A pessoa e o dilema brasileiro: uma perspectiva anticesurista
A discussão que se segue gira em torno de um conceito cujo unanimismo se
apresenta surpreendente para quem, como eu, começa tardiamente a dedicar-se ao
estudo do Brasil: o tal "dilema brasileiro" que, entre outros, Roberto DaMatta
famosamente teoriza em
Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro
2 obra central na evolução subseqüente do pensamento antropológico
brasileiro, que verifico continuar a constituir um marco miliário importante
nos dias de hoje. Seguindo as pistas lançadas pelo próprio autor, pareceu-me
necessário compreender o conceito à luz da polaridade "indivíduo/pessoa"3. Só
quando já terminava o corpo do texto, porém, me foi dado perceber que, afinal,
esta questão se prendia com alguns dos velhos temas do debate antropológico
europeísta, no qual eu próprio me iniciei.
De fato, quinze anos atrás4, quando eu apresentava um ensaio em que tratava das
supostas "influências pagãs" na religiosidade européia5, Ernest Gellner
levantou-se na audiência, insurgindo-se ferozmente contra o que eu dizia,
acusando-me de fazer parte do campo dos "anticesuristas". Segundo ele,
estávamos a confundir o trigo com o joio e a esquecer um dos dados fundamentais
da teoria sociológica: a irreversibilidade da condição moderna. Com Gellner, a
discussão acesa era uma espécie de elogio; por isso, mais tarde, tivemos
ocasião para debater longamente os nossos distintos pontos de vista.
Ao usar essa expressão, o filósofo-antropólogo fazia referência a um seu ex-
discípulo, o sociólogo Hermínio Martins, que cunhou o termo "cesurismo" no seu
famoso ensaio sobre "o tempo e a teoria na sociologia"6. Nele, Martins usa a
expressão para referir as teorias e os conceitos comuns às ciências sociais
modernistas que "enfatizam a descontinuidade na mudança como o 'momento'
privilegiado da nossa experiência e da nossa cognição reflexiva sobre ela"7.
Acontece que não é por acaso que a questão pareceu tão polêmica a Gellner no
âmbito de um ensaio sobre as invariâncias dos comportamentos religiosos dos
europeus. A "cesura" que ele tinha em mente e que fazia de mim um
"anticesurista" era a quebra fundamental que, para a teoria sociológica do
século XX, é constituída na experiência humana pela condição moderna. Para
Gellner, a condição moderna é um dado inapelável, incontornável e
irreversível8. Ao mostrar que, afinal, os europeus não iam nunca ser menos
"supersticiosos" do que continuavam a ser, eu estava a pôr em causa esse eixo
central do pensamento sociológico modernista e a abrir uma brecha inadmissível
na teoria sociológica.
Passados que são três lustros, creio que Gellner tinha razão na medida em que,
realmente, estamos perante um tema da máxima pregnância teórica só que as
minhas disposições anticesuristas, então incipientes, não pararam de crescer. A
recusa de conceder primacidade explicativa à cesura "moderno/tradicional" sobre
outras mudanças e continuidades revela-se como transportando profundas
implicações na forma como a própria tarefa do cientista social é abordada à luz
das polaridades "Ocidente/Outro" e "Razão/cultura"; por sua vez, esse
questionamento leva-nos a repensar os lugares-comuns maussianos e dumontianos
sobre "individualismo/holismo" e sobre "igualitarismo/hierarquia"; finalmente,
é o próprio binômio "indivíduo/pessoa" que entra em crise. Nem sou o primeiro
nem serei, sem dúvida, o último a alertar para este encadeamento teórico e o
conseqüente terremoto conceitual que uma posição anticesurista motiva. No que
se segue, tentarei unicamente demonstrar quais as implicações que tal postura
pode ter para uma compreensão do tão famoso "dilema brasileiro".
Antes de mais, porém, urge enfatizar que não está em causa aqui qualquer recusa
liminar da profundidade analítica do pensamento de Marcel Mauss, de DaMatta, de
Gellner ou de Louis Dumont9 seria um absurdo, hoje, querer pensar
antropologicamente sem esses autores no horizonte , ou ainda, no caso de
Dumont, qualquer recusa liminar do conceito de "hierarquia" ou da sua lição
sobre a sociedade indiana10. Simplesmente, à luz dos nossos dias e à luz da
nossa posição atual no mundo e na história, um aspecto do pensamento desses
autores nos perturba crescentemente: a concepção binarizante ("cesurista") da
história humana, que posiciona um "Ocidente" esse conceito-expectativa11 em
face de todo o resto da experiência histórica humana (antes e depois? da
modernidade). A proposta de que seja possível encontrar uma qualidade, única e
determinável, tal como o "holismo" de Dumont, que caracterizaria por igual
todas as sociedades e culturas "não-Ocidentais" (ou, pior ainda, "Outras"),
parece-nos insustentável e mesmo francamente dispensável.
ESSE UNIVERSO DE CRUEZAS
Confrontados com a violência urbana e a violência política que acompanhava a
crescente modernização do Brasil, os intelectuais do Rio de Janeiro e de São
Paulo não viam surgir nos anos 1970 a modernidade que tinham esperado e que, há
várias gerações, tinham se esforçado por potencializar12. Pelo contrário, a
utopia da modernidade tinha-se revelado uma distopia: à sua volta viam crescer
a selvageria das ruas, a violência sobre os que não tinham proteção, a
subjugação dos pobres, a sua própria dependência ante a hegemonia americana: os
dois Brasis, ao encontrarem-se nas cidades para onde vertia a pobreza rural,
entravam em conflito violento em vez de chegar a um maior acordo. Não resisto a
remeter aqui para a passagem tantas vezes citada por Willi Bolle, na qual o
narrador de Grande sertão: veredas, falando em tom profético e apocalíptico,
como se a coisa não estivesse a se passar enquanto ele escrevia, imagina o que
acontecerá quando os "milhares mis e cento milhentos" que saíam do sertão se
confrontassem com a sociedade de consumo nas cidades: "Haviam de querer
usufruir depressa de todas as coisas que vissem, haviam de uivar e
desatinar"13.
Ante essa realidade, ia-se tornando crescentemente patente para as classes
médias brasileiras que não tinham outra opção senão a de proteger-se
individualmente do desastre que as rodeava esse desastre tão visível,
objetivado ali mesmo sobre as suas casas, no horror humano das favelas que os
ameaçava quotidianamente. Para cada um deles, o que os separava desse horror
eram precisamente essas características da sua sociedade que eles identificavam
com o tradicionalismo e a não-modernidade no Brasil. Em face tanto da violência
urbana como da violência política (a ditadura era-lhes imposta pelos Estados
Unidos em nome dos próprios valores da democracia igualitária e
individualista!), o mundo da "casa e da família" revelava-se tão indispensável
para cada um deles individualmente quanto se tinha revelado para os seus
antepassados através de toda a história do Brasil aí, ante a violência da
selva (personificada pelos "canibais" por trás do véu de A selva de Ferreira de
Castro14) ou ante a violência da marginalidade rural (os prototípicos
"jagunços" de Guimarães Rosa15 virados "malandros" no Carnaval de DaMatta16).
