Contextualizando a invasão à Baia dos Porcos
Introdução
Em 17 de abril de 1961, entre 1.500 e 1.800 exilados cubanos contrários ao
governo do presidente de seu país, Fidel Castro, e treinados pela Agência
Central de Inteligência norte-americana (CIA), aportaram na Baía dos Porcos,
localizada ao sul de Cuba. A ação, que acabou dois dias depois, na tarde do dia
19 do mesmo mês, fracassou completamente, com 114 mortos e quase 1.200
invasores capturados.
O objetivo imediato da investida era ter o controle do sul do território cubano
nas mãos daqueles contrários ao governo de Fidel Castro (no poder desde o
início de 1959), e em seguida avançar pelo país colhendo apoio da população
para derrubar o regime vigente. No entanto, a operação foi mal-preparada, não
houve apoio militar explícito dos EUA, e a população local mostrou-se defensora
do governo revolucionário. O resultado foi um grande constrangimento para a
administração de John F. Kennedy, presidente dos EUA, que foi forçada a admitir
ter organizado a operação.
Um olhar mais atento revela uma significativa complexidade histórica por trás
dos fatos. Com tal objetivo em mente, o presente trabalho pretende demonstrar
as principais circunstâncias que levaram os Estados Unidos a promoverem a
invasão à Baía dos Porcos. Assim, buscar-se-á demonstrar que vários foram os
elementos importantes que influenciaram nesta decisão, entre os quais se listam
a tradição de política externa norte-americana de interferir na região centro-
americana e caribenha; o recente sucesso obtido na derrubada do presidente
guatemalteco; e questões de política externa e interna norte-americana frente à
Guerra Fria.
Para isso, será inicialmente realizado um breve estudo histórico sobre Cuba e a
mudança política ocorrida com a ascensão de Fidel Castro, em 1959. Em seguida,
serão avaliados os fatores considerados como principais para a decisão norte-
americana de intervir no território cubano. O primeiro desses fatores será a
presença (histórica) militar e/ou intervencionista norte-americana, desde o
final do século XIX, nos países banhados pelo Mar do Caribe até a administração
de Dwight Eisenhower (1953-1961). O segundo elemento avaliado, será a (bem
sucedida) experiência da participação da CIA na derrubada do presidente
guatemalteco Jacobo Arbenz, em 1954. Por fim, far-se-á uma análise do impacto
da Guerra Fria na política externa e doméstica dos EUA, o contexto político e
fatores imediatos que levaram o presidente John F. Kennedy a decidir autorizar
a invasão.
Sobre Cuba e sua revolução
Com uma área de 110 mil km2, e uma população 11,4 milhões (est. 20071) composta
por mulatos, brancos, negros e descendentes de chineses, Cuba encontra-se entre
o Mar do Caribe, o Golfo do México e o Oceano Atlântico, a apenas a 150 km do
sul das ilhas de Key West (Florida), Estados Unidos.
Colonizada por espanhóis, Cuba foi "descoberta" por Cristóvão Colombo em 1492.
Em meados do século XIX passam a crescer os movimentos internos pela
independência da ilha do controle ibérico, inclusive contando com a declaração
de independência (não reconhecida) proferida por Carlos Manuel de Céspedes
(1868), que deu início a uma guerra civil com os espanhóis e que terminaria com
a vitória desses, em 1878. Uma outra grande referência na luta pela libertação
cubana foi o herói nacional José Martí, assassinado em 1895.
No entanto, a ruptura de Cuba com a Espanha não foi obtida por iniciativa
própria. Teve como marco a guerra travada entre os Estados Unidos e a Espanha
pelo controle da ilha, que durou pouco mais de dez semanas, e da qual os EUA
saíram vitoriosos. A questão da independência cubana frente a esse resultado
ficou marcada por dois documentos jurídicos norte-americanos.
O primeiro, de autoria do (anti-imperialista) Senador Henry Teller, conhecido
como Emenda Teller (1898), serviu para garantir à opinião pública norte-
americana que o país não tinha intenção de anexar Cuba2, e afirmava:
That the people of the Island of Cuba are, of right ought to be, free and
independent.
(...)
[the United States] hereby disclaims any disposition of intention to
exercise sovereignty, jurisdiction, or control over said islandexcept
for pacificationthereof, and asserts its determination, when that is
accomplished, to leave the government and control of the island to
its people."(grifo nosso)
No entanto, a independência real da ilha não ocorreu conforme planejado. Ao
exercerem pelo voto o direito de eleger seus representantes, ao invés de
escolherem candidatos apoiados pelos norte-americanos os cubanos penderam para
candidatos mais "radicais". Essa, entre outras circunstâncias, motivou
políticos nos EUA a re-interpretarem, em 1901, seu papel em Cuba, o que levou à
aprovação da Emenda Platt.
Elaborada pelo Senador Orvile Platt, a Emenda foi aprovada pela Convenção
Constitucional Cubana (após seis rejeições), e tornou Cuba, na prática, um
protetorado dos EUA. O texto permitia a esse país controlar assuntos internos
cubanos, como a política externa e obtenção de empréstimos externos, além de
afirmar que os governo cubano consentia que os EUA pudessem "exercer o direito
de intervir pela preservação da independência de Cuba, pela manutenção de um
governo adequado para a proteção da vida, propriedade e liberdade individual".3
A retirada formal dos EUA da ilha se deu em 1902. Porém, a intervenção baseada
na Emenda Platt só terminaria mais de três décadas depois, em 1934.
