividade e a regulação por meio de órgãos aptos e legítimos. Discutimos neste texto que essas perspectivas encontram dificuldades de enraizamento na sociedade brasileira em razão de interesses e de concepções de mundo das elites, da sociedade e do Estado.


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