Para este último, o individualismo urbano modernista e o correspondente
igualitarismo metaforizavam, afinal, a selva e a vida do homem físico
desgarrado dos laços de humanidade. Para o autor, tal como ao homem pré-social
na sua selvageria, ao proletário urbano recentemente chegado às grandes cidades
do Sul do Brasil também faltavam laços sociais e proteção pelo que a sua
condição era tão trágica e bestial quanto a do homem selvagem: ele estava fora
do contrato social. Em Carnavais, malandros e heróis, o criminoso urbano é
metaforizado com o jagunço que mata e viola como única forma de proteger a si
mesmo perante um mundo onde, como não há "lei", não há peias, não há proteção,
vale tudo.
A condição de indivíduo é vista como uma realidade física, natural e, portanto,
ameaçadora, em que a própria sexualidade e a fertilidade humanas são ameaçadas
pela violência da rua e urge protegê-las porque, como insiste DaMatta, "touro
fora do curral é vaca"17. Está em causa a própria sobrevivência física da
humanidade enquanto tal. Nesse aspecto, DaMatta retoma os paralelismos
clássicos. O indivíduo está para a carne como a pessoa para a alma18. A
ideologia agnóstica do autor reencontra-se com a concepção católica do estado
de natureza como o de um estado de bestialidade, de pré-humanidade onde o
bebê não batizado é um "bicho"19.
No centro de ambos os mundos está a "casa" tanto do mundo tradicional que
confrontava a "selva" (e, no Brasil das fronteiras interiores, continuava a
confrontar20), como o mundo moderno que se debate na "vida nervosa" retratada
por Luiz Fernando Dias Duarte21, esse "universo de cruezas", como lhe chama
DaMatta22. Assim, o sociocentrismo de DaMatta, contrariamente ao de Louis
Dumont e Marcel Mauss, é distópico: o Brasil, afinal, não vai chegar à
modernidade, vai ficar preso em um limbo indeciso em que a modernidade e a
tradicionalidade se cancelam mutuamente e no qual só esse cancelamento mútuo
permite a existência de "sociedade", de segurança. O Brasil é "dual", é
"dilemático", porque o encontro dos dois mundos potencia a desumanidade de
ambos.
O sentimento de co-responsabilidade perante a distopia que assalta o "nós" dos
letrados brasileiros da década de 1970 é expresso de forma pungente por DaMatta
quando afirma:
[...] muitos dos membros dessa massa não têm família, esse recurso
que é essencial para definir a própria pessoa, o próprio ser humano
entre nós. Essa é a mais profunda experiência de exploração em
sociedades semitradicionais, como é o caso da sociedade brasileira: a
de ser um indivíduo numa sociedade que tem seu esqueleto numa
hierarquia [...]23.
UM "NÓS" MEDITERRÂNICO
Ressalta dessas linhas um profundo sentimento de empatia o terror/alívio da
co-responsabilidade fraterna de quem escapou por pouco (There, but for the sake
of God, go I). Tal nos alerta para o necessário dilema identitário dos que
vivem em um mundo dilemático: a condição mesma desse "nós" que pontua
constantemente o texto de DaMatta. Esse "nós" que é moderno, individualista,
igualitário24, mas que só pode subsistir se se posicionar ante o risco de
perder a tradição25. Conforme o livro avança, o leitor assiste ao surgimento de
um "nós"/"nosso" que, na medida em que é nacional, se vê obrigado a confrontar
a sua ambivalência, por ser dividido assimetricamente.
Emerge, pois, na obra de DaMatta toda uma geopolítica da prática intelectual.
Para isso lhe serve o conceito de "Mediterrâneo"26. Ora, por aqui passa uma
questão difícil. Há que perceber que, contrariamente ao que é costume se
pensar, a "mediterranidade" do Brasil não tem nada de óbvio. Se o Brasil se
apresenta aos olhos das suas elites como "mediterrânico", tal não se deve à sua
pertença a um qualquer contínuo histórico "latino" ou "mediterrânico", no
sentido sociogeográfico da expressão aquele que, supostamente, justificava o
uso do termo pelos "mediterranistas" ingleses que inspiraram DaMatta27. Essa
identificação mediterrânica depende de um encadeamento de pressupostos que
assenta sobre um equívoco: a noção de que Portugal, o pilar supostamente
central da gênese cultural brasileira, é um país "mediterrânico".
Acontece que essa última identificação é uma "contra-evidência": Portugal não
tem qualquer costa mediterrânica! Mas a identificação é equivocada não tanto de
uma perspectiva geográfica como, sobretudo, de uma perspectiva histórica
sociocultural. Este é o cerne da questão. De fato, a Península Ibérica não é um
todo indiviso. Muito pelo contrário, a dinâmica constitucional dos seus povos,
das suas culturas, das suas nacionalidades históricas não pode ser tratada de
forma uniforme como a recente evolução política em democracia tantas vezes
tem demonstrado. As costas atlânticas da península (ao norte e a oeste) têm uma
história antiga que as diferencia das regiões mais marcadas pelas ocupações
romana e islâmica (ao sul e a leste). Ao norte e a oeste (o norte de Portugal,
a Galiza, as Astúrias, o País Basco, Navarra e o nordeste de Aragão) nunca
houve sequer ocupação islâmica e, ao sul, a influência dos invasores suevos e
visigodos no fim do Império Romano, que tão fortemente marcou as elites
políticas da Reconquista, foi muito tênue. Como passar por cima desses fatos?
Ora, a vulgata geográfica, famosamente instituída por Orlando Ribeiro28, divide
Portugal em dois grandes blocos sociogeográficos: o norte atlântico e o sul
mediterrânico. Essa identificação não passa unicamente pela geomorfologia do
terreno mas também por características de cariz social tais como a propriedade
fundiária, a arquitetura rural, a constituição comunitária ou ainda a
diferenciação dialetal. Assim, dir-se-ia que, tal como a Catalunha, Portugal
constituiria na Península Ibérica uma charneira entre as populações de cariz
"atlântico" ao norte e a oeste e as populações de marca "mediterrânica"
ao sul e a leste. As primeiras, mais próximas do bloco civilizacional ao qual
pertencem a Bretanha e a Irlanda; as segundas, claramente inseridas no bloco a
que pertence o Languedoc, a Córsega, a Sardenha, a Sicília e boa parte da
Itália o que seria, aliás, confirmado de um ponto de vista socioestrutural
pelas características de longo prazo da organização familiar29.
Nesse sentido, então, poderíamos dizer que Portugal seria, pelo menos, "um
pouco mediterrânico". Por aqui passa o tal equívoco, porém, como tão claramente
demonstra José Mattoso no seu "ensaio sobre as origens de Portugal". Na
constituição das formas de vida, dos estados e das línguas ibéricas, tais como
os encontramos no dealbar da Época Moderna, não há só o longo prazo, "há também
fenômenos de síntese", diz-nos o historiador, que "partem ora de uma zona ora
de outra"30.
[...] os [fenômenos] que permitem estruturar as nacionalidades, não
só a portuguesa mas também a castelhana e a aragonesa, sob as formas
que vieram a revestir na Época Moderna, ou seja, os fenômenos de
síntese que permitiram dar continuidade a soluções políticas
concretas, foram certamente os que radicam na capacidade expansiva da
população nortenha e que portanto consagraram o domínio do Norte
sobre o Sul. Todavia, se o Norte fornece a gente não sustenta o
progresso técnico ou cultural. Este situa-se nos vales e nas cidades,
e por isso será a partir do momento em que a gente do Norte as ocupa
que daí poderá dominar todo o território e formar um Estado viável.