Com o passar do tempo, os investimentos norte-americanos em Cuba, notadamente
na indústria açucareira, foram aumentando progressivamente, a ponto de, já em
1923, ¾ da propriedade voltada para esse setor pertencer a investidores
estadunidenses.4
As três primeiras décadas de Cuba como país independente foram marcadas,
segundo material do Centro de Información para la Prensa [Cubana] (entidade
estatal), da seguinte forma:
La corrupción en su máxima expresión, se estableció como práctica en la
administración pública. Los fondos que se debían invertir para obras públicas,
educación y salud, eran malversados por el aparato administrativo, el
Parlamento y el Poder Judicial, estos existían únicamente, para servir los
intereses de los monopolistas yanquis y burgueses. La discriminación racial, la
prostitución y el juego, florecieron en esa etapa.5
Em 1933, a chamada "Revolta dos Sargentos", liderada por Fulgêncio Batista, pôs
por terra o governo vigente. Direta ou indiretamente, Batista governaria a ilha
até sua derrubada por Fidel Castro, no último dia de 1958.
Durante "seus governos", Batista findou por trair por completo o movimento
revolucionário que o havia levado ao poder, exerceu seu poder de forma
ditatorial, e agravou todos os problemas relativos à má administração pública e
corrupção.
Em 1952 Batista promoveu um golpe militar e passou a governar de forma
ditatorial e (ainda mais) corrupta, resultado de manobras de grupos
reacionários cubanos e norte-americanos. Para a maior parte da população
cubana, ele representava a personificação de dois males: a tirania e a
exploração pelos EUA.
Fidel Castro, aos 26 anos, estava perto de ser eleito para o Congresso cubano
quando ocorreu o golpe de Batista. No ano seguinte, em julho de 1953, organizou
uma frustrada tentativa de derrubada do governo golpista, sendo preso e
condenado a 15 anos de prisão. Foi entretanto beneficiado por uma anistia geral
concedida em 1955.
A Revolução Cubana
Após sua libertação, Fidel Castro resolveu exilar-se no México, de onde
planejou um novo ataque para derrubar o governo de Fulgêncio Batista. Em
dezembro de 1956, Castro e outros 82 homens desembarcam do navio Granma em
território cubano, e foram surpreendidos por uma emboscada, da qual a maior
parte não conseguiu escapar, sendo mortos ou presos.
Entre os que conseguiram fugir estavam Fidel Castro, seu irmão, Raúl Castro, e
o grande aliado Che Guevara. Os sobreviventes foram buscar refúgio na Sierra
Maestra, e passaram a agir através de um movimento de guerrilha, chamado M-26-
76, que passou a ganhar cada vez mais fôlego no decorrer de 1957 e 1958. Um
artigo do jornal The New York Times, de 2 de novembro de 1958, dizia:
There is not doubt that Castro's forces are better versed in
guerrilla warfare than the Government troops. Batista has
incorporated into his armed forces of some 40,000 men, 10,000 new
recruits who are given a couple of months training but are no match
for Castro's veteran guerrillas.7
No início de dezembro de 1958, as forças contrárias a Batista já controlavam um
terço da ilha, mesmo contando com menos armas e recursos materiais. No decorrer
do último dia de 1958 a resistência do governo findava, e a capital, Havana,
passava a ser controlada pelos revolucionários. É o momento em que Fulgêncio
Batista e outras altas autoridades fogem do país, marcando o primeiro dia de
1959 como a data "oficial" da Revolução Cubana.
Apesar de todo a ligação "especial" entre Cuba e URSS dos anos 60 até o fim da
Guerra Fria, os vínculos imediatos da Revolução com o comunismo ou com a União
Soviética eram, no mínimo, bastante frágeis. O Partido Socialista Popular
(PSP), por exemplo, que se dizia o único partido da classe trabalhadora cubana,
chegou a opor-se e até mesmo sabotar as ações do movimento revolucionário. E
até meados de 1958, os comunistas cubanos continuaram a insistir que Batista só
poderia ser derrubado por um levante popular por eles liderado (Andrew &
Gordiewsky, in: BANDEIRA, 1998:171). Moniz Bandeira (1998) comenta que, no
início de 1959, a opinião de vários líderes comunistas era a de que Fidel
Castro era um "aventureiro pequeno burguês", como o afirmou o Secretário Geral
do Partido Comunista do Brasil, Luiz Carlos Prestes. Segue Bandeira (1998:172-
173):
Esta ['um aventureiro pequeno burguês'] era a opinião generalizada entre os
dirigentes comunistas atrelados às diretrizes do stalinismo, que só reconheciam
como comunistas os que se filiavam ao partido, faziam trabalho organizado e
submetiam-se rigorosamente à sua disciplina. Outros, ainda que declarassem
marxistas-leninistas, mas não militassem em uma das células do partido, eram
vistos com suspeição, como provocadores ou espiões, acusados de divisionistas,
trotskistas etc. Castro, embora fosse um homem de esquerda, não merecia a
confiança dos comunistas, e tinha todas as credencias para enquadrar-se em uma
daquelas categorias.
O movimento revolucionário M-26-7 não possuía vínculos com o comunismo,
tampouco Che Guevara, um dos grandes articuladores da Revolução, tanto que um
documento da CIA, de1964, afirmava:
( ) No evidence is available to the effect that he was ever
affiliated with any Communist Party, although he seems to have had
many contacts with party members and associates in Argentina,
Guatemala and Mexico. On any count, Guevara plainly has a strong,
emotional anti-US bias and a sympathetic outlook toward Communism. He
especially condemns the US role in replacing the pro-Communist Arbenz
government in Guatemala with a military junta in 1954. ( )8
Um outro elemento interessante dessa desvinculação dos acontecimentos em Cuba,
em relação à URSS, foi o fato de os dois países só haverem estabelecido
relações diplomáticas em maio de 1960, passados mais de 17 meses da Revolução.
