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BrBRHUHu0101-33002008000200010

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National varietyBr
Year2008
SourceScielo

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Quando discursos e oportunidades políticas se encontram: para repensar a sociologia política da cidadania moderna

Em seu ensaio clássico sobre a construção da cidadania na Inglaterra, T. H.

Marshall sugere uma trajetória de lutas por direitos que acabou por se tornar referência inequívoca à sociologia política. Como bem sabemos, Marshall indica a seqüência direitos civis, direitos políticos e direitos sociais como aquela que teria marcado as transformações normativas na Inglaterra moderna2. Não é nenhuma novidade o fato de que, a despeito de se referir especificamente ao caso inglês, tal imagem veio a se tornar uma espécie de padrão de medida em relação ao qual transformações políticas em outros contextos foram e permanecem sendo confrontadas. Com bastante freqüência, pois, a imagem projetada por Marshall passou a servir de referência para se aferir o status da normatividade de outras sociedades e, em muitos casos, para se delimitar fronteiras entre os chamados "centro" e "periferia" da modernidade: quanto mais fiéis à seqüência histórica "direitos civis/direitos políticos/direitos sociais", mais modernos seriam os contextos analisados. A não-correspondência ou mesmo subversão de tal padrão significaria, por conseguinte, evidência inquestionável de imaturidade política e normativa, ou seja, sinal de atraso. Associa-se, pois, uma noção bastante particular dos processos de institucionalização de direitos a uma imagem pouco maleável do que vem a ser a sociabilidade moderna; contextos em que um tal paralelo não se mostra muito claro são comumente rotulados como exemplos de uma modernidade distorcida.

A se respeitar essa lógica, casos como o da construção da cidadania no Brasil não parecem oferecer qualquer desafio analítico-interpretativo: os indisfarçáveis contrastes entre cada uma das constituições brasileiras revelam, de imediato, que aquela seqüência sugerida por Marshall simplesmente não encontra a mais remota correspondência no muito pouco linear processo de institucionalização da normatividade moderna entre nós. Em face da peculiaridade com que cada constituição define o arranjo dos poderes, o funcionamento e a relação entre as várias instituições e instâncias de poder, suas prerrogativas, e, por fim, o tipo de relação entre os cidadãos e o aparato estatal, vêem-se frustradas quaisquer tentativas de se falar em "um certo padrão de normatividade"; a tentação, pois, é com freqüência render-se à imagem de "ausência de padrão" como nossa mais profunda característica. Daí, então, para se afirmar que a modernidade no Brasil é algo peculiar quando comparada àquela dos chamados países "centrais" é um salto que não requer muito esforço3.

Conforme anunciado no título, o presente artigo assume, desde logo, uma postura crítica: pretendo confrontar a referência analítico-interpretativa de T. H.

Marshall, de um lado, com a produção contemporânea no interior da sociologia política a respeito da construção da cidadania moderna; de outro, inspirado nos recentes debates em torno da idéia de "modernidades múltiplas", colocar aquela referência perante configurações variadas de direitos civis, políticos e sociais. Esses dois passos tornam possível salientar, de maneira veemente, o caráter contingente e agonístico dos processos de institucionalização da normatividade moderna. Tal empreendimento sugere a necessidade de se problematizar um certo traço "essencializante" da imaginação sociológica da modernidade. Em trabalho anterior, tive oportunidade de argumentar que, em um momento em que a modernidade vem crescentemente sendo cunhada pelo debate sociológico como um tipo de sociabilidade tendencialmente global4, tornam-se cada vez mais problemáticas interpretações que continuam a confiar na existência de uma distância abissal entre os supostos "centro" e "periferia"5.

Modernidades múltiplas tem sido uma das expressões utilizadas para se codificar a percepção da existência de uma grande variedade de configurações sociais no mundo contemporâneo passíveis de serem denominadas "modernas". A isso se adiciona a também crescente percepção de que no suposto "centro" vários dos traços de sociabilidade que a imaginação sociológica comumente associava quase que exclusivamente à "periferia"; de fato, em vez de marginal e/ou passageira, tal presença, afirma-se, tem se revelado duradoura e constitutiva. Defendo, pois, a necessidade de se aprofundarem algumas tentativas recentes de se ampliar o escopo conceitual da sociologia da modernidade a fim de torná-la mais apta a captar a substancial variedade de constelações de cidadania em um contexto configurado pela multiplicidade de formas de sociabilidade.

Irregularidades e descontinuidades deixam, então, de ser tomadas como aspectos exclusivos de uma suposta modernidade sui generis característica da "periferia" para serem vislumbradas como elementos nodais nos processos de institucionalização da normatividade moderna, amplamente considerada. Conforme argumentarei, as noções de discursos e oportunidades políticas são de importância central em minha proposta exatamente por, de um lado, permitirem apreensões não-"essencializantes" da sociabilidade moderna e, por outro, por salientarem seu caráter agonístico e contingente.

A seguir, problematizarei a maneira como as relações entre modernidade e cidadania são codificadas pela "sociologia hegemônica da modernidade" a fim de preparar o terreno para uma abordagem capaz de superar algumas das dificuldades embutidas no esquema de Marshall (às quais me deterei mais adiante). Tenho por preocupação adicional sugerir ao debate sociológico alguns elementos que eventualmente permitam considerá-lo de forma mais acurada: 1. O amplo escopo de ordens normativas modernas no mundo contemporâneo, não-hierarquicamente colocadas umas em relação às outras. Nesse aspecto em particular, não gostaria de chamar a atenção para a existência de uma diversidade de padrões de sociabilidade moderna muito maior do que aquela comumente atribuída pela sociologia hegemônica da modernidade como também a existência de uma maior variedade de constelações da cidadania moderna. 2. A não-linearidade e irregularidade das transformações normativas que desencadeiam mudanças em configurações de cidadania. Para tal, lançarei mão de uma abordagem que acentue a dimensão agonística da construção da cidadania pela qual interesses, demandas, projetos e visões de mundo (discursos) prevalecem uns sobre os outros na medida em que encontram, fabricam e tiram proveito de oportunidades políticas. Argumentarei que, uma vez favoráveis, tais oportunidades tornam determinados projetos normativos mais aptos a se manterem em posições privilegiadas no corpo social e político ou a se estabelecerem como tais. A noção de oportunidades políticas implica, pois, que conjunturas particulares (fabricadas e percebidas enquanto tais por atores sociais e políticos) aumentem as chances de ocorrência de transformações normativas ao facilitar a confluência e sinergia de determinados discursos em detrimento (total ou parcial) da ordem estabelecida. A meu ver, esses instrumentos analíticos têm o potencial de aguçar a percepção de subversões na seqüência inicialmente proposta por Marshall ao mesmo tempo em que podem nos ajudar a delinear uma imagem menos "essencialista" da sociabilidade moderna.

LIGAÇÕES PERIGOSAS? CIDADANIA E IMAGINÁRIO SOCIOLÓGICO6 Gostaria de iniciar minha problematização relembrando a maneira como a cidadania moderna é definida no ensaio clássico de T. H. Marshall. Segundo o autor, ao longo e como parte de processos de modernização, certas normas que por muito tempo permaneceram consistentemente imbricadas acabaram se autonomizando e se formalizando em torno de três noções de direitos: os civis, os políticos e os sociais.

O elemento civil é composto por direitos necessários à liberdade individual - liberdade da pessoa, liberdade de fala, de pensamento e , o direito de propriedade e de concluir contratos válidos, e o direito à justiça. [...] as instituições mais diretamente associadas aos direitos civis são as cortes de justiça. Por direitos políticos eu entendo o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um corpo investido de autoridade política ou como eleitor de membros de tal corpo. As instituições correspondentes são o parlamento e os conselhos locais de governo. Quanto ao elemento social entendo ser toda uma gama de direitos, desde um modicum de segurança e bem-estar econômico até o direito de compartilhar por completo a herança social e de viver a vida de um ser civilizado conforme os padrões prevalecentes na sociedade. As instituições mais conectadas a ele são o sistema educacional e os serviços sociais7.