Este vínculo que assim une todo o território onde a classe dominante
com uma certa estrutura comum se estabelece, começa, no entanto, por
ser superficial. [...] Nos primeiros tempos, não esbate as profundas
diferenças entre o Norte e o Sul. Só na medida em que se consegue
ultrapassá-las conseguirá manter ao mesmo tempo o domínio social e o
domínio político que na Reconquista alcançou31.
A essa constatação há que associar uma outra, a que fazem referência todos os
observadores atentos da cultura popular brasileira na esteira de Câmara
Cascudo: o principal impacto português no Brasil através de todo o período
colonial e até ao surto migracional posterior ao fim da escravatura, que só
termina na década de 193032, deve-se primordialmente a populações oriundas do
Norte de Portugal, por serem essas as regiões que sempre expeliram o maior
contingente de emigrantes portugueses333. Esse vínculo é especialmente óbvio
quando se observam as continuidades de longo prazo da cultura popular do
Nordeste brasileiro.
Em suma, parece evidente que o tal mediterranismo do Brasil mattiano não
constitui uma condição sociocultural de longo prazo, a ver com as formas como
vivem os brasileiros ligados como estão, não ao Sul mediterrânico mas sim ao
Norte atlântico, à Bretanha e à Irlanda; trata-se, pelo contrário, de uma
identificação geopolítica, a ver com as condições de fazer ciência social dos
brasileiros que os associa aos países do Sul da Europa e do Oriente Médio que
eram subalternos no período do pós-guerra. O mediterranismo, portanto, é um
reflexo desse dilema de ser "ocidental" sem o ser completamente; ser
"primitivo" apesar de não o ser; ser sujeito de estudo de "antropologia" e não
de "sociologia", apesar de ter "história"34. Trata-se, pois, de mais uma
variante dessa mesma fantasmagorização de uma fronteira interna para a
alteridade sociocultural que caracteriza todo o mediterranismo antropológico,
como desde há muito tenho argumentado35.
Ora, tanto por parte dos cientistas euro-americanos do pós-guerra (Evans-
Pritchard, Peristiany, John Campbell, Bourdieu, Gellner) como por parte dos
brasileiros, por muito equivocada que tenha sido a naturalização geográfica, o
mediterranismo teve pelo menos um aspecto positivo, pois permitiu o alargamento
da investigação antropológica a novos terrenos, apesar da dificuldade que a
antropologia sentia para abandonar uma autodefinição "primitivista"36. Essa
saída revelou-se tão criativa para os mediterranistas euro-americanos como para
os mediterranistas brasileiros e a influência da obra de DaMatta constitui
suficiente ilustração.
O INDIVÍDUO ELEMENTAR
Voltemos, pois, ao dilema identitário em face da distopia. Segundo o modelo
moderno maussiano37, o "indivíduo", na sua unicidade física, é a "verdadeira"
realidade humana, que é escondida pelas "máscaras" que criam as "pessoas" nas
sociedades "tradicionais" e que urge desvendar para chegar à "verdade
emancipatória". Mas, por muito que continuassem presos a esse modelo, os
dumontianos brasileiros não podiam ter a segurança de que o holismo à volta
deles iria se esvanecer. Pior que isso: caso isso viesse a acontecer no Brasil,
eles encontrar-se-iam na terrível posição de ficar de fora do contrato social,
de não ser "alguém" tal como essa massa de gente que vinha do Nordeste para
as cidades e cuja "vida nervosa" ninguém podia desejar e sobre cuja tragédia
cantava Chico Buarque de Holanda.
Encontramo-nos aqui com mais uma dessas situações em que a própria dúvida sobre
a aplicação dos termos e o reconhecimento do seu falhanço pontual acabam por
funcionar como fatores de validação da "crença" que postula esses mesmos termos
ou melhor, o esquema no qual os termos fazem sentido. Relembremo-nos da tão
já nossa conhecida frase do velho Evans-Pritchard e apliquemo-la a nós
próprios:
A ausência de doutrinas formais e coercivas permitem aos Azande
afirmar que muitos, até a maioria, dos curandeiros [witch-doctors
] são fraudes. Como não há oposição a tais afirmações, elas deixam
intacto o corpo principal das crenças nos seus poderes proféticos e
terapêuticos. Na verdade, o ceticismo faz parte desse padrão de
crenças. Tanto a crença como o ceticismo são igualmente tradicionais.
O ceticismo explica os falhanços dos curandeiros e, sendo dirigido
contra curandeiros particulares, acaba por suportar a crença noutros
38.
De fato, na reprodução do universo conceitual modernista, tanto os que
acreditam no futuro advento da utopia como os que acreditam que esta poderá
nunca emergir plenamente por existirem fatores impeditivos são contribuintes em
igual peso.
Tal como todos os sociocentrismos modernistas, que vêem o indivíduo físico como
a unidade elementar da vida social e a sociedade (nação/etnia) como uma
realidade metafísica que se impõe sobre eles, o dumontianismo brasileiro
presume a existência de um devir em que a verdade do individualismo se
revelará39, mesmo quando, na versão distópica, esse futuro é visto como
recorrentemente "abortado". Assim, o tradicionalismo modernista é tão
sociocêntrico quanto o vanguardismo modernista e ambos presumem como essencial
verdade a unicidade do indivíduo físico. Nessa medida há que recusar a
identificação entre modernismo e vanguardismo tão própria aos debates dos
meados do século XX e compreender que o tradicionalismo da época, em todas as
suas expressões (sociocientíficas, políticas ou literárias), constitui-se
oposicionalmente como parte da agenda de debate modernista.
No entanto, a condição de possibilidade desse devir que o modernismo presume é
estabelecida pela postulação de sociedades e contextos futurísticos por relação
aos quais "o Brasil" é medido mas cuja realidade própria não é avaliada em si
mesma: quero dizer, no caso das ciências sociais brasileiras, os Estados
Unidos; no caso das portuguesas, espanholas ou gregas, a tal "Europa"! Nas
histórias de heróis que DaMatta nos conta, em que opõe John Doe a Pedro
Malasartes, o primeiro é sempre implícito, ficando inexplicado, e é somente o
segundo que recebe as honras de análise. Trata-se de algo que DaMatta herda de
uma já longa tradição intelectual.
Nesse ponto, o que é importante compreender é que esse vago ideal, por relação
ao qual o Brasil não é moderno, não é individualista, não é igualitário, não é
seguro, não é próspero, não é culto, não é racional..., não recebe os contornos
suficientes para uma genuína comparação: é uma fantasmagoria. Nesse tal lugar
moderno por excelência, mesmo que com reservas, o ideal modernista pareceria
poder ser compatibilizado com um sentimento de co-responsabilidade humanitário
no Brasil não! DaMatta é um modernista desiludido e a sua modernidade,
portanto, é distópica.
Historicamente, vale a pena olhar um pouco para trás, à luz das considerações
elaboradas por Roberto Schwarz sobre o romance brasileiro do século XIX40. No
contexto escravocrata brasileiro, o liberalismo, o racionalismo iluminista e a
retórica burguesa acabam por surgir como uma espécie de "comédia ideológica"
uma "composição arlequinal" baseada no "desacordo entre a representação e o
que, pensando bem, sabemos ser o seu contexto"41. Assim, o ideário da
modernidade assume o caráter de uma decoração (ou condecoração?) que "atest[a]
e festej[a] a participação numa esfera augusta, no caso a da Europa que se
[...] industrializa"42, mas o Brasil não... É, pois, uma "espécie de torcicolo
cultural em que nos reconhecemos"43. Essa condição, afirma o conhecido crítico
literário, não termina com a Velha República e prolonga-se pelo século XX
afora, "quando por várias vezes juramos, crentes da nossa modernidade, segundo
as ideologias mais rotas da cena mundial"44.