Conseqüências imediatas da Revolução Cubana
Em pronunciamento feito em maio de 1959, Fidel Castro rejeitou explicitamente a
acusação de que a Revolução era comunista ou que ele estivesse comprometido com
qualquer ideologia, afirmando que:
Nuestra Revolución no es comunista, (...) nuestros ideales se apartan
de la doctrina comunista, la Revolución cubana no es capitalista ni
comunista, es una revolución propia, tiene una ideologia propia,
tiene razones cubanas, es enteramente cubana y enteramente americana.
(BANDEIRA, 1998:197).
De acordo com Moniz Bandeira (1998:197), inicialmente Fidel Castro buscava uma
terceira via, evitando a bipolaridade ideológica da Guerra Fria, e optando um
caminho que fosse, acima de tudo, cubano.
Uma das primeiras medidas (de cunho econômico) tomadas pelo novo governo foram
a nacionalização da companhia telefônica do país, de investimento norte-
americano (em 3.3.59) e a publicação do Ato de Reforma Agrária, em meados de
maio do mesmo ano. Essa última era considerada fundamental, já que:
Cerca de 1,5% dos proprietários de terra, cubanos ou não-cubanos,
possuíam 46% da área nacional, e 70% possuíam apenas 12% da área
nacional. (...) Segundo informações oficiais do governo cubano,
somente 1.114 latifúndios ocupavam 20% de todas as áreas cultiváveis
de Cuba, e de todas as pessoas dedicadas à agricultura apenas 30%
eram proprietárias do solo (...). (BANDEIRA, 1998:198).
Os contatos oficiais com a URSS iniciaram-se seis meses após a tomada de
Havana, em junho de 1959, e o resultado concreto foi um acordo comercial entre
os dois paises, através da exportação de açúcar cubano e a importação de
matérias primas como petróleo, ferro e máquinas, firmado no início de janeiro
de 1960. Cinco meses depois, em 8.5.1960, Cuba e URSS estabeleceram relações
diplomáticas.
Os problemas com os EUA, cujo relacionamento com Cuba tornava-se cada vez mais
complicado, agravaram-se ainda mais em julho do mesmo ano. No primeiro dia do
mês, o governo cubano resolveu nacionalizar as refinarias de petróleo, por se
recusarem a refinar o produto soviético. Dois dias depois, os EUA retaliaram,
suspendendo a compra do açúcar cubano, o que representou grande impacto
econômico por ser esse país o maior mercado de destino do principal produto de
exportação da ilha.
Dois dias mais tarde, as empresas e propriedades norte-americanas foram
nacionalizadas. No dia 8.6.61 a URSS "resolve" o problema da exportação do
açúcar, comprometendo-se a comprar o produto cubano. Azedando ainda mais o
relacionamento EUA-Cuba, a ilha nacionaliza todos os bancos norte-americanos em
17.9.1960. A nacionalização de indústrias, bancos e usinas de cana viria em
outubro, e a contrapartida do embargo econômico dos EUA ao país ocorreria ainda
no mesmo mês.
Para vários autores, a dinâmica do cada vez mais problemático relacionamento
político e econômico entre Cuba-EUA foi a causa, e não a conseqüência da
aproximação cubana com a URSS, como bem demonstra Paterson (1995:159):
In mid-1960, as the revolucionary government nationalized foreign
properties, the United State suspended imports of Cuban sugar and
forbade U.S. exports to the island in an effort to bring down the
Castro government. These strong measures only pushed Cuba toward a
new economic lifeline ' the Soviet Union. As Embassador Philip Bonsal
explained, 'Russia came to Castro's rescue only after the United
States had taken steps to overthrow him'.
No terceiro dia de 1961, EUA e Cuba rompem relações diplomáticas. Pouco mais de
cem dias depois ocorreria o episódio na Baía dos Porcos.
Fatores influentes na decisão da intervenção
Questões ideológicas, política doméstica norte-americana, sucessos passados e
um histórico de interferência na região foram alguns dos fatores que pesaram na
decisão do governo dos EUA de invadir Cuba aportando na Baía dos Porcos. O
objetivo deste tópico não é exaurir todos os vetores importantes em se tratando
de tal tema, mas sim de efetuar uma análise dos aqui considerados como sendo os
mais decisivos.
Apesar do marco da intervenção direta dos EUA na região da Bacia Caribenha ter
sido a guerra entre espanhóis e norte-americanos (1898) pelo controle de Cuba,
alguns fatos e circunstâncias anteriores merecem destaque.
À exceção das três Guianas, Belize e das pequenas ilhas caribenhas, toda a área
do continente americano situada abaixo dos EUA obteve sua independência no
controle europeu, notadamente ibérico, nas três primeiras décadas do século
XIX.
A visão do governo do EUA sobre esses processos de recente independência foi
bem sintetizada por John Quincy Adams9, que teria dito, entre outros
pensamentos semelhantes, que "o povo da América Latina é o mais ignorante, o
mais fanático e o mais supersticioso de todos católicos romanos da
Cristandade", e que tentativas de estabelecer governos democráticos na região
eram "tão absurdas como seriam planos semelhantes para estabelecer democracias
entre os pássaros, animais e peixes". (SCHOULTZ, 2000:21).