De acordo com Marshall, ao se dividirem, cada um desses conjuntos de normas adquiriu velocidade, lógica e ritmo próprios, ou seja, cada qual se institucionalizou e passou a fazer parte da dinâmica social em momentos particulares, e em decorrência de pressões e demandas provenientes de atores sociais e políticos consideravelmente diferentes: os direitos civis teriam se consolidado primeiro, fundamentalmente no decorrer do século XVIII, seguidos pela luta e institucionalização dos direitos políticos no século XIX e, em seguida, pelas disputas e implementação dos direitos sociais no século XX.

Por certo, não coube a Marshall inaugurar a preocupação da sociologia com a temática da cidadania. Clássicos como Marx, Durkheim e Weber, peças centrais daquilo que chamo de "imaginário sociológico hegemônico da modernidade"8, haviam sinalizado para a importância dessa questão nas investigações em torno da normatividade moderna9. É legítimo afirmar, porém, que o ensaio de Marshall não contribuiu decisivamente para que tal problema ganhasse fôlego renovado no interior da sociologia política como também acabou por balizar estudos de caso e pesquisas comparativas posteriores nessa área. A meu ver, avanços em relação às contribuições de Marshall requerem, antes de mais nada, que acentuemos o notável parentesco entre sua noção de cidadania e a episteme através da qual aquele imaginário hegemônico apreende e codifica a sociabilidade moderna. Conforme acabei de indicar, em tal imaginário, o tipo de sociabilidade peculiar da modernidade é concebido em torno do tripé diferenciação/complexificação social, secularização da normatividade, separação entre os âmbitos de ação públicos e os domínios privados. Quero dizer com isso que, a despeito de especificidades irredutíveis, os trabalhos de Marx, Durkheim, Weber e Simmel (tanto quanto os de Parsons, Luhmann, Habermas e outros que operam no interior da mesma episteme) compartilham do pressuposto segundo o qual as chamadas "sociedades centrais da modernidade" são aquelas em que: 1. Estado, mercado, e sociedade civil necessariamente ocupam esferas plenamente diferenciadas entre si, reguladas exclusivamente por códigos próprios e dinamizadas por lógicas particulares; 2. a normatividade que regula as relações entre indivíduos e deles com o Estado e o mercado é plenamente desencantada e eficientemente salvaguardada da influência de concepções de mundo e sistemas normativos não-racionalizados; 3. e os âmbitos públicos e privados são também plenamente separados, cada um dos quais ordenado por códigos e lógicas particulares, comunicando-se entre si apenas e tão-somente através de canais apropriados que mantêm inalterados os termos e regras de cada um dos domínios10. Ora, essa episteme está claramente embutida na definição de cidadania moderna proposta no ensaio de Marshall: primeiramente, a idéia da existência de direitos civis, políticos e sociais, cada qual com sua dinâmica e lógica próprias, remete a uma imagem da sociabilidade moderna pretensamente marcada por plena diferenciação. Em segundo lugar, está implícita na própria noção de direitos a idéia conforme a qual os mais determinantes preceitos normativos modernos alcançaram graus de generalidade e formalização suficientes para se resguardarem de influências morais particularistas e tradicionais; afirma-se, pois, que tais normas se institucionalizaram na forma de leis racionalmente justificadas, amparadas em princípios universais, e garantidas em última instância por um aparelho político-administrativo imune a visões de mundo encantadas. Por fim, todos os componentes da cidadania moderna, tal qual delineados no ensaio de T. H. Marshall, se apresentam como atributos legais de indivíduos dotados de subjetividade, consistentemente protegidos de esferas sociais públicas.

No interior da sociologia da modernidade, Talcott Parsons parece ser quem expressa de forma mais evidente essas conexões tanto quanto suas implicações analítico-interpretativas11. Conforme Parsons, a sociedade comunal moderna se estrutura em dois níveis: um organizacional e outro normativo. Do ponto de vista organizacional, ela se constitui como uma rede de coletividades e lealdades coletivas (caracterizadas por diferenciação funcional e por segmentação) que se interpenetram de forma altamente complexa. Esse é o caso, por exemplo, das coletividades de parentesco, das firmas de negócios, das Igrejas, unidades governamentais, coletividades educacionais etc., todas elas substancialmente independentes, ainda que interconectadas. , do ponto de vista normativo, a sociedade comunal se constitui por meio da institucionalização sistemática de um sistema legítimo de valores (socialmente aceito e aplicado por agências especializadas) responsável pela integração da sociedade. Conforme Parsons, na modernidade, dois aspectos dessa dimensão normativa chamam atenção especial. Em primeiro lugar, ela se sustenta em um sistema de valores com alto grau de generalização, ou seja, mediante um conjunto de valores que transcende as particularidades de contextos sociais específicos, razão pela qual se mostra capaz de permear a ampla gama de coletividades que constituem as modernas sociedades. Uma segunda característica central desse sistema de valores é precisamente o fato de sua institucionalização se dar por meio de leis. Daí a idéia conforme a qual o tipo moderno de sociedade comunal é, em larga medida, nada mais que um conjunto de leis e associações responsáveis por funções normativas.

É exatamente nesse ponto que se observa, em Parsons, o peso da cidadania na normatividade moderna. Partindo da definição de lei como "um código geral que regula a ação e define situações para as unidades-membro de uma sociedade"12, o autor sugere que a legalidade moderna compreende sistemas constitucionais que estabelecem, a um tempo, marcos normativos e os termos por meio dos quais se define a participação de indivíduos em uma dada sociedade. A cidadania, tal qual definida por Marshall, seria um dos ingredientes-chave desses sistemas constitucionais. No entendimento de Parsons, ela congrega duas realizações normativas fundamentais da modernidade, quais sejam, o processo de "generalização dos valores" e a "institucionalização do sistema de valores".

Nesse sentido, o complexo da cidadania moderna é visto como a corporificação de normas universais através de direitos subjetivos que são, simultaneamente, constitucionalmente garantidos e igualitariamente aplicados. De acordo com o autor, em última instância, o advento da cidadania implica que, em uma ordem plenamente moderna, a lei deixe de ser um mero instrumento de política de Estado para se tornar uma "interface de mediação" entre o aparato-estatal e a comunidade societal. Mediante esse complexo normativo, pluralidade e diferenciação sociais não ganham garantia legal como também vêem-se estimuladas a seguir curso, ainda que sob a prioridade da integração social (isto é, sob a primazia da sociedade comunal diante dos outros subsistemas). É em tal contexto que os componentes da cidadania moderna (novamente, tal qual codificados por Marshall) passam a assumir funções normativas particulares: 1.

ao garantir o acesso igualitário aos direitos subjetivos, os direitos civis fixam as fronteiras entre a comunidade societal e o Estado, de forma a proteger a primeira de possíveis incursões estatais; 2. ao proporcionar (direta ou indiretamente) igual acesso à participação nos negócios públicos, os direitos politicos estabelecem os elos entre a comunidade societal e o Estado sem, contudo, borrar totalmente as fronteiras entre um e outro; 3. e, finalmente, ao proporcionar os recursos e capacidades para que indivíduos atuem autonomamente, as garantias sociais tornam efetivos aqueles mesmos direitos subjetivos13.

Parece-me inegável o impacto dessas idéias na recente produção sociológica.

Apenas para indicar dois exemplos no interior do "imaginário sociológico hegemônico da modernidade", Luhmann credita ao sistema legal de corte universal e "positivo" um papel normativo central na modernidade14. Habermas, por sua vez, salienta que, ao controle externo praticado pela lei se agrega uma moralidade de tipo pós-convencional (ancorada e orientada por princípios gerais e universais) no cumprimento de funções normativas e de integração social15.

Habermas refere-se, ainda, a quatro "ondas de juridificação" ao longo das quais teria ocorrido a sedimentação de cada um dos componentes da cidadania moderna: 1. a formação do Estado burguês (que preparou o terreno para a ancoragem legal das relações de mercado); 2. a formação do Estado burguês constitucional (em que se deu a institucionalização dos direitos civis); 3. a formação do Estado constitucional democrático (momento da institucionalização dos direitos políticos); 4. e, por fim, a formação do Estado de bem-estar social democrático (contexto da implementação dos direitos sociais)16.