Acontece que essa condição nacional que Schwarz detecta não é específica ao
Brasil. Esse distanciamento de si mesmo, essa confiança na expectativa, essa
"modernidade ornato" como ele lhe chama, é tão característica do Brasil como de
outras nações Portugal, Espanha, Itália, Japão, Grécia, Turquia etc. cujas
elites nacionais (ou protonacionais) da época se confrontavam com a mesma
condição dilemática. A sua posição ideológica e economicamente intermédia em
termos da ordem global não lhes permitiam ser nem "Outros" nem "Europa"45. Não
é essa a história que, memoravelmente, o Príncipe de Salinas conta a si próprio
nos seus quase-solilóquios sicilianos no romance de Lampedusa? Schwarz, aliás,
dá o exemplo da mesma ambigüidade identitária no romance russo. Essa
"composição arlequinal" (essa condição de centauro) dos que, no mundo moderno,
estão dentro e fora da "Europa/Ocidente"46 tem, como revela o crítico
literário, um "desconcerto" angustiante e até sórdido, mas transporta também
consigo a auto-satisfação do ator, uma certa euforia carnavalesca.
UMA OUTRA LEITURA DO CONCEITO DE PESSOA
Essa questão da ambigüidade modernista é tão geralmente posta por relação a uma
lógica identitária de cariz nacional que somos tentados a esquecer que ela
permeia toda a teoria social do século XX. Nesse aspecto, o ensaio de DaMatta é
muito revelador, tal como foi a obra dos seus inspiradores mediterranistas
(Pitt-Rivers, John Campbell, Gellner, Bourdieu) que, na esteira de Simmel,
enfatizaram a centralidade da dinâmica da constituição da identidade pessoal (a
dinâmica da "honra" e da "vergonha") na estruturação dos fenômenos
comunitários, abrindo assim as portas para o debate que, na década de 1980, vai
surgir sobre identidades de gênero.
DaMatta explica-nos como, para Marcel Mauss,
a noção de pessoa pode [...] ser sumariamente caracterizada como uma
vertente coletiva da individualidade, uma máscara que é colocada em
cima do indivíduo ou entidade individualizada (linhagem, clã,
família, metade, clube, associação etc.) que desse modo se transforma
em ser social47.
A pessoa é criada socialmente a partir do indivíduo, por meio de máscaras que
retiram a este a sua identidade, atribuindo-lhe ritualmente (e, portanto,
artificiosamente) identidades grupais de cariz simbólico. Essas identidades
subjugam-na ao mesmo tempo que a constituem violam-na na sua própria carne
através de tatuagens e outras manipulações rituais do corpo. Ora, "embora toda
a sociedade humana seja constituída de indivíduos empiricamente (ou
naturalmente) dados", DaMatta sublinha, referindo-se por antinomia ao Ocidente,
"nem toda a sociedade tomou esse fato como ponto central de sua elaboração
ideológica"48.
Acontece que essa leitura dumontiana do conceito de pessoa levanta problemas
quando aplicada no contexto brasileiro. Eunice Durham, no estilo incisivo que
lhe é característico, caracteriza-a como um "deslize semântico":
No estranho caminho de recuperar o conceito de individualismo através
da sociedade de castas e não da nossa própria história, conseguimos
contornar o espinhoso problema do processo de produção de uma
heterogeneidade e desigualdade crescente que são próprias da nova
sociedade de classes emergentes, com suas novas formas de dominação
política, omitindo, ao mesmo tempo, a profunda e inapelável
desigualdade da sociedade de castas
49.
Por outro lado, em um ensaio inspirado na mesma obra de DaMatta, Guillermo
O'Donnell compara os estilos de condução automóvel nos Estados Unidos, no Rio
de Janeiro e na sua nativa Argentina, demonstrando polidamente os limites do
binarismo dumontiano50. O sociólogo argentino argumenta que o seu país é
profundamente hierárquico e violento mas caracterizado por um estilo de
apresentação pública pessoal aguerridamente individualista e igualitarista: "
[...] uma sociedade pode ser relativamente igualitarista e, ao mesmo tempo,
autoritária e violenta"51. Não haveria, pois, forma de aplicar lá a série
dumontiana de encadeamentos entre tradição/modernidade, holismo/individualismo,
hierarquia/ igualitarismo.
Mais uma vez, porém, a questão não é exclusivamente brasileira. Entre os meados
da década de 1980 e a década de 1990, emergiu uma concepção antropológica da
"pessoa" que se posiciona contra o conceito maussiano de indivíduo, pois se
recusa a atribuir qualquer anterioridade à pessoa física. A pessoa humana é
concebida como sendo socialmente constituída52. O "indivíduo moderno" é visto
como o produto de uma elaboração historicamente radicada e não, como o viam os
maussianos, como a "verdadeira" pessoa que, uma vez liberta das peias da
socialidade holista, finalmente se descobria a si mesma na sua unicidade
corpórea e na sua racionalidade. Fomos, pois, nas palavras de Otávio Velho,
desafiados a "pensar uma sociedade em que se abandona o mito ou utopia do
sujeito plenamente autônomo e unívoco"53.
Para este campo anticesurista, como diria Gellner, o "individualismo" da nossa
"sociedade ocidental" deixa de ser assumido como ponto assente; a nossa
condição enquanto "indivíduos modernos", vivendo em regimes "igualitários",
passa a ser uma questão em aberto; passamos a perguntar-nos mesmo se,
realmente, chegamos alguma vez a ser "modernos"54. O "individualismo", o
"Ocidente", a "modernidade" deixam de ser vistos como condições cuja emergência
futura é incontornável, e passam a ser vistos como referentes culturais cuja
atuação em um campo de hegemonias é parte do que nos compete estudar.
Como o leitor depreenderá, levanta-se centralmente, portanto, a questão da
própria natureza desse "nós/nosso" que fala como o sujeito responsável pela
análise e que, por virtude de ser a primeira pessoa do plural e não do
singular, postula uma comunidade de perspectiva. Ora, em face da pluralidade de
perspectivas que caracterizam cada um de nós enquanto cientistas sociais hoje,
essa comunidade (esse nós) é necessariamente fantasmagórica55.
Somos mesmo obrigados a reconceitualizar a própria noção de alteridade, tão
central à tradição antropológica. Na leitura "primitivista" que herdamos dos
primórdios da nossa disciplina, o "Outro" como o objeto preferencial da
antropologia é sempre definido por relação a uma suposta "ocidentalidade/
modernidade/individualismo" do analista. A produção metodológica do "Outro"
cria barreiras na humanidade comum do etnógrafo e dos etnografados,
diabolizando o próprio ato etnográfico: esse é o dilema etnográfico, poderíamos
dizer.