A partir do conhecimento da articulação entre potências européias na estrutura
de poder da Santa Aliança, o presidente dos Estados Unidos, James Monroe10, ao
pronunciar-se perante o Congresso de seu país, em 1823, declarou sua visão a
respeito da presença européia no contexto americano e do papel dos EUA perante
os outros países do continente:
(...) the American continents, by the free and independent condition
which they have assumed and maintain, are henceforth not to be
considered as subjects for future colonization by any European
powers.
(...)
We owe it, therefore, to candor and to the amicable relations
existing between the United States and those powers to declare that
we should consider any attempt on their part to extend their system
to any portion of this hemisphere as dangerous to our peace and
safety.( ) with the Governments who have declared their independence
and maintain it, and whose independence we have, on great
consideration and on just principles, acknowledged, we could not view
any interposition for the purpose of oppressing them, or controlling
in any other manner their destiny, by any European power in any other
light than as the manifestation of an unfriendly disposition toward
the United States. (...)"11
Os feitos, em termos de orientação e justificação da política externa dos EUA
para o continente, são colocados de forma precisa por Kissinger (2001:34-35):
Sob o guarda-chuva da Doutrina Monroe, os EUA poderiam seguir
políticas nada diferentes dos sonhos de qualquer rei europeu '
expandir comércio e influência, anexar territórios ' em suma,
transformar-se em Grande Potência sem ser necessária uma política de
poder. (...) Não considerando expansão como política externa, os
Estados Unidos podiam utilizar seu poder para o domínio ' sobre os
índios, sobre o México, no Texas ' e fazê-lo de consciência
tranqüila.
(...)
Em outras palavras, a Doutrina Monroe justificava a intervenção
americana não só contra uma ameaça existente, mas contra qualquer
possibilidade de ameaça ' tal qual o equilíbrio de poder europeu.
A expansão do território dos EUA rumo ao Oeste também teve sua influência sobre
a visão dos governos e de certos setores da sociedade a respeito do limite
físico cabível ao país.12 Esse alargamento foi baseado numa "rude teoria de
determinismo histórico"13, já que se pregava que a pressão e direção ao
Pacífico eram nada mais que o cumprimento do destino da raça anglo-saxônica,
ciente de que essa posição era desejo da Providência Divina. Dessa forma, a
natureza, o destino e Deus moviam e justificavam a presença dos EUA pela
América ' física, moral e economicamente.
Assim, a interferência direta e indireta do país no seu entorno geográfico
inicia-se no século XIX. No entanto, o processo intervencionista dos EUA nos
países da América Central e do Caribe passou a ocorrer, de forma sistemática,
somente após a guerra entre os EUA e a Espanha, no final do século XIX, tendo
como foco o controle de Cuba.
Do Big Stickà Política da Boa Vizinhança
O governo do presidente Theodore "Teddy" Roosevelt (1901-1909), que inicia a
política externa dos EUA do século XX, foi marcado por sua re-interpretação da
Doutrina Monroe, que acabou por se chamar "Corolário Roosevelt". Este afirmava
que deveria haver uma prevenção do estabelecimento de bases de países
estrangeiros (i.e., europeus) no Caribe, assim como afirmava que somente seu
país detinha o direito de intervir no continente. Sua política foi direcionada
especialmente para as crises financeiras da Venezuela (1902) e da República
Dominicana (1904).
Além disso, Teddy Roosevelt patrocinou a independência do Panamá da Colômbia
(em 1901), já visando a criação do Canal do Panamá. O tratado Hay-Bunau-Varilla
estabeleceu o direito dos EUA de construir o Canal, assim como de manter o
controle sobre ele e seu entorno (Zona do Canal) de forma soberana, situação
que se manteria até o final dos anos 70. Uma de suas frases preferidas veio a
marcar seu estilo de relacionamento com a América Latina: "Speak softly and
carry a big stick" ' ou seja, "fale suavemente e carregue um grande porrete",
cujo espírito levou para seu relacionamento com a região do Mar do Caribe, já
que, durante seu governo, ainda foram promovidas intervenções na República
Dominicana (1904), México (1905), Honduras (1905 e 1907), Cuba (1906) e Panamá
(1908).
O presidente seguinte, Howad Taft (1909-1913), continuou a política de Teddy
Roosevelt de expandir a presença dos EUA no exterior (notadamente nas Américas
Central e do Sul e Ásia) pelo comércio internacional, através de empresas e
empresários, cunhando assim sua política externa como "dollar diplomacy".
Interveio ativamente na América Central, com o envio de tropas militares para a
Nicarágua (1909, 1910 e 1912), Honduras (1911) e Cuba (1912), como forma de
garantir os interesses americanos na região.
Woodrow Wilson (1913-1921), por sua vez, apesar de apresentar um discurso
voltado para a defesa da autodeterminação dos povos no seu famoso
pronunciamento dos "14 Pontos", imaginou esse princípio sendo válido para povos
"civilizados", o que não abrangeria o caso da América Central e do Caribe. Essa
visão ficou patente no fato de que, durante sua gestão, ocorreram intervenções
no México (1914, 1916 e 1917), Haiti (de 1915 a 1934), República Dominicana (de
1916 a 1924), Cuba (1917) e Panamá (1918). Moniz Bandeira (1998) argumenta que
a promessa de Wilson de repudiar o big sticke a dollar diplomacyrepublicanas
existiram apenas no campo retórico.