O parentesco de primeiro grau entre aquele imaginário sociológico e a concepção de cidadania de T. H. Marshall é, pois, indisfarçável: 1. No tocante aos processos de complexificação e diferenciação social, afirma-se que em sociedades plenamente modernas, os direitos civis, políticos e sociais tornam- se elementos normativos-chave (cada qual com sua lógica e âmbito de atuação), responsáveis pela mediação entre sociedade civil, Estado e mercado (tidos, por sua vez, como esferas consideravelmente independentes e auto-reguladas). 2. No que se refere à secularização, tem-se que os direitos civis, políticos e sociais são o resultado de transformações normativas alavancadas pelo alto grau de generalização e "destradicionalização" de valores; 3. Por fim, quanto à separação entre os domínios sociais públicos e privados, coloca-se que, em sua dimensão subjetiva, os componentes da cidadania moderna operam como um tipo de elo normativo conectando esferas públicas e âmbitos privados de sociabilidade de tal forma a preservar as particularidades de cada um desses domínios. Em tais circunstâncias, o aparecimento pleno e equilibrado de cada um dos componentes da cidadania seria evidência de modernidade normativa de uma dada sociedade. Nesse exato sentido, não é de se estranhar a desenvoltura com que Parsons atribui à sociedade norte-americana o status de "realização máxima" da modernidade, em relação à qual todas as demais sociedades modernas seriam variações de ordem inferior17.

Ora, são tais conexões que se mostram analítica e interpretativamente perigosas: elas limitam sobremaneira a capacidade da sociologia política de apreender a grande variedade de configurações normativas que se nos apresenta no momento em que a modernidade é crescentemente cunhada como sendo um tipo de sociabilidade a um tempo múltipla e tendencialmente global. Daí a reprodução de estereótipos em torno das noções de "centro" e "periferia", ao menos em parte em decorrência da freqüente desconsideração de variações e transformações no interior de cada uma dessas supostas "zonas sui generis". Antes de encaminhar minhas sugestões, faz-se necessário chamar atenção para algumas importantes tentativas de equacionar essa problemática.

CONFIGURAÇÕES DE CIDADANIA E SOCIABILIDADE(S) MODERNA(S) É sintomático o fato de diferentes elementos da definição de Marshall terem sido acentuados com propósitos específicos e para iluminar contextos variados.

Nos Estados Unidos dos anos 1960, os direitos civis foram particularmente enfatizados em tentativas de se compreender o teor das reivindicações em torno de conflitos étnicos e raciais; na Inglaterra pós-Segunda Guerra Mundial, foi a vez de os direitos sociais terem sido recuperados como bandeira de luta pela extensão de benefícios sociais18. No final dos anos 1970, início dos anos 1980, foi a dimensão dos direitos politicos, por sua vez, a que veio ganhar posição de destaque na América Latina, acentuada por intelectuais e ativistas engajados na compreensão e luta pela democratização19. Para além dessas apropriações particulares, me parece central aqui salientar algumas das mais recentes críticas de que é alvo o ensaio de T. H. Marshall.

Para iniciar, o esquema conceitual de Marshall foi acusado de negligenciar assimetrias de gênero: conforme Fraser e Gordon, por exemplo, tanto sua periodização quanto sua diferenciação conceitual pressupõem, em vez de problematizar, hierarquias de gênero que, via de regra, obstacularizaram a universalização plena da cidadania20. Critica-se Marshall também por seu silêncio diante de conflitos de corte étnico-racial e por tomar a condição dos "cidadãos brancos" como referência na definição do universo da cidadania moderna21. ainda críticas que apontam para a suposta simplicidade com que os conflitos de classe são retratados naquele ensaio. A esse respeito, Tom Bottomore salienta que as políticas de bem-estar social implementadas ao longo do século XX não não transformaram o sistema de classes tal como Marshall esperava, como também foram incapazes, na maior parte dos casos, de eliminar a pobreza. Coloca-se que a caracterização de Marshall também não conta das experiências socialistas, em que alguns dos mais importantes direitos sociais foram implementados ainda que em detrimento de direitos civis e políticos, e a despeito de terem desencadeado novas formas de hierarquia e de desigualdade22.

Nem mesmo questões de geopolítica escaparam das críticas ao esquema do autor inglês, acusado de desconsiderá-las por completo23.

Outra deficiência apontada diz respeito à sua incapacidade de apreender variações em um mesmo Estado-nação: afirma-se que ao enfocar o nível nacional, o esquema de Marshall se revela insensível às peculiaridades de conflitos regionais e locais, muitos dos quais mostraram-se determinantes em várias situações. , ainda, sérias restrições à temporalidade e à concepção de agência implícitas no ensaio de Marshall24. Em primeiro lugar, uma rígida periodização teria impedido Marshall de perceber que, dependendo da localidade e de seu correspondente padrão de participação, a implementação e institucionalização de direitos civis, políticos e sociais acabaram tendo seqüências bastante singulares. Em alguns casos, por exemplo, ao invés da implementação ter seguido a linearidade sugerida, os três diferentes tipos de direito se institucionalizaram de maneira imbricada na esteira de lutas em torno da legislação trabalhista. , quanto à questão da agência, Somers argumenta que, contrariamente ao diagnóstico de Marshall, práticas de cidadania na Inglaterra não se mostraram unicamente vinculadas a comportamentos de classe. Elas agregaram indivíduos provenientes de backgrounds socioeconômicos díspares, que se organizavam em torno de interesses comuns, às vezes divergentes, e em torno de projetos sociais que não necessariamente se ancoravam em identidades de classe.

Claramente, o pano de fundo de todas essas críticas é precisamente a enorme variedade de configurações que a cidadania moderna assumiu, vale dizer, não em sociedades ditas "periféricas" mas também nos comumente denominados "países centrais da modernidade". É nessa variedade que o esquema de T. H. Marshall, uma vez generalizado para além da Inglaterra, se mostra insuficiente, ainda que aplicado unicamente ao "berço da modernidade"25. As crescentes discussões em torno da existência de múltiplos formatos da sociabilidade moderna jogam luz sobre a necessidade de se ajustar as referências conceituais do "imaginário sociológico hegemônico da modernidade"26. Nesse sentido, Eisenstadt parece sumarizar o espírito desse empreendimento: segundo o autor, na contramão da expectativa de que "o programa cultural da modernidade desenvolvido na Europa moderna e as constelações institucionais básicas que emergiram iriam inexoravelmente dominar todas as sociedades modernas ou em processo de modernização"27, observa-se algo bastante diferente, a saber, uma enorme multiplicidade institucional e ideológica, ainda que o "projeto ocidental" tenha se mantido como referência central.

Proponho duas alternativas básicas para melhor lidar com essa notória gama de variações que incidem inclusive sobre as chamadas "sociedades modernas centrais". A primeira delas, que aprofundarei mais adiante, aponta para a necessidade de se abandonar a sequência direitos civis/direitos políticos/ direitos sociais como referência conceitual para se pensar os processos de institucionalização da normatividade moderna. Ora, como revelou Margaret Somers, tal seqüência não é passível de ser generalizada nem mesmo para a Inglaterra. Insistir na imagem de um padrão linear de institucionalização dos direitos e deveres modernos implica assumir a existência modelar de uma configuração particular por demais idealizada em relação a qual outros arranjos seriam necessariamente tidos como desvios ou distorções. Jogar por terra essa imagem de uma vez por todas demanda um ajuste conceitual anterior, que recai sobre o próprio "imaginário sociológico hegemônico da modernidade". A meu ver, que se dotar aquele imaginário de instrumentos que lhe permitam apreender a multiplicidade da modernidade de forma não-ossificada e não-hierarquizada. Isso pode ser alcançado a partir de um movimento de ampliação da episteme por meio da qual aquela sociologia interpreta a sociabilidade moderna. Conforme sinalizei anteriormente28, proponho os seguintes ajustes: 1. Ao invés de diferenciação/complexificação social como pilar central da sociabilidade moderna, entendo ser mais acurada a noção de padrões variados de diferenciação/complexificação social29. Uma investigação mais atenta das sociedades contemporâneas, inclusive das pretensas "sociedades modernas centrais", é facilmente capaz de revelar a existência dos seguintes padrões: padrão de diferenciação liberal-capitalista; padrão de diferenciação social- democrático; padrão de diferenciação capitalista-corporativo; padrão de diferenciação autoritário (socialista ou capitalista); padrão de diferenciação totalitário (socialista ou fascista). Ainda que esses cinco cenários não esgotem todas as possibilidades teóricas e empíricas de diferenciação social, ao menos apontam para o amplo escopo de configurações a que todas as sociedades modernas são, em princípio, passíveis de experimentar. Soma-se a isso o equívoco de se atribuir a uma dada sociedade um único padrão de diferenciação.