A sua síndrome mais comum é esse "problema de etiqueta" que nenhum etnógrafo do
nosso século poderá dizer honestamente que ignora: "como chamá-los?". "Nativos"
cede a "indígenas", que cede a "informantes", que cede a "os meus amigos xxx"
etc. O desconforto não pode ser escondido. Ora, a partir do momento em que essa
enfática e fantasmática "ocidentalidade" do antropólogo entra ela própria em
crise56 a questão esmorece, cada etnógrafo passa a poder situar-se no campo
enquanto um agente tão historicamente constituído quanto qualquer uma das
pessoas que descreve. Dessa forma, a noção de antropologia do "Outro" perde a
sua relevância tanto quanto essa outra noção espúria de antropologia at home,
porque o que caracteriza esse "lar" enquanto tal se pluraliza57.
PESSOA E ALTERIDADE
De acordo com essa perspectiva, em que o indivíduo biológico deixa de ser uma
base natural, mas em que, pelo contrário, toda forma de identidade presume
sempre uma comunicação e toda comunicação presume sempre alguma linguagem, a
alteridade deixa de ser vista como o resultado de um confronto de identidades
distintas. Pelo contrário, a identidade e a socialidade, na medida em que são
fenômenos comunicacionais, presumem sempre uma alteridade anterior58.
A relação entre o Eu e o Outro é, pois, uma relação complexa e sempre
incompleta; por isso, necessariamente, uma relação tensa. Seguirei aqui a
leitura que Alain Finkielkraut faz da filosofia de Emmanuel Lévinas. Segundo
esses autores, "Existir [...] é um encargo[,] não um dom. O eu está preso a si
mesmo, sempre carregado e entulhado em si mesmo"59. Isse se passa porque o eu
surge da confrontação com o outro. Uma vez surgido, porém, nunca mais poderá
deixar de ser ele próprio. "A relação com o outro, não a reflexão60, é a
fundação da autoconsciência. A experiência humana é social antes de ser
racional61." Essa concepção coaduna-se em tudo com o que temos ouvido dizer
Donald Davidson, um filósofo de outra escola totalmente distinta mas que
sublinha precisamente o mesmo aspecto com esta frase lapidar: "the possibility
of thought comes with company"62.
A presença do Outro é sempre fugidia porque ela é constituída na relação, tanto
quanto o próprio Eu. Essa apreciação é essencial porque mostra como a relação
ética a relação de co-responsabilidade não é dependente de um qualquer
contrato entre seres pré-formados; nenhum "contrato social" rousseauiano
poderia jamais ter existido! Porque será sempre precedido pela prévia
existência de uma relação de interdependência constitutiva. Como diz mais uma
vez Finkielkraut: "A responsabilidade perante o Outro precede o pensamento. O
encontro face a face inicial é ético"63. Nesse sentido, o Outro não é algo que
eu escolho, é algo que se me impõe. A presença de Outrem chama por mim antes
ainda de eu ter me confrontado comigo mesmo. Mais uma vez, nas palavras de
Lévinas, "O outrem não é primeiro um objeto de compreensão e depois um
interlocutor. As duas relações interpenetram-se. Por outras palavras, a
compreensão de outrem é inseparável da sua invocação"64. Voltando aos termos de
Davidson, a "companhia" precede o próprio pensamento.
Mas aqui há que ter bem presente que, apesar do Eu surgir a partir do Outro,
uma vez constituído, o Outro não reside no Eu. Quer-se dizer com isso que não
há redução possível da identidade à alteridade, porque toda a identidade, uma
vez constituída, é sempre somente ela. A relação não é hierárquica
(encompassing, no sentido dumontiano), pois é dinâmica e processual. Assim, uma
vez formado pelo Outro, o Eu torna-se inevitavelmente independente. Por isso
ele é responsável perante Outrem, por muito que se revolte com essa
independência. Apesar de ser criado pelo Outro, uma vez criado, o Eu é livre.
No momento do nascimento, quando o bebê chora pela primeira vez, acusando a
brutalidade da separação, sente pela primeira vez a traição do Outro. Ele era
contínuo e agora falta-lhe algo. A presença do Outro anuncia-se como uma falta,
um trauma. No início, o bebê sente o seio da mãe ou a mão de quem lhe dá a
mamadeira, como uma continuação de si mesmo. Ao mesmo tempo, vai lentamente
aprendendo a sentir a falta desse objeto e, nessa medida, a constituição da
identidade pessoal é feita num ato de profunda empatia com outrem, quebrado por
um sentimento de traição. Todos fomos inicialmente atraiçoados pela descoberta
de outrem em nós mesmos. Por isso, nunca houve um momento anterior ao outrem.
Imaginemos um rapazinho que, em frente aos espelhos dos corredores de um
shopping, aprecia os seus tênis novos fazendo poses elegantes. Ele encontra-se
a si mesmo como outro, do outro lado do espelho. Ele descobre-se a si mesmo, e
não a outrem, mas só se descobre a si mesmo na medida em que se imagina como
sendo um outro perante si mesmo. O prazer que ele tem é correlativo à dor, ao
desagrado que teria se o que tivesse visto no espelho não fosse do seu agrado
ou se lhe tirassem os tênis. Aí assenta todo esse jogo perverso do "estigma",
da sua constituição e da sua reprodução, que Erving Goffman estudou tão
lucidamente no seu livro homônimo65. O Eu usa o Outro como alicerce mas ergue-
se isolado. Visto de uma perspectiva exterior, enquanto fenômeno social,
podemos recorrer à famosa imagem de Max Gluckman, que via a sociedade como um
castelo de cartas: cada uma só está em pé porque está em confronto com uma
outra, mas não deixa por isso mesmo de estar em pé e suportar outras cartas.
Aliás, Lévinas insiste que "o comportamento ético não surge naturalmente"66. O
que ele quer dizer é que "eu não desejo o Bem da mesma forma que desejo o
prazer ou o meu interesse próprio: a preocupação com o outro agarra-me apesar
de mim mesmo, como se eu fosse traumatizado"67. Lembremo-nos do exemplo de
Caim, que responde a Deus "Eu não sou o guardião do meu irmão!" e, ao dizê-lo
já está furioso, porque sabe bem que, por muito que esqueça o irmão, nunca lhe
deixarão esquecer a sua morte. Essa ambigüidade da culpa é o motor mesmo da
narrativa do Riobaldo de Guimarães Rosa tal como fora da de Euclides da
Cunha68. Ora, essa noção é magistralmente expressa pela pena oracular do
romancista-diplomata quando diz "o que demaseia na gente é força feia do
sofrimento, própria, não a qualidade do sofrente"69.
Em suma, existe uma tensão emocional profunda na inevitabilidade da relação
identidade/alteridade. Ora, a visão sociocêntrica que a antropologia herdou dos
grandes teóricos da modernidade, que vê a alteridade humana como algo de
bipolar, cultural e socialmente construído, revela-se insuficiente. Passamos a
ter de perceber que todo ser humano só é humano na medida em que se insere em
uma relação com outros seres humanos. Não existe tal coisa, pois, como o
"indivíduo natural", que seria o bloco básico sobre o qual se imporiam as
"máscaras" que constituiriam a "sociedade" ou o "grupo" (e, assim, a "nação").
A alteridade, por um lado, é anterior à identidade, por outro, coexiste com
ela.