Warren Harding (1921-1925) e Calvin Coolidge (1925-1929) mantiveram o mesmo
estilo de padrão de relacionamento dos EUA com a região. O primeiro pressionou
para que a Guatemala mudasse o presidente para um mais favorável aos
investimentos da United Fruit Company; o segundo interveio na Nicarágua, em
1926.
Em 1927, o vice ministro de Relações Exteriores dos EUA, Robert Olds, escreveu
uma síntese da política externa de seu país para a região à época:
... we do control the destinies of Central America and we do so for
the reason that the national interest absolutely dictates such a
course. There is no room for any outside influence other than ours in
this region. We could not tolerate such a thing without incurring
grave risks.... Central America has always understood that
governments which we recognize and support stay in power while those
we do not recognize and support fall.14
As duas administrações seguintes mudaram o padrão intervencionista das últimas
décadas. Herbert Hoover (1929-1933) repudiou o "Corolário Roosevelt"15; retirou
as tropas norte-americanas da Nicarágua e iniciou o processo para que o mesmo
ocorresse no Haiti; foi o árbitro da Guerra do Pacífico, envolvendo Chile, Peru
e Bolívia, além de ter realizado viagem de dez semanas por dez países da
América Latina. Em seu discurso ao Congresso americano, em 1929, afirmou: "Nós
ainda temos marines em território estrangeiro ' na Nicarágua, Haiti e China. De
uma forma geral, nós não desejamos ser representados no exterior dessa
forma".16 Por essas palavras e ações, é justo afirma que a "Política da Boa
Vizinhança", adotada e reconhecida como sendo de seu sucessor, teve, na
verdade, suas bases traçadas e calcadas ainda na administração de H. Hoover. O
seu sucessor, Franklin D. Roosevelt (1933-1945), consolidou esse movimento de
aproximação com os outros países do continente, apesar de não ser correto
imaginar que suas ações foram cheias de ética e moralidade em todos os
aspectos. Foi deixada de lado a posição direcionada para intervenções
militares, é verdade, mas o direito de aplicar pressões políticas ou econômicas
pelo continente não foi abandonado. (SCHULZINGER, 1998:155)
A seu favor, Franklin Delano Roosevelt contava com o fato de haver denunciado a
Emenda Platt (1934) e o controle direto que esse texto impunha sobre Cuba, e de
abrir mão do direito de intervenção unilateral nos países americanos. Por outro
lado, seu pior legado foi ter apoiado pelo menos dois notórios ditadores:
Anastacio Somoza17, da Nicarágua, e Fulgêncio Batista, de Cuba. A política de
Roosevelt para a América Latina como um todo, que durou até o final da Segunda
Guerra Mundial, em 1945, pode ser sintetizada da seguinte forma:
Nenhuma mudança significativa ocorreu abaixo da superfície, nem houve
uma mudança nos interesses dos EUA (...). A afirmação de Tucídides '
'grandes nações fazem o que querem, enquanto pequenas nações aceitam
o que devem' ' permanecia o princípio orientador das relações
internacionais. Talvez por que suavizava esta realidade, a nova
atitude de respeito superficial foi bem recebida por muitos latino-
americanos. (SCHOULTZ, 2000:347)
É importante ressaltar que as ações dos EUA para a América Latina foram ficando
cada vez mais amigáveis à medida que a Segunda Guerra Mundial se aproximava, já
que a presença alemã e a ideologia fascista ítalo-germânica aumentavam cada vez
mais na região. No entanto, ao passo que o conflito foi se aproximando de seu
final vitorioso para as forças Aliadas, a importância das concessões à América
Latina foram ficando cada vez menos necessárias.
Truman, Eisenhower e a América Latina
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as Relações Internacionais mundiais
passaram a ser guiadas pela nova realidade de um mundo dividido por duas
grandes esferas de influência: uma encabeçada pelos EUA, capitalista, ao
"oeste"; e outra, comunista e ao "leste", com a URSS como líder. O continente
americano, nesse contexto, foi visto como uma esfera "naturalmente" norte-
americana. Como afirma Saraiva (2001:34), "(...) os países latino-americanos
participaram do ocidentalismo da Guerra Fria. A região ficaria aceita como área
de natural influência dos Estados Unidos. A União Soviética, portanto, não
poderia reivindicar espaços." Bandeira (1998) completa a explicação desse
contexto da seguinte forma:
(...) se bem que verbalmente condenassem as políticas de esfera de
influência e equilíbrio de poder, apelando para uma era de paz
apoiada na segurança coletiva da ONU, os EUA não estavam dispostos a
renunciar à hegemonia na América Latina. (1998:91)
(...) assim como a URSS não tolerava eleições livres nos países do
Leste Europeu sob seu domínio, por que os anticomunistas poderiam
vencê-las, os EUA (...) passaram a fomentar golpes de Estado e
sustentar igualmente ditaduras, de forma a conservar sua hegemonia na
região, impedindo que eleições livres levassem ali forças
nacionalistas e anti-norte-americanas, percebidas como comunistas, ao
poder. (1998:92)
A preocupação do presidente norte-americano Henry Truman (1945-1953), no
tocante à sua política externa, foi "conter" a expansão do comunismo pelo
mundo. No entanto, a compreensão do que seria efetivamente um governo comunista
era bastante abrangente, e, na prática, acabou como sendo empregada para
designar qualquer governo que não quisesse se submeter, de forma automática, às
pretensões e interesses de seu país. Até mesmo um país que se auto-intitulasse
"neutro" no conflito EUA x URSS era considerado como sendo "inimigo". Isso por
que, pela ótica da política externa norte-americana da época, a verdadeira luta
travada era entre o Bem e o Mal, ou Deus e o Diabo (ou analogia semelhante), e
ser neutro entre esses dois já era estar aceitando as "forças malignas". Isso
implicou, também para o governo de Dwight Eisenhower (1953-1961), que propostas
tendentes à esquerda, como reforma agrária, controle de emissão de lucros ao
exterior, ou projetos de visão nacionalistas fossem imediatamente taxados de
comunistas, mesmo que essa ideologia ou o Partido Comunista local não
estivessem envolvidos a nível significativo.