Histórias recentes de sociedades como a italiana, a alemã, a inglesa e mesmo a norte-americana são facilmente capazes de revelar mudanças bastante significativas no tocante às relações Estadoómercadoósociedade civil, por vezes em um espaço temporal relativamente curto.

2. Nesse mesmo espírito, em vez da noção de secularização da normatividade, entendo ser mais apropriado trabalhar com a idéia de padrões variados de secularização30. uma série de exemplos de configurações sociais modernas nas quais: as associações religiosas têm papel ativo na vida pública; em que concepções religiosas mantêm-se vivas e atuantes fundamentalmente em âmbitos sociais privados; e, por fim, casos em que associações e concepções religiosas não têm peso marcante, seja em esferas sociais públicas, seja em âmbitos privados. Também aqui não motivo para afirmar categoricamente que qualquer um dos casos acima indicados seja mais ou menos representativo da modernidade.

3. Finalmente, em vez da noção de separação públicoóprivado, entendo ser mais fiel à modernidade contemporânea a idéia de padrões variados de separação entre domínios públicos e privados31: o privado como âmbito de ação de indivíduos movidos pela busca de interesses subjetivamente definidos (tipo "liberal"); o privado como domínio de códigos de sociabilidade familiar (tipo "patriarcal"); o público entendido como resultante da vontade geral (tipo "comunitário- republicano"); o público como esfera de sociabilidade controlada e definida pelo Estado (tipo "autoritário-totalitário"). Nenhum dos tipos acima assinalados deve ser visto como mais ou menos característico da modernidade.

Tendo tal quadro epistemológico em mãos, dá-se maior escopo analítico e interpretativo à experiência moderna. Torna-se, pois, concebível uma considerável gama de combinações características da sociabilidade moderna: Uma vez afastada a idéia de que uma certa configuração de sociabilidade moderna seria a referência a partir da qual outras seriam mensuradas, torna-se também concebível a existência de configurações múltiplas de cidadania moderna, passíveis de variação não entre diferentes sociedades mas também no interior e ao longo da história de uma mesma sociedade. , então, espaço para concebermos diferentes cenários normativos na modernidade: 1. Contextos históricos em cujas ordens normativas os direitos civis ocupam posição mais acentuada do que os direitos políticos e sociais; 2. Situações em que os direitos políticos se mostram mais preponderantes; 3. Casos em que os direitos sociais revelam-se mais proeminentes na ordem normativa; 4. Contextos em que os três componentes convivem de forma relativamente equilibrada; e, por fim, 5.

Situações em que os direitos não têm presença significativa na dinâmica social.

Duas colocações são fundamentais aqui: em primeiro lugar, a despeito de seu status universal, variações e assimetrias no tocante à capacidade efetiva de uso dos direitos de cidadania são facilmente observáveis em uma mesma sociedade quando considerados momentos históricos diferentes ou ainda quando são levados em conta dimensões e aspectos sociais variados (territoriais, étnico-raciais, gênero, socioeconômicos, dentre outros). Em segundo lugar, a cristalização de um certo padrão de diferenciação social, de secularização, e de separação entre público e privado tem implicações para o perfil da cidadania que se institucionaliza em uma certa sociedade. Em ambos os casos, quaisquer que sejam as constelações consolidadas, trata-se de resultado contingente, fruto de conflitos e lutas entre projetos sociais, interesses, concepções de mundo e demandas (discursos), alguns dos quais díspares, outros passíveis de se coadunarem tendo em vista a construção de uma dada ordem social, política e normativa. Voltarei a esse ponto no próximo item.

Ainda que de maneira bastante superficial, gostaria de apontar para algumas notórias variações de cidadania observáveis em cenários múltiplos de diferenciação social, secularização normativa, separação entre público e privado: Obviamente, tais indicações não têm qualquer pretensão de esgotar todas as possbilidades normativas modernas. Além disso, que se reconhecer que somente investigações históricas mais exaustivas de cada cenário poderiam proporcionar retratos mais substantivos e acurados. Por ora, contudo, é legítimo salientar uma vez mais o equívoco de se considerar qualquer um desses arranjos como mais ou menos representativo da normatividade moderna, em relação ao qual o grau de modernidade de outras constelações poderia ser mensurado. Por fim, vale lembrar o quão problemático seria atribuir uma única configuração normativa a uma dada sociedade. , conforme indicado nas figuras_1 e 2, evidências claras de transformações no desenrolar histórico de toda e qualquer sociedade moderna.

Daí a necessidade de se avançar em relação à rigidez conceitual implícita no ensaio de Marshall. Mas, antes de dar esse passo, gostaria de reiterar um importante aspecto em meu argumento: minha crítica em relação à incapacidade com que aquele esquema lida com notórias variações históricas (aliás, conforme chamei atenção, variações presentes inclusive no chamado "berço da modernidade") não implica, de forma alguma, a recusa da existência de um determinado tipo de normatividade especificamente moderno. Do ponto de vista teórico-analítico, são passíveis de serem sociologicamente qualificadas como modernas, a despeito de suas variações, aquelas configurações de cidadania que se definem com base em princípios universalistas e fundadas em valores com alto grau de generalidade, e que são expressamente tidas como fruto da elaboração racional da sociedade (sejam democráticos ou não os processos através dos quais tal conjunto de direitos e deveres é elaborado e institucionalizado) - em contraste com aqueles arranjos de direitos e deveres percebidos como fruto da emanação divina além de formalmente restritivos a setores do corpo social (seja por razões hereditárias ou de quaisquer outras ordens que a priori definem posições hierarquicamente diferenciadas)33.

QUANDO DISCURSOS E OPORTUNIDADES POLÍTICAS SE ENCONTRAM Uma vez institucionalizados e consolidados na ordem social, os diferentes componentes da cidadania moderna são passíveis de oferecer: 1. uma espécie de grade conceitual mediante a qual são estabelecidos os termos básicos de afiliação social e política; 2. uma definição dos sujeitos e objetos de direitos; e 3. uma descrição dos tipos de práticas e usos de recursos políticos entendidos e aceitos como legítimos no curso das disputas por poder político e social. Uma das tarefas centrais da sociologia política é, precisamente, investigar as lutas e embates que desencadeiam a consolidação de constelações normativas específicas. Ora, em um cenário marcado pela multiplicidade de formas de sociabilidade moderna, essa tarefa se traduz no desafio de captar processos crescentemente não-lineares de institucionalização de direitos e deveres. Nesse sentido, vejo como um imperativo reforçar a idéia de que por mais sólidas e sedimentadas que possam parecer quaisquer constelações de sociabilidade e configurações de cidadania, ambas são sempre o resultado contingente de constantes lutas em torno de recursos políticos, simbólicos, econômicos e sociais escassos. Em tais conflitos, embatem-se projetos, demandas, visões de mundo e interesses - discursos, por assim dizer - os mais diversos que trazem em seu seio concepções díspares de sociabilidade e de normatividade. Defendo a idéia de que a institucionalização de cada uma dessas concepções se revela factível em maior ou menor grau na medida em que encontre ou não conjunturas políticas mais ou menos favoráveis. A relação entre as noções de discursos e oportunidades políticas me parece, pois, extremamente profícua diante do desafio de se trabalhar em direção a uma abordagem sensível ao dinamismo e variedade da normatividade moderna. O uso que faço da noção de discursos pressupõe a concepção da ordem social como um campo simbólico e discursivo (conforme sugerido em Ernesto Laclau e Chantal Mouffe), marcado pela inexistência de qualquer nível de realidade "em última instância" anterior ou posterior às práticas sociais de articulação34. Isso implica a idéia conforme a qual, ao lutarem e se articularem entre si, diferentes discursos se constituem tendo vista a conquista de hegemonia, que lhes permita então moldar a ordem social (e normativa, por conseguinte) "à sua imagem". Não existe, nesse sentido, sujeitos históricos fixos ou predeterminados que também não discursos anteriores àquelas práticas de articulação.