Emerge, pois, um novo conceito de pessoa que, existindo para todas as culturas
e sociedades e em todos os tempos da humanidade, não é nunca igual a si mesmo,
porque é sempre social e culturalmente construído. O "individualismo ocidental"
não pode ser visto como o fim de um caminho, como a descoberta incontornável de
uma modernidade que jamais poderá voltar a ser "tradicional/holista/Outra". O
individualismo terá de ser visto, pois, como uma construção ideológica
historicamente situada, até porque (a) poderá não ter sido sempre o mesmo
individualismo em todos os tempos e lugares e (b) poderá não ser o melhor
conceito para analisar empiricamente a constituição e o funcionamento da
pessoa, mesmo nos tempos e lugares em que o individualismo era suposto ter
vingado como ideologia. O tal "indivíduo moderno", por relação ao qual os
outros teriam sido "tradicionais/holistas/menos racionais" (na medida em que
estavam escondidos de si mesmos por "máscaras"), assume a sua verdadeira
condição como postulado ideal como bitola para uma descrição e não como
descrição.
O DILEMA E A MODERNIDADE
Visto a esta luz, portanto, o tal "dilema brasileiro" que tanto desafiava
DaMatta e os seus colegas ante o qual eles se viam como "duais", porque o
Brasil seria uma conjugação de duas coisas imiscíveis: o tradicionalismo
holista da "casa" versus a modernidade individualista da "rua" afinal não era
um dilema efetivo entre duas formas de ser humano incompatíveis (tradicional
versus moderno), mas era sim um dilema ideológico, entre dois ideais de
humanidade que os intelectuais brasileiros tinham dificuldade em conjugar. O
tal "mediterranismo" do Brasil não resultava nem da herança colonial lusitana
nem do fato de o Brasil ser duas sociedades em uma (em qualquer das suas
versões, o "litoral" versus o "sertão", o "ocidental" versus o "mediterrânico"
etc.), mas da condição de subalternidade ideológica, militar e econômica em que
o Brasil e os brasileiros viviam na segunda metade do século XX.
O que está em causa aqui não é meramente criticar os pressupostos
individualistas do sociocentrismo durkheimiano, mas questionar também a
natureza da cesura entre tradicionalismo e modernidade; criticar o
evolucionismo que vê essa cesura como necessária e, sobretudo, como uma via de
sentido único. A imagem do Brasil dual, essa "ponte" entre o passado e o
futuro, afinal revela-se como o resultado de uma comparação com uma
fantasmagoria de modernidade. Insisto em dizer fantasmagoria (isto é, aparência
ilusória), já que essa noção da possibilidade da existência de um mundo em que
as pessoas fossem todas indivíduos, igualitários, racionais e ricos não se
compatibiliza com as reais condições de qualquer sociedade por nós conhecida
neste mundo os tais Estados Unidos, ou a tal "Europa", que operam como o
termo bipolar dessa comparação, afinal, não são mais que um sonho de
modernidade, "conceitos-expectativa" na feliz expressão de Willi Bolle70.
Nesse sentido, essa reformulação do conceito de pessoa terá de acompanhar
necessariamente uma visão anticesurista da história moderna tanto quanto um
questionamento da ideologia nacionalista que nos impede de compreender em
termos políticos o que para todos nós é patente em termos econômicos: que a
acumulação de capital é realizada em nível global e não nacional.
O Brasil nem é dual nem mais ou menos dilemático do que qualquer outro vasto
país que se confronte com a sua própria diversidade interna e com a forma como
essa diversidade é paralela a uma diferenciação socioeconômica e as
correspondentes desigualdade e injustiça. A desigual distribuição de poder e de
acesso aos meios materiais para satisfazer as necessidades consensualmente
definidas pelos cidadãos não é de forma alguma especificamente brasileira. Ante
a constatação de que existem hoje ricaços americanos que ganham na ordem de 1
milhão de dólares por hora, proventos que lhes chegam de todas as partes do
mundo71, a noção de que a desigualdade seja algo específico a qualquer país
perde todo o sentido.
O Brasil só é dual e dilemático na medida em que é dilematizado pelos termos em
que se relaciona com a desigualdade inscrita nos ideais da modernidade. Mas, ao
mesmo tempo, como mostra Willi Bolle, também é esse o enredo central das
grandes narrativas explicativas da modernidade brasileira: Os sertões, Casa-
Grande & Senzala e Grande sertão: veredas. Esse outro Brasil apresenta-se
ao "nós" que escreve como um "outro" mas como um "outro" que tem de ser um
"nós", caso contrário a "nação" se diluiria e o direito da burguesia nacional
de falar em nome da nação esvair-se-ia. O tal "desconhecimento do país real
pelas suas elites" de que se queixa Euclides da Cunha é realmente
insustentável, como Antônio Conselheiro demonstrou de forma vívida com
resultados tão trágicos.
Note-se, porém, e mais uma vez, que esse je est un autre do dilema nacionalista
moderno também não é um problema exclusivamente brasileiro. Todas as burguesias
nacionais do século XX lutaram contra esse "esquecimento"; essa urgente
necessidade de "re-conhecer" o "país real" (o "povo") que, enquanto elites
modernas, lhes escapava, mas cujo conhecimento era condição do seu papel como
elite nacional72. É, aliás, na procura de resolução dessa essencial falta de
autenticidade que surge a antropologia/etnologia.
Como tenho argumentado para o caso de Portugal73, o pensamento sociocientífico
das burguesias nacionais dos países que foram se encontrando em uma situação de
crescente marginalidade na ordem global a partir da época romântica (em face do
poderio britânico e, mais tarde, americano), dá sinais claros dessa mesma
ambigüidade e do resultante dilema. Para essas burguesias nacionais, a
pluralidade interna era mais que uma simples pluralidade, ela surgia como um
profundo dilema, uma terrível ferida narcísica.
As elites modernistas dos países não hegemônicos confrontavam-se tanto com a
alteridade interior e recidivista da "selvageria/orientalidade" como com a
alteridade exterior e anterior da "civilização/modernidade". A dilematicidade
era causada pela disposição utópica, pela aderência ao programa modernista que
Bruno Latour apelida de "purificação crítica"74. Ao querer ser outro
("civilizado/moderno"), eu acabo por, de um lado, confiar-me a uma
fantasmagoria (a que postula que é possível ser "civilizado/moderno") e, do
outro lado, atribuir ao meu mundo vital a aparência de uma fantasmagoria (a tal
"ilusão demoníaca" de que justamente fala Otávio Velho75).
Vistas dessa perspectiva, as tais "resistências" à modernização que causariam a
desilusão distópica "passariam a ser encaradas como sintomas por cuja
existência deveríamos ser gratos, na medida em que denunciam, com uma clareza
de outra forma impossível, questões que, camufladas, dizem respeito a nós
mesmos (e não apenas a esses "outros"76) [...]"77. A dilematicidade aquilo
que esse autor chama "a nossa ambígua moeda social"78 é um fator da
dependência social, cultural e econômica em que as elites modernistas
subalternas se encontraram durante os séculos XIX e XX.
Há um importante corolário metodológico dessa discussão: o outro lado da
medalha dessa recusa da dilematicidade produzida pelo padrão fantasmagorizante
é a proposta de que a teorização antropológica deverá cada vez mais assentar
sobre a riqueza insofismável da etnografia. Para compreender a constituição
localizada de pessoas e outras entidades sociais, como parte de socialidades
historicamente vividas79, há que superar os limites à compreensão impostos pelo
ilusionismo da modernidade isto é, levar às suas conseqüências o projeto
metodológico holista que funda a etnografia. Ora, esses processos ocorrem no
interior de um mundo ininterruptamente globalizado pela expansão do
capitalismo. Tratando-se de um processo social que não é limitado a fronteiras
nacionais, essa globalização é também um processo simbólico (para usar a
expressão de Otávio Velho80) que liga pessoas, grupos, nações, regiões etc.