Assim, ao mesmo tempo em que exerceu profundo impacto na influência dos EUA na
América Latina, e, mais ainda, no contexto dos países do entorno caribenho, a
Guerra Fria não alterou em nada a forma do relacionamento. Essa ambigüidade se
explica no fato de haver a mudança no "porquê" da ação norte-americana (evitar
a "contaminação" comunista"), mas não no "como" através de intervenções
políticas, econômicas e militares.
Intervenção na Guatemala ' Operação PB Success
Em 1951, subiu ao poder, como Primeiro Ministro do Irã, Mohamed Mossadeq; no
mesmo ano, decidiu nacionalizar o petróleo da Companhia Anglo-Iraniana de
Petróleo. Durante os dois anos seguintes as maiores empresas de refino e
distribuição de petróleo boicotaram o petróleo iraniano, gerando graves
conseqüências na economia do país. Em 1953, Mossadeq acenou para a
possibilidade de solicitar ajuda à União Soviética, já que os EUA haviam
recusado seu pedido, fato que levou o governo americano a utilizar uma nova
forma de "controle" em outros países: a derrubada de governos através de ações
secretas da Agência Central de Inteligência (CIA). A ação, denominada Operation
Ajax, conduzida pela CIA em parceria com o setor iraniano descontente com a
decisão de Mossadeq, foi bem-sucedida. A seu final, o primeiro ministro foi
destituído do poder, voltando a governar o Xá Reza Pahlevi, que colocou de lado
qualquer aliança com a URSS e garantiu o retorno dos interesses ocidentais
sobre o petróleo do país.
As vantagens dessa nova "abordagem", chamadas de "covert actions" eram várias:
poderia ser mais facilmente negada, pois não contava com uma invasão militar
"tradicional"; não era conhecida pelo público doméstico norte-americano, já que
eram, por natureza, secretas; baixo custo, envolvendo líderes e estruturas
locais na mudança de poder, tendo a CIA para "guiá-los" e financiá-los, entre
várias outras vantagens. Aa ações promovida pela Agência também envolviam
elementos mais sutis de persuasão, como, por exemplo, pagamentos a jornais e
jornalistas para noticiarem determinadas informações, e "criação" de uma
situação caótica ou, no mínimo, de (aparente) descontrole do atual governo.
Por esses e outro motivos, o governo dos EUA decidiu usar o mesmo tipo de
abordagem no ano seguinte, em 1954, para destituir outro governo, dessa vez o
do guatemalteco Jacobo Arbenz. O governo de Arbenz, que havia subido ao poder
em 1950, tinha um cunho nacionalista. Uma das principais medidas, defendida
como fundamental para melhorar a qualidade de vida da população, era a promoção
de uma ampla reforma agrária no país, onde apenas 2% da população controlava
70% da terra (PATTERSON, 1955:132). No entanto, as principais áreas que seriam
destinadas a essa reforma pertenciam à United Fruit Company, empresa cujos
interesses envolviam as mais altas autoridades norte-americanas.18
A combinação de reforma agrária, movimentos sociais, desconsideração dos
interesses políticos e econômicos dos EUA, e perdas econômicas para a United
Fruit Company levaram, sem grandes dificuldades, as referidas autoridades do
governo dos EUA a afirmar que tudo era obra de uma "infiltração comunista" na
Guatemala.
O embaixador dos EUA no país, John Peurifoy, assegurou a um comitê de
congressistas que havia passado seis horas conversando com Arbenz, e que ele
falava como um comunista, pensava como um comunista, agia como um comunista, e
que, se ainda não fosse um, estava no caminho de sê-lo. No entanto, como
ressalta Moniz Bandeira (1998:122), "o comunismo tinha raízes fracas na
Guatemala e nunca houve evidência convincente de que os comunistas dominassem o
governo de Arbenz". Patterson (1995) afirma que, na verdade, a União Soviética
tinha pouco interesse na América Latina nos anos 50, e que olhava com ceticismo
para Arbenz e outros esquerdistas anti-americanos, que pareciam ser mais
reformistas do que comunistas.
Ainda assim, o presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, satisfeito com
o resultado da operação secreta no Irã, entendeu a questão da Guatemala como
uma presença comunista na América Central, e autorizou a Operação PBSUCCESS,
que deveria derrubar Jacobo Arbenz do poder da Guatemala. Afinal, como bem
colocou o memorando (secreto) norte-americano "Nossa Política Guatemalteca"
(IN: SCHOULTZ, 2000:378):
A ameaça real e direta que a Guatemala representa apresenta para seus
vizinhos é a da subversão política através de intriga através-da-
fronteira que é uma característica normal do cenário centro-
americano. O perigo é de contágio comunista e é mais imediato em
relação aos vizinhos mais próximos da Guatemala. A infecção comunista
não vai se espalhar para os EUA, mas se com tempo espalhar-se sobre
boa parte da América Latina, isto afetaria a segurança do Hemisfério,
e, portanto, dos EUA.