Deixe-me, agora, qualificar o enorme dinamismo da normatividade moderna. Por certo, é uma das premissas básicas da sociologia política a idéia de que embates em torno de recursos escassos (sejam eles políticos, simbólicos, econômicos e/ou sociais) se dão por meio de práticas, valores e instrumentos cognitivos sedimentados. A literatura sobre movimentos sociais é, nesse sentido, bastante esclarecedora: ainda que o objetivo seja a subversão parcial ou mesmo completa de uma dada ordem, movimentos sociais, organizações voluntárias, diferentes setores do aparelho do Estado, market-players, cidadãos individualmente considerados, entre outros, interagem entre si fazendo uso de um certo denominador comum, ou seja, códigos normativos, símbolos e instrumentos cognitivos compartilhados35. Ainda assim, que se salientar que os termos desse denominador comum não permanecem de forma alguma congelados no tempo e no espaço: eles são, sim, o resultado mais ou menos estável e duradouro de inesgotáveis lutas tendo em vista o controle da ordem social36. Ao disputarem entre si o controle de recursos simbólicos, políticos e materiais escassos, acabam, por conseguinte, moldando os termos, códigos e normas através dos quais aqueles mesmos conflitos se desenrolam. É justamente isso que dota a normatividade moderna de "positividade"37, traço central da auto-imagem das sociedades modernas38.

Ora, o complexo moderno da cidadania é, ele mesmo, um desses conjuntos de normas que se sedimentam ou não ao cabo de confrontos envolvendo uma ampla gama de diferentes atores sociais e políticos e seus projetos, demandas e interesses (isto é, seus discursos). Por um lado, todas as sociedades possuem órgãos e instituições que, ao monopolizar o uso legítimo dos meios de violência física, são responsáveis por fazer valer o cumprimento de tais direitos e deveres. Ao mesmo tempo, porém, a efetividade desses mesmos direitos e deveres depende de capilaridade na dinâmica social: para além da capacidade de aplicação da violência física, pura e simplesmente, pelos órgãos do aparelho do Estado, eles devem encontrar um certo grau de aceitação/lealdade não-forçada por aqueles aos quais se referem; devem, pois, ecoar, reverberar e responder (ainda que em graus variados e de maneiras assimétricas) os anseios, demandas, interesses, projetos e concepções de mundo de diferentes setores da sociedade. A questão é que, como bem sabemos, jamais uma perfeita justaposição entre uma dada configuração de cidadania e as diferentes expectativas dispersas pela ordem social. Daí a importância de se acentuarem os intermináveis embates em torno das constelações de direitos e deveres a fim de se identificar o tipo de normatividade que vigora em um determinado cenário.

Uma tal ênfase analítica refuta a noção de que tanto a formação como o funcionamento da cidadania encontram-se ancorados em um único locus social.

Rejeita, com isso, concepções que lidam com o complexo da cidadania como o resultado de uma certa "estratégia da(s) classe(s) dominante(s)", isto é, como fruto de avanços e tomadas de posições políticas, econômicas e militares de classes e grupos dominantes39. Conforme bem documentado por Somers40, demandas por diretos e deveres muitas vezes envolvem alianças que transcedem simples afiliações de classe. Igualmente, essa abordagem é também refratária a qualquer ênfase demasiada na dinâmica do Estado41; centrar-se no funcionamento do aparato estatal implica, como acentua Ann Mische, superestimar a dimensão legal-formal das demandas em detrimento de "exortações performáticas", de natureza muito mais informal, bastante comuns em lutas que se desenrolam em torno da definição e atribuição de direitos42.

São essas observações que me levam a enfatizar exatamente aquilo que Bryan Turner qualifica como sendo a "dimensão prática" da cidadania: [a] cidadania pode ser definida como um conjunto de práticas (jurídicas, políticas, econômicas e culturais) que define uma pessoa como um membro competente da sociedade, e que conseqüentemente molda o fluxo de recursos para pessoas e grupos sociais.43 Evita-se assim, como coloca Turner, as armadilhas de uma definição por demais atrelada ao funcionamento e lógica jurídica do Estado, que tende a lidar com a cidadania como uma mera coleção de direitos e obrigações. Nesse sentido, me parece também frutífera a proposta de Somers - tratar a cidadania como: um processo "instituído", ou seja, [...] como um conjunto de práticas sociais institucionalmente embutidas. Essas práticas são contingentes às e constituídas por redes de relações e idiomas políticos que acentuam pertencimento a direitos e deveres universais [...].44 Nessa mesma direção, proponho lidar com as várias possíveis configurações da cidadania moderna como o resultado de disputas envolvendo demandas, anseios, interesses, projetos sociais e interesses (conforme denominei, discursos, genericamente falando) que por vezes convergem, outras vezes divergem entre si, na busca de se institucionalizarem e de se transformarem em normas jurídicas. O ponto-chave passa a ser, então, a investigação das circunstâncias em que determinados discursos tornam-se capazes de prevalecer e, dessa maneira, de determinar os termos do pertencimento social e das disputas políticas. Tal abordagem afasta o perigo de vislumbrar configurações de cidadania como conseqüências quase que inexoráveis de traços históricos supostamente peculiares a certas sociedades (tais como sua pretensa "cultura política" ou ainda sua posição no campo internacional de disputas econômicas)45. Fosse esse o caso, faria sentido atribuir, a priori, constelações de direitos particulares única e exclusivamente à "periferia" e ao "centro". Bem sabemos, porém, dos riscos "essencializantes" que derivam daquelas investigações que se dedicam a descortinar traços históricos supostamente peculiares (sejam eles de cunho cultural ou econômico) para então determinar as ordens normativas que presumivelmente lhes corresponderiam. Ao contrário, cabe à sociologia política assumir desde o início o caráter indeterminado e contingente das disputas pela definição e institucionalização de direitos e deveres.

Essa ênfase no caráter contingente da construção do complexo da cidadania moderna requer, pois, que se preste especial atenção às circunstâncias que tornam determinados discursos mais aptos e capazes que seus pares a se institucionalizarem como normas jurídicas. A fim de proporcionar a fluidez conceitual que essa abordagem demanda, defendo a adoção de uma noção que ganhou espaço em uma certa vertente dos estudos de movimentos sociais, qual seja, a de oportunidades políticas 46. Ao pretender assinalar a existência de conjunturas especiais que tornam certas demandas, projetos e concepções de mundo mais aptos a ganhar proeminência na sociedade, essa noção tem o potencial de explicar uma gama maior de transformações normativas. Permite-nos perceber como determinados projetos, concepções de mundo, demandas e interesses dispersos e fragmentados conseguem aproximar-se e coalescer em busca de alvos comuns. Meu argumento é que esse movimento de convergência de discursos que guardam entre si um certo potencial de compatibilidade se deve precisamente à existência de cenários políticos favoráveis. Caso os portadores desses discursos consigam tirar proveito dessas circunstâncias favoráveis, podem vir a ganhar a consistência e força política necessárias para transformar uma dada ordem normativa estabelecida. Algumas elucidações adicionais se fazem necessárias.

No contexto intelectual ao qual me reportei acima, o argumento básico é o seguinte: "disputas políticas são alavancadas quando mudanças nas oportunidades e constrangimentos políticos criam incentivos para atores sociais que não possuem recursos próprios"47. Nessa linha, Sidney Tarrow define oportunidades políticas como dimensões consistentes da luta política - ainda que não necessariamente formais, permanentes ou racionais - que encorajam as pessoas a se engajar em disputas políticas. Constrangimentos políticos, por sua vez, são forças ótal qual repressão, além da capacidade das autoridades de apresentar frentesólida diante de insurgentes - que desencorajam disputas48.

De acordo com Tarrow, essas circunstâncias especiais, quando combinadas com a percepção dos custos da falta de ação, oferecem oportunidades ótimas para disputas políticas, que podem vir a desencadear até mesmo ciclos mais amplos e duradouros de disputas49. Uma importante implicação é que, quando essas oportunidades são efetivamente aproveitadas, "novos centros de poder - ainda que temporários e efêmeros - se desenvolvem, a ponto de convencer insurgentes de que eles estão realmente fazendo colapsar o antigo sistema"50. Quais seriam as origens dessas oportunidades? Seriam elas fruto de transformações de longo ou de curto alcance? Elas podem estar profundamente embutidas em instituições políticas consideravelmente estáveis (cujas transformações se dão de maneira vagarosa e gradual) tanto quanto podem emergir de transformações voláteis e passageiras (que aparecem e desaparecem num piscar de olhos). Podem também surgir de mudanças em instituições consistentemente formalizadas tanto quanto a partir de transformações que afetam disputas informais e não- institucionalizadas por poder51. Além disso, podem estar estreitamente vinculadas a grupos e/ou questões específicos ou mesmo centradas no próprio aparelho do Estado.