Cecilia McCallum chamou brilhantemente a nossa atenção para essa questão na sua
etnografia dos Caxinauá quando explicitou que,
Na medida em que os índios são especiais e diferentes, essa diferença
está profundamente imbricada não só com muitos milênios de mudanças e
desenvolvimentos históricos que mal podemos vislumbrar, mas também
com cinco séculos de imersão numa história que começou por ser
européia mas que acabou por tornar-se global. E na medida em que eu
for um self único, também tenho que admitir ter sido sujeito às mais
variadas influências e experiências corporalizadas [embodied
] que fizeram de mim, se não um ser "parcial", pelo menos um ser
muito complexo
81.
Urge, portanto, aceitar o desafio de "pensar uma sociedade em que se abandona o
mito ou a utopia do sujeito plenamente autônomo e unívoco"82, invertendo a
visão de Mauss. Em suma, recusar a noção de que, na sua corporalidade e na sua
racionalidade, os seres humanos sejam essencialmente "indivíduos" e que a sua
verdadeira essência esteja escondida por "máscaras" impostas com a finalidade
de criar uma categoria cuja existência seria essencialmente metafísica: a
"sociedade" ou o "grupo"83.
Ao adotar uma visão anticesurista da pessoa humana, assente na noção de que a
alteridade precede sempre a identidade, passa a ser possível tomar uma atitude
menos dilemática para com o desafio ético pousado ao tribunal da consciência de
cada ser humano quando confrontado com a injustiça da desigualdade e o mal da
violência que caracterizam hoje não especialmente o Brasil, mas sobretudo um
planeta em que uns morrem de fome e de guerras fúteis (que servem
essencialmente para comprar petróleo e vender armas) e outros ganham 1 milhão
de dólares por hora, até durante as suas pacíficas horas de sono.
[1] As primeiras notas para este texto foram tiradas dos e-mails em que eu
próprio dialogava com os conferencistas do Simpósio Internacional "Nomes e
Pessoas: Gênero, Classe e Etnicidade na Complexidade Identitária" sobre os seus
ensaios (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e Pagu
Núcleo de Estudos de Gênero, Unicamp, setembro de 2006). Agradeço a todos,
pois, a motivação e os debates subseqüentes. Em especial, agradeço a Cecilia
McCallum os conluios, as dúvidas partilhadas, as sugestões e as leituras
críticas, a Omar Ribeiro Thomaz as diplomáticas sugestões e inspirações, e a
Marta Jardim a desconfiança motivadora.
[2] DaMatta, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do
dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
[3] O presente ensaio corresponde a um exame continuado de algumas das
preocupações já expressas em Pina Cabral, João de. "Aprender a representar".
Novos Estudos CEBRAP, nº- 71, São Paulo, 2005, pp. 145-62.
[4] Na Sessão Plenária "Other Histories", organizada por Kirsten Hastrup na 1ª
Conferência Bienal da Associação Européia de Antropólogos Sociais, Coimbra,
1990. Cf. Kirsten Hastrup (org.). Other histories. Londres:
Routledge, 1992.
[5] Pina Cabral, "The gods of the gentiles are demons: the problem of pagan
survivals in European culture". In: Kirsten Hastrup (org.). Other histories.
Londres: Routledge, 1992, pp. 45-61.
[6] Martins, Hermínio. "Tempo e teoria em sociologia". In: Hegel, Texas e
outros ensaios de teoria social. Lisboa: Século XXI, 1996 [1974].
[7] Idem. "Time and theory in sociology". In: John Rex (org.). Approaches to
sociology. Londres: Routledge and Kegan Paul, 1974, p. 280.
[8] "The world in which reason has come to assume the place which it now enjoys
is profoundly different from the world which preceded it" (Gellner, Ernest.
Reason and culture: new perspectives on the past. Oxford: Blackwell, 1992, p.
53). "The transition from the first, generic rationality of
Durkheim, to the more specific rationality which obsessed Weber, is perhaps the
biggest single event in human history". Ibidem, p. 178.
[9] Entre outros textos de Louis Dumont, "A modified view of our origins: the
Christian beginnings of modern individualism". In: Michael Carrithers, Steven
Collins e Steven Lukes (orgs.) The category of the person: anthropology,
philosophy, history. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.
[10] Ver a excelente exposição de Leirner dos conceitos centrais da obra de
Dumont. Leirner, Piero de Camargo. Hierarquia e individualismo em Louis Dumont.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
[11] Ver Bolle, Willi. Grandesertão.br. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34,
2004, p. 273.
[12] Como diz Otávio Velho, "Muito antes do uso da palavra, pode-se dizer que a
elite brasileira sempre esteve fascinada pela 'modernização'". Ver Velho,
Otávio. Besta-fera: recriação do mundo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995
[1991], p. 159.
[13] Ver Bolle, op. cit., pp. 227 e 427.
[14] Ferreira de Castro, José Maria. A selva: romance. 34ª ed. Lisboa:
Guimarães Editora, 1984 [1930].
[15] Guimarães Rosa, João. Grande sertão: veredas. 19ª ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2001.
[16] DaMatta, op. cit.
[17] Ibidem, p. 162.
[18] Ibidem, p. 175.
[19] Tenha-se em conta a centralidade dos conceitos de "bicho/bicha" nas
ideologias brasileiras.
[20] Cf. Martins, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Ciências
Humanas, 1979.
[21] Duarte, Luiz Fernando Dias. Da vida nervosa nas classes trabalhadoras. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1986.
[22] DaMatta, op. cit., p. 141.
[23] Ibidem, p. 188.
[24] Ibidem, pp. 123, 133, 145 e passim.
[25] Ibidem, em especial p. 180.
[26] Ibidem, pp. 71-2, 110, 178 e passim.
[27] Ver Davis, John. People of the Mediterranean: an essay in comparative
social anthropology. Londres: Routledge and Kegan Paul, 1977.
[28] Ribeiro, Orlando. Portugal, o mediterrânico e o atlântico. Esboço de
relações geográficas. 3ª ed. revista e atualizada. Lisboa: Sá da Costa, 1967
[1945].
[29] Ver Pina Cabral, João de. Os contextos da antropologia. Lisboa: Difel,
1991 [1989]; Rowland, Robert. População, família, sociedade:
Portugal, séculos XIX-XX. Lisboa: Celta, 1997.
[30] Mattoso, José. Identificação de um país: ensaio sobre as origens de
Portugal, 1096-1325. Lisboa: Imprensa Universitária/Editorial Estampa, 1985,
vol. I, p. 44.
[31] Ibidem, pp. 44-5.
[32] Com algumas ilustres exceções, tais como a migração açoreana para Santa
Catarina.
[33] Ver Serrão, Joel. A emigração portuguesa. Lisboa: Horizonte, 1974.
[34] E veja-se que DaMatta, tal como Dumont, escreve um ensaio antropológico
(no método e no estilo da argumentação mas, sobretudo, nas referências teóricas
empregadas) ao qual chama um "ensaio sociológico". A forma como as categorias
disciplinares "sociologia"/"antropologia" se deslocam quando se sai da Europa
(para o Brasil, para a Índia ou para a China) corresponde à forma como as
categorias "etnologia"/"antropologia" se deslocam quando se sai da Europa para
o Brasil.