Na metade de 1954, ao custo de algo entre US$ 5 a 7 milhões, destinados em boa
parte ao pagamento de mercenários treinados pela CIA, a operação foi iniciada,
sendo a ponte guatemalteca na derrubada de Arbenz liderada pelo General
Castillo Armas. A capitulação do presidente foi proclamada como uma "vitória do
Mundo Livre" pelo secretário de Estado dos EUA e pelo diretor da CIA, mesmo que
a Guatemala vivesse, desde 1944, uma democracia constitucionalista,
representativa e pluralista (BANDEIRA, 1998:135-6).
Como argumenta Schoultz (2000:380), um dos impactos da questão guatemalteca
quanto à futura questão cubana pode ser entendido da seguinte forma: "no
restante da década de 50, a meta primeira da política dos Estados Unidos em
relação à América Latina foi evitar 'uma outra Guatemala'."
Política Externa e Interna dos EUA frente ao governo de Fidel Castro
Em 1º de janeiro de 1959, o período de Dwight Eisenhower como presidente dos
EUA já estava caminhando para seu final. Tendo assumido em 1953, fora reeleito
para cumprir novo mandato até janeiro de 1961. Levando-se em conta que a
campanha para a próxima presidência havia sido iniciada na segunda metade de
1960, sua força política "real" em relação à questão cubana durou
aproximadamente 18 meses.
De acordo com Lars Schoultz (2000), no início, a administração Eisenhower não
sabia como entender o novo líder cubano. No entanto, com o passar dos meses, o
descontentamento do governo norte-americano com Fidel foi crescendo. Além do
mais, denúncias quanto ao desrespeito ao direito à propriedade privada em Cuba
(que passou a ser "violado"), o fortalecimento cubano cada vez maior de seu
não-alinhamento com os EUA em questões internacionais, e a eliminação (prisão e
assassinato) dos aliados do antigo governo de Batista, não deixaram muito
espaço para um contra-golpe de um governo "moderado", aliado aos interesses
norte-americanos.
A preocupação de um alastramento de revoluções pela América Latina e Caribe
também preocupava enormemente a administração:
(...) [tendo em vista] a grave ameaça à estabilidade da região, onde
os EUA, além de enormes interesses econômicos, possuíam concessões
militares, tais como quartéis, base áreas de treinamento, centros de
pesquisa e estações de acompanhamento de foguetes consideradas
necessárias à defesa e à segurança do Hemisfério. O acesso a essas
concessões, nos diversos países, variava da virtual soberania 'in
perpetuity' na Zona do Canal do Panamá ao acordo com a República
Dominicana para a manutenção por 10 anos de uma base de
acompanhamento de foguetes. (BANDEIRA, 1998:190-191).
O problema maior não era necessariamente o comunismo per se, mas (talvez muito
mais) os efeitos de movimentos nacionalistas e anti-norte-americanos na região,
cujos prejuízos reais seriam bem mais desastrosos do que apenas o aspecto
ideológico. De acordo com Michael Warner, a administração Eisenhower e a CIA
decidiram, ao final de 1959, que Fidel Castro era um instrumento do Comunismo e
aliado da URSS. A avaliação era que o descontentamento popular contra o governo
de Fidel só teria alguma força por meio de um "choque externo", e a primavera
de 1961 foi avaliada como a última oportunidade para administrar tal "choque"
sem a participação efetiva de tropas militares norte-americanas. No entanto, o
governo Eisenhower só ficaria no poder até o início de janeiro de 1961, o que
complicava o comando da intervenção. Ainda assim, o planejamento para a
operação iniciou-se em março de 1960, com o presidente Eisenhower ordenando a
CIA que treinasse exilados cubanos para invadirem a ilha. No entanto, razões
políticas e eleitorais impediram que o plano fosse colocado em prática.
O presidente que iria efetivar a decisão de invadir Cuba, o democrata John F.
Kennedy, venceu a eleição em novembro de 1960 com apenas uma pequena margem
sobre seu adversário, Richard Nixon, vice-presidente do republicano Eisenhower.
Além de herdar uma economia lenta, uma possível inferioridade frente aos
mísseis soviéticos, a instabilidade quanto à situação de Berlim e o perigo do
avanço comunista no sudeste asiático, a "questão cubana" se apresentava,
talvez, como o primeiro desafio de política externa a ser solucionado.
De acordo com o secretário de Defesa da administração Kennedy, Robert
McNamara19, o ex-presidente Eisenhower pessoalmente não era antagônico ao que
se passava em Cuba, mas essa visão não era compartilhada pela população
americana, que continuou com suas crenças independente da mudança presidencial.
Segundo ele, a percepção geral era a de que Cuba estava sob o controle dos
soviéticos, que Fidel havia se colocado do "lado" soviético, e que era provável
que os soviéticos usassem Cuba como base, figurada ou literalmente, para
subverter governos e possivelmente aumentar o poder militar no hemisfério. Esse
posicionamento da população dos EUA quanto a Cuba foi herdada pela nova
administração, que não poderia deixar de lado o caráter "doméstico" da questão
cubana e de como ela deveria ser trabalhada.
No discurso inaugural, Kennedy deixou claro à população de seu país qual sua
visão sobre como enfrentaria a Guerra Fria: "Let every nation know, whether it
wishes us well or ill, that we shall pay any price, bear any burden, meet any
hardship, support any friend, oppose any foe, in order to assure the survival
and the success of liberty." Ou seja, uma interpretação desse trecho permite
argumentar que, para a nova administração, a liberdade ' no caso, a liberdade
de Cuba e da América Latina do Comunismo e da influência soviética ' era um fim
pelo qual todos os meios seriam válidos.