Para que essa noção ganhe viabilidade analítica na investigação de disputas em torno da ordem normativa de contextos específicos, é interessante ainda que se pense numa espécie de "índice de disponibilidade de oportunidades políticas" ou seja, de um conjunto de sinais que apontem para a existência de um contexto apto a investidas que tenham por objetivo transformações normativas (dentre as quais, direitos e deveres). Do ponto de vista dos atores sociais e políticos envolvidos, esses sinais indicam a abertura de janelas políticas para que possam tentar derrubar por completo ou modificar instituições (inclusive determinadas configurações de cidadania) existentes em favor de seus próprios projetos, demandas, visões de mundo e interesses (incluindo propostas de direitos e deveres); do ponto de vista do analista, aqueles indicadores apontam para as condições em que determinados discursos convergem entre si para derrubar ou transformar padrões existentes de sociabilidade e correspondentes arranjos normativos (dentre os quais configurações de cidadania). Para a codificação daquelas condições favoráveis em uma espécie de "índice de disponibilidade de oportunidades políticas", me remeto novamente a Sidney Tarrow, que sugere cinco aspectos em particular: 1. a abertura de acesso institucional e não-institucional à participação de novos atores; 2. a evidência de realinhamentos de poder no sistema político; 3. o aparecimento de aliados influentes; 4. a emergência de fissuras no interior de elites; e 5. o declínio da capacidade ou vontade do aparelho do Estado para reprimir dissenso52. Assim, em momentos de abertura de acesso institucional, de fissuras no interior de elites, quando, a um tempo, aliados tornam-se disponíveis e a capacidade de repressão do Estado declina, desafiantes encontram oportunidades para avançar suas demandas.53 Um último aspecto a ser considerado: teriam essas oportunidades grau de objetividade similar aos observadores externos tanto quanto aos atores sociais e políticos envolvidos nos "embates discursivos" a que me referi anteriormente? Haveria uma correspondência imediata entre a percepção do primeiro e dos segundos? Caberiam respostas afirmativas a essas duas perguntas apenas se os interesses de ambos fossem perfeitamente justapostos, o que definitivamente não é o caso. Por fim, vale lembrar que quaisquer que sejam aquelas oportunidades políticas, elas não possuem objetividade por si mesmas, que, como apontam Friedman e Benford, são em larga medida também o resultado de lutas em torno de seus significados enquanto tais. Caso essas oportunidades não sejam assim codificadas, não importa o quão poderosos possam ser os atores políticos e sociais potencialmente implicados, elas não terão qualquer efetividade54. Daí que, para que possam se institucionalizar (e dentre outras coisas, transformar demandas, interesses, visões de mundo e projetos em direitos e deveres), os discursos devem também traduzir oportunidades políticas em meios apropriados e efetivos para esses fins.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Procurei trazer à luz algumas experiências normativas contemporâneas, abordadas do ponto de vista do debate atual em torno da noção de modernidades múltiplas, com vistas a uma avaliação crítica das discussões no interior da sociologia política da cidadania moderna. Conforme argumentei ao final do artigo, vejo a combinação das noções de discurso e oportunidades políticas como uma espécie de antídoto contra abordagens "essencializantes" da construção da cidadania moderna. Em um momento em que a sociologia passa a atribuir à modernidade o status de tipo de sociabilidade tendencialmente global e multifacetado, mostram-se cada vez mais inadequadas análises que insistem em apelar para a pretensa existência de traços culturais e/ou econômicos supostamente responsáveis por aprisionar a dinâmica de uma determinada ordem social tanto quanto a configuração de sua ordem normativa. Não quero, com isso, defender a inexistência de elementos que respondam pela peculiaridade da sociabilidade moderna perante outros tipos de sociabilidade. Ao contrário, em vez de abandonar por completo as referências conceituais do "imaginário sociológico hegemônico da modernidade", procurei tão-somente ampliá-las e dissipar tendências "essencializantes" que porventura possam apresentar. Nesse exato sentido, uma vez mais vale dizer que a existência de variações normativas não implica a impossibilidade teórico-analítica de atribuir especificidades à normatividade moderna. Em vez disso, a abordagem que procurei discutir assume como sendo modernas as constelações de cidadania que se definem com base em princípios universalistas e gerais, resultantes da elaboração racional da sociedade (quaisquer que sejam os processos de tomada de decisão), e não em emanação de ordem divina ou sobrenatural. Mas, acima de tudo, tal abordagem procura enfatizar o caráter contingente e agonístico da construção da normatividade moderna.

[1] O autor agradece as valiosas críticas e sugestões do parecerista anônimo, incorporadas ao longo do artigo.

[2] Marshall, T. H. "Citizenship and social class". In: Marshall, T. H. e Bottomore, Tom. Citizenship and social class. Londres: Pluto Press, 1992 [1949- 1950] .

[3] Penso ser este o caso de um estudo clássico a respeito da construção da cidadania no Brasil, a saber: Santos, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1987. Pressuposto similar pode ser observado em trabalhos mais recentes, como, por exemplo, Carvalho, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001; Holston, James e Caldeira, Teresa. "Democracy, law, and violence: disjunctions of Brazilian citizenship". In: Aguero, Felipe e Stark, Jeffrey (eds.). Fault lines of democracy in post-transition Latin America. Florida: North-South Center Press, 1998, pp. 263-296.

[4] A noção de "globalização" como um fenômeno "contíguo à modernidade", tanto quanto "ao sistema capitalista mundial e ao sistema mundial de Estados-nações", pode ser encontrada de forma explícita em Kumar, Krishab e Makarova, Ekaterina.

"Interview with José Casanova". The Hedgehog Review, Verão, 2002, pp. 91-108; Featherstone, Mike, Lash, Scott e Robertson, Roland (eds.).

Global modernities. Londres: Sage Publications, 1995.

[5] Tavolaro, Sergio B. F. "Existe uma modernidade brasileira? Reflexões em torno de um dilema sociológico brasileiro". Revista Brasileira de Ciências Sociais, 59, out. 2005, pp. 5-22. Em outro trabalho, procurei mostrar a ancoragem do binômio centro-periferia no pensamento social brasileiro a partir da consideração crítica de duas de suas mais importantes linhas interpretativas, a saber, nossa "sociologia da dependência" (Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, F. H. Cardoso e O. Ianni) e nossa "sociologia da herança patriarcal-patrimonial" (G. Freyre, S. B. de Holanda, R. Faoro e R. da Matta). Ver Tavolaro, S. B. F. Citizenship and modernity in early 20th century Brazil: a sociological interpretation. Nova York: Ph.D. Dissertation, New School for Social Research, 2004.

[6] Restringir-me-ei aqui ao que Rogers W. Brubaker qualifica como cidadania substantiva (em contraposição à cidadania formal). Ao passo que Brubaker qualifica a dimensão formal como aquela que define os termos de "pertencimento a um Estado-nação", a dimensão substantiva se refere precisamente ao arranjo de direitos civis, políticos e sociais. Importante lembrar, conforme salienta o autor, que a primeira não é condição necessária à segunda: um determinado indivíduo ou grupo de indivíduos pode ter atributos de cidadania formal e, ao mesmo tempo, ser excluído (por lei ou em termos práticos) do gozo e/ou exercício de direitos civis, políticos e/ou sociais. Igualmente, casos em que não-membros de um determinado Estado-nação são legalmente aptos a gozar de certos direitos. Ver Brubaker, R. W. Citizenship and Nationhood in France and Germany. Cambridge: Harvard University Press, 1992; idem (ed.). Immigration and the politics of citizenship in Europe and North America.

Nova York: German Marshall Fund of the United States, 1989.

[7] Marshall, op. cit., p. 8.