[35] Pina Cabral, Os contextos da antropologia, op. cit.
[36] Cf. Pina Cabral, "Anthropology challenged: notes for a debate". Journal of
the Royal Anthropological Institute, vol. 12, no 3, Londres, 2006, pp. 663 ss.
[37] Partilhado, aliás, por todos os sociocentrismos modernistas inspirados
em Durkheim, em Marx ou em Weber , o que abrange, portanto, as principais
escolas da segunda metade do século XX: tanto os discípulos neomaussianos de
Evans-Pritchard e Firth, como os neomarxistas de Fortes ou Gluckman, como ainda
os neoweberianos de Talcott Parsons (Geertz e Schneider).
[38] Evans-Pritchard, Edward E. Witchcraft, oracles and magic among the Azande.
Edição condensada por Eva Gillies. Oxford: Clarendon Press, 1976 [1937], p.
107.
[39] "A hybris moderna tendeu a levar a extremos a idéia da autonomia do
sujeito", como lembra Otávio Velho, op. cit., p. 165.
[40] Schwarz, Roberto. Ao vencedor as batatas. 5ª ed. São Paulo: Duas Cidades/
Editora 34, 2000 [1977].
[41] Ibidem, p. 25.
[42] Ibidem, p. 19.
[43] Ibidem, p. 26.
[44] Ibidem, p. 21.
[45] Quanto à ambigüidade na "europeidade", ver, para os casos grego e
português, respectivamente, Herzfeld, Michael. Ours once more: folklore,
ideology, and the making of modern Greece. Austin: University of Texas Press,
1982, e Pina Cabral, Os contextos da antropologia, op. cit.
[46] E tão poucas vezes nos lembramos de que essa palavra "Ocidente", nos anos
1930, significava somente uma direção geográfica e que só depois da Segunda
Guerra Mundial, com a vitória americana sobre o Império Britânico, passou a
fazer o atual sentido ideológico. Cf. Pina Cabral, "Aprender a representar",
cit.
[47] DaMatta, op. cit., p. 173.
[48] Ibidem, p. 172, ênfase do autor. Não se trata de uma leitura exclusiva a
DaMatta trata-se de uma doxa: veja-se como a questão é formulada em Dumont,
op. cit. Sobre a história das leituras em cadeia dos textos clássicos, e com
especial destaque para Marcel Mauss, relembro o artigo de Lygia Sigaud sobre
oEnsaio sobre o dom. Sigaud, Lygia. "Doxa e crença entre os antropólogos".
Novos Estudos CEBRAP, no 77, São Paulo, 2007, pp. 129-52.
[49] Durham, Eunice Ribeiro. A dinâmica da cultura: ensaios de antropologia.
São Paulo: Cosac Naify, 2004 [1997], p. 374.
[50] O'Donnell, Guillermo. "'And why should I give a shit?' Notes on
sociability and politics in Argentina and Brazil". In: Counterpoints: selected
essays on authoritarianism and democratization. Indiana: University of Notre
Dame Press, 1999 [1983].
[51] Ibidem, p. 83.
[52] O que não implica, claro está, qualquer recusa da importância da sua
corporalidade. Ver Strathern, Marilyn. After nature: English kinship in the
late twentieth century. Cambridge: Cambridge University Press, 1992; Pina Cabral. "A difusão das margens: margens, hegemonias e
contradições na antropologia contemporânea". Mana, vol. 2, nº- 1, Rio de
Janeiro, 1996, pp. 25-57; Toren, Christina. "Anthropology as
the whole science of what is to be human". In: Richard Fox e Barbara King
(orgs.). Anthropology beyond culture. Oxford: Berg, 2002.
[53] Velho, op. cit., p. 164.
[54] Cf. Latour, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia
simétrica. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1994 [1991].
[55] Ver Viveiros de Castro, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São
Paulo: Cosac Naify, 2002.
[56] Ver Pina Cabral. "The future of social anthropology". Social Anthropology,
vol. 13, nº- 2, Cambridge, 2005, pp. 119-28, e Ota, Yoshinobu.
"Culture and anthropology in ethnographic modernity". In: Richard Fox e Barbara
King (orgs.). Anthropology beyond culture. Oxford: Berg, 2002.
[57] Ver Ota, op. cit., mas também Pina Cabral, Os contextos da antropologia,
op. cit., especialmente o capítulo "Contra a tradução".
[58] Ver Lévinas, Emmanuel. Basic philosophical writings. Edição de A.
Peperzak, S. Critchley e R. Bernasconi. Bloomington: Indiana University Press,
1996, tal como lido em Pina Cabral. "Semelhança e
verossimilhança: horizontes da narrativa etnográfica". Mana, vol. 9, nº- 1, Rio
de Janeiro, 2003, pp. 109-22 os parágrafos seguintes
reproduzem com algums alterações uma passagem de Pina Cabral. "Identités
imbriquées: divagations sur l'identité, l'émotion et la moralité". Recherches
en Anthropologie au Portugal, nº- 10 (Itinéraire d'un anthropologue: João de
Pina Cabral), Paris, Fondation Maison des Sciences de l'Homme, 2005, pp. 37-56.
[59] Finkielkraut, Alain. The wisdom of love. Lincoln: University of Nebraska
Press, 1997, p. 4.
[60] "Reflexão" no sentido de cognição.
[61] Finkielkraut, op. cit., p. 10.
[62] Davidson, Donald. Subjective, intersubjective, objective. Oxford: Oxford
University Press, 2001, p. 88.
[63] Finkielkraut, op. cit., p. 15.
[64] Lévinas, op. cit., p. 6.
[65] Goffman, Erving. Stigma. Harmondsworth: Penguin Books, 1963.
[66] Finkielkraut, op. cit., p. 92.
[67] Ibidem.
[68] Na leitura de Willi Bolle, op. cit.
[69] Rosa, op. cit., p. 150.
[70] Bolle, op. cit., p. 273.
[71] Notadamente Sheldon Adelson, o magnata de Las Vegas que recentemente tomou
o controle sobre o jogo em Macau. Ver Visão 708, 29 jun. 2006, p. 42.
[72] Cf. Lefebvre, Henri. "Sociologie de la bourgeoisie". In : Au-delá du
structuralisme. Paris: Anthropos, 1971.
[73] Pina Cabral, Os contextos da antropologia, op. cit., pp. 11-41.
[74] Latour, op. cit.
[75] Velho, op. cit., p. 166.
[
76
] "Outros" no sentido de internos.
[77] Velho, op. cit., p. 162.
[78] Ibidem, p. 167.
[79] Quer dizer, vividas em contextos determinados e mutuamente relacionados.
[80] Velho, op. cit., p. 167.
[81] McCallum, Cecilia. Gender and sociality in Amazonia: how real people are
made. Oxford: Berg, 2001, pp. 1-2.
[82] Velho, op. cit., p. 164. E o autor continua judiciosamente: "Que talvez
esteja, inclusive, na origem desse produto da modernidade que são as ciências
sociais".
[83] Chamo a atenção para a forma como a categoria weberiana "grupo" está
silenciosamente inscrita em todas as teorizações contemporâneas da antropologia
culturalista americana que, remetendo-se a si mesmas para uma suposta origem em
um conceito boasiano de Kultur, preferem silenciar a dependência definicional
deste último sobre um conceito logicamente anterior de "grupo", que fica por
teorizar.