Mesmo que Cuba não fosse uma marionete soviética ou um perigo imediato ao
governo norte-americano, o presidente Kennedy parece ter ignorado as
"contribuições" históricas dos EUA para a formação do discurso anti-norte-
americano de Fidel Castro. Seu governo definiu a ilha, de certa forma, como
novo campo de batalha da Guerra Fria, decidindo remover a "irritação" cubana.
A experiência bem sucedida da invasão à Guatemala, dessa vez mirada em Cuba,
teve a garantia da CIA de que seria repetida. A agência previu o levante do
povo cubano contra Fidel Castro, e assegurou ao presidente dos EUA que não
seria necessário o envolvimento direto (visível) do governo norte-americano.
Kennedy havia discutido a questão cubana e a saída/retirada de Fidel durante
sua campanha presidencial, e as garantias da CIA pareciam incontestáveis20
(PATERSON, 1995:159). Cabe ressaltar que uma das recomendações dadas pela
agência para que a empreitada fosse bem-sucedida foi a de que o líder cubano
fosse "neutralizado" ' um eufemismo para um plano de assassinato ' durante ou
pouco antes da invasão.21
Para um presidente que havia vencido a eleição com uma tão pequena margem e com
um discurso anti-comunista tão ferrenho, parecia proveitosa a idéia de iniciar
o mandato consolidando seu poder de liderança pela derrubada do governo cubano.
O presidente Kennedy aprovou a invasão em abril de 1961, mas proibiu
expressamente a participação direta dos militares dos EUA na ação.22 Sua
intenção era poder negar o envolvimento do país com os acontecimentos, de forma
a preservar sua reputação de progressista na América Latina23 e evitar provocar
os aliados soviéticos de Fidel Castro.
As conseqüências
O fracasso da iniciativa foi um duro golpe para o novo governo dos EUA, no
poder a apenas três meses. Os impactos no contexto doméstico e internacional
foram vários, todos negativos. Internamente, o incidente fez com que Kennedy
parecesse inapto, inexperiente e inseguro. O presidente colocou a maior parte
da culpa na CIA, e o diretor-geral da Agência, Allen Dulles, entre outras altas
autoridades, foram responsabilizadas e postas para fora da instituição. No
entanto, Kennedy foi forçado a admitir publicamente a responsabilidade pela
invasão.
É possível argumentar que o fiasco da invasão a Cuba fez com que Kennedy, para
não parecer ainda mais fragilizado perante a população, resolvesse, a partir de
então, endurecer ainda mais o discurso anti-comunista, e continuar a perseguir
a queda de Castro. Durante o ano seguinte, os EUA impuseram um bloqueio
econômico ainda mais rígido, conseguiram expulsar a ilha da Organização dos
Estados Americanos (OEA), recusaram-se a reconhecer o governo de Fidel Castro,
utilizaram propaganda subversiva contra o líder cubano, além de continuarem com
os planos para assassiná-lo. Afinal, os EUA já haviam "perdido" a China para os
comunistas (em 1949), e tudo era válido para reverter a "perda" de Cuba.
Externamente, o presidente da URSS aproveitou a oportunidade para atacar seu
grande nêmesis, discursando que os EUA defendiam o colonialismo e ditadores, e
que havia atacado um governo apoiado pela população local apenas por não se
submeter a ele. No entanto, ficou claro que os soviéticos estavam em uma
situação delicada para julgar Kennedy, posto que, de certa forma, a invasão a
Cuba foi o equivalente norte-americano do que havia sido feito pela União
Soviética na Hungria, em 1956, ao destituir o governo popular de Imre Nagy.
Ainda assim, a ação comprometeu a imagem que Kennedy buscava passar para a
opinião pública mundial, de um defensor e guardião de elevados princípios
morais e políticos, além de manchar, ainda mais, a imagem dos EUA perante a
América Latina. Em Cuba, a intervenção fez de Fidel Castro uma figura de
crescente popularidade, e funcionou por projetá-lo de vez para a órbita da
União Soviética, demonstrada com sua declaração, em dezembro de 1961, da adoção
da doutrina marxista-leninista.
Conclusão
A política de intervenção dos EUA em Cuba antecedeu em várias décadas o
episódio da Baía dos Porcos. No entanto, um dos importantes diferenciais desta
ação em relação a outras passadas é que, desta vez, o governo cubano, por
razões ideológicas, não aceitaria de forma alguma a participação norte-
americana em suas decisões, colocando-se disposto a lutar (até a morte, se
necessário) por esse princípio, contando com o apoio da grande maioria
população local.
O que se tira de uma análise da motivação por trás da iniciativa é que não se
tratou de decisão tomada somente com base em questões imediatas, mas sim sob o
direcionamento de vários fatores: estruturas históricas de relacionamento dos
EUA com os países do entorno caribenho; o sucesso recente de operações secretas
("covert actions") de retiradas de governos "inconvenientes" aos EUA (Irã e,
especialmente, Guatemala), assim como pela política externa norte-americana e
pressão da opinião pública doméstica em relação à Guerra Fria e ao governo de
Fidel Castro.
Por vezes ofuscado na história pela Crise dos Mísseis (que ocorreria no ano
seguinte), e que levaria o mundo ao limiar da terceira Guerra Mundial, a
frustrada invasão norte-americana ao território cubano, apesar de não ter sido
tão dramática, não deixa de ser marcante como um elemento importante de
história de Cuba, da América Latina e dos EUA no contexto da Guerra Fria.