[8] Conforme argumentei mais detidamente em Citizenship and modernity in early 20th century Brazil (op. cit.) uma determinada grade de conceitos e noções (isto é, uma certa episteme responsável por delimitar o campo cognitivo no interior do qual a experiência moderna é codificada, interpretada, explicada e analisada) que se consolidou desde o advento da sociologia como a mais influente maneira de se lidar com a modernidade. Em tal episteme, são três os principais pilares da sociabilidade moderna: 1. Diferenciação/Complexificação social; 2. Secularização da normatividade; 3. Separação entre o público e o privado. Algumas das figuras centrais desse "imaginário sociológico da modernidade" são exatamente Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber, Georg Simmel, além de alguns de seus herdeiros mais recentes, tais como Talcott Parsons, Niklas Luhmann e Jürgen Habermas.

[9] Ver, por exemplo, "A questão judaica", em que Marx desafia as promessas da Declaração dos Direitos Universais do Homem e do Cidadão (Marx, K. Early writings. Nova York: Vintage Book, 1975, pp. 211-241). Quanto às considerações de Durkheim a respeito da cidadania moderna, ver Durkheim, É.

Professional ethics and civil morals. Nova York: Routledge, 1996. Para algumas das considerações de Weber, ver "The city". In: Weber, M. Economy and society. Berkeley: University of California Press, vol. 2, 1978, pp. 1.212-1.372.

[10] Tavolaro, "Existe uma modernidade brasileira?", op. cit.

[11] Ver de Parsons, Talcott. The social system. Nova York: The Free Press, 1964; Societies: evolutionary and comparative perspectives.

Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1966; e The system of modern societies. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1971.

[12] Idem. The system of modern societies, op. cit., p. 18.

[13] Ibidem.

[14] Luhmann, Niklas. A sociological theory of law. Londres: Routledge & Keagan Paul, 1985.

[15] Habermas, Jürgen. Moral consciousness and communicative action. Cambridge: The MIT Press, 1996.

[16] Idem. The theory of communicative action. Boston: Beacon Press, 1989, vol.

2.

[17] Parsons afirma ter sido a Inglaterra a "primeira cristalização do sistema moderno", fundamentalmente por ter dado os primeiros passos mais consistentes em direção à tolerância e ao pluralismo religiosos, essenciais à autonomização da comunidade societal (integração social) em face da esfera cultural (valores) e, em seguida, do aparato estatal. Além disso, teria sido a Inglaterra o primeiro país em que a lei deixou de ser mero instrumento do governo para se tornar uma interface mediadora entre Estado e comunidade societal. Os Estados Unidos, contudo, teriam sido a sociedade em que a comunidade societal atingiu o mais alto grau de universalidade e diferenciação, em que o processo de generalização de valores alcançou patamar inigualável e, finalmente, em que o status de cidadania se autonomizou plenamente de atributos étnicos, religiosos ou de qualquer outra natureza. Os Estados Unidos seriam ainda o contexto em que o princípio de associação teria encontrado ambiente distintamente fértil para prosperar. Todas essas qualidades seriam favorecidas pela revolução educacional em curso naquela sociedade e seus efeitos democratizadores (Parsons. Societies: evolutionary and comparative perspectives, op. cit.; idem. The system of modern societies, op. cit.).

[18] Turner, Bryan. "Contemporary problems in the theory of citizenship". In: Turner, B. (ed.). Citizenship and social theory. Londres: Sage Publications, 1993, pp. 1-18.

[19] Ver Gohn, Maria da Glória. Os Sem-Terra, ONGs e cidadania. São Paulo: Editora Cortez, 1997.

[20] Conforme as autoras, "a exclusão de mulheres casadas do universo dos direitos civis não foi mero vestígio arcaico destinado a desaparecer ao longo da evolução da cidadania". Foi, sim, a outra face da moeda da moderna cidadania civil, aspecto que inclusive lhe possibilitava a existência. Ver Fraser, Nancy e Gordon, Linda. "Civil citizenship against social citizenship? On the ideology of contract-versus-charity". In: Steenbergen, Bart van (ed.). The condition of citizenship. Londres: Sage Publications, 1994, pp. 90-107.

[21] Gorjanicyn, Katrina. "Citizenship and culture in contemporary France: extreme right interventions". In: Vandenberg, Andrew (ed.). Citizenship and democracy in a Global Era. Londres: MacMillan Press, 2000, pp. 138-155, para quem a teoria de Marshall "era baseada na premissa de que as sociedades modernas são etnicamente e culturalmente homogêneas" (p.

140).

[22] Bottomore, T. "Citizenship and social class, forty years on". In: Marshall e Bottomore, op. cit., 1992, p. 69. Para Bottomore, em contradição com alguns de seus propósitos centrais, a cidadania social teria alimentado e criado novos tipos de hierarquia, além de ter aprofundado o problema da centralização de poder, de tal forma a impedir o tratamento eficiente da desigualdade.

[23] De acordo com Michael Mann, "A durabilidade de regimes de estratégia [de construção de cidadania] tem menos a ver com a superioridade de sua eficiência interna do que com a geopolítica - e especialmente com vitórias em guerras mundiais" (p. 128). Mann, Michael. "Ruling class strategies and citizenship".

In: Bulmer, Martin e Rees, Anthony M. (eds.). Citizenship today: the contemporary relevance of T. H. Marshall. Londres: UCL Press, 1996, pp. 125- 144.

[24] Somers, Margaret. "Citizenship and the place of the public sphere: law, community, and political culture in the transition to democracy". American Sociological Review, vol. 58, out. 1993, pp. 587-620. Em investigação que cobre a Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, Somers argumenta que "Os contextos locais de processos legais [...] geraram culturas políticas e legais diferentes, que acabaram por produzir diferentes padrões de cidadania em diferentes comunidades". (p. 605). Nesse sentido, nas "regiões aráveis, a participação [política] era monopolizada por proprietários rurais, que faziam valer seus interesses privados através do poder de instituições públicas jurídicas. Comunidades de trabalhadores com pouca ou nenhuma autonomia não conseguiam tirar vantagem de direitos de participação pública, sendo que, a despeito da liberdade legal proporcionada pela lei pública, eram continuamente subordinados através de processos legais. Em regiões industriais pastorais/ rurais, em contraste, [...] enquanto participante ativos na esfera pública, comunidades de trabalhadores foram capazes de evitar que fontes privadas de poder - de proprietários rurais e mercadores capitalistas - explorassem instituições públicas legais na medida em que apropriaram-se de leis para fortificar sua própria independência" (p. 605).

[25] Ver críticas de Krieken, Robert van. "Citizenship and democracy in Germany: implications for understanding globalisation". In: Vandenberg (ed.), op. cit., pp. 123-137.

[26] Ver Al-Azmeh, Aziz. Islam and modernities. Londres: Verso, 1996; Alexander, Jeffrey. "Modern, anti, post, and neo: how intellectuals have coded, narrated and explained the 'New world of our time'". In: Alexander, Jeffrey. Fin de siècle social theory. Londres: Verso, 1995; Berger, Peter e Huntington, Samuel. Many globalizations. Nova York: Oxford University Press, 2002; Eisenstadt, S. N. "Multiple modernities". Daedalus, vol. 129, no 1, 2000, pp. 1-29; Featherstone, Michael, Lash, Scott e Robertson, Roland (eds.). Global modernities. Londres: Sage, 1995; Hannerz, Ulf. Transnational connections: culture, people, places. Londres: Routledge, 1996; Knobl, Wolfgang. "The never ending story of modernization theory".

In: Delanty, G. e Isin, E. (eds.). Handbook for historical sociology. Londres: Sage, 2003; Wittrock, Björn. "Modernity: one, none, or many? European origins and modernity as a global condition". Daedalus, vol. 129, no 1, 2000, pp. 31-60.

[27] Eisenstadt, op. cit., p. 1.

[28] Tavolaro, "Existe uma modernidade brasileira?", op. cit.

[29] Tomo por referência o supracitado estudo de Mann ("Ruling class strategies and citizenship", op. cit.) sobre as cinco diferentes estratégias de construção da cidadania: a liberal, a reformista, a monárquica, a autoritária-socialista e a fascista. Ver também Tiryakian, Edward A. "Dialectics of modernity: reenchantment and differentiation counterprocesses". In: Haferkamp, Hans e Smelser, Neil (eds.). Social change and modernity. Berkeley: University of California Press, 1992.

[30] A esse aspecto em particular, minha referência é o trabalho de José Casanova em torno dos papéis públicos e privados de organizações e concepções de mundo religiosas em diversas formações sociais contemporâneas. Ver Casanova, José. Public religions in the modern world. Chicago: The University of Chicago Press, 1994.

[31] Por fim, apoio-me no estudo de Bryan Turner em relação às diferentes definições e papéis desses dois domínios na dinâmica social moderna. Ver Turner, B. "Outline of a theory of citizenship". Sociology, vol. 24, no 2, 1990, pp. 189-217.

[32] Além da bibliografia listada nas notas anteriores, me baseio aqui nos seguintes trabalhos: Finn, John E. Constitutions in crisis: political violence and the rule of law. Nova York: Oxford University Press, 1991; Kalberg, Stephen. "Cultural foundations of modern citizenship". In: Turner (ed.), op. cit., pp. 91-114; Hughey, Michael W. "The political covenant: Protestant foundations of the American State". State, Culture & Society, vol. 1, 1984, pp. 113-155; Johnston, Hank. "New social movements and old regional nationalisms". In: Laraña, Enrique e outros (eds.).

New social movements: from ideology to identity. Filadelphia: Temple University Press, 1992, pp. 267-286; Verral, Derrek. "Russia: withdrawal to the private sphere". In: Vandenberg (ed.), op. cit., pp. 188-201; Agh, Atilla. "Citizenship and civil society in Central Europe". In: Steenbergen (ed.), op. cit., pp. 108-126.

[33] O trabalho de Gianfranco Poggi, The development of the Modern State: a sociological introduction (Stanford: Stanford University Press, 1978), permanece referência importante para se contrastar a ordem normativa moderna com contextos normativos ocidentais pré-modernos.

[34] Laclau, Ernesto e Mouffe, Chantal. Hegemony and Socialist Strategy.

Londres: Verso, 2001; Laclau, E. Emancipation(s). Londres: Verso, 1996.

[35] Ver Traugott, Mark. "Recurrent pattern of collective action". In: Traugott, M. (ed.). Repertoire & cycles of collective action. Durham: Duke University Press, 1995, pp. 1-14. Ver também Tilly, Louise e Tilly, Charles (eds.). Class conflict and collective action. Beverly Hills: Sage Publications, 1981.

[36] Para uma ênfase na dimensão simbólica dos conflitos sociais e politicos, ver Lee, Orville. "Culture and democratic theory: toward a theory of symbolic democracy". Constellations, vol. 5, no 4, 1998, pp. 422-455.

Para uma consideração da dimensão cognitiva de tais conflitos, ver Snow, David e Benford, Robert. "Master frames and cycles of protest". In: Morris, Aldon e Mueller, Carol McClurg (eds.). Frontiers in social movement theory. New Haven: Yale University Press, 1992, pp. 133-155.

[37] Luhmann, op. cit.

[38] Sobre a qualidade reflexiva da sociedade civil na modernidade, ver Cohen, Jean e Arato, Andrew. Civil society and political theory. Cambridge: The MIT Press, 1992; e Habermas, J. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy. Cambridge: The MIT Press, 1999.

[39] Essa é a perspectiva adotada, por exemplo, por Mann (op. cit.), para quem um tal conjunto restrito de atores foi capaz de determinar os termos das conflitos sociais na transição para a modernidade.

[40] Somers, op. cit.

[41] Esse, por sua vez, é o caso de Charles Tilly, cujos trabalhos enfatizam sobremaneira a noção da cidadania como "um elo que gera obrigações mútuas entre o Estado e pessoas". Ver Tilly, C. "The emergence of citizenship in France and elsewhere". In: Tilly, C. (ed.). Citizenship, identity and social history.

Cambridge: Cambridge University Press, 1995, pp. 223-236. Ver também: idem. "Citizenship, identity and social history". In: idem, pp. 1-17.

[42] Mische, Ann. "Projecting democracy: the formation of citizenship across youth networks in Brazil". In: Tilly (ed.), op. cit., pp. 131-158, p. 139.

[43] Turner, "Contemporary problems in the theory of citizenship", op. cit., p.

2.

[44] Somers, op. cit., p. 589. Tais aspectos são também encontrados no trabalho de Karen Slawner, para quem "a cidadania é um terreno indeterminado ('unsettled ') de práticas, onde a história de poder e dominação continua a assombrar o presente, onde tradição e identidade são vitais, e onde a revisão é sempre possível, que disputas jamais são tratadas como [plenamente] definidas ('settled')". Ver Slawner, Karen. "Uncivil society: liberalism, hermeneutics, and 'good citizenship' ". In: Slawner, Karen e Denham, Mark (eds.). Citizenship after liberalism. Nova York: Peter Lang, 1995, pp. 81-101.

[45] Dois estudos clássicos que marcaram época e que ajudaram a formatar o campo da sociologia política nessa direção são: Moore Jr., Barrington. Social origins of dictatorship and democracy: lord and peasant in the making of the modern world. Boston: Beacon Press, 1967; Bendix, Reinhardt.

Nation-building & Citizenship: studies of our changing social order. New Brunswick: Transaction Publishers, 1964.

[46] Para uma esclarecedora reconstrução do contexto intelectual dessa noção, ver McAdam, Doug, McCarthy, John e Zald, Mayer. "Social movements". In: Smelser, Neil J. (ed.). Handbook of sociology. Londres: Sage Publications, 1988, pp. 695-737; Morris e Mueller (eds.), op. cit.; Traugott, op. cit.; McAdam, D., McCarthy, J. e Zald, M. (ed.). Comparative Perspectives on social movements: political opportunities, mobilizing structures, and cultural framings. Cambridge: Cambridge University Press, 1996; Tarrow, S.. Power in movement: social movements and contentious politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

[47] Tarrow, op. cit., p. 2.

[48] Ibidem, pp. 19-20. Em outro trabalho, Sidney Tarrow argumentou que seu "conceito de oportunidade política enfatiza não somente estruturas formais como instituições estatais, mas também estruturas de conflitos e de alianças que proporcionam recursos e suprimem constrangimentos externos aos grupos.

Diferentemente de dinheiro e poder, isso abre a possibilidade para que mesmo desafiantes fracos e desorganizados possam tirar vantagem de oportunidades criadas por outros para se organizar contra oponentes perigosos. Inversamente, à medida que as oportunidades se estreitam, mesmo os fortes se enfraquecem".

Tarrow, Sidney. "States and opportunities: the political structuring of social movements". In: McAdam, D., McCarthy, J. e Zald, M. (eds.), op. cit., pp. 41- 61, p. 54.

[49] Por "ciclo de disputas ['cycle of contention']", Tarrow quer significar "uma fase de acentuado conflito atravessando o sistema social: a partir de uma rápida difusão de ação coletiva de setores mais mobilizados para setores menos mobilizados; de um rápido ritmo de inovação nas formas de disputa; da criação de novas ou transformação de antigas referências de ação; da combinação de participações organizadas e desorganizadas, e seqüências de fluxos intensificados de informação e interação entre desafiantes e autoridades, tais disputas generalizadas produzem externalidades que dão aos desafiantes vantagens ao menos temporárias, permitindo a eles superar fraquezas em sua base de recursos" (Tarrow, op. cit., p. 142).

[50] Tarrow, op. cit., p. 146. De maneira similar, McAdam, McCarthy e Zald definem oportunidades políticas como "mudanças na estrutura institutional ou informal de relações de poder de um dado sistema político nacional" ("Introduction: opportunities, mobilizing structures, and framing processes - towards a synthetic, comparative perspective in social movements". In: McAdam, McCarthy e Zald (eds.), op. cit., pp. 1-20, p. 3.

[51] Gamson, William e Meyer, David. "Framing political opportunity". In: McAdam, McCarthy e Zald, (eds.), op. cit., pp. 275-290.

[52] McAdam (Comparative perspectives on social movements, op. cit.) sugere um conjunto de indicadores semelhante: 1. a relativa abertura ou fechamento do sistema político institucional; 2. a estabilidade ou instabilidade de alinhamentos de elites poderosas; 3. a presença ou ausência de aliados de elite; 4. a capacidade ou propensão do Estado para a repressão.

[53] Tarrow, op. cit., p. 72.

[54] Friedman, Debra e Benford, Robert D. "Master frames and cycles of protest". In: Morris e Mueller (eds.), op. cit., pp. 133-155